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Unidade III A Modernidade Brasileira Introdução; A Escola Paulista; A Escola Carioca. Objetivo de aprendizado Compreender como a Modernidade se estabelece na Arquitetura brasileira e a sua reverberação no mundo. Introdução Esta Unidade concentra uma análise na produção arquitetônica brasileira do século XX, destacando aspectos da formulação do Movimento Moderno no Brasil. Nessa fase de transição em que ocorre a Proclamação da República (1889), grandes capitais como o Rio de Janeiro e São Paulo intensificam o processo de modernização. As cidades começam a passar por um inchaço populacional, novas tipologias arquitetônicas como os edifícios multifamiliares começam a surgir, além da própria adequação da morfologia urbana às novas dinâmicas que surgem em função do crescimento desenfreado dessas cidades. O conteúdo abordado nesta Unidade está organizado em dois momentos, sendo que o primeiro momento aborda a chamada escola paulista de Arquitetura. Não há a pretensão de organizar uma hierarquia de arquitetos mais ou menos importantes, mas a nomeação de alguns arquitetos e suas obras para análise tem por objetivo revelar a importância desses personagens para a formulação de uma nova estética arquitetônica. Arquitetos como Gregori Warchavchik e Vilanova Artigas, em São Paulo, Lucio Costa e Oscar Niemeyer, no Rio de Janeiro, têm destaque nessa leitura, vez que são responsáveis por um legado que marca essa primeira geração de arquitetos modernistas brasileiros. Obras como a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, o Ministério da Educação e Saúde e, inclusive o concurso e a construção da nova capital, Brasília, entre outros projetos, serão de suma importância para revelar traços dessa nova linguagem, que é explorada ao longo das sete primeiras décadas do século XX. A Escola Paulista A formulação de uma nova Arquitetura brasileira no século XX está intimamente conectada às manifestações artísticas que se intensificam nas décadas de 1910 e 1920 e que culminam na realização da Semana de Arte Moderna, no ano de 1922, organizada por um núcleo de artistas formado por Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Agenor Barbosa, Ribeiro Couto, Cândido Mota Filho, João Fernando de Almeida Prado, Di Cavalcanti e Anita Malfatti. A Semana de 22 tem como palco o Teatro Municipal, localizado nas imediações do Vale do Anhangabaú, região central de São Paulo, em que inúmeros artistas realizaram Conferências com o objetivo de compartilhar novas tendências artísticas que já vigoravam na Europa. Entretanto, essas novas formas de expressão são pouco compreendidas pela elite e pelos intelectuais dito conservadores, ainda imersos em movimentos que valorizam o passado e, portanto, reconhecem a Semana de 22 como uma alegoria circense. Por sua vez, o evento adquire um caráter crítico de protesto ao desafiar a opinião pública. Ainda que a Semana de 22 não exerça “influência direta sobre a arquitetura, cria um clima novo, revela um espírito de luta contra o marasmo intelectual, contra a aceitação incondicional dos valores estabelecidos” (BRUAND, 1996, p. 63). O evento, no entanto, propicia um território oportuno para a revisão crítica e a proposição de uma nova arquitetura, coerente com as transformações econômicas, políticas, sociais e culturais que apontam para um novo norte. De acordo com Mendes (MENDES et al., 2015, p. 122), “A Semana de Arte Moderna externou a divisão da compreensão do conceito do moderno no país”. Um dos arquitetos responsáveis pela “tradução” dessa modernização para o campo da arquitetura é o russo Gregori Warchavchik. Nascido em Odessa, em 1896, Warchavchik estuda arquitetura no Regio Instituto Superiore di Belle Arti, em Roma e, ainda na Itália, trabalha com Marcelo Piacentini, sendo que, em 1923, emigra para o Brasil e se instala em São Paulo. Warchavchik, atento às movimentações artísticas e à falta de profissionais com conhecimento sobre a estética modernista produzida na Europa, publica o artigo Acerca da Arquitetura Moderna, no jornal da colônia italiana em São Paulo, Il Piccolo, em 1925. O artigo de Warchavchik assume um caráter de manifesto ao expor críticas bastante enfáticas em relação à ornamentação excessiva utilizada ainda nas décadas anteriores nos estilos arquitetônicos como o ecletismo, o neoclássico e os Luís, entre outros. O arquiteto discorre