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UNIVERSIDADE FEEVALE CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO MARINO CAMARGO DE ABREU IGOR RAATZ DO POSITIVISMO EXEGÉTICO AO POSITIVISMO NORMATIVISTA DE HART: DO MITO DA PLENIPOTENCIARIEDADE DO TEXTO À TEXTURA ABERTA DA NORMA E O PROBLEMA DA INDETERMINAÇÃO DO DIREITO NOVO HAMBURGO 2016/1 MARINO CAMARGO DE ABREU DO POSITIVISMO EXEGÉTICO AO POSITIVISMO NORMATIVISTA DE HART: DO MITO DA PLENIPOTENCIARIEDADE DO TEXTO À TEXTURA ABERTA DA NORMA E O PROBLEMA DA INDETERMINAÇÃO DO DIREITO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade Feevale. Orientador: Prof.Dr. Igor Raatz Novo Hamburgo 2016 MARINO CAMARGO DE ABREU Trabalho de Conclusão do Curso de Direito, com o título DO POSITIVISMO EXEGÉTICO AO POSITIVISMO NORMATIVISTA DE HART: DO MITO DA PLENIPOTENCIARIEDADE DO TEXTO À TEXTURA ABERTA DA NORMA E O PROBLEMA DA INDETERMINAÇÃO DO DIREITO, submetido ao corpo docente da Universidade Feevale, como requisito necessário para a obtenção do Grau de Bacharel em Direito. Encaminho o presente trabalho para avaliação de banca examinadora: __________________________________________ Prof. Dr. Igor Raatz Orientador __________________________________________ Prof. Me. Banca Examinadora __________________________________________ Prof. Me. Banca Examinadora Novo Hamburgo, 13 de junho de 2016. 2 Dedica-se o presente trabalho às pessoas mais importantes da minha vida, Stéfane, Luiza e Otávio, as razões do meu viver. 3 AGRADECIMENTOS Eis o momento no qual o autor desprende-se das amarras do formalismo para que possa prestar homenagens àqueles que contribuíram direta ou indiretamente para o desenvolvimento deste trabalho. Para que se possa prestar todas as homenagens devidas é necessário remontar ao ano de 2010, ano no qual ingressei na universidade e isto foi possível ante o apoio incondicional da minha amada companheira, noiva e amiga Stéfane. Somente nós dois sabemos em nossa intimidade tudo o que foi necessário para que ela alcançasse sua graduação em 2014 e, neste ano, eu pudesse concluir essa etapa. Não foram poucos os obstáculos que tivemos que superar para chegarmos até esse momento, sendo estes de todas as espécies passíveis de ocorrência. No entanto, como tudo em nossa vida, nos unimos e conseguimos caminhar juntos para que alcançássemos nossos objetivos acadêmicos. Somente com sua ajuda, seu apoio é que eu consegui. Sua paciência, sua motivação em momentos elementares não foram nada menos do que tudo para mim. Te amo mais que tudo do fundo para sempre. Te agradeço com todo amor deste mundo. Um dos grandes desafios de minha vida chama-se Luiza, minha filha, minha pequena, meu exemplo de filho(a). Nós sabemos que tudo podia dar errado né? Mas você tinha que estar na minha vida. Lu, tua luz ilumina qualquer escuridão, teu sorriso motiva, até mesmo, o mais descrente. Obrigado minha filha, por me permitir ter você em minha vida. Nem no meu melhor sonho eu poderia ter imaginado uma filha que nem você. Ver sua admiração para com este trabalho e para com a universidade em si é motivo de orgulho. Filha te amo muito, Deus é testemunha do quão importante você é para mim. Ainda, mesmo que seja recém-chegado, 02 aninhos apenas, Otávio um dia lerá essas palavras que escrevo em sua homenagem. Você transborda nossa casa de alegria, sua esperteza me inspira. Seu ânimo me dá forças. Tu és meu orgulho. Quando viestes, ao invés de dividir meu coração com sua irmã, fizeste nascer um novo para que eu possa amá-los incondicionalmente. Meus amores, meu tripé, sem vocês nada disso poderia estar acontecendo. Amo vocês com todas as forças que tenho! Não há como não pensar em minha mãe, Milena Camargo de Abreu, neste momento. Graças a ela tenho minha vida, minha oportunidade de conseguir chegar 4 até aqui. Mãe, muito obrigado por cada gota de suor que derramaste para que eu conseguisse. Muito obrigado por cada minuto de atenção e, porque não preocupação que gastaste comigo. Só tenho algo a te dizer, já está valendo a pena. Te amo, obrigado por enfrentar todas as adversidades da vida para que eu pudesse ter a chance de sonhar e, agora, realizar mais um de meus sonhos. In memoriam, agradeço ao meu avô Kalil Antônio Taher, que mesmo sem qualquer obrigação legal ou sanguínea, me amou incondicionalmente todos os dias de nossa convivência. Ensinou-me a ser homem que sou, o pai que tento ser para meus filhos. Vô, aonde quer que estejas te escrevo estas palavras para agradecer seu apoio em todos os momentos de minha vida. Simplesmente fostes a figura, o exemplo que eu me espelhei e que quero transmitir aos meus filhos. Sei que continuas olhando por mim e, agora, pela Lu e pelo mano. Fazes muita, mas muita falta. Te amo. Tenho certeza que um dia nos reencontraremos. Nestes 06 