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Antropologia Social Professora conteudista: Claudete de Souza Sumário Antropologia Social Unidade I 1 A TEORIA EVOLUCIONISTA: AS BASES DA CIÊNCIA ANTROPOLÓGICA .........................................2 1.1 Da Escola Funcionalista ao Culturalismo .......................................................................................4 1.2 A formação da sociedade brasileira na perspectiva de Gilberto Freyre e de Sérgio Buarque de Holanda ...............................................................................7 1.3 A formação do Brasil e o mito das três raças ........................................................................... 13 Unidade I 2 A CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIOURBANAS NO BRASIL .................................................... 20 2.1 O processo de industrialização e urbanização e a constituição do povo brasileiro .......................................................................................................... 22 2.2 Classe, cor e preconceito no Brasil ................................................................................................ 24 1 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 Unidade I 5 10 15 20 INTRODUÇÃO A Antropologia preocupa-se em analisar as diferenças, assim como elaborar propostas de ações que busquem transformar a realidade. Tendo sua origem no período da expansão do mundo colonial, período em que o mundo europeu se confronta com outros povos e culturas, nas Américas e na África, essa ciência surge para compreender as diversas formas do ser, do sentir e do pensar humano. Assim, a Antropologia tem seu desenvolvimento como ciência a partir da necessidade em compreender o outro (aquele que era diferente do mundo europeu do século XIX) como parte integrante de um contexto em que o universo da cultura ocidental se impõe à cultura do outro, implicando em violência e visões distorcidas desses povos e de suas culturas. O confronto com o desconhecido, como nos afirma Gusmão (1997, p. 18), implicou fazer perguntas, cujas respostas permitiram a constituição de um saber legítimo e reconhecido como ciência. Ao procurar identificar de forma precisa o não europeu, o antropólogo do século XIX tinha por base uma falsa imagem da cultura europeia, compreendida como uma sociedade homogênea e integrada. Não compreendiam que havia tantas diferenças e conflitos entre o industrial e o mineiro inglês, assim como entre o oficial da administração britânica e o colono indiano. 2 Unidade I Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 Por isso, a Antropologia foi sempre considerada a ciência da alteridade, isto é, a ciência que busca investigar o outro, aquele que é essencialmente diferente de mim. 1 A TEORIA EVOLUCIONISTA: AS BASES DA CIÊNCIA ANTROPOLÓGICA Na busca de interpretar as diferenças entre os grupos humanos, a cultura exerce papel fundamental para o olhar antropológico, já que esta passa a ser compreendida como prática significante que distingue o homem da natureza, o homem do animal, além de ser responsável pelas diversas formas de visões de mundo. “A cultura opera como rede simbólica que toma por base a experiência humana vivenciada, experimentada e concebida.” (Gusmão, 1997) O conceito antropológico de cultura é assim construído pelas questões da unidade biológica e a grande diversidade cultural da espécie humana. Essa temática é ainda hoje o grande desafio para a Antropologia, ou seja, compreender a diversidade de modos de comportamento existentes entre os diferentes povos. Para os cientistas do passado era comum buscar explicações sobre as diferenças de comportamento entre os homens, usando como referência as variações dos ambientes físicos. Com o decorrer do tempo, esses estudiosos chegaram à conclusão que as diferenças de comportamento entre os homens não poderiam ser explicadas a partir das diversidades geográficas ou biológicas, visto que, o comportamento dos indivíduos depende muito mais de um aprendizado que se adquire durante o convívio social. Esse processo foi chamado de “endoculturação”, ou seja, um menino e uma menina agem diferentemente não em função de seus hormônios, mas em decorrência de uma educação diferenciada. Por essa concepção, o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo 5 10 15 20 25 30 3 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam. De acordo com Laraia (2002), a primeira definição de cultura que foi formulada do ponto de