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A História da Arquitetura do pós guerra ao pós moderno

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Constante evolução
A história da arquitetura, do pós-guerra ao pós-moderno
Por Mauricio Horta - Construção mercado 85 / agosto 2008
	Quatro anos depois de terminada a Segunda Guerra Mundial, começava a ser erguida às margens do rio East, em Nova York, uma barra revestida de vidro verde sustentada por uma rede texturizada de montantes. Ao seu pé, uma Assembléia curva e um Salão dos Membros oblongo surgiam como objetos esculturais. A Organização das Nações Unidas, criada em 1945 em substituição ao fracasso da Liga das Nações, construía sua nova sede com o projeto de um conselho internacional de dez arquitetos, entre eles o brasileiro Oscar Niemeyer e o suíço Charles Edouard Jeanneret (1887-1965), ou Le Corbusier.
ONU (Organização das Nações Unidas), Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Le Corbusier
	Derrotado o fascismo, restava ao modernismo reconstruir o campo devastado por um conflito que pôs em xeque a civilização. No entanto, diferentemente do tempo de utopias que, na década de 1920, expressaram-se na arquitetura, a necessidade agora se impunha sobre a poesia. Construir tetos sob os quais viver tornou-se mais importante que criar idéias originais.
	Na Alemanha arrasada, a arquitetura moderna oferecia tanto um abrigo para os milhões que perderam suas casas quanto um efeito deletério sobre o nacionalismo da década anterior. Os mestres do movimento moderno estavam vivos e, por mais que se adaptassem sentidos e funções ou que mudassem as condições regionais, era o modernismo a base da nova arquitetura.
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Bauhaus, na Alemanha, de Walter Gropius
Antes do horror, a angústia
	O entre-guerras foi a era da dissolução, marcada pela morte de antigos regimes e antigas formas, e pela polarização nos extremos do espectro político em torno de utopias. Na década de 20, na emergência da mecanização e da produção em massa, uma linguagem comum emergira ao longo do Ocidente, junto a novas técnicas construtivas baseadas no concreto, no aço e no vidro. Conforme escreveu Gregori Warchavchik, em 1928, para o Correio Paulistano, "todos aqueles espíritos jovens, tanto europeus como americanos, (...) estão hoje (...) respeitando quase os mesmos princípios. (...) A arte que hoje parece ser a da primeira metade do século 20 começa a ser a expressão da coletividade universal. E (...) [dos] mesmos princípios universais, adaptados a cada região, a cada povo, a cada nacionalidade, surgirão, por certo, diferenciações impossíveis de serem previstas agora, mas que darão a unidade do estilo do século 20".
	Na Alemanha da República de Weimar, Walter Gropius (1883-1969) fundou, em 1919, a Bauhaus, que se basearia, tal como o grupo holandês de arte contemporânea De Stijl, num total abstracionismo e universalismo. Em rompimento com a tradição acadêmica européia, Gropius enfatizou elementos e relações básicos e voltou-se à produção industrial, em grande escala. Estava num novo mundo, que se adaptava à máquina, ao carro e ao rádio. Durante os anos 20, Gropius construiu fábricas, escritórios, escolas e colônias habitacionais.
	No entanto, foi no mundo francófono que a leveza e elegância do concreto armado puderam ser exploradas com mais ousadia - os receosos legisladores alemães e ingleses insistiam na necessidade de volumes pesados.
	Le Corbusier foi capaz de transformar em expressão arquitetônica o esqueleto de concreto projetado por engenheiros. Para isso, estabeleceu cinco pontos que reverberariam ao longo do modernismo: 
>> pilotis, que devem erguer o edifício do solo, deixando um vão livre;
>> independência entre estrutura e vedação, tanto nas paredes externas quanto nas divisórias internas;
>> planta livre, que permite organizar e modelar individualmente os espaços em diferentes pavimentos;
>> fachada livre, decorrente do esqueleto estrutural;
>> terraço-jardim, que transforma a cobertura plana em extensão espacial da casa.