anos de graduação tive a oportunidade de conhecer grandes pessoas, amigos que contribuíram cada um com seu jeito para o meu amadurecimento e crescimento pessoal e profissional. Primeiramente, como não poderia ser diferente, agradeço ao meu orientador, Dr. Igor Raatz que foi muito mais que isso, muito mais que professor. Tenho orgulho em dizer que tenho em sua pessoa um amigo. Suas palavras foram, são e serão de muita valia para minha vida. Agradeço-te por ter me possibilitado essa convivência além dos limites da universidade. Meu caro, sem tua ajuda, sem teu apoio, bem como sua fé na minha pessoa, na minha capacidade, que muitas vezes foi maior do que a minha própria, eu não teria conseguido ultrapassar esta etapa. Te desejo nada menos que o melhor. Estendo meus agradecimentos à Me. Natascha Anchieta, que além de exímia doutrinadora, se mostrou uma amiga, ainda que à distância, na formatação deste trabalho. Sei que suas conversas com meu orientador foram de grande ajuda. Agradeço ao meu amigo Lucas dos Santos Schneider, um parceiro de academia que também me proporcionou uma grande amizade. Obrigado meu velho por acreditar em mim. Saibas que torço muito por ti. Continuamente, agradeço ao João Schneider por estes anos de parceria e companheirismo. Sei que tens grande futuro. Em especial agradeço aos meus queridos amigos Diogo Kniest Stein e William Galle Dietrich, pelas ajudas no decorrer das cadeiras e por me proporcionarem a excelente sensação de participar de debates jurídicos intrigantes e 5 de grandessíssimo aprendizado. Ao meu amigo William, agradeço pelo apoio neste trabalho, pois mesmo estando também em elaboração de sua monografia jamais negou-me uma ajuda e, ou, elucidação acerca de quaisquer dúvidas. Tenho plena e inequívoca ciência de que percorrerá uma carreira brilhante como jurista. Saibas que os cafezinhos foram fundamentais nesta reta final. Por fim, agradeço a todos os amigos que nesses anos acadêmicos se mostraram imprescindíveis para que pudesse chegar à este momento. Mesmo que não tenham sido nominados um a um, são, mesmo à distância, muito importantes para mim. 6 “A linguagem e o discurso têm semelhanças com as teias de aranha. Os espíritos fracos e delicados ficampresos às palavras e nelas se emaranham, mas os fortes as rompem”1. “Live fast, on high. Repentless, let it ride”2. 1 HOBBES, Thomas. Opera philosophica quae latine scripsit omnia. Londres: Bohn, 1839. p. 32. 2 KING, Kerry. Repentless. Nuclear Blast, 2015. 7 RESUMO O presente trabalho visa a discorrer acerca das raízes, das alterações e da evolução da tradição jurídica do positivismo, percorrendo o caminho da evolução do positivismo primitivo (exegético e conceitual), as críticas decorrentes dos movimentos libertários, chegando-se, ao final, ao positivismo de Herbert Hart. Para tanto, passar-se-á pelas escolas primárias até a interpretação moderna do dito estilo jurídico, a fim de demonstrar a superação da exegese através do normativismo hartiniano, não significando, contudo, a superação do positivismo. Busca-se enfrentar os elementares de cada fase da tradição positivista, estes amparadas por necessidades sociais seguidas de quebra de dogmas jurídicos, sempre visando demonstrar a busca pela resposta da problemática da indeterminação do direito. No decorrer da exposição serão abordadas as fases da tradição jurídica positivista, de modo fazer um cotejo entre o Positivismo Exegético e o Positivismo Normativista de Herbert Hart, visualizando-se os problemas decorrentes do mito da plenipotenciariedade do texto, da suposta univocidade das regras, bem como da textura aberta da linguagem e, consequente, do direito. Com essa abordagem, pretende-se colocar em xeque o senso comum que afirma que o reconhecimento do caráter indeterminado do direito seria uma postura pós-positivista, na medida em que a teorização da textura aberta da norma, sob a ótica Hartianiana, em que pese constitua uma evolução relativamente ao positivismo clássico, aposta na discricionariedade judicial e na separação entre direito e moral, elementos chaves da tradição positivista. Palavras-chave: Positivismo Jurídico. Textura aberta da norma. Herbert Hart. Teoria do Direito. Indeterminação do Direito. 