sobre a noção do belo e como esse conceito está intrinsicamente vinculado à sua época, e que, portanto, a arquitetura do século XX deveria ser reflexo da modernização pelas quais as grandes cidades estavam passando: Observando as máquinas do nosso tempo, automóveis, vapores, locomotivas etc. nelas encontramos, a par da racionalidade da construção, também uma beleza de formas e linhas. Verdade. É que o progresso é tão rápido que tipos de tais máquinas, criadas ainda ontem, já nos parecem imperfeitos e feios. Essas máquinas são construídas por engenheiros, os quais, ao concebê-las, são guiados apenas pelo princípio de economia e comodidade, nunca sonhando em imitar algum protótipo. Esta é a razão por que as nossas máquinas modernas trazem o verdadeiro cunho de nosso tempo (WARCHAVCHIK apud XAVIER, 2003, p. 38) É nítida a proximidade que o manifesto tem com os ideais do arquiteto franco- -suíço Le Corbusier, considerado por muitos um dos responsáveis por realizar a síntese para a Arquitetura moderna. Em seu livro Por uma arquitetura, publicado em 1923, Le Corbusier destaca o importante posto que o Engenheiro assume a partir da Revolução Industrial e, sobretudo, ao longo do século XIX, com a construção de equipamentos como pontes, estações ferroviárias, silos. A beleza é encontrada na racionalidade e na composição vinculada à função da edificação, além do emprego de novos materiais. Não obstante, Le Corbusier identifica a casa como máquina de morar É justamente esse raciocínio que conduz a obra de Warchavchik ao longo dos quarenta anos que reside em São Paulo. O emprego de materiais como o ferro, o vidro e o cimento armado geram uma estética fruto da industrialização. De acordo com o arquiteto, em seu manifesto, “Uma casa é, no final das contas, uma máquina cujo aperfeiçoamento técnico permite, por exemplo, uma distribuição racional de luz, calor, água fria e quente etc.” (WARCHAVCHIK apud XAVIER, 2003, p. 35). O manifesto de Warchavchik o permite entrar em contato com o artista plástico lituano Lasar Segall, que garante a entrada do arquiteto tanto à vanguarda paulista quanto à alta sociedade. Dentro desse panorama, em 1927, ele se casa com a paisagista Mina Klabin e, no mesmo ano, monta o seu escritório e projeta a sua residência, considerada a precursora da estética modernista no Brasil. Reconhecida tardiamente pelos historiadores como a Casa Modernista, localizada à rua Santa Cruz, no bairro de Vila Mariana, na capital paulista, a construção explora a linguagem do Modernismo europeu. Sua composição de volumes puros e brancos está isolada no amplo terreno cercado por vegetação, as fachadas dispensam qualquer tipo de ornamentação, o uso de esquadrias de ferro e vidro conferem caráter industrial, e as telhas de barro são ocultadas por platibandas que insinuam o uso de lajes planas. Mesmo que a casa exprima elementos da estética modernista, por outro lado, há situações não contempladas como, por exemplo, a falta de continuidade espacial. Em seu interior, os ambientes ainda compartimentados, hall, salas de estar e de jantar, lavabo, cozinha e área de serviço, varanda, conferem uma condição tradicional da casa brasileira. Ainda assim, é importante ler esse exemplar como uma espécie de gênese da casa modernista para os projetos que serão desenvolvidos nos anos seguintes. Ainda em São Paulo, Warchavchik projeta a residência Max Graf, à Rua Melo Alves (1929), as casas na Rua Itápolis e na Rua Bahia, ambas em 1930, a residência Antônio da Silva Prado, à Rua Estados Unidos (1931), entre outras construções. No Rio de Janeiro, o arquiteto projeta a já demolidaresidência Nordschild (1931), à Rua Toneleros em Copacabana. É nesse ano que o arquiteto Lucio Costa convida Warchavchik para lecionar Composições de Arquitetura no Curso de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes. Entre 1931 e 1933, Lucio Costa e Warchavchik abrem juntos um escritório por onde passaram alguns estudantes como Oscar Niemeyer. Outro arquiteto de extrema importância para a formatação do Modernismo na Arquitetura paulista é João Batista Vilanova Artigas. Pertencente à segunda geração de intelectuais e artistas modernistas, Artigas nasce em 1915, em Curitiba, e chega a São Paulo no final de 1931, “motivado pelas oportunidades que a cidade em desenfreado processo de crescimento poderia propiciar” (COTRIM, 2017, p. 14). É na capital paulista que Artigas