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Vila Savoye, em Poissy, Le Corbusier
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Casa Baker (1947-48), dormitório estudantil no MIT (Masachussetts Institute of Technology), Estados Unidos, de Alvar Aalto
O conjunto habitacional
	Le Corbusier havia encontrado no processo de produção em massa uma resposta para a crise habitacional do pós-Primeira Guerra, tal como o fordismo servira à fabricação de carros. Um exemplo residencial prototípico foi a Maison Citrohan (1922), uma "máquina de morar" baseada em uma caixa branca de concreto com teto plano, janelas industrializadas retangulares e espaço para garagem sob o pavimento elevado por pilotis. E a idéia se estendeu à escala urbana, com o projeto da Cidade Contemporânea para três milhões de pessoas.
	Mas o pós-guerra criaria as condições para colocar a máquina em funcionamento. Em 1947, começava na periferia de Marselha a construção da Unidade de Habitação de Corbusier, um bloco pré-fabricado de 12 pavimentos para 1.600 pessoas, com 23 diferentes plantas de moradia que atenderiam desde os solteiros até famílias com oito crianças. A idéia de casa expandiu-se à de bairro, com a incorporação de espaços públicos, comerciais e de lazer, numa distribuição semelhante à de um navio.
	No andar central do edifício, Corbusier instalou uma rua comercial, com lojas, salões de beleza, lavanderias, restaurante e quartos de hotel. No terraço-jardim, criou um espaço de lazer onde adultos pudessem tomar sol enquanto suas crianças brincassem numa piscina rasa. Sua reprodutibilidade em massa rendeu o apoio do ministro francês da Reconstrução e serviu de influência sobre a geração seguinte de modernistas.
	A compreensão de conjuntos habitacionais como vizinhança seria difundida mundialmente. No Marrocos, Vladimir Bodiansky e Shadrach Woods projetaram o ATBAT (1951-56), que adaptou o hábitat coletivo com rua aérea e terraço-jardim ao clima e à cultura de Casablanca, no norte da África.
	No entanto, o déficit habitacional das décadas de 50 e 60 levou políticas públicas a reduzirem o modelo de Corbusier ao mínimo funcional para construir mais por menos. Na Inglaterra trabalhista, paralelamente às New Towns suburbanas, os escombros da Blitzkrieg e os entulhos de cortiços do século 19 dariam lugar a sucessivos blocos de apartamentos idênticos. Eliminando seu caráter comunitário e a preocupação com a convivência, recreação, circulação e trabalho, os conjuntos habitacionais se tornariam inúmeras favelas verticais espalhadas pelo mundo.
	Alguma forma de regeneração era necessária, e a arquitetura vernacular, pré-industrial, voltada ao meio ambiente e às tradições passou a ter força sobre o modernismo. O Estilo Internacional era corrigido num caminho já antecipado na década de 30 por Alvar Aalto (1898-1976). O modernismo ou o Estilo Internacional não poderiam ser transpostos mecanicamente para o contexto de sua Finlândia, cujos clima gélido, vastidão e isolamento territoriais e riqueza de água e madeira tanto a diferenciavam da França e da Alemanha.
	No pós-guerra, Aalto mudou-se para os Estados Unidos para lecionar no MIT (Massachusetts Institute of Technology), onde projetou a Casa Baker (1947-48), um dormitório estudantil. Em vez de casas de campo inglesas do século 18 como os alojamentos da vizinha Harvard, Aalto criou um programa sóbrio centrado na individualidade do estudante, dividido em um programa privativo e outro comunitário. O resultado foi, no primeiro, uma construção ondulada, não monolítica, de tijolos vermelhos aparentes, contra o segundo, em volumes retangulares parcialmente subterrâneos com cobertura de concreto, abrigados pela concavidade do primeiro. No interior, os quartos e salas de estudo receberam paredes rústicas de tijolo aparente e dimensões reduzidas. Um enorme contraponto em relação à arquitetura de Gropius, que lecionava a 2 km do MIT, em Harvard.
	Na Alemanha, onde o regionalismo estava definitivamente fora de pauta, a alternativa ao Estilo Internacional foi a retomada do expressionismo por Hans Scharoun (1893-1972), como no multifacetado Auditório da Orquestra Filarmônica de Berlim (1956). Outras construçõescom programas voltados à emoção e ao espírito que se aproximariam do expressionismo foram a Ópera de Sydney (1956-73), do dinamarquês Jørn Utzon, e o terminal do aeroporto John F. Kennedy, Nova York, de Eero Saarinen.