8 ABSTRACT The present work aims to discuss about the roots, changes and developments in the legal tradition of positivism, walking through the path of primitive evolution of positivism (exegetical and conceptual), the liberation movements criticism, coming up at the end, to the Herbert Hart’s positivism. Therefore, it will pass through the primary schools to the supposed juridical modern interpretation sort, in order to demonstrate the overcoming of exegesis through hartinian’s normativism, doesn’t meaning, however, the overcoming of the positivism. It seeks to affront the elemental of each positivist tradition phase, supported by these followed social needs of breaking legal dogmas, always aiming to demonstrate the search for the answer to the indeterminacy of law problem. During the exhibition it will be discussed the stages of legal positivist tradition in order to make a comparison between Exegetical Positivism and Herbert Hart’s Normative Positivism, visualizing the problems arising from the multipotency text myth, the supposed univocal sense from the rules, as well as the open texture of language and, consequently, of the laws. With this approach, it intends to put in question the common sense who states that the recognition of the indeterminate nature of law would be a post-positivist stance, as long as the open texture theory of the rule, from the Hartinian perspective, despite constitutes an improvement on the classic positivism, is commitment to judicial discretion and the separation between law and morality, key elements of the positivist tradition. Key-Words: Legal Positivism. Open texture of the rule. Herbert Hart. Theory of Law. Indeterminancy of Law. . 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 1 DA EQUIVOCADA COMPREENSÃO DO “PÓS-POSITIVIMO” COMO SUPERAÇÃO DO POSITIVISMO EXEGÉTICO E CIENTÍFICO: EM BUSCA DE ALGUNS ESCLARECIMENTOS CONCEITUAIS ..................................................... 13 1.1 DO POSITIVISMO EXEGÉTICO COMO PROIBIÇÃO DE INTERPRETAR: AS RAZÕES HISTÓRICO-POLÍTICAS DO SEU DESENVOLVIMENTO EM TERRAS FRANCESAS ............................................................................................................ 13 1.2 ASPECTOS TEÓRICO DO EXEGETISMO E SUA CRÍTICA .............................. 24 1.3 DO POSITIVISMO CIENTÍFICO ALEMÃO (PADECTISTICA) E SUAS RAÍZES CONSERVADORAS ................................................................................................. 35 1.4 DA SUPERAÇÃO DOS POSITIVISMOS PELOS MOVIMENTOS LIBERTÁRIO: UM PRIMEIRO CASO DE PÓS-POSITIVISMO? ...................................................... 52 2 O POSITIVISMO JURÍDICO DE HERBERT HART E A QUESTÃO DA TEXTURA ABERTA DA NORMA: O INGRESSO DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM ORDINÁRIA NO DIREITO ........................................................................................ 60 2.1 DA INSUFICÊNCIA DO HÁBITO DE OBEDIÊNCIA COMO FORMA DE CONTROLE JURÍDICO ............................................................................................ 62 2.2 DO POSITIVISMO HARTINIANO: O DIREITO COMO MEIO DE CONTROLE SOCIAL ..................................................................................................................... 70 2.3 DA TEXTURA DA NORMA E A INDETERMINAÇÃO DO DIREITO ................... 73 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 90 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 93 10 INTRODUÇÃO Em tempos jurídicos nos quais o tema da interpretação e dos limites da atuação do órgão jurisdicional para dar sentido aos textos normativos, tornou-se senso comum falar em uma possível superação do positivismo jurídico. A tese, em linhas gerais, gravita na ideia de que o positivismo jurídico foi suplantado, pois o juiz, diante dos casos concretos, é levado à dar sentido aos textos normativos, os quais não são pleniponteciários, vale dizer, não contém todas as hipóteses de aplicação. Daí que muito se fala em pós-positivismo e neo-constitucionalismo como sintoma da superação da velha e arcaica noção positivista de que o juiz é apenas a “boca da lei”3. Embora seja verdade que a atividade jurisdicional não se limita a reproduzir sentidos prévios, tendo, pois, nítido caráter criativo, isso não significa que a superação do modelo positivista de produção/compreensão do direito tenha sido totalmente superado. Ele se faz presente, inclusive, no discurso de juristas que se dizem pós-positivistas. Por outro lado, a superação do exegetismo não é algo novo. Suas insuficiências, como será demonstrado ao longo do trabalho, já eram apontadas pelos movimentos libertários, como é o caso do movimento do direito livre e da jurisprudência dos interesses. Inicialmente, o trabalho apresentará uma breve passagem pelo Antigo Regime, qual perdurou até por volta dos oitocentos, a fim de demonstrar que, à época, os poderes da Coroa, logo do monarca, vinculavam-se ao poder judicial, o que caracterizava o referido poder como uma espécie de alargamento dos poderes do rei4. No entanto, após iniciar-se um embate entre a noblesse de robe e o monarca, viu-se a necessidade de diminuir as atividades dos julgadores, a fim de que estes vinculassem-se às vontades do rei5.3 Renomados autores partem desta equívoca percepção, dentre eles Luís Roberto Barroso ao dizer que “em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o Direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX”. In BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Diponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp- content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2016. p. 2. 