conclui o Curso de Engenharia na Politécnica, iniciado na Escola do Paraná, e se colocará em contato com uma cidade em pleno processo de verticalização e expansão de seus limites geográficos. Em outras palavras, São Paulo torna-se um território fértil para as experimentações do futuro jovem arquiteto curitibano. Em texto publicado no ano de 1952, Artigas reconhece que “As primeiras tentativas da Arquitetura Moderna no Brasil são uma consequência do movimento chamado Semana de Arte Moderna de 1922” (ARTIGAS apud XAVIER, 2003, p. 195) e identifica que é em função do Estado Novo, elaborado por Getúlio Vargas, que a Arquitetura moderna brasileira tem o seu maior desenvolvimento, sobretudo com a realização do concurso para a construção do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro, entre outras obras. Artigas é movido por esse anseio progressista e, após ter concluído os seus estudos, em 1937, inicia a sua carreira arquitetônica aos vinte e dois anos de idade. A primeira fase de sua obra revela uma influência vinda do arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright e de sua arquitetura reconhecida como orgânica. Entre os anos de 1938 e 1945, Artigas projeta três residências no bairro do Pacaembu, que merecem ser destacadas. A primeira delas, Residência Roberto Lacase (1938-1939), encontra- se localizada no alto de uma colina. O uso de materiais como tijolos aparentes para as paredes, telhas para a cobertura que avançam em generosos beirais, madeira para as vigas aparentes, pedra para a escada rústica que conduz até a porta de entrada, todos esses materiais utilizados em estado bruto, sem revestimento, fazem com que a casa se insira de maneira “íntima” no terreno rodeado por árvores: Submissão à natureza, elegância rebuscada sob o aspecto de uma simplicidade rústica, personalidade de uma realização que recusa todo o processo mecânico, criação de um ambiente especialmente imaginado para a família que está destinada a viver nele – todas as principais ideias de Wright foram bem expressas sem dificuldade nessa obra que retoma bem de perto o estilo das villas construídas entre 1900 e 1912 pelo mestre norte-americano (BRUAND, 1996, p. 272). A Residência Paranhos (1942-1944) reforça essa influência wrightiana, agora, na fase das casas de pradaria. Esse conjunto de casas que Wright desenha na primeira década do século XX é caracterizado por silhuetas amplas, extensas, proporções baixas e estreitamente associadas ao solo, largas saliências e telhados com um declive suave, aberturas em faixas longitudinais contínuas logo abaixo dos beirais. Entre os projetos que se destacam, a Casa Robie (ILLINOUS, 1909), à qual a Residência Paranhos em muito se assemelha. Estratégias como “Articulação geral dos volumes com marcada acentuação das linhas paralelas ao solo, telhados superpostos bastante salientes, disposição das janelas em faixas longitudinais contínuas imediatamente abaixo dos telhados” (BRUAND, 1996, p. 272) realçam essa proximidade entre os dois projetos. Por fim, a Residência Luiz AntonioLeite Ribeiro (1943-1945) está localizada na mesma rua que a Residência Paranhos; porém, nesse projeto, o arquiteto explora a pedra no lugar do tijolo aparente, garantindo também um caráter rústico à residência. Seu acesso se dá pelo pavimento superior, no nível da Rua Heitor de Morais, sendo que no interior da construção, da mesma forma que nas duas anteriores, Artigas explora a continuidade espacial tanto no plano vertical quanto no horizontal. Ele ainda resgata estratégias utilizadas na Residência Paranhos como as janelas em linha, a grande cobertura, dessa vez equacionada numa única água, e a utilização de materiais naturais ou seminaturais. Entretanto, ainda no ano de 1945, Artigas começa a se questionar a respeito de sua produção inicial e do caminho que havia trilhado até então e, por alguns motivos, entre eles alguns de cunho político, inicia um processo de revisão crítica sobre o seu trabalho e adota uma mudança abrupta na estética de sua arquitetura: Nem o ideal progressista de Artigas, nem suas convicções políticas (cada vez mais violentamente opostas àquilo que a civilização dos Estados Unidos representava no mundo) podiam satisfazer-se por muito tempo com uma arquitetura parcialmente voltada para o passado e capaz de constituir um elemento de propaganda para um patrimônio intelectual agora rejeitado. Portanto, a