vista antropológico pertence a Edward Tylor, em seu livro Primitive Culture (1871). Tylor demonstrou que cultura pode ser o objeto de um estudo sistemático, pois trata-se de um fenômeno natural que possui causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução. Assim, inicialmente o conceito de cultura esteve vinculado à ideia de evolução e progresso, como um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou os hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade. (Laraia, 2002, p. 25) A principal característica da teoria evolucionista foi considerar as sociedades primitivas (sociedades que tiveram sua origem mais tardia em relação às outras) como sociedades em estágio inferior ao desenvolvimento alcançado pelas sociedades ditas civilizadas. Para os defensores dessa teoria as condições materiais e culturais das sociedades humanas passariam, necessariamente, das etapas do primitivismo à civilização. Nesse sentido, o evolucionismo, que surge com a ciência antropológica no século XIX, conduz a concepção etnocêntrica do mundo, isto é, parte-se da ideia de que as diferenças entre grupos e sociedades possuem uma escala evolutiva, considerando o mundo europeu como modelo único de sociedade. As ideias e posturas consideradas etnocêntricas podem ser identificadas em afirmações do tipo “povos e grupos sem cultura, selvagens, sem moral, possuidores de costumes bárbaros”. 5 10 15 20 25 30 4 Unidade I Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 O eurocentrismo foi o exemplo máximo das ideias e posturas etnocêntricas, pois os europeus passam a interpretar as diversas sociedades existentes nos diferentes locais a partir de valores e princípios próprios, isto é, europeus. Assim, a sociedade europeia torna-se modelo e padrão para todas as outras sociedades. Henry L. Morgan destaca-se como um importante evolucionista do século XIX, influenciando muitos pensadores, entre eles seu aluno Franz Boas. Franz Boas, no entanto, transforma-se em um dos maiores críticos do evolucionismo, afirmando que as sociedades e os grupos possuem uma história particular, diversa, e é essa diversidade que constitui a riqueza da vida social humana. Sugestões de leituras complementares e filmes BOAS, Franz. Antropologia cultural. (Org. Celso Castro). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. CASTRO, Celso (Org). Evolucionismo cultural: textos de Morgan, Taylor e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. Documentário: Xingu (Brasil, 1985, direção de Washington Novaes. Duração: 120 min). 1.1 Da Escola Funcionalista ao Culturalismo A teoria funcionalista surgiu no século XX como sucessora do evolucionismo, respondendo em parte às críticas que surgiam emrelação ao eurocentrismo e ao etnocentrismo. De acordo com a concepção funcionalista, cada sociedade deve ser estudada como um organismo constituído por partes interdependentes e complementares, cuja função é satisfazer as necessidades essenciais dos seus integrantes (Costa, 2001, p. 110). O grande idealizador do funcionalismo foi Malinowski, que organizou e sintetizou uma visão integrada e totalizante 5 10 15 20 5 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 do modo de vida de um povo não europeu. Em sua pesquisa desenvolveu o método da observação participante entre os nativos das Ilhas Trobriand, próximas à Nova Guiné, onde reconstituiu os principais aspectos da vida trobriandesa, desde as grandes cerimônias até aspectos da vida cotidiana. A concepção de Malinowski consiste em demonstrar como se faz uma organização de trabalho de campo, analisando uma determinada cultura. Mostra que o olhar etnocêntrico não deve ser utilizado, pois para ele as diferenças existem em todas as sociedades e povos: pois, se para nós eles são diferentes, para eles os diferentes somos nós. Se determinada sociedade aparece ao pesquisador como desordenada ou desintegrada, isso se deve apenas ao seu desconhecimento em relação a ela, o que pode ser superado após um processo de investigação, a chamada observação participante. A observação participante é o método de pesquisa que revolucionou os estudos antropológicos, substituindo a análise de informações superficiais e questionários inadequados pelo estudo sistemático das sociedades. Cabe ao pesquisador, penetrar na cultura, desvendar seus significados guiados por suas informações e não por teorias externas à realidade (Costa, 2001, p. 110). Radcliffe-Brow se destacou como defensor da teoria funcionalista e estudos das sociedades não