4 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 3. ed. 3 reimpr. São Paulo: Atlas, 2011. p. 236-237. 5 MERRYMAN, John Henry; PERDOMO, Rogélio Pérez-. A tradição jurídica da Civil Law: uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2009. p. 41-44. 11 A partir deste ideal, com a promulgação do Code Louis, vislumbra-se o marco do Estado Absolutista, qual tornava legisladas as vontades de controle exclusivo do poder estatal por parte do monarca6, qual representava, de certa forma, um rompimento com o, até então vigente, jusnaturalismo7. Após, ante a instauração da figura do Estado e, consequentemente, uma soberania estatal, visou-se uma centralização jurídica sendo utilizada a fim de combater qualquer tipo de fragmentação que pudesse vir a ferir a soberania do Ente público, sob a idealização de uma segurança jurídica para a nação8. Consequentemente, com a promulgação futura do Código de Napoleão, viu- se a origem do códigocentrismo9, a partir de uma ideia de, desvinculando-se do direito anteriormente utilizado, para qualquer lacuna que pudesse vir a surgir, o julgador faria uso somente daquilo que o código o preconizasse a utilizar10. Embora muitos autores digam que nascia com isso a figura do juiz boca da lei11, seu germe já estava presente na ordenança processual de Luís XIV, embora nela o juzi não poderia interpretar pois era subalterno do Rei. Ao lado dessa perspectiva exegética, o positivismo que se desenvolve a partir daí também será visualizado na perspectiva do modelo alemão-conceitual, comumente chamado de positivismo científico. Então, o trabalho prosseguirá com uma abordagem acerca do sistema histórico proposto por Savigny, qual a partir de um volksgeist, bem como por conta de uma subsunção lógica visava alcançar a ciência do direito como teoria do direito12. Passar-se-á pela observação da obra de seus discípulos: Puchta, com seu sistema piramidal, Jhering, com sua nova 6 ANCHIETA, Natascha. Civil Law e Common Law: Aspectos Históricos. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/11929>. Acesso em: 04 de abr. 2015 7 MERRYMAN, John Henry; PERDOMO, Rogélio Pérez-. A tradição jurídica da Civil Law: uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2009. p. 45-48. 8 RAATZ, Igor. Autonomia Privada, (De)Limitação dos Poderes do Juiz e flexibilização procedimental: da insuficiência normativa do “princípio dispositivo” à construção compartilhada do caso concreto. (Doutorado em Direito). Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, São Leopodo, RS, 2016. p.230-231. 9 ANCHIETA, Natascha. Civil Law e Common Law: Aspectos Históricos. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/11929>. Acesso em: 17 de abr. 2016. 10 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Moura; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 73. 11 REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 274-275. 12 MERRYMAN, John Henry; PERDOMO, Rogélio Pérez-. A tradição jurídica da Civil Law: uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2009. p.58. 12 perspectiva natural histórica do direito13, bem como Windscheid, com a divergência de Puchta14. Com isso, se buscará observar uma evolução da exegese, pois esta escola, qual seja a científica, visava através de uma metodologia lógica-analítica explicar o direito a partir de elementos cognitivos de qualquer empírica ciência15, no entanto sem desapego ao códigocentrismo. A partir deste evolucionismo, chega-se ao movimento do Direito Livre, o qual aborda o direito não como mera aplicação de uma lei já elaborada, pois esta poderia ser vista como experimento voltado à criação do direito16. O trabalho visa como um de seus objetivos um apanhado da evolução do positivismo até as lições do século passado. Para tanto, denota-se a vinculação perpétua do direito com as necessidades sociais, ainda que deixadas de lado, como nos períodos mais remotos. Mesmo após uma suposta superação da exegese por parte dos movimentos libertários, foi em Hart, já no século XX, que se viu que a noção do juiz como um ser inanimado que se limita a proclamar as palavras da lei, sem interpretá-la, estava superada. Nesta parte do trabalho se adentrará, exclusivamente, nos ensinamentos do autor inglês, que apesar de buscar a superação do positivismo exegético nunca visou separar-se do positivismo. Assim, neste primeiro capítulo, se fará uma abordagem histórica acerca da evolução do positivismo exegético e suas consequentes escolas. Após se verá suas razões, bem como sua crítica. É justamente a partir do estudo da obra de Hart que se pretenderá verificar em que medida esse autor supera o positivismo clássico sem deixar de ser um positivista, notadamente por manter inabaladas algumas notas caraterísticas do positivismo, notadamente a discricionariedade judicial e a 13 PEPINO, Elsa Maria Lopes Seco Ferreira. GAVIORNO, Gracimeri Vieira Soeiro de Castro. FILGUEIRAS, Sofia Varejão. A importância da jurisprudência dos conceitos para a metodologia jurídica. Disponível em <http://www.fdv.br/publicacoes/periodicos/revistadepoimentos/n7/6.pdf>. Acesso em: 17 mai. 16, às 00h39min. 14 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 6 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 38-39. 