reviravolta ocorrida em sua obra em 1945 explica-se pelas circunstâncias e por uma reflexão mais aprofundada à medida que a maturidade se seguia aos primeiros entusiasmo da juventude. O abandono da herança wrightiana e sua substituição pela de Le Corbusier, apesar de tudo, não foi total em Artigas, que conservou, de suas primeiras experiências, um culto por uma concepção do espaço derivada da do mestre norte- americano (BRUAND, 1996, p. 273). Após uma temporada nos Estados Unidos, fruto de uma bolsa de estudos, onde pode visitar arquiteturas, Artigas regressa ao Brasil no ano de 1947 e, no ano seguinte, projeta a sua casa. Essa residência está localizada no mesmo terreno da sua primeira casa, conhecida como Casinha, projetada pelo próprio arquiteto, no ano de 1942, no bairro de Campo Belo, na capital paulista. Há, evidentemente, diferenças nítidas entre os partidos arquitetônicos de ambos os projetos de modo que a segunda residência do arquiteto é organizada com maior pureza em sua composição volumétrica. Artigas organiza o programa em uma planta predominantemente térrea, de modo que, ao se assumir um eixo, a Oeste, estão localizados os três dormitórios, a cozinha, a despensa e o banheiro comum; sendo que a Leste, encontram-se a sala de estar, o pátio e, subindo um lance de escada, o escritório erguido por quatro pilotis pintados de azul. A continuidade volumétrica é garantida pela cobertura de lajes inclinadas para dentro, diferentemente das casas que fizera entre os anos de 1938 e 1945, cujos telhados são inclinados para fora, resultando em beirais. É no projeto para o Estádio do Morumbi (1953) que Artigas começa a explorar o concreto bruto, aparente, fruto da estética da qual Le Corbusier usufrui na Unidade de Habitação em Marselha (1944). A década de 1950, para Artigas, anunciada pelo estádio, é marcada para uma série de casas, sendo que, na década seguinte, o arquiteto é encarregado de projetar alguns edifícios públicos, como o Colégio de Itanhaém (1960-1961) e o Colégio de Guarulhos (1961) em que ele explora a estética brutalista. É justamente após a conclusão dos dois colégios que Artigas afirma sua nova estética, ao projetar a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Em profícua parceria com o Engenheiro calculista Carlos Cascaldi (desde 1944), elaboram uma edificação “constituída de um sólido retangular, com paredes perimetrais cegas, de concreto aparente, que se prolongavam por pilares de curioso partido formal, duas pirâmides alongadas unidas por um único vértice (MENDES et al., 2015, p. 280), concluída apenas em 1969. Uma das estratégias utilizadas por Artigas nesse projeto estabelece uma relação paradoxal no edifício: ao mesmo tempo em que ele se fecha para o exterior em função da grande empena que circunda as quatro fachadaserguidas por pilares e que sustenta a cobertura, o edifício se torna um local de extrema fluidez, convidativo ao encontro e à troca de experiências internamente. O espaço que intensifica essa dinâmica é o grande hall conhecido como salão caramelo, o grande vazio do edifício que organiza o programa de necessidades, uma espécie de pátio coberto. Os oito pavimentos são constituídos pelos ateliês, setores administrativos, cantina, biblioteca e arquivo e salas de aula, entre outras atividades; os pavimentos ocorrem em meios-níveis conectados por rampas que consolidam a fruição interna, reforçando, portanto, a ideia do caminho arquitetural. Falecido no ano de 1985, em São Paulo, Artigas deixa um legado incomensurável que aponta para “a consolidação de uma verdadeira escola capitaneada por competentes profissionais” (MENDES et al., 2015, p. 279), muitos deles, alunos do arquiteto, como Paulo Mendes da Rocha (Vitória, 1928), Joaquim Guedes (São Paulo, 1932-2008) e Carlos Millan (São Paulo, 1927-1964), entre outros. A Escola Carioca Diferentemente do que acontece na capital paulista, a modernidade na então Capital Federal chega tardiamente. Isso ocorre em função do predomínio do Neoclassicismo no território carioca, fruto da missão francesa estabelecida em 1816, no Rio de Janeiro. A estética neoclássica se torna oficial nas primeiras décadas do século XX, ainda que concorra com outros estilos considerados menos vigorosos, como o eclético ou o art nouveau, e perdura até a década de 1930, quando alguns intelectuais iniciam um processo de revisão crítica das Artes e da Arquitetura. Um dos