europeias. Assim como Malinowshi, considerava essas sociedades como totalidades integradas de instituições que têm a função de satisfazer as necessidades básicas como alimentação, segurança, entre outros. Os estudos funcionalistas permitiram que sociedades não europeias passassem a ser compreendidas dentro de suas especificidades. As sociedades tribais africanas, australianas e asiáticas passaram a ser entendidas, deixaram de ser consideradas como “sobrevivências”. Mais tarde, o antropólogo 5 10 15 20 25 30 6 Unidade I Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 Robert Redfield estudou também as sociedades camponesas do México e da América Central. As críticas ao funcionalismo, a partir dos anos 1960, apontavam para a ineficácia dos modelos de mudanças sociais, suas contradições estruturais e conflitos. Outras críticas apontavam para a descrição das instituições sociais apenas a partir de seus efeitos, omitindo, portanto, as causas. Os funcionalistas, ao utilizarem conceitos como aculturação e choque cultural, deixavam de revelar as desigualdades que existem nesse contato, principalmente quando resultam de uma política colonialista. Além disso, são responsáveis pelo que ficou conhecido como relativismo cultural, ou seja, postura de tolerância e respeito em relação aos costumes e traços culturais diferentes. No início do século XX, Claude Lévi-Strauss desenvolveu o estruturalismo, um novo método de investigação e interpretação antropológico influenciado pelas teorias da linguística, que parte do princípio de que a estrutura é uma elaboração teórica capaz de dar sentido aos dados empíricos de certa realidade. Lévi-Strauss define cultura como os “hábitos; atitudes; comportamentos; maneiras próprias de agir, sentir e pensar de um povo” e a “estrutura subconsciente de pensamento”. Para os estruturalistas a diversidade humana não é importante, mas, sim, a similaridade humana de pensamento. Aceitavam a existência de diferentes sociedades, das mais simples ou tradicionais até as mais complexas, mas afirmavam que essa diferença só poderia ser explicada em função de sua própria história e sua relação com o meio natural e social. A Antropologia foi se desenvolvendo e, com o tempo, foi deixando de lado o campo da evidência empírica e se aprofundando na área de organização psíquica e emocional dos agentes sociais. Assim, surge, no início do século XX, a 5 10 15 20 25 30 7 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 chamada Antropologia Cultural, que substituiu a visão de que as diferenças biológicas determinariam as diferenças culturais. Ao fazer críticas à ideia da evolução cultural, os estudiosos passaram a defender que cada sociedade teria sua história e seu valor particular. Nesse sentido, a cultura e a história, e não mais a “raça”, seriam a causa das diferenças entre as populações. Destacam-se alguns antropólogos culturalistas, como Franz Boas, Margareth Mead e Ruth Benedict, que acreditavam que a sociedade humana tem como características componentes inatos e componentes aprendidos e transmitidos. A cultura, componente aprendido e transmitido, contribui para reprimir comportamentos, embora os instintos continuem presentes nos indivíduos. 1.2 A formação da sociedade brasileira na perspectiva de Gilberto Freyre e de Sérgio Buarque de Holanda No Brasil, as teorias do culturalismo e do funcionalismo começam a ganhar adeptos a partir dos anos 1930, e têm seu início a partir da célebre obra Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre. Assim como Freyre, outros autores contribuíram para a compreensão e interpretação do imaginário, representações sociais e expressões culturais dos diferentes segmentos sociais da realidade brasileira e suas particularidades regionais. Os estudos clássicos de Gilberto Freyre e de Sérgio Buarque de Holanda contribuíram para construir um olhar antropológico sobre a formação da sociedade brasileira. Esses estudos tiveram como principal proposta entender as características presentes na sociedade brasileira considerando seu passado. Freyre dedicou-se à interpretação do nordeste açucareiro em obras como Casa-grande e senzala e Sobrados e mocambos, enquanto Sérgio Buarque de Holanda priorizou em suas análises o processo colonizador em sua clássica obra Raízes do Brasil. A 5 10 15 20 25 8 Unidade I Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 publicação dessas obras aconteceu na década de 1930, período de intensas transformações no país, marcado pela expansão das atividades