15 BRAGA, Rogério Piccino. NEME, Sérgio Aziz Ferrareto. Súmulas vinculantes: um retorno à jurisprudência dos conceitos? Filosofia do Direito I. XXIV Congresso Nacional do CONPEDI, 2015, Belo Horizonte. In: AYUDA, Fernando Galindo. ROCHA, Leonel Severo. Cardoso, Renato César. (coord.) Anais... Florianópolis: CONPEDI, 2015. Disponível em <http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2p7e8wdv/n7ttthqK7NugP9Rp.pdf>. Acesso em: 16 de mai. 16, às 23h57min. 16 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 6 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 78. 13 separação entre Direito e Moral. Com isso se pretende chegar a consecução dos objetivos centrais do trabalho que residem em mostrar que o reconhecimento do caráter “criativo” da interpretação jurídica, entendido como atribuição de sentido aos textos normativos pelo juiz, não traduz uma postura genuinamente pós-positivista. 1 DA EQUIVOCADA COMPREENSÃO DO “PÓS-POSITIVIMO” COMO SUPERAÇÃO DO POSITIVISMO EXEGÉTICO E CIENTÍFICO: EM BUSCA DE ALGUNS ESCLARECIMENTOS CONCEITUAIS Conforme referido na introdução da presente monografia, costuma-se dimensionar o pensamento pós-positivistaa partir da superação da velha noção de que o juiz estaria proibido de interpretar os textos normativos, sendo, portanto, mera “boca da lei”. Percebe-se este posicionamento nos dizeres de Barroso quando afirma que “o positivismo equiparou o direito à lei”, bem como quando preconiza que: não pode o intérprete beneficiar-se do distanciamento crítico em relação ao fenômeno que lhe cabe analisar. Ao contrário, precisa operar em meio à fumaça e à espuma. Talvez esta seja uma boa explicação para o recurso recorrente aos prefixos pós e neo: pósmodernidade, pós-positivismo, neoliberalismo, neoconstitucionalismo 17 Neste primeiro capítulo se objetiva aclarar os aspectos conceituais da formação do pensamento positivista clássico (positivismo primitivo) para, em um segundo momento, já trazer à tona a existência, ainda no século XIX de movimentos que visavam a libertar o pensamento jurídico das amarras do formalismo jurídico de matriz positivista. Objetiva-se, com isso, trazer à luz o equívoco da noção de pós- positivismo como mera superação do positivismo exegético e científico. 1.1 DO POSITIVISMO EXEGÉTICO COMO PROIBIÇÃO DE INTERPRETAR: AS RAZÕES HISTÓRICO-POLÍTICAS DO SEU DESENVOLVIMENTO EM TERRAS FRANCESAS 17 BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Diponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp- content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2016. p. 2. 14 Antes de adentrarmos ao aspecto teórico do positivismo exegético, se fazem necessários alguns apontes acerca da evolução histórica da referida tradição jurídica e dos motivos os quais a fizeram aplicável. Assim, neste primeiro tópico se trará uma visão acerca das raízes histórico-políticas do positivismo exegético na França durante o período pré-revolução, no qual este instituto poder-se-ia considerar como instrumento para barrar qualquer intento interpretativo dos aplicadores do direito. Esclarece-se que, à época, qualquer interpretação diversa a do legislador significava posicionar-se contrariamente a Coroa. No Antigo Regime, qual perduraria até meados do Século XVIII, se via no continente europeu, sistemas jurídicos pátrios entrelaçados aos poderes da Coroa. Sistemas que poderiam ser considerados braços do poder monárquico qual visava, através da jurisdição, a afirmação do rei perante senhoris e súditos. Insta mencionar que a justiça, à época, era um dos instrumentos institucionais mais importantes, se não o mais importante, do Estado18. Na França, a Coroa buscava unificar o reino através da legislação, bem como dar efetividade às suas reformas no ordenamento jurídico19. Todavia, é possível afirmar que a magistratura, aplicadora da lei originada do poder monárquico, detinha certa autonomia frente ao reino, pois sedimentada em um período de venalidade e de hereditariedade dos cargos20. Neste período, a classe dos magistrados, ainda que oponente à centralização do poder, fazia parte de uma aristocracia distinta daquela oriunda da propriedade de terras, sendo classificada como noblesse de robe (aristocracia da toga), sendo também oposta aos trabalhadores e camponeses, ou seja, possuíam uma posição una no quadro social, qual lhes outorgava uma liberalidade acerca das posições político-jurídicas, ainda que posições voltadas a apoiar, também, a aristocracia rural21. 