responsáveis por galgar os primeiros passos em direção a uma estética inovadora é Lúcio Costa. Nascido na cidade de Toulon, na França, em 1902, estuda na Inglaterra e na Suíça e, em 1931, já estabelecido no Brasil, torna-se diretor da Escola Nacional de Belas Artes, onde também foi aluno. Ao assumir a direção da Instituição, Costa promove “uma significativa reforma curricular, procurando conferir ao profissional de arquitetura, além da sua formação filosófica e artística, um respaldo mais técnico” (MENDES et al., 2015, p. 130). Evidentemente, Costa enfrenta oposição ao longo de nove curtos meses precedidos por mais seis meses de greve, quando há intervenção direta da presidência da República, e o jovem arquiteto é exonerado do cargo. Apesar disso e dos poucos resultados positivos imediatos, Costa se mantém imerso em reflexões a respeito do panorama que se institui na década de 1930. Ainda que tenha tido formação no exterior, no bojo da formatação da estética modernista na Europa, é indiscutível a dedicação que o arquiteto tem em estudar o patrimônio arquitetônico brasileiro, porém, de forma mais analítica, menos saudosista: A preocupação com as soluções funcionais e os volumes claramente definidos, característicos de suas primeiras obras, era um retorno consciente aos valores permanentes que havia descoberto na arquitetura luso-brasileira dos séculos XVII e XVIII, da qual, em contrapartida, rejeitava o que era pura decoração. O que chocava instintivamente no movimento moderno era seu caráter absolutista, intransigente e o aparente desprezo de seus teóricos por tudo que dizia respeito ao passado (BRUAND, 1996, p. 72). Bruand, mais adiante segue dizendo: Explicou que sua admiração pela arquitetura colonial levou-o a estudá-la como profissional e não como amador, o que permitiu-lhe compreender o espírito profundo dessa arquitetura: franqueza absoluta nos processos construtivos empregados, assegurando às construções um caráter de verdade total e perfeita lógica interna em correspondência com o progresso das técnicas da época (BRUAND, 1996, p. 73) O apoio de Warchavchik é fundamental nos anos que seguem, bem como o entusiasmo demonstrado por Costa com a vinda de Le Corbusier ao Brasil, já no ano de 1925, quando ministra uma palestra na Escola Nacional de Belas Artes. Ainda que tenha tido seus ideais progressistas combatidos por intelectuais mais conservadores, Costa continua imbuído por elaborar uma arquitetura que seja capaz de restabelecer uma conexão entre o passado e um futuro promissor. Após alguns projetos, sobretudo residências unifamiliares, Lucio Costa é convidado a realizar o projeto para o Ministério da Educação e Saúde, em 1935, obra emblemática que contará com a participação de Le Corbusier como consultor e de outros arquitetos que se tornariam ícones da Arquitetura brasileira. O projeto para o edifício do Ministério da Educação e Saúde é fruto de um Concurso que ocorre em 1935, e que é invalidado pelo ministro Gustavo Capanema, que solicita que Lucio Costa organize uma equipe de arquitetos para realizar o Projeto da nova Sede e que, portanto, substituiria o Projeto vencedor do arquiteto Archimedes Memória, professor catedrático de Arquitetura na Escola de Belas Artes, que teve como proposta um edifício de estilo marajoara, isto é, inspirado na civilização pré-colombiana que se desenvolveu na Ilha de Marajó. Le Corbusier é convidado especialmente por Capanema, com o intuito de assessorar a equipe de jovens arquitetos nessa tarefa de enorme responsabilidade, tendo em vista não somente a importância de um edifício público, mas também a possibilidade de elaborarem uma edificação que representaria um marco decisivo na trajetória da Arquitetura moderna brasileira. Costa, de personalidade bastante modesta e muito sensível aos seus contemporâneos, reconhece potencialidades em projetos de outros três arquitetos, também desqualificados, assim como ele próprio, do Concurso. Carlos Leão, Jorge Moreira e Affonso Reidy são os três indicados por Costa a compor a equipe, que não tardou a ser ampliada para seis membros. Moreira inclui Ernani Vasconcellos, parceiro de equipe no Concurso; Vasconcellos inclui Oscar Niemeyer, que havia sido estagiário no escritório de Warchavchik e Lucio Costa. A equipe tem dois fatores que garantem certa homogeneidade: além de terem se formado pela Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, os