urbanas em relação ao processo de decadência das áreas rurais. De acordo com Gilberto Velho, coube a Freyre um lugar de particular destaque, devido à ousadia de sua interpretação do Brasil e dos brasileiros. “Ele fará a análise de uma sociedade complexa moderno-contemporânea, extensa geograficamente, com milhões de habitantes de diferentes origens e características, espalhados por cidades e campos.” (Velho, 2008, p. 12) Ao escrever Casa-grande e senzala, Gilberto Freyre deu início às análises da cultura brasileira de uma maneira bastante original, na medida em que viu com otimismo a miscigenação racial e as particulares relações sociais no Brasil. De maneira diferente dos estudos anteriores desenvolvidos no Brasil, Freyre buscou compreender a relação entre raça e cultura, demonstrando que a questão genética não está acima da dimensão cultural, ou seja, a existência dos problemas sociais não estaria, necessariamente, relacionada ao caráter mestiço do povo brasileiro. Dessa forma, como destaca Mello e Souza (1998, p. 20), a visão que se difunde é a de que o sistema econômico, e não a mestiçagem, comoera tradicionalmente citada, seria responsável pelos problemas sociais existentes no país, como as doenças, a amoralidade, a apatia e a aversão ao trabalho. Apesar das críticas por minimizar os conflitos presentes nas relações raciais e defender o processo de mestiçagem como remédio para os males da sociedade brasileira, a obra de Freyre é considerada inovadora pelo fato de destacar, pela primeira vez, algumas características positivas nos grupos indígenas e negros. Em relação aos costumes indígenas, por exemplo, Freyre destaca sua influência na introdução dos hábitos de higiene e na 5 10 15 20 25 30 9 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 dieta do colonizador português com a introdução de alimentos nutritivos, como a mandioca, e o conhecimento do poder de algumas ervas. Segundo o autor, coube à mulher indígena, o papel de transmitir esses costumes, pois o homem índio tendia a ser nômade, enquanto a mulher, por se fixar em um só local, teria a facilidade de se amancebar com os portugueses e, consequentemente, transmitir ao europeu um pouco da sua cultura. Quanto ao homem indígena, coube a responsabilidade de transmitir aos portugueses o gosto pela guerra. Em contraste com tudo isso é que surpreendeu aos primeiros portugueses e franceses chegados nessa parte da América um povo ao que parece sem mancha de sífilis na pele; e cuja maior delícia era o banho de rio. Que se lavava constantemente da cabeça aos pés; que se conservava em asseada nudez (Freyre, 1992, p. 108). Nas mulheres a cargo de quem se achava toda a série de cuidados de higiene doméstica entre os indígenas, com exceção da lavagem das redes sujas, era ainda maior que nos homens o gosto pelo banho e pelo asseio do corpo (Soares apud Freyre, 1992, p.113). Quanto à marca da influência negra na sociedade brasileira, Freyre destaca algumas características como a ternura, a mímica excessiva, o catolicismo, a música, o andar, entre outras. Sem negar a importância do negro na vida estética e no progresso econômico do Brasil, o autor enfatiza, em sua análise, a separação entre negro e escravo, contrariando as teorias eugênicas predominantes na época, que influenciadas pelo cientificismo e darwinismo social, descreviam o negro como uma raça inferior. Para Freyre, o negro brasileiro não era inferior, mas, sim, foi inferiorizado durante a escravidão. A escravidão desenraizou o negro do seu meio social e de sua família, soltando-o entre gente estranha 5 10 15 20 25 30 10 Unidade I Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 e, muitas vezes, hostil. Dentro de tal ambiente, no contato de forças tão dissolventes, seria absurdo esperar do escravo outro comportamento senão o imoral, de que tanto o acusam (Freyre, 1992, p. 315). É absurdo responsabilizar o negro pelo que não foi obra sua nem do índio, mas do sistema social e econômico em que funcionaram passiva e mecanicamente. Não há escravidão sem depravação sexual. É da essência mesmo do regime... (Idem, p. 316). No entanto, a violência e os conflitos que envolveram a escravidão, presentes nas relações entre senhores e escravos, foram minimizados em Casa-grande e senzala, reproduzidos em apenas algumas citações sobre as humilhações, castigos e torturas aos quais os negros eram submetidos. De uma forma geral, a ideia que se difunde é a de que portugueses, índios e negros trocaram, de forma natural e