18 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 3. ed. 3 reimpr. São Paulo: Atlas, 2011. p. 236-237. 19 MERRYMAN, John Henry; PERDOMO, Rogélio Pérez-. A tradição jurídica da Civil Law: uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2009. p.41. 20 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 3. ed. 3 reimpr. São Paulo: Atlas, 2011. p. 236-237. 21 MERRYMAN, John Henry; PERDOMO, Rogélio Pérez-. A tradição jurídica da Civil Law: uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2009. p. 40-41. 15 Em tal independência frente a Coroa, por conta de uma suposta função “legislativa”, advinda da formação de um Parlamento22, os juízes possuíam o poder da rejeição das leis (ordonnances) promulgadas pelo rei. Com efeito, tal inadmissão, dava-se a partir da promulgação de pareceres (remontrances), nos quais os magistrados negavam o registro e, ou, a aplicação das leis, não atendendo, assim, a requisito para que tais mandamentos passassem a vigorar. A fim de fundamentar seus julgados, os juízes faziam uso de fontes diversas daquelas advindas do poder monárquico, como por exemplo, doutrina e jurisprudência. Ou seja, surgia uma nova forma de direito diversa daquela criada pela monarquia o que trazia, além de insegurança jurídica, um emaranhado de leis e normas quais tornavam o sistema jurídico como um todo complexo e extenso23. Colaciona-se aclarador trecho de Merryman acerca da indisposição dos juízes frente às vontades da coroa, posição que a motivará a buscar formas de impedir a interpretação por parte dos magistrados, segue: Na França, a aristocracia judicial foi um dos alvos da Revolução não apenas em razão de sua tendência em se identificar com a aristocracia rural, mas também porque os juízes falhavam em distinguir claramente entre aplicar e produzir o direito. Como resultado desta deficiência, frequentemente frustravam-se os esforços da Coroa para unifica o reino e dar efetividade às reformas legislativas relativamente ilustradas e progressistas. Os juízes recusavam-se a aplicar as novas leis, interpretavam-nas contrariamente à sua finalidade ou criavam obstáculos à sua execução pelos funcionários da administração 24 . Notoriamente, ocorre a caracterização de um embate entre juízes e o monarca, pois os magistrados possuíam o entendimento de que sua jurisdição não se estancava nos limites do direito privado, ou seja, na resolução de conflitos entre particulares, pelo contrário, entendiam que suas funções se estendiam aos negócios públicos, de interesse coletivo. Apesar de reconhecerem a soberania da monarquia, sendo a Coroa uma atribuição divina, os juízes acreditavam que o rei desejava que suas promulgações passassem pelo crivo de uma ordem pública, qual se emanava dos remontrances, uma espécie de controle de constitucionalidade das leis através 22 Um dos fatos que testa a importância deste Parlamento à época se dá por conta de sua caracterização como o maior Parlamento existente em Paris. 23 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 3. ed. 3 reimpr. São Paulo: Atlas, 2011. p. 236-237. 24 MERRYMAN, John Henry; PERDOMO, Rogélio Pérez-. A tradição jurídica da Civil Law: uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2009. p.41. 16 de um direito tradicional, ainda que tal controle não existisse no direito tradicional francês25. Ante essa atividade impeditiva dos juízes, surge uma teoria de que a única forma de impedir os avanços dos juízes na atividade administrativa, seria uma clara separação dos poderes legislativo e executivo frente ao judiciário, bem como uma regulamentação clara e cuidadosa acerca das formas de aplicação do direito oriundo da coroa26. Nestesentido, a majestade, na figura de Estado como um todo e Estado legislador, passou a exigir a vinculação dos magistrados às suas vontades. Em 1667, restou promulgada a Ordennance de Lovis XIV ou Code Louis, qual continha as bases do futuro Code de Procédure Civile (Código de Processo Civil), de 1806. Em tal promulgação, os primeiros capítulos do código continham ordenamentos específicos no tocante da vinculação à lei, ou seja, com a edição do código, pelo rei Luís XIV, buscava-se a subordinação dos juízes às leis e não mais às tradições do direito anterior27. Insta aclarar que Luís XIV representa, talvez, o marco do Estado Absolutista, qual, conforme Anchieta retrata o “anseio dos soberanos de controlar o ordenamento