seis integrantes compartilham das mesmas preocupações e possuem imensa admiração pela obra de Le Corbusier e pelo seu pensamento acerca dos caminhos da Arquitetura. Le Corbusier não encontra problemas para dialogar com os arquitetos brasileiros por meio do desenho. Com muita desenvoltura e habitual egocentrismo, o arquiteto franco-suíço assume a dianteira do projeto, descartando aquilo que já havia sido esboçado pelos colegas, e propõe mudanças radicais. Uma delas é a escolha de um novo terreno, não muito distante do terreno original, porém, à beira-mar. O primeiro esboço que o arquiteto faz consiste em um monobloco erguido do solo por pilotis desenvolvendo-se longitudinalmente ao longo do terreno sugerido. Ainda que os colegas tenham se entusiasmado com a proposta do arquiteto, Capanema solicita um novo esboço para o terreno original. O arquiteto realiza, portanto, um segundo esboço, novamente se utilizando da lâmina com predominância horizontal como solução mais apropriada ao programa. Entretanto, Le Corbusier encontra dificuldades em equacionar a volumetria pura em função dos limites de dimensões de terreno o que o obriga a diminuir o monobloco em seu comprimento e compensar a perda de área aumentando a sua altura. Não obstante, a vista para a baía é obstruída, de modo que o partido arquitetônico para o projeto inicial não mais se sustenta para esse segundo esboço. É nesse momento que a equipe liderada por Lucio Costa assume a prancheta e, em cima do esboço de Le Corbusier, começa a realizar algumas sugestões e adequações necessárias para o projeto dentro de um contexto mais urbano. O bloco principal é situado no sentido de largura do terreno, perpendicular à Av. Graça Aranha, recuperando a orientação e a vista para a baía. O bloco é deslocado do limite do terreno e reposicionado de modo a respeitar o recuo necessário em função dos edifícios vizinhos e o caráter horizontal admitido por Le Corbusier deixa de fazer sentido. Os arquitetos,então, propõem que o edifício seja verticalizado. A verticalização do edifício garante uma redução significativa da ocupação do solo e, consequentemente, associada à utilização de pilotis, cria-se uma grande esplanada. Além do bloco principal, o complexo conta com mais dois blocos de gabarito bastante reduzido articulando o nível térreo: a sala de exposições e a sala de conferências, ambas dispostas perpendicularmente ao grande bloco. O volume principal tem as salas de trabalho dispostas de ambos os lados; porém, a sudoeste, há uma grande pele de vidro, enquanto a face oposta, nordeste, muito castigada pelo Sol, possui quebra-sóis em toda a sua extensão. O projeto da edificação é complementado pelo projeto paisagístico de Roberto Burle Marx, que equaciona tanto o térreo do conjunto, quanto a cobertura do volume da sala de exposições. É latente a influência de Le Corbusier em todo o processo: a adoção dos cinco pontos da arquitetura moderna, pilotis, planta livre, fachada livre, longa janela corrediça horizontal e o terraço jardim, além de toda a racionalidade e o funcionalismo empregados no projeto do Ministério; porém, é inegável a destreza com a qual Lucio Costa adapta esses elementos universais e os adéqua a uma Arquitetura exclusivamente brasileira. A atitude generosa de Costa para com seus colegas se estende ao Concurso para o projeto do Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Nova Iorque, em 1939. Ainda que tenha recebido o primeiro prêmio e Oscar Niemeyer o segundo lugar, Costa vê no projeto de seu conterrâneo grande potencialidade e qualidade superior ao seu próprio projeto. Sugere ao júri a elaboração de uma nova proposta em parceria com Niemeyer, muito em função da experiência que tiveram juntos, tanto no escritório, quanto no projeto para o Ministério da Educação e Saúde. O resultado dessa parceria é um volume de extrema leveza, reforçada pela sinuosidade com a qual as curvas são empregadas em sua composição: [...] Lucio Costa e Niemeyer asseguraram a toda a construção uma extraordinária flexibilidade, baseada no jogo de curvas: ao ritmo ondulado do corpo principal, correspondia ao da marquise que protegia o terraço da sobreloja, o da rampa de acesso, o das paredes da grande gaiola de pássaros, do aquário, do auditório, do jardim; no interior, repetia-se agora, de maneira mais informal, a mesma disposição de curvas através do contorno da laje do mezanino. O predomínio