	Já na Itália pós-fascista, onde arquitetos como Ignazio Gardella (1905-99), autor do Sanatório Anti-Tuberculose em Alessandria (1937), retomavam o racionalismo pré-guerra, neo-realistas como Mario Ridolfi (1904-84) voltavam-se à vida urbana cotidiana proletária, marcada pelo êxodo rural, recorrendo ao vernacular mediterrâneo.
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Ópera de Sydney (1956-73), de Jørn Utzon
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Edifício comercial Seagram (1958), Nova York, Mies van der Rohe
Novo urbanismo
	Em 1951, Le Corbusier foi chamado pelo primeiro ministro indiano Jawaharlal Nehru para fazer o plano-piloto de Chandigarh, a nova capital da província do Punjab indiano. Ao desligar-se do Império Britânico, em agosto de 1947, o subcontinente passou por seu maior trauma no século 20 - a partição entre Índia e Paquistão, que levou à migração de 14 milhões entre os dois países. Cortado ao meio, o Punjab ficou com sua capital, Lahore, no lado paquistanês.
	Chandigarh foi planejada como uma retícula de bulevares que dividia o espaço em setores retangulares com bairros semelhantes à cidade-jardim inglesa. O centro do plano é seu capitólio, composto pelo Palácio do Governador, o Parlamento, a Suprema Corte e o Secretariado. Assim como outros prédios monumentais no país, foram dispostos com amplas distâncias entre si, permitindo que, conforme o movimento solar, suas sombras se refletissem sobre plataformas de concreto em diferentes níveis, espelhos d'água, gramados e colinas artificiais, com as elevações do Himalaia ao fundo. Em seu eixo transversal, foram distribuídos a Universidade, o Museu, o Estádio e demais aparelhos de lazer e educação.
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Edifício Copan (1951), de Oscar Niemeyer
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Lina Bo Bardi, Masp, concebido em 1957 e concluído em 1969
Menos é mais
	Com o recrudescimento do regime nazista, os alemães Gropius e Mies van der Rohe (1886-1969) exilaram-se nos Estados Unidos. O país, tomado pelo classicismo mercantilista e pela suburbanização, não fora até então atingido pelo espírito do modernismo europeu. No entanto, em 1938, Mies encontrou em Chicago, berço dos arranha-céus e da estrutura de aço, o espaço ideal para o desdobramento de seu estilo - o less is more.
	A relação do arquiteto de Aachen e a arquitetura americana vem de antes do exílio. Em 1910, numa exposição em Berlim, Mies conheceu a arquitetura orgânica de Frank Lloyd Wright (1867-1959), em que a planta aberta de casas estendia-se em todas as direções num único espaço fluido. Outros elementos que influenciaram Mies, presente na fábrica Fagus, de Gropius, foram o fim das paredes portantes, substituídas por panos de vidro, e o abstracionismo do grupo De Stijl.
	Na Chicago de 1951, a margem do lago Michigan já estava tomada por altos e austeros prédios residenciais de Mies, que se opunham às pesadas construções de tijolos vizinhas. Mas o modelo universal para arranha-céus de vidro e aço surgiria nas duas torres idênticas, de 26 andares, recém-inauguradas na avenida Lake Shore Drive. As superfícies lisas definidas por panos de vidro e a renúncia intransigente do supérfluo buscaram reduzir os volumes à sua forma mais pura.
	Em 1958, na Park Avenue de Nova York, Mies terminou de executar o edifício comercial Seagram, que, em meio ao neoclassicismo da vizinhança, delinearia a linguagem arquitetônica sóbria para torres corporativas. A arquitetura americana estava tão corrompida pelos excessos dos estilos que somente uma depuração completa que a reduzisse ao aço e vidro a salvaria. No entanto, a reprodutibilidade desse modelo levou à uniformidade técnica por seus imitadores. O resultado seria, nas décadas de 60 e 70, uma proliferação mundial de "caixas de vidro" anônimas e indistintas.