pacífica, seus costumes, suas diferentes culturas, transformando- se em um exemplo de convívio racial democrático. Ao aplicar o termo “assimilação” para descrever os contatos entre colonizadores e colonizados, Freyre traz a visão antropológica da ideia de solidariedade e interação entre os grupos, minimizando os aspectos que demonstram a exploração e a violência que marcaram a história da colonização brasileira. Nessa mesma linha estão os trabalhos de Sérgio Buarque de Holanda, mais especificamente sua clássica obra Raízes do Brasil, cujo objetivo era delinear uma “psicologia” do povo brasileiro, a partir do processo colonizador. O autor descreve de maneira inovadora os costumes e as características do povo brasileiro, destacando sua formação colonial numa sociedade dividida em classes, num universo envolvendo senhores e escravos. De acordo com as análises de Antônio cândido: 5 10 15 20 25 30 11 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 Raízes do Brasil é construído sobre uma admirável metodologia de contrários… A visão de um determinado aspecto da realidade histórica é obtida, no sentido forte do termo, pelo enfoque simultâneo dos dois; um suscita o outro, ambos se interpenetram e o resultado possui uma grande força de esclarecimento (Candido, 1967). Ao analisar a colonização da América, destacou a sua concepção de cultura da personalidade, na qual o apego pelo prestígio pessoal resultava na ausência de uma moral de culto ao trabalho, diferente dos países protestantes. É essa cultura que contribuiu para que se desse valor ao indivíduo autônomo e não à organização espontânea, formada pela coesão social. Assim, essa característica está intimamente ligada à outra herança ibérica, que é a repulsa ao trabalho. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, (...) a carência dessa moral do trabalho se ajusta bem a uma reduzida capacidade de organização social. Efetivamente o esforço humilde, anônimo e desinteressado é agente poderoso da solidariedade dos interesses e, como tal, estimula a organização racional dos homens e sustenta a coesão entre eles (Holanda, 1999, p. 39). A ética da aventura é também um conceito utilizado para a compreensão da sociedade brasileira contemporânea em sua origem histórica. Por essa análise é explicada a questão da colonização do Brasil pelos portugueses. Para o autor, a colonização se justifica pelo espírito aventureiro do português, que conseguiu se adaptar na América, como nenhum outro povo conseguiu. No entanto, a noção de homem cordial, um dos conceitos mais discutidos da obra de Sérgio Buarque de Holanda, passou a ser utilizado como referência para a compreensão de sua 5 10 15 20 25 30 12 Unidade I Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 teoria. Ao definir o conceito de homem cordial, o autor buscou compreender as características marcantes do modo de ser do brasileiro, dentre elas: A lhaneza no trato, a hospitalidade e a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar �boas maneiras�, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante. Na civilidade há qualquer coisa de coercitivo - ela pode exprimir-se em mandamentos e sentenças (Holanda, 1999, p. 141). O “homem cordial” seria o resultado da cultura patriarcal e rural própria da sociedade brasileira. Para o autor a cordialidade do povo brasileiro foi formada pelo predomínio de relações humanas mais simples e diretas que rejeitavam a polidez e a padronização, características da civilidade. A dificuldade de se desvincular dos laços familiares e se constituir enquanto cidadão brasileiro se expressa no fato de que, para o brasileiro, é na esfera da família que se constituiu o aconchego e as formasemotivas de tratar o próximo, consequentemente, isso interferiu na organização da esfera do Estado, gerando uma confusão entre aquilo que é privado e aquilo que é público. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, a existência de um núcleo familiar patriarcal na sociedade brasileira resultou em um meio público específico, que continha traços que formaram o indivíduo. Pode-se dizer que, por meio dessas obras, Casa-grande e senzala e Raízes do Brasil, houve uma tentativa de interpretar o Brasil, destacando as suas características diversas, os aspectos 5 10 15 20 25 30 13 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 culturais presentes no processo de mestiçagem, o caráter pacífico da assimilação e a especificidade das relações. Ao romper com as visões anteriores que analisavam o Brasil a partir de referências naturalistas, deterministas, racistas etc. passam a inovar, cada um à sua maneira, ao destacar a necessidade de uma compreensão histórica do Brasil, buscando entender seu presente a partir de suas raízes, sua História. 