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Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização CONCEITO Chamamos de Relações Internacionais o estudo sistemático das relações políticas, econômicas e sociais entre diferentes países. Essa sistematização de estudos, com a consequente elaboração de teorias, se iniciou após a Primeira Guerra Mundial, aperfeiçoando-se após a Segunda Guerra Mundial, em especial, nos Estados Unidos da América. Os países são os sujeitos que se relacionam entre si. Assim como acontece com os indivíduos, esse relacionamento se estende por áreas diversas. No caso das relações internacionais: política, economia, cultura, defesa, saúde, ciência e tecnologia, comunicações, transportes, desenvolvimento, direitos humanos, educação, esporte, meio ambiente, energia etc. Essas relações entre diferentes países resultam desdobramentos que podem gerar efeitos além dos países envolvidos diretamente. Embora as relações internacionais aconteçam em um contexto extenso, elas são muito similares, em diversos aspectos, às relações entre as pessoas. PRESSUPOSTOS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Para que as relações internacionais aconteçam, partimos de alguns pressupostos. O primeiro deles é a existência de partes aptas a manterem relações internacionais entre si, os sujeitos de direito, que, nesse caso, são os Estados Nacionais (que corresponde à noção popular de países), além de Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização organizações internacionais. Esses Estados Nacionais devem ser autônomos entre si e gozar de soberania, outros pressupostos das relações internacionais. O ESTADO E SEUS ARRANJOS Os Estados Nacionais, ou simplesmente Estados, são o fruto de uma evolução histórica da humanidade na forma em que os povos se organizam. Esse termo passou a ser usado com essa significação a partir do século XV. Refere-se à forma de organização política dos países, às nações politicamente organizadas. Nessa acepção, o Estado é formado por três elementos básicos: povo, território e poder. Povo é o conjunto de indivíduos que falam a mesma língua, têm costumes e hábitos idênticos, afinidade de interesses, história e tradições comuns. Território é a base geográfica sobre a qual um Estado exerce sua soberania (solo, rios, lagos, mares interiores, águas adjacentes até 22 km do litoral, golfos, baías e portos, espaço aéreo até 100 km de altitude e navios de guerra). Poder se refere à organização administrativa de um povo em seu território, exercendo sua soberania, de acordo com suas opções políticas (forma, regime e sistema de governo). Desse modo, a maior figura de autoridade que se reconhece hoje é o Estado. Não haveria nada acima dele. De acordo com a organização político-administrativa de um povo haverá as figuras de representação do poder, que assumem a competência (no sentido Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização de poder para a prática de determinado ato) para elaborar o direito daquele povo e fazê-lo cumprir em seu território. Na atualidade, a maioria dos Estados se organiza em uma das formas, regimes e sistemas abaixo: FORMAS REGIMES SISTEMAS ABSOLUTA ESTAMENTAL MONARQUIA LIMITADA CONSTITUCIONAL PARLAMENTAR ARISTOCRÁTICA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA PRESIDENCIALISTA PARLAMENTARISTA AUTORITÁRIA TOTALITÁRIA A monarquia é a forma de governo que tem, via de regra, como características básicas a autoridade centrada em uma única pessoa, a vitaliciedade do poder em que essa pessoa está investida e a hereditariedade na sucessão de pessoas investidas no poder. Essas características estão mais presentes na monarquia absoluta, em que todo o poder se concentra nas mãos de uma única pessoa, que exerce todas as funções do Estado: é o legislador, o administrador e o julgador. Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização A monarquia limitada se subdivide nos sistemas estamental, constitucional ou parlamentar. A monarquia estamental foi usada na época feudal, quando o monarca dividia seu poder, em alguma de suas funções, com potentados ou membros da nobreza, como a cobrança de impostos, p.e.. Na monarquia constitucional, o monarca exerce a função executiva, de modo vitalício, nos limites da Constituição, havendo um legislativo e um judiciário. Esse foi o tipo de monarquia que tivemos no Brasil. A monarquia parlamentar é caracterizada pelo fato do monarca não exercer funções de governo, de administração do país. A função executiva é centralizada num primeiro-ministro ou chanceler, mantidos autônomos o legislativo (parlamento) e o judiciário. O monarca exerce um poder moderador, também designado por prerrogativa real, de influência moral sobre o povo e o governo, que só é utilizado em casos específicos, em funções protocolares, cerimoniais e representação diplomática ou, mais abrangentes, como a convocação de eleições em caso de dissolução do parlamento. As reais funções desse poder são variáveis de país para país. A república aristocrática deixou de ser utilizada a partir da Idade Média. Era o governo exercido por determinada classe privilegiada, em razão de direitos de nascimento ou conquista. Na república democrática, os membros do executivo e do legislativo são eleitos pelo povo para exercer suas funções por tempo determinado, em processo eleitoral direto ou indireto, podendo adotar o sistema presidencialista (presidente é chefe de governo e chefe de estado, com rígida separação entre os poderes executivo, legislativo e judiciário) ou parlamentarista (chefia de governo e chefia de estado em duas figuras distintas; executivo precisa da sustentação do legislativo para se formar e governar). República autoritária seria a popular ditadura, geralmente, apoiada em força militar, em que o grupo dominante quer garantir a sua manutenção no Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização poder. Normalmente, os membros do legislativo são designados por processos autocráticos. Na república totalitária, os direitos fundamentais do cidadão subordinam- se ao interesse do Estado, cujo poder encontra-se preponderantemente no executivo, centralizado numa figura única de poder, acima dos demais, quando existem. Normalmente se apoia em força militar e há um nível rigoroso de censura e policiamento ideológico. Na atualidade, a maioria dos Estados adota regimes democráticos de governo, seja como república ou como monarquia, embora ainda existam muitos Estados autoritários ou totalitaristas. A comunidade internacional tem, gradualmente, sinalizado a preferência por regimes democráticos. Nos Estados democráticos, normalmente, a organização se dá em uma estrutura que separa as suas funções: legislativa, executiva e judiciária. Assim, cada poder de Estado tem sua função típica. A competência do legislativo é, genericamente, formular leis; a do executivo é governar e administrar os interesses do país, de acordo com as leis; e a do judiciário é resolver os conflitos de interesse entre particulares e entre entes do Estado e particulares, de acordo com as leis. A representação do Estado perante os seus pares e as organizações internacionais está com o Chefe de Estado. A SOBERANIA Portanto, já há vários séculos, se reconhece que um povo, fixado num território, com uma organização política tem soberania, ou seja, poder absolutode autodeterminação, que não reconhece poder concorrente (internamente) ou Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização superior (externamente). Todo Estado é soberano para estabelecer o direito dentro de seu território. Nos regimes democráticos, esse poder de autorregulação se dá com base no interesse da nação: o governo é mandatário do povo e deve exercer a soberania em seu nome. Assim, a todo Estado (Povo+Território+Poder) se reconhece, modernamente, soberania. Os Estados, independentemente do número de habitantes, de sua extensão territorial ou de sua opção de organização política, são considerados iguais nas relações internacionais. Teoricamente, um Estado de pequeno território e baixa população teria o mesmo peso nas relações com seus pares, pelo fato de ser Estado, assim como todo ser humano tem direitos básicos apenas pelo fato de ser humano. Cada pessoa natural é também um centro de poder soberano sobre sua própria existência. Dependendo do regime adotado pelo Estado em que vive, esse poder individual é maior (em regimes mais liberais) ou menor (em regimes mais centralizados). A dimensão interna da soberania se justifica