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Quinta de Malagueira (1977), periferia da cidade portuguesa de Évora, Álvaro Siza
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Willis Faber Dumas (1975), de Norman Foster
Identidade nacional
	Em 1948, era fundada na antiga casa do conde Antônio Álvares Penteado, na rua Maranhão, bairro de Higienópolis, a FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo). No mesmo ano, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tombava o MES (Ministério de Educação e Saúde), do Rio de Janeiro - 1936-45, uma construção elevada por pilotis e totalmente envidraçada, com ventilação natural e sombreamento por um anteparo de brises-soleil, cujo projeto teve consultoria de Le Cobusier.
	Embora o marco inicial da absorção brasileira do modernismo seja a casa de Gregori Warchavchik, de 1928, foi o prédio do Ministério da Educação e Saúde que definiu a relação essencial entre arquitetura modernista brasileira e o projeto de modernização do país, centrado no Estado benfeitor. Nas duas décadas entre o final da Segunda Guerra até os anos de Juscelino Kubitschek, o Brasil estabeleceria suas metrópoles, deixando a alvenaria e as estreitas ruas de paralelepípedos para adotar o concreto armado, a construção de grandes espaços públicos e as avenidas asfaltadas.
	O símbolo maior dessa modernização foi a transferência da capital federal do Rio de Janeiro para o Planalto Central, motivada pelos desejos de integração nacional e de expansão para o oeste e pela industrialização baseada predominantemente no automóvel. Construída a partir do zero tal como a indiana Chandigarh de Corbusier, a Brasília de Lucio Costa e Niemeyer foi tanto o ápice do modernismo brasileiro, de corte carioca, quanto como seu ponto de mutação. Foi uma ode ao futuro que se tornaria réquiem prenunciado das mesmas utopias.
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Centro Georges Pompidou (1971-77), de Richard Rogers e Renzo Piano
Ponte aérea
	Dentre os projetos que fez em São Paulo no início da década de 1950, aquele em que Oscar Niemeyer teve uma maior abordagem urbanística foi o Edifício Copan (1951). O volume de 32 andares de vidro recortado por brises horizontais de concreto acompanhando a sinuosidade da planta em S incorporou uma galeria de lojas, uma rua interna ao terreno, localizado no Centro da cidade.
	Para o quarto centenário de São Paulo, que aconteceria em 1954, Cicilo Matarazzo convidou o arquiteto para realizar o Parque do Ibirapuera (1951-55) e os cinco prédios que abrigariam atividades relativas à comemoração. No entanto, o mais surpreendente do projeto foi a marquise que, em curvas desenhadas à mão livre, conecta as construções de formas geométricas, hoje correspondentes ao Pavilhão da Bienal, Museu Afro-Brasileiro, Museu de Arte Moderna, futuro Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, Oca e o recentemente concluído Auditório do Ibirapuera.
	Vinda do Rio para São Paulo em 1947, com o convite de Assis Chateaubriand a seu marido Pietro para formar o Museu de Arte de São Paulo, Lina Bo Bardi projetou o conjunto arquitetônico da instituição, localizado na avenida Paulista. Concebido em 1957 e concluído em 1969, o Masp é composto por uma base com teatro, restaurante, reserva técnica e espaço expositivo temporário, cuja cobertura é uma extensão da calçada da Paulista, e pelo prédio do museu em si, que, sustentado por quadros estruturais de concreto protendido, forma um vão livre de 70 m.
	Do Rio de Janeiro, Affonso Reidy (1909-64) já tinha projeção internacional graças ao Conjunto Pedregulho (1947-52), ressonante tanto com o discurso europeu da habitação social quanto com a sensualidade topográfica carioca, quando iniciou o projeto urbanístico e arquitetônico para o Aterro do Flamengo, com paisagismo de Burle Marx. Feito com o material de desmonte do morro de Santo Antônio, o aterro visava, além de oferecer áreas de lazer, a escoar o trânsito entre o Centro e a zona Sul, que passava por intenso processo de verticalização. Na área, Reidy projetou também o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1953-68), um exemplo de brutalismo predominante, no entanto, no contexto paulista.