1.3 A formação do Brasil e o mito das três raças A questão das origens e a formação da sociedade brasileira foram analisadas no século XX por importantes pesquisadores que contribuíram para a historiografia nacional. Os trabalhos propostos por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. contribuíram para a redescoberta da sociedade brasileira através de sua cultura, suas raízes e suas tradições. Gilberto Freyre, em seu livro Casa-grande e senzala, entende a formação do povo brasileiro, destacando o hibridismo das três raças, isto é, a mistura entre negro, índio e branco. Essa mistura, na visão de Freyre, se constitui como algo positivo, visto que a miscigenação é um dos elementos-chave na conquista dos trópicos. Ao propor uma reinterpretação da mestiçagem da população brasileira, se contrapõe às teorias existentes até então. Para Freyre, houve no país o que considera “patriarcalismo polígamo”, características do conquistador português, que por si só já é híbrido, com tendência à mestiçagem. Assim, a população portuguesa é vista como um povo apto à colonização dos trópicos, devido à plasticidade social, versatilidade e fácil adaptação às circunstâncias e ao clima. O português não apenas conseguiu vencer as condições de clima e de solo desfavoráveis ao estabelecimento de europeus 5 10 15 20 25 14 Unidade I Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 nos trópicos, como conseguiu, também, suprir a extrema penúria de gente branca para a tarefa colonizadora unindo-se à mulher de cor. Sérgio Buarque de Holanda também defende a miscigenação como um ponto positivo que possibilitou a adaptação do português no Brasil. A ousadia e o espírito aventureiro do português lhe proporcionaram acumular riquezas. Assim, o duro trabalho manual ficava a cargo dos escravos. Esse desamor pelo trabalho também é justificado pelo ruralismo. Nesse caso, para Holanda, os valores personalistas tornaram-se grandes obstáculos para o fortalecimento da democracia no Brasil, visto que sua população formou-se dentro de valores baseados em laços diretos e pessoais. Assim, a formação oligárquica e autoritária das elites culturais e políticas brasileiras impedia seu pleno desenvolvimento democrático. O pesquisador via como ponto positivo o fato de no Brasil o espaço urbano assumir aos poucos sua independência em face do rural. Porém, defendia em suas análises que somente quando aniquilarmos as raízes ibéricas de nossa cultura e propiciarmos a emergência das outras camadas sociais, teremos finalmente concluído a nossa ”revolução”. Sugestões de leituras complementares AMADO, Gilberto et alli. Gilberto Freyre: sua ciência, sua filosofia, sua arte; ensaios sobre o autor de Casa-grande e senzala e sua influência na moderna cultura do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1962. CANDIDO, Antonio. O significado de “Raízes do Brasil”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. DEBRUN, Michel. A identidade nacional brasileira. Estudos avançados (online). 1990, vol.4, n.8, pp. 39-49. 5 10 15 20 15 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 QUESTÕES Leia os fragmentos do texto e responda as questões a seguir: “A Antropologia é uma disciplina cheia de conflitos, eternamente em busca de meios para escapar de sua condição, eternamente sem conseguir encontrá-los. Desde sempre comprometida com uma visão global da vida humana – social, cultural, biológica e histórica ao mesmo tempo – ela está sempre recaindo em suas partes, queixando-se desse fato e tentando, desesperadamente e sem sucesso, projetar algum tipo de nova unidade para substituir a que imagina ter tido, mas, que agora, pela infidelidade dos atuais praticantes, teria jogado fora (...). As questões sobre as grandes subdivisões do campo – antropologia física, arqueologia, antropologia linguística e antropologia cultural (ou social) – têm sido razoavelmente bem administradas pelos mecanismos costumeiros de diferenciação e especialização, nos quais cada subcampo tornou-se uma disciplina bastante autônoma...”