jurídico”, através da criação de uma centralização jurídica qual abalava o equilíbrio jurídico, logicamente, em favor do Estado ante as demais instituições presentes na época28. Sua famosa frase, “L'État c'est moi”, pode traduzir a comunicação entre os interesses do Estado e do rei. Notável que, neste momento, a centralização de todo poder do Estado concentrava-se na figura do monarca, qual por sua vez encontrava uma “limitação” de seu domínio tão somente no poder divinal ao qual era o único poder acima da coroa. Concomitantemente, a conceptualização do Estado Absolutista, tem-se a ideia de Estado Moderno, com uma quebra de paradigma no qual ultrapassa-se uma fragmentação sócio jurídica para uma ideia de direito nacional29. 25 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 3. ed. 3 reimpr. São Paulo: Atlas, 2011. p. 237. 26 MERRYMAN, John Henry; PERDOMO, Rogélio Pérez-. A tradição jurídica da Civil Law: uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2009. p. 41-44. 27 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 3. ed. 3 reimpr. São Paulo: Atlas, 2011. p. 237-238. 28 ANCHIETA, Natascha. Civil Law e Common Law: Aspectos Históricos. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/11929>. Acesso em: 04 de abr. 2015. 29 RAATZ, Igor. Autonomia Privada, (De)Limitação dos Poderes do Juiz e flexibilização procedimental: da insuficiência normativa do “princípio dispositivo” à construção compartilhada do 17 Conforme Bobbio, o aspecto absolutista da onipotência do legislador encontra-se assentada na eliminação de quaisquer poderes intermediários, outorgando ao legislador um poder pleno e exclusivo, qual representará a vontade exclusiva do Estado ante a sociedade, um poder que pode ser tão ou mais perigoso que a onipotência do julgador, qual era um dos principais poderes intermediários, à época, combatidos30. No entanto, em épocas de mudanças sociais e, consequentemente, político- jurídicas, com a Revolução teve-se uma ascendência do racionalismo, ou seja, de que as atitudes humanas eram regidas pela razão, bem como do nacionalismo, com a nova percepção de que agora o indivíduo era grato ao Estado e não tão somente ao divino31. Tem-se que com tais alterações o homem passa desvencilhar-se do poder divinal, passando a vigorar a ideia de que o próprio homem, agora, poderia regular e moldar sua realidade social, a partir de um embrião do sujeito solipsista, bem como a partir desta ideia moderna de Estado32. Desta forma, busca-se o controle jurídico pelo Estado, ou seja, com a codificação visava-se desprender-se das amarras do natural através da força do sujeito como fundamento para o erguimento do Estado como monopolista do direito33. Com efeito, a codificação demonstrou-se como forma de barrar um poder advindo de cargos e nomes qual possuía o poder judiciário que através da noblesse de robe, buscava controlar os poderes executivo e legislativo através da aplicação de princípios próprios oriundos de suas próprias convicções e tradições34. caso concreto. (Doutorado em Direito). Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, São Leopodo, RS, 2016. p. 227-228. 30 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Moura; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 38-39. 31 MERRYMAN, John Henry; PERDOMO, Rogélio Pérez-. A tradição jurídica da Civil Law: uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2009. p. 45-48. 32 ANCHIETA, Natascha. Civil Law e Common Law: Aspectos Históricos. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/11929>. Acesso em: 17 de abr. 2016. 33 SANTOS, Igor Raatz dos. Precedentes obrigatórios ou Precedentes à brasileira? Disponível: <http://www.temasatuaisprocessocivil.com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/192- precedentes-obrigatorios-ou-precedentes-a-brasileira>. Acesso em: 17 de abr. 2016. 34 CAENEGEM, R.C. van. Juízes, legisladores e professores: capítulos de história jurídica europeia: palestras Goodhart 1984-1985. Tradução de Luiz Carlos Borges; revisão técnica Carla Henrique Bevilacqua. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 106-107. 