�Edifício da FAU-USP (1961-69) na Cidade Universitária, de João Vilanova Artigas
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Sesc Pompéia (1977-86), de Lina Bo Bardi
Declínio modernista
	Em 1961, no Metropolitan Museum de Nova York, um simpósio discutia a questão Arquitetura moderna, morte ou metamorfose. Se os pioneiros do modernismo tinham o falso historicismo como inimigo, nos anos 60 o problema da arquitetura moderna era a banalização do Estilo Internacional. No improviso do rápido desenvolvimento econômico e tecnológico, ele se reduziu a blocos residenciais e prédios de escritórios em formato de caixas produzidos em massa, cercados por estradas e estacionamentos, sem a preocupação com necessidades humanas de agregação e pertencimento. O resultado foi um desenvolvimento urbano destrutivo, paródia do modernismo.
	Com a morte dos mestres originais do modernismo e a falência da renovação urbana dos anos 60, "crise" tornou-se palavra corrente na arquitetura da década seguinte. Os caminhos multiplicaram-se em direção aos tempos áureos do modernismo, ao imediatamente anterior a ele, ao arcaico ou ao culto à tecnologia. Enquanto no bairro Quinta de Malagueira (1977), periferia da cidade portuguesa de Évora, Álvaro Siza (1933) articulava o modernismo com o vernáculo português, Norman Foster explorava a precisão tecnológica para fechar com vidro refletivo o elegante volume curvo do edifício Willis Faber Dumas, em Ipswich (1975). Ao mesmo tempo, Philip Johnson voltava-se ao historicismo ao colocar no edifício da AT&T (1979) em Manhattan um arco florentino na entrada, colunas no saguão e um frontão no topo. Em Paris, Richard Rogers e Renzo Piano projetavam para o Centro Georges Pompidou (1971-77) um prédio envolvido por estrutura de tubos de aço inspirada em refinarias de petróleo.
	Nos anos 80, a cidade funcional definida pela industrialização começava a ceder a um espaço urbano descentralizado e definido por nós conectados por redes de comunicação. Por um lado, a identidade regional passou a ter maior relevância do que idéia de nação; por outro, a afinidade e a ligação econômica e cultural entre aglomerações urbanas de diferentes países também ultrapassaram a identidade nacional.
	No campo ideológico, as utopias estavam desgastadas e os ideais de progresso e emancipação social davam lugar à preocupação com o passado. Em meio ao pluralismo, retornava à tona o neoclassicismo, as colunas, os arcos e coroamentos, em reflexo da emergência do conservadorismo dos governos ocidentais, representados por Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e Margareth Thatcher, na Grã-Bretanha.
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Casa do Arquiteto (1986), Rio de Janeiro, de Acácio Gil Borsoi e co-autoria de Lourival S. Parente e Janete Costa
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Cúpula de vidro do Reichstag (1992-99), em Berlin, de Norman Foster
Escolas nordestinas
	Enquanto o regime militar (1964 a 1985) diminuiu o patrocínio estatal em que se baseou o modernismo brasileiro, manifestações como o chamado brutalismo paulista e a emergência da arquitetura nordestina põem em dúvida a hipótese de duas décadas de silêncio arquitetônico.
	A produção de maior destaque foi deslocada do Rio de Janeiro para São Paulo e a sensualidade das curvas brancas deram espaço à severidade das grandes estruturas de concreto aparente com a impressão dos moldes de madeira, como no exemplar prédio de João Vilanova Artigas (1915-85) para a FAU-USP (1961-69) e no Sesc Pompéia (1977-86) de Lina Bo Bardi, que destaca a volumetria das escadas e mantém aparentes instalações, no contexto de uma fábrica desativada.
	Se no Sudeste o modernismo se voltava a verdades estruturais, no Nordeste ele se adaptava às condições climáticas tropicais em oposição à arquitetura colonial.
Carioca e neto de italianos estabelecidos em São Paulo, Acácio Gil Borsoi estabeleceu-se em 1951 em Recife. Professor da Universidade Federal de Pernambuco a partir de 1959, Borsoi levou a arquitetura local a olhar para questões regionais. Terraços, grandes beirais e muita sombra tornam-se elementos essenciais do modernismo nordestino. Entre seus influenciados estão Vital Pessôa de Melo e Alexandre Castro e Silva.
	Em 1976, o pernambucano Armando de Holanda escreveria o primeiro guia da arquitetura nordestina, o Roteiro para construir no Nordeste - Arquitetura como lugar ameno nos trópicos ensolarados. Nele, refutou a tradição arquitetônica luso-brasileira e advogou por um abrigo amplo que crie uma sombra ampla e proteja das chuvas tropicais.