no interesse de organizar a vida comunitária de determinada sociedade, tornando viável a coexistência de pessoas em determinado espaço físico. Internamente, se o Estado não fosse dotado de soberania, não teria autoridade para estabelecer leis e normas de conduta para a harmonia social. Nesse aspecto, representa o poder supremo dentro de seu território. A dimensão externa da soberania é explicada no reconhecimento mútuo de autodeterminação, na representação dos interesses internos perante outros Estados, pressupondo igualdade entre os integrantes da ordem internacional, com respeito recíproco e abstenção de interferências uns nos outros. Nesse aspecto, representa o poder independente dos demais Estados. Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização Para tanto, foi preciso que a ideia de Estado evoluísse para sua concepção como sujeito de direito, do que falaremos mais adiante. No entanto, embora se reconheça soberania aos Estados Nacionais, pressupõe-se a existência de uma ordem internacional, em razão da necessidade dos países relacionarem-se uns com os outros. Essas relações se dão sob diversos aspectos, como mencionado. E, do mesmo modo que o ser humano com poder de autodeterminação de sua vida tem de abrir mão de certa parcela de sua soberania pessoal para relacionar-se com outros seres humanos (na família, na escola, nas entidades religiosas, no trabalho, no trânsito, na política, na sociedade...), os Estados acabam por reconhecer, de maneira recíproca, determinados arranjos internacionais, passando a adotá-los, em nome de relacionar-se internacionalmente, numa convivência harmoniosa e pacífica. Por isso, os Estados mantêm estruturas diplomáticas com o objetivo de relacionarem-se, defendendo seus interesses internos perante os demais. Nesse contexto, embora, teoricamente, todo Estado tenha o mesmo valor na ordem mundial, que lhes reconhece igualdade, o fato é que alguns países conseguem ter mais destaque e peso para suas decisões, detendo, portanto, mais poder de influência, geral ou setorial, podendo chegar até o status de potência mundial. A relação que, na teoria, é estritamente equilibrada, na prática não encontra essa mesma estabilidade. Na vida dos Estados também há fortes e fracos e isso dependerá da situação a ser enfrentada e dos elementos de troca que os Estados detenham. Portanto, o aspecto jurídico de soberania, que é, de certa forma, estático, é constantemente desafiado pelo cotidiano de situações práticas em que os Estados estão envolvidos e seus interesses internos, que acabam, Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização muitas vezes, determinando certa dose de renúncia de soberania para que possa obter tais interesses. Do ponto de vista prático, a soberania é mais flexível. Quando um Estado, espontaneamente, decide assinar um acordo ou tratado internacional para reconhecê-lo como lei dentro de seu próprio território, embora não tenha sido produzido pelo legislativo local, exerce sua soberania nessa decisão, flexibilizando-a: de maneira voluntária, abre mão de seu poder supremo de autodeterminação em nome de harmonizar seus interesses com os demais. Há, portanto, outros fatores de maior peso, como a economia, especialmente, a política, fatores religiosos etc., do que a ideia jurídica de soberania a dirigir o curso da vida dos Estados na atualidade. Hoje as ideias de soberania e interdependência devem ser trabalhadas em conjunto. BREVE NOÇÃO HISTÓRICA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Entre as possibilidades de divisão de épocas históricas aceitas, trabalharemos com a que divide a história humana da seguinte maneira: • PRÉ-HISTÓRIA – surgimento do homem até 4000 a.C. (surgimento da escrita) • ANTIGUIDADE – até 476 d.C. (queda do Império Romano do Ocidente) • IDADE MÉDIA – até 1453 (queda de Constantinopla – Império Bizantino, Império Romano do Oriente) Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização • IDADE MODERNA – até 1789 (Revolução Francesa) • IDADE CONTEMPORÂNEA – desde 1789 Muitos estudiosos entendem que o marco inicial nas Relações Internacionais se deu apenas na Idade Média, com a Paz de Westfália, em 1648. Em que pese esse posicionamento bastante abalizado, consideramos que a história