das curvas, especialmente nos planos horizontais, constituía um meio elegante de romper a ortogonalidade e o rigor do estilo internacional, conservando, ao mesmo tempo, o espírito de clareza e lógica que o caracterizava (BRUAND, 1996, p. 106). O sucesso do pavilhão abriu algumas possibilidades para Oscar Niemeyer, num primeiro momento em Minas Gerais, com a construção do projeto para o Grande Hotel, em Ouro Preto (1940). Esse projeto o coloca em contato com as autoridades locais e o prefeito de Belo Horizonte, à época, Juscelino Kubitschek, não economiza tempo e logo de imediato encarrega Niemeyer a projetar um conjunto de edifícios ao redor do lago artificial da Pampulha. O programa consiste em cinco edifícios: um cassino, um clube, um salão de danças, uma igreja e um hotel para festas (não executado), além da casa de fim de semana de JK. Esses equipamentos fazem parte de um plano de desenvolvimento para uma área suburbana destinada ao lazer e o resultado é um complexo voltado às classes mais abastadas. Niemeyer começa a imprimir a sua estética de modo que os edifícios sinuosos compõem o horizonte da lagoa poeticamente associados ao paisagismo concebido por Roberto Burle Marx, uma parceria que já havia sido colocada à prova no projeto para o Ministério da Educação e Saúde. Na década seguinte, Niemeyer desenvolve um outro grande complexo, dessa vez na capital paulista, o Parque do Ibirapuera (1951- 53). Da mesma forma que em Pampulha, o arquiteto usufrui de um programa que lhe garante certa liberdade compositiva ao organizar os edifícios dos museus e do auditório ao longo da marquise de linhas sedutoras. Esse e outros projetos conduzem Niemeyer ao seu apogeu, Brasília. A década de 1950, no Brasil, registra “Um momento de grande maturidade da produção arquitetônica no país, marcada por uma adesão quase consensual aos princípios éticos e formais da arquitetura e do urbanismo modernos” (BRAGA, 2010, p. 7). A segunda geração de modernistas nascidos em princípio do século XX, nessa década, com cerca de trinta ou quarenta anos de idade, tornam-se responsáveis por projetos que refletem esses princípios, tanto em pequena escala, como as casas projetadas por Warchavchik, Artigas, Rino Levi, Oswaldo Bratke, quanto em grande escala como os edifícios públicos do Ministério da Educação e Saúde ou o Museu de Arte Moderna (Rio de Janeiro, 1952) de Affonso Eduardo Reidy e o Conjunto Nacional (São Paulo, 1956) de David Libeskind, entre outros inúmeros projetos. Brasília, fruto do Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil, que ocorre entre setembro de 1956 e março de 1957, pode ser considerada o coroamento desse momento tão único na história da Arquitetura brasileira em nível mundial. Esse concurso coloca lado a lado grandes nomes nacionais, como Lucio Costa, Rino Levi, os irmãos Roberto e Artigas, entre outros, para o desenho urbano da nova Capital, novo símbolo político do Governo de Kubitschek, símbolo de um país em expansão econômica, territorial e também símbolo de uma arquitetura soberana. Nas palavras de Meira Penna: [...] Brasília foi a expressão de uma vontade de afirmação da grandeza e da vitalidade do Brasil, uma prova de sua capacidade de empreender e da confiança em seu destino, uma ideia-força capaz de galvanizar a opinião (PENNA apud BRUAND, 1996, p. 353). Para a concretização de Brasília, Kubitschek cria a Companhia Urbanizadora da Nova Capital – Novacap e encarrega Niemeyer (parceria já experimentada em Pampulha) das funções de diretor que, além de compor o corpo de jurados, também é responsabilizado pelo Presidente à época de projetar o conjunto de edifícios mais representativos da futura capital. Entre 26 projetos avaliados, o júri é unânime (exceto Paulo Antunes Ribeiro) ao selecionar o anteprojeto de Lucio Costa. A clareza do plano de Costa com a definição de dois grandes eixos possibilita que Niemeyer usufrua desse território desinteressante e distante das grandes metrópoles como uma espécie de laboratório para a criação de sua arquitetura. O eixo monumental que consiste na Estação Ferroviária num extremo e na Praça dos Três Poderes no outro, acomoda os principais equipamentos públicos desenhados por Niemeyer. A Brasília de Lucio Costa e de Oscar Niemeyer, em suma, representa a condição plena e mais íntima da Arquitetura e do Urbanismo modernistas.
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