	Em Fortaleza, o modernismo seria introduzido com a fundação da Escola de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará, em 1964. Em 1970, lá passaria a lecionar Roberto Martins Castelo. Em suas obras, incluiria adaptações do modernismo ao clima nordestino, com a adoção de varandas e pergolados. A obra mais significativa de Castelo é a Assembléia Legislativa do Estado do Ceará.
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Museu Guggenheim de Bilbao (1992-97), de Frank Gehry
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Terminal ferroviário internacional de Waterloo (1993), em Londres, de Nicholas Grimshaw
Pós-muro de Berlim
	Na Europa, terminou a acelerada expansão urbana das três décadas posteriores à Segunda Guerra. O fim do século 20 e o início do 21 veriam intervenções urbanas mais pontuais, mas, ao mesmo tempo, mais complexas - depois dos erros do pós-guerra, a preocupação era enquadrá-las corretamente. Embora nos países emergentes a cidade continue a crescer, o contexto europeu e americano expandiu sobre eles um grande impacto. Junto à arquitetura, os escritórios do Ocidente tornaram-se globais.
	A arquitetura e o urbanismo europeus se dividiram em duas tendências complementares. Por um lado, a conservação do patrimônio passado, com a reabilitação dos centros históricos eminentemente no continente, mas também em outros contextos, tais como nos países islâmicos, sob financiamento da Fundação Aga Khan. Por outro lado, a projetação do inovador, do inédito.
	Embora alguns veteranos como Álvaro Siza, Rafael Moneo e Vittorio Gregotti tenham prosseguido no desdobramento da tradição moderna, outros se voltaram a explorar a linguagem tecnológica, assim como os modernistas pioneiros do entre-guerras exploraram a leveza e a plasticidade da novidade de então, o concreto armado.
	Nesse ponto, o high tech ultrapassou o âmbito dos materiais e sistemas construtivos. O computador tirou do cenário o desenhista e a complexidade tecnológica criou a necessidade de um grande número de especialistas que inflaram os escritórios de expressão global. Ove Arup tem mais de sete mil funcionários, Skidmore, Owings e Merril, 477; Foster and Partners, 393; Jean Nouvel Architecture, 105; Renzo Piano Building Workshop, 103.
	Esses grandes escritórios de linguagem predominantemente tecnocêntrica projetaram os marcos arquitetônicos das principais mudanças históricas desde a queda do Muro de Berlim, que apontam a uma retórica ao mesmo tempo globalizadora, pluralista e essencialmente liberal.
	Depois de completamente bombardeados durante a Segunda Guerra e divididos em dois pelo muro durante a Guerra Fria, os 60 hectares da Potsdamerplatz, antigo coração de Berlim, foram divididos em quatro partes vendidas a investidores privados. A maior foi para a Daimler-Benz, com projetos de Rogers, Isozaki, Moneo, Kollhof e Piano. Mas a obra de maior qualidade arquitetônica para simbolizar a reunificação alemã e a transparência política foi a reforma do antigo Reichstag (1992-99) por Foster, que construiu sobre a cobertura do prédio um domo de vidro, a partir do qual o público pode ver a cidade e a câmara de debates do Parlamento alemão.
	Em 2001, foi inaugurado em Berlim o Museu do Judaísmo (1989-99), de Daniel Libeskind. Com uma circulação desorientadora definida pela planta baixa composta por uma estrela de Davi fraturada, as linhas deconstrutivistas de Libeskind comunicam a violência, o aprisionamento, o medo e a perda do Holocausto. Também de Libeskind foi o projeto vencedor do concurso para a Freedom Tower, substituta das torres gêmeas destruídas no atentado de 11 de setembro. No entanto, o desenhofoi sucessivamente alterado por David Childs e Skidmore, Owings e Merrill, terminando sobre um pedestal antibombas pouco coerente com liberdade evocada pelo nome da torre.
	O processo de desindustrialização no mundo desenvolvido levou à necessidade de requalificar centros urbanos, voltando-os a setores de turismo e serviços. A cidade basca de Bilbao tornou-se modelo de requalificação com a inauguração do insólito volume metálico do Museu Guggenheim de Bilbao (1992-97), projetado pelo californiano Frank Gehry. Revestido com placas de titânio de 0,38 mm de espessura, suas formas foram desenvolvidas com uso do Catia, um programa de computador da indústria aeroespacial.
	No terminal ferroviário internacional Waterloo (1993), em Londres, Nicholas Grimshaw celebrou com uma cobertura transparente e curva a ligação física entre a Grã-Bretanha e o continente europeu - marco da União Européia.
	A preocupação com mudanças ambientais abriu espaço para uma arquitetura sustentável, que busca aumentar a eficiência de equipamentos e sistemas no uso de energia, água e materiais. Nos subúrbios de Londres, Bill Dunster projetou o BedZED (Beddington Zero Energy Development), que usa apenas energia de fontes renováveis e gerada no local. Já o malaio Ken Yeang projeta torres "bioclimáticas", com jardins suspensos que servem de filtros contra ruído e calor.
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BedZED (Beddington Zero Energy Development), de Bill Dunster
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Biblioteca Nacional de Cingapura,de Ken Yeang
Redemocratização e abertura econômica
	Na década de 80, na temperatura da campanha pelas Diretas Já, a volta de Niemeyer do auto-exílio francês foi recebida com os 600 m do Sambódromo do Rio de Janeiro. A obra inauguraria a parceria com o governo de Leonel Brizola, cujo vice-governador, Darcy Ribeiro, criou os Cieps (Centros Integrados e Educação Pública), 500 escolas distribuídas pelo Estado em regiões predominantemente carentes.
	Com dois pavimentos e fachadas de concreto aparente, o projeto arquitetônico padronizado dos Cieps usou peças pré-fabricadas, o que permitiu uma velocidade de dois prédios por semana. No entanto, os governos sucessores abandonaram o projeto pedagógico inicial dos Cieps, que previa educação integral, com atividades físicas, culturais e atendimento médico, e os transformaram em escolas comuns.
Para o projeto do ex-governador Orestes Quércia de transformar São Paulo no mais importante centro cultural latino-americano, Niemeyer criou na degradada região da Barra Funda o Memorial da América Latina. A revitalização, contudo, não aconteceu num primeiro momento e os espaços no terreno de 90 mil m² permanecem subutilizados.
	Com o processo de abertura econômica, as decisões sobre a cidade foram deslocadas do poder público para o mercado - e a arquitetura, mercantilizada. Fortaleceu-se a substituição do espaço público por espaços privados de uso coletivo. A rua e a praça deram lugar aos shoppings, condomínios e prédios corporativos internacionais, fechados e ligados por vias de trânsito e de comunicação.
	Nova fronteira urbana que dá abrigo à era da abertura econômica, as margens do rio Pinheiros, em São Paulo, começam refletir o modelo de skyline das metrópoles globalizadas, com edifícios de Botti & Rubin, Carlos Bratke, Aflalo & Gasperini e Vannucchi & Königsberger.
	Por outro lado, na cidade estabelecida, a arquitetura contemporânea emerge otimista, ora do modernismo, como o anexo do Museu Rodin (2006), de Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci, o Museu Brasileiro de Escultura (1995), de Paulo Mendes da Rocha (1928), e os hospitais da Rede Sarah, de João Filgueira Lima (1932), ora se lançando à completa liberdade plástica, como nos prédios de Ruy Ohtake (1938). E a eles somam-se o Circo Voador, da DDG Arquitetura, as quatro escolas-piloto em sistemas estruturais de concreto pré-moldado para a FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), a Estação das Docas (2000), de Paulo Chaves Fernandes (1946) e Rosário Lima (1962), o Ver-o-Peso (2002), de Flávio Ferreira (1942) e tantos outros que mostram que, apesar do fim do Estado benfeitor e das forças comerciais que recorrem ao historicismo e à desagregação urbana, o Brasil tem feito boa arquitetura.
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Memorial da América Latina, de Oscar Niemeyer
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Museu Rodin (2006), de Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci
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Hospitais da Rede Sarah, de João Filgueira Lima
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Skyline da Marginal Pinheiros, com Cenu, Robocop
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Escola Pq. Dourado, da FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), de Apiacás Arquitetos

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