das relações internacionais se inicia muito antes, já na Antiguidade, por entendermos que, na Idade Média, o que ocorreu foi a fixação de alguns elementos que permitiram o incremento e a sistematização das relações internacionais. Se compreendermos que o adjetivo internacional - que usamos apenas a partir da Idade Moderna - se refere às relações entre povos (daí que o direito internacional foi, por muito tempo, conhecido como direito das gentes), fica fácil identificar que os povos, nos seus mais diversos e sucessivos arranjos de organização, sempre mantiveram relações entre si. Relações essas, no princípio, nem sempre pacíficas. Ao contrário. Na Antiguidade, devido à grande diversidade e pluralidade de povos e à ausência de definições territoriais mais seguras e estáveis, era bastante comum que as relações se dessem por dominação militar. Os panoramas político e geográfico se alteravam rapidamente com o desejo de poder dos soberanos da época. Não existiam definições sequer dos povos, muitas vezes. As conquistas bélicas subjugavam populações e territórios eram anexados pelos vencedores, até que eles mesmos fossem derrotados em batalhas. Na época, existiam muitas cidades-Estado. Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização Quando mencionamos a Antiguidade, nos referimos às primeiras civilizações de que temos notícia, ou seja, especialmente na Mesopotâmia, mas, também, norte da África e sul da Europa, áreas com proximidade territorial. Em que pese o fato de as relações entre os povos naquela época serem mais belicosas do que cooperativas, data da XVIII dinastia egípcia (por volta de 1400-1300, a.C.), especialmente, durante os reinados dos Faraós Amenhotep III e Amenhotep IV (Akenaton), grande número de cartas de conteúdo diplomático, em que os Faraós se correspondiam com seus representantes ou governantes de outras partes como Assíria, Anatólia, Babilônia, Canaã, Chipre, Mitanni, Núbia, Síria.Foram descobertas, aproximadamente 400 tabuletas de argila, de escrita cuneiforme, em acadiano, o idioma diplomático da época, conhecidas como Cartas de Amarna ou El Amarna. Não há surpresa nisso, em razão do Egito antigo já experimentar grande apuro nos procedimentos administrativos, desde 3000 a.C., com sua unificação política e ter sido uma grande potência na Antiguidade, de larga extensão terrritorial. O termo diplomacia, aliás, utilizado até os dias atuais, tem estreita ligação com essa prática dos governantes, desde a Idade Antiga, de enviarem representantes para falar em seu nome. Para que o emissário enviado tivesse credibilidade, o governante lhe entregava credenciais escritas, que eram apresentadas ao governante junto a quem deveria exercer a representação, para comprovar que falava em nome do soberano de seu país. Diplomacia vem de diploma, que, no grego, designava um pedaço de papel dobrado ao meio, e, em latim, permissão escrita, documento oficial. Caminhando para a Idade Média, é preciso lembrar que os centros de poder se difundem para Europa nesse momento histórico. Ainda não temos Estados organizados como o conhecemos hoje e as disputas por poções de Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização terra são constantes, com invasões e alternância nas configurações territoriais e de domínio. Começam a surgir as alianças entre potentados da região, buscando segurança mútua, em arranjos feudais, geralmente para combater inimigos comuns. Data dessa época, também, o fortalecimento da igreja católica, que incentivou a realização das Cruzadas, com, pelo menos quatro edições, estendendo-se ao longo de quase trezentos anos (1096-1270). As Cruzadas foram expedições militares com o objetivo de resgatar o acesso de cristãos a Jerusalém, local para eles sagrado - a chamada Terra Santa – impedido pelo domínio mulçumano. Mas, sua importância histórica transcende esse fato, pois acabaram sendo um elemento de integração entre povos e culturas do ocidente e do oriente, expansão de mercados, domínio territorial. Foi uma época de intensos conflitos tanto na Europa como no Oriente Médio. Ainda na Idade Média, os contornos atuais das relações internacionais foram se fixando. Em 1648, foram firmados os tratados que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos, o que ficou conhecido como a Paz de Westfália. Além de encerrar o conflito religioso entre Holanda e Espanha, também encerrou o conflito entre Alemanha, França e Suécia e, por fim, o conflito entre Espanha e França (1659). Também se reconheceu legalmente a liberdade religiosa, algumas alterações territoriais e, pela primeira vez, a concepção de Estado- Nação e a correspondente soberania de cada um. A partir da Paz de Westfália, os conflitos passaram a ter motivações mais políticas do que religiosas, reforçando as monarquias europeias. Por isso esse é um marco nas relações internacionais. Esses tratados foram negociados durante três anos, entre católicos e protestantes. Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização Na Idade Moderna, surge o termo internacional. Ele foi usado pelo jusfilósofo Jeremias Benthan (1789) para qualificar o direito que deveria reger as relações entre as nações, em substituição à expressão corrente direito das gentes. Assim, internacional vinha com a significação daquilo que ocorria entre nações (povos). Nessa época, também, se consolida a ideia de Estado tal como a conhecemos hoje, já disseminada por Nicolau Maquiavel desde início dos anos 1500 e reconhecida em Westfália. Nesse período, o mundo sofre grande transformação em razão dos descobrimentos e da consequente expansão colonialista, dos séculos XV e XVI. Tendo Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda e França dominado os recursos e conhecimentos marítimos que permitiram as grandes navegações, considerando que o fortalecimento das economias de tais países se baseava na obtenção de metais preciosos, que costumavam ser trazidos do oriente e que essa rota comercial estava obstaculizada no Oriente Médio, em razão de suas próprias instabilidades políticas, foi necessário buscar rotas alternativas. Com isso, tem início a série dos descobrimentos das Américas pelas potências europeias e sua colonização – não exclusivamente, mas preponderantemente, pela importância geo-política que tiveram na história mundial. Pela primeira vez na história foi possível o desenho de um mapa-múndi completo. A reconquista da Península Ibérica com a retomada de Granada fortaleceu o catolicismo, incentivando-lhe um movimento expansionista, aliado aos governos de Portugal e Espanha. Com a expansão colonialista, os países europeus fortaleceram-se economicamente, aumentando seus domínios territoriais e mercados, com mão- de-obra barata obtida com o tráfico de pessoas para a escravidão, as pesquisas científicas foram ampliadas, novos produtos, plantas e animais foram intercambiados entre a Europa e as colônias, assim como diversas doenças. A Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização Idade Moderna foi uma época de grandes transformações tanto para os países, como para as pessoas. Marcando o início da Idade Contemporânea, acontece a Revolução Francesa, bem como a Independência dos Estados Unidos da América, fatos marcantes em razão dos novos valores filosóficos que difundem e influenciam toda a história do ocidente. Porém, contemporaneamente, dois acontecimentos principais ocorridos no século XX, foram muito significativos para o aperfeiçoamento das relações internacionais: As duas Grandes Guerras. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) eclodiu num ambiente de grande insatisfação e descontentamento, em especial, da Alemanha e Itália, com a exploração colonialista de outros países da Europa, que ganharam riquezas e mercados, pois havia uma forte concorrência comercial em curso e os conflitos e desacordos eram constantes, com grande rivalidade. Havia um clima de tensão e os países europeus buscavam, rapidamente, robustecer seus recursos bélicos. Nesse contexto, o assassinato do príncipe do Império Austro-Húngaro, Francisco Ferdinando, durante uma visita a Saravejo (Bósnia-Herzegovina) fez com que o Império Austro-Húngaro declarasse guerra à Sérvia em 28 de julho de 1914. Os países europeus mantinham alianças e se envolveram na guerra. De um lado, havia a Tríplice Aliança (Alemanha, Itália e Império Austro- Húngaro), também denominada Impérios Centrais e de outro, a Tríplice Entente (França, Reino Unido e Rússia), também conhecida como Aliados. A Itália, no entanto, lutou ao lado dos Aliados. Inovações tecnológicas foram usadas para combate, como os tanques e o avião. Em 1917, os Estados Unidos da América entram no conflito, ao lado da Tríplice Entente, o que é determinante para a vitória desses países. Os países da Tríplice Aliança se veem forçados a assinar a rendição, em 11 de novembro de 1918, impondo severas perdas, em especial, à Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização Alemanha. Estima-se que dez milhões de pessoas tenham morrido nessa guerra e trinta milhões tenham se ferido, além da grande devastação de campos e cidades. Depois da Primeira Guerra, a humanidade estava severamente impactada com os efeitos da guerra em escala mundial, a destruição, a perda de vidas humanas, a devastação econômica. Alguns países desapareceram e o mapa da Europa se alterou significativamente. Como consequência, na tentativa de evitarem-senovos conflitos bélicos dessa grandeza, foi firmado o Tratado de Versalhes (1919), no qual se criou a Liga ou Sociedade das Nações, que, por sua vez, instituiu o Tribunal Permanente de Justiça Internacional, em 1921, encarregado de conhecer e solucionar conflitos entre Estados. A ideia era dotar a ordem internacional de mecanismos que evitassem que um acontecimento da dimensão de uma Guerra Mundial se repetisse. Em que pese tais esforços e avanços, em 1939 é deflagrada a Segunda Guerra Mundial, que se estenderia até 1945. Existe um consenso em reconhecer que as condições impostas à Alemanha no Tratado de Versalhes acabaram por germinar o novo conflito: perda de territórios e colônias, redução de seu exército e o ressarcimento financeiro dos países vencedores, fixado em trinta e três milhões de dólares. O Tratado teve grande impacto moral no povo alemão e foi determinante na queda do governo (República de Weimar) e ascensão do nazismo ao poder. No dia 1º de setembro de 1939, forças alemãs invadem a Polônia, causando forte reação da França e da Inglaterra, que lhe declaram guerra. Nesse conflito, polarizaram-se dois grupos: O Eixo, composto por Alemanha, Itália e Japão e os Aliados, com Inglaterra, França, Estados Unidos e URSS. O final e os efeitos da Segunda Guerra foram ainda mais dramáticos e traumáticos, em razão de sua extensão, do nível de destruição das cidades e Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização campos, do componente racista do holocausto nazista, das dívidas acumuladas, do número de mortos – estimados em, pelo menos, 50 milhões – e, especialmente, da utilização de armamento nuclear, com o lançamento de duas bombas atômicas no Japão (Hiroshima, dia 06 de agosto de 1945 e Nagasaki, dia 09 de agosto de 1945). Com o final da Segunda Guerra, novas medidas de repressão aos conflitos armados e manutenção da paz foram tomadas: criação da Organização das Nações Unidas-ONU (1945), os Julgamentos de Nuremberg (1945-1946), Convenções de Genebra (1949), criação da OTAN (1949) e, mais tarde do Pacto de Varsórvia (1955), reformulação da Corte Internacional de Justiça (1946), entre outras. Também foram feitos arranjos no sentido de reconstruir a Europa destruída e sua economia. Após a Segunda Guerra, o mundo experimentou um período de 46 anos de Guerra Fria, polarizados entre EUA e URSS, entre capitalismo e socialismo, até a queda do Muro de Berlim, em 1991. Embora as guerras tenham sido acontecimentos extremamente nefastos e traumáticos, acabaram também se constituindo em um fator de impulsão na qualidade das relações internacionais. Como veremos adiante, no entanto, a guerra é hoje um mecanismo banido no sistema internacional, considerado, atualmente, ilícito internacional, desde 1945. Do mesmo modo que as relações entre as pessoas não estão prontas e acabadas, as relações internacionais também buscam caminhos. Da mesma forma que as pessoas mudam e, em consequência dessas mudanças, suas relações interpessoais exigem alterações e adequações, as relações internacionais também, tendo em vista que o mundo e os arranjos entre povos é dinâmico e exige adequações constantes. Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização TERMOS USADOS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS As relações internacionais, como o estudo sistemático a que nos referimos, constituem uma disciplina em construção. Derivada da ciência política, após a Primeira Guerra Mundial, experimentou grande incremento após a Segunda Guerra Mundial, quando diversos arranjos foram acontecendo e dando origem a organizações internacionais e diversos pensadores passaram a se dedicar ao seu estudo. Nesse sentido, trata-se de uma disciplina, portanto, relativamente nova e em construção. Some-se a isso o fato de que as relações internacionais se basearem em interesses de grupos humanos (fixados em territórios e organizados politicamente), dotados de dinamismo, o que exige constante acompanhamento e aperfeiçoamento de suas relações. Lembre-se que mesmo o adjetivo utilizado para se referir a esse nível de relação se fundamenta no elemento humano: inter (entre) nacional (nação); nação remete à ideia de agrupamento humano. É oportuno distinguir o significado das expressões relações internacionais e relações exteriores na dinâmica das estruturas estatais. Relações internacionais, como temos visto, se referem ao estudo sistemático e aos próprios vínculos que se formam entre os diversos países, em diversos setores. Já a expressão relações exteriores se refere à estrutura interna dos países voltada a travar e conduzir suas relações internacionais. Cada país tem sua estrutura administrativa encarregada de conduzir e implementar sua política exterior ou política externa, que pode ser definida, genericamente, como o conjunto de objetivos de um determinado país em suas relações com os Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização demais, na proteção de seus interesses. Ela é definida e planejada pelo chefe de governo com respaldo do legislativo, dependendo do que estabelece sua legislação interna a respeito, como no caso do Brasil. A política externa é também dinâmica, em razão dos interesses nacionais que estejam em jogo. Ela, normalmente, se subdivide nos diversos campos em que o país deseje ou necessite manter relações com seus pares: economia, segurança, tecnologia, saúde etc. O que temos hoje em matéria de relações internacionais é resultado da disseminação do modelo de Estado; do aumento das populações dos países que obriga os governantes a tratativas externas para atender necessidades de seu povo, muitas vezes; da melhoria do meios de transporte e comunicação, que facilitam enormemente o estabelecimento e a manutenção de vínculos mesmo em grandes distâncias e da melhoria na interação entre Estados, já que todos condicionados a circunstâncias de interdependência. Esses vínculos de relação entre Estados podem ser confluentes, em que prepondera a cooperação recíproca ou, até, unilateral entre países ou concorrentes, que pressupõem interesses conflitantes, gerando situações de disputa entre os países. Essas disputas, em geral, são pacíficas, mas, em alguns casos, podem chegar até ao uso da força, tornando-se beligerantes, embora a guerra seja, na atualidade, um ilícito internacional. Dependendo dos interesses envolvidos, pode ser que dois Estados se alinhem completamente, mantendo relações confluentes em todos os campos. Todavia, em geral, os países mantêm, simultaneamente, relações confluentes em alguns assuntos e concorrentes em outros. Para finalizar, é interessante apresentar alguns termos mais utilizados nas relações internacionais. Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização Normalmente, os participantes das relações internacionais são designado pelo termo ator. São atores internacionais os Estados, as organizações internacionais, organismos internacionais, comunidades internacionais, empresas multinacionais etc. A pessoa natural, a pessoa física, cidadão de um país não é ator internacional, pois não há mecanismos que possibilitem a sua interlocução com Estados e organizações, p.e., de modo direto. Em geral, o ator internacional é um sujeito de direito, mas, nem sempre. Sujeito de direito é um conceito jurídico que se refere ao ser apto a exercer direitos e cumprir deveres. É o titular de direitos e deveres, que tem poderes sobre os objetos de direito,os bens jurídicos, materiais e imateriais. Nesse sentido, o ser humano é o sujeito de direito por excelência. O homem não pode se, por isso, objeto de direito, como os escravos, p.e. Para acomodar interesses de grupos humanos, os mais variados, o direito evoluiu nesse conceito para admitir como sujeito de direito entidades formadas por uma coletividade de pessoas físicas, criando a pessoa jurídica, ou coletiva, ou moral, que pode ser entendida como uma ficção jurídica. Os sujeitos de direito reconhecidos na lei brasileira se subdividem, então em: PESSOAS FÍSICAS Seres humanos Nascituros PESSOAS JURÍDICAS PÚBLICAS DIREITO INTERNO União Estados Distrito Federal Territórios Municípios autarquias, associações e fundações públicas demais entidades de caráter público Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização criadas por lei DIREITO EXTERNO Estados estrangeiros Pessoas regidas pelo direito internacional público (organizações internacionais) PRIVADAS Associações Sociedades Fundações Organizações religiosas Partidos políticos Empresas individuais de responsabilidade limitada - EIRELIs Portanto, nem todos os sujeitos de direito reconhecidos na lei poderam ser atores internacionais. Por outro lado, algumas comunidades internacionais, p.e., podem não ser sujeito de direito, porque não estão formalizadas ou oficializadas, mas podem ter, dependendo de sua relevância, interlocução no ambiente internacional e serem consideradas atrizes internacionais, ainda que transitoriamente. Outro termo comum nas relações internacionais é cenário. Com cenário se designa o panorama no qual se desenrola a ação ou relação internacional, podendo referir-se a um espaço geográfico, a uma situação específica, a uma área de influência ou a um campo do conhecimento. Com o termo papel, se designa a função, atribuição ou desempenho dos atores internacionais nas relações estabelecidas. Fronteira é uma noção importantíssima nas relações internacionais. É a faixa territorial que determina o limite geográfico de um país com outro, estabelecida e reconhecida mutuamente. Podem ser artificiais ou convencionais, Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização quando se formam por convenção entre os interessados, ou naturais, quando a separação entre dois países se baseia em acidentes geográficos. Outra noção fundamental das relações internacionais é a soberania, a autoridade suprema de autodeterminação dos Estados, independentes entre si, exercida por meio de uma estrutura ou complexo de poderes da organização política. SISTEMAS INTERNACIONAIS Como os Estados são independentes, soberanos e iguais, é preciso haver uma composição de soberanias, para que se preserve a ordem mundial e se viabilize a própria coexistência dos Estados. Essa ordem mundial é designada pela expressão sistema internacional. Nesse cenário, podemos ter um sistema unipolar, com um único país exercendo influência sobre todos os demais; ou bipolar, em que dois países dividem entre si a influência sobre os demais, formando verdadeiros blocos de polarização, muitas vezes, antagônicos entre si; ou multipolar, quando vários países têm poder de influência sobre outros ou em determinadas áreas. Lembramos que essa influência pode se dar na forma de domínio, que é entendido como a expansão ilegítima e forçada de um país sobre outro ou outros, e hegemonia, que é a expansão consentida, em que o país que se submete reconhece alguma utilidade em aceitar a influência externa. Por isso, ouvimos a expressão globalização hegemônica ou globalização contra- hegemônica, p.e. Na atualidade, embora os Estados Unidos da América possam ser apontados como o país mais influente, o nível de interdependência – Profa. Dra. WILGES BRUSCATO Direito Internacional e Globalização especialmente, econômica – entre os países do mundo, já que, em condições ordinárias, nenhum detém autossificiência absoluta, vivemos num sistema multipolar, que preserva um relativo equilíbrio e uma relativa estabilidade no mundo. TEMAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Como os países têm múltiplos interesses a defender a favor de seus povos e em razão da interdependência mundial, os mais variados temas interessam às relações internacionais, em especial: crises econômicas, integração regional, meio ambiente, desenvolvimento, conflitos étnicos e nacionalismo, religião, cultura, tecnologia, mercados, segurança.
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