18 Iniciou-se um afastamento do jusnaturalismo. Aqui, passou-se a falar de um direito natural secular, ou seja, o direito romano católico não mais rege o Estado- Coroa. Desta forma, mostrou-se oportuna a criação da figura do Estado-Nação, pois a partir de tal alteração tem-se uma renovação da conceptualização da soberania estatal, qual por sua vez, através de um direito positivo secular desvencilhou-se do antigo regime. Logo, o direito canônico não mais produziria efeitos jurídicos35. A ideia de um direito simples e uno ganha força a partir do fato de que, na França, tinha-se uma divisão das leis, ou seja, a sociedade não possuía uma unificação das leis. O racionalismo tinha para si que esta divisão era fruto de uma arbitrariedade histórica, que deveria ser afastada a partir da remoção das leis antigas por um conjunto de normas modernas oriundas da ciência da legislação, qual seria capaz de ditar o comportamento humano a partir da análise da natureza do homem, frente às suas necessidades36. Anchieta traduz a alteração sociopolítica que ocorre com essa quebra de paradigma do pensamento do sujeito frente o Estado: Com isso, desenvolve-se a figura do Estado a partir de vontades perfeitamente livres e racionais, que preferem, racionalmente, submeterem- se ao poder do soberano a viver no estado de natureza. Nessa síntese, fica bem clara a mudança advinda com o passamento do medievo para a modernidade 37 . Ante esta soberania estatal, tão somente o Estado poderia legislar e através deste positivismo estatal, vedou-se a criação de direitos por quaisquer núcleos sociopolítico-jurídicos. Esse monopólio legislativo se mostrou cogente, a partir da ideia de que era necessário separar os poderes como forma de frear movimentos do judiciário no tocante a interpretação e “criação” de novos direitos. Neste ponto, aclara-se a razão do porquê, à época, a ideia de stare decisis, difundida no common law não poderia ser aplicada neste sistema38. 35 MERRYMAN, John Henry; PERDOMO, Rogélio Pérez-. A tradição jurídica da Civil Law: uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução de Cássio Casagrande. PortoAlegre: Sérgio Antonio Fabris, 2009. p. 45-48. 36 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Moura; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 65. 37 ANCHIETA, Natascha. Civil Law e Common Law: Aspectos Históricos. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/11929>. Acesso em: 17 de abr. 2016. 38 MERRYMAN, John Henry; PERDOMO, Rogélio Pérez-. A tradição jurídica da Civil Law: uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2009. p. 49. 19 O Estado projeta, juridicamente, um conteúdo objetivo, a fim de combater o pluralismo. Esse conteúdo era, porque não, a lei que, por sua vez, advinha do entendimento superior do legislador. Neste período, operou-se a alteração do saber prático para um saber técnico, o que levou o Direito a adentrar ao campo das ciências lógicas em detrimento da área das ciências experimentais39. É possível, neste ponto, aclarar a distinção entre a lex do medievo e a loy da modernidade40, uma vez que lei moderna funda-se em sua essência metafísica clássica, ou seja, seu mérito, sua força vinculante está, tão somente assentada no fato de ser lei. Com essa centralização o Estado visava combater a fragmentação jurídica, qual já era visto como um problema, uma vez que tal movimento ia de encontro com a ideia moderna de Estado, no qual o ente público, na figura do monarca, possuía exclusivamente o poder de legislar e, assim, unificar todos os materiais jurídicos existentes de acordo com a vontade da Coroa41. Com a promulgação da Ordonnance Civile, estava límpido o intento estatal de assentar seu poder através do direito. Aqui há nova sobreposição do Moderno ao Medieval, uma vez que na modernidade há um monopólio da jurisdição, enquanto na Idade Média tinha-se a atividade jurisdicional assentada em um procedimento calado no contraditório42. Uma das ideias fulcrais desta positivação exegética era garantir segurança jurídica, demonstrando ao cidadão, de forma límpida, de qualquer forma deveria se portar de acordo com a lei vigente. Inclusive, se tinha que essa nova legislação equiparava todos os cidadãos, de forma que não caberia ao julgador dar extensão ao sentindo da norma em detrimento de outro componente da sociedade, sob a justificativa de zelar pelo bem público43. Grossi traduz o direcionamento político-histórico da codificação napoleônica: 39 RAATZ, Igor. Autonomia Privada, (De)Limitação dos Poderes do Juiz e flexibilização procedimental: da insuficiência normativa do “princípio dispositivo” à construção compartilhada do caso concreto. (Doutorado em Direito). Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, São Leopodo, RS, 2016. p.228-229. 40 GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. 2.ed.rev e atual; Tradução de Arno Dal Ri Júnior. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2007. p. 38. 41 ANCHIETA, Natascha. Civil Law e Common Law: Aspectos Históricos. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/11929>. Acesso em: 17 de abr. 2016. 42 RAATZ, Igor. Autonomia Privada, (De)Limitação dos Poderes do Juiz e flexibilização procedimental: da insuficiência normativa do “princípio dispositivo” à construção compartilhada do caso concreto. (Doutorado em Direito). Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, São Leopodo, RS, 2016. p.230-231. 43 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Moura