. (GEERTZ, Clifford. Nova luz sobre a Antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004) 1. Entende-se a ciência antropológica como: a. Uma ciência em construção, cheia de conflitos e em busca de uma legitimidade. b. Uma proposta de visão de mundo, que está em constante mudança. c. Uma ciência comprometida em compreender o Homem em sua totalidade, e, por isso, em constante conflito. d. Uma disciplina uniforme e homogênea que busca estudar a diversidade humana. e. A disciplina que estuda o Homem e sua formação biológica e geográfica. 5 10 15 20 25 30 16 Unidade I Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 2. De acordo com Geertz, as grandes subdivisões do campo antropológico: a. Transformaram-se em um problema para os seus estudiosos, visto que não conseguiam encontrar um ponto comum. b. Criam uma questão pouco debatida entre seus membros, por isso acontecem os conflitos internos. c. Não interferem no desenvolvimento da disciplina, pois cada subcampo é independente de outro. d. Criam uma questão bem resolvida entre seus estudiosos, pois suas diferenças e especificidades transformaram- se em pontos positivos. e. Ocorreram devido à imposição de outras disciplinas. 3. Assinale a opção que indica o emprego correto do conceito de cultura na perspectiva da antropologia. a. A cultura diz respeito à dimensão de vida material que singulariza um povo. b. A cultura é herdada biologicamente e condiciona o comportamento dos povos. c. A cultura de uma sociedade é condicionada pelos aspectos geográficos. d. O conceito de cultura sofre alterações de acordo com a época e a sociedade. e. A cultura é uma forma de linguagem que tem origem simbólica. 4. “O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o antecederam”. 5 10 15 20 25 17 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 Assinale a frase que melhor exemplifica o trecho citado. a. Diga-me com quem andas e eu lhe direi quem és. b. Tenho a música no sangue. c. Meu filho tem muito jeito para a matemática, pois herdouesta qualidade de seu avô. d. Aquele povo é preguiçoso, pois moram em um local de clima quente. e. Herdei a inteligência de meus ancestrais. 5. “A Antropologia procura identificar na sociedade contemporânea os nichos de resistência e, como sempre, de alteridade.” O que se entende por alteridade? Exemplifique. 6. “Vivendo na aldeia, sem qualquer responsabilidade senão a de observar a vida nativa, o etnógrafo vê os costumes, as cerimônias, as transações etc. Muitas e muitas vezes obtém exemplos de suas crenças, tais como os nativos realmente as vivem.” Nesse trecho, Malinowski descreve o método de investigação antropológica considerado “observação participante”. Sobre esse método é correto afirmar que: a. É o processo de investigação no qual as análises são feitas por meio de questionários. b. É o processo pelo qual o investigador, penetrando na cultura, desvenda seus significados guiados por suas informações. c. É o processo pelo qual o investigador, penetrando na cultura, desvenda seus significados guiados por teorias externas àquela realidade. 5 10 15 20 25 18 Unidade I Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 d. É uma proposta de estudo teórico sobre as sociedades consideradas primitivas. e. Faz parte do processo de seleção dos grupos a serem analisados. Respostas 1. Resposta correta – C A Antropologia é a disciplina centrada nos estudos do ser humano e suas realizações em todas as dimensões e em todas as épocas. Esses diferentes contextos justificam sua eterna busca pela unidade, ou seja, pelo fim dos conflitos. 2. Resposta correta – D Segundo o texto, as grandes subdivisões do campo da antropologia têm sido razoavelmente bem administradas pelos mecanismos costumeiros de diferenciação e especialização, nos quais cada subcampo tornou-se uma disciplina bastante autônoma. 3. Resposta correta – E Na visão antropológica a cultura opera como rede simbólica, tomando por base a experiência humana vivenciada, experimentada e concebida. 4. Resposta Correta – A A frase expressa a noção de cultura adquirida por meio da convivência social. 5. Resposta: Alteridade é a concepção que parte do pressuposto de se colocar no lugar do outro, aquele essencialmente diferente de mim. 5 10 15 20 25 19 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 6. Resposta correta – B A observação participante consiste no método de pesquisa que substitui a análise de informações superficiais e questionários inadequados pelo estudo sistemático das sociedades. Por esse método, o pesquisador, precisa penetrar na cultura para desvendar seus significados guiados por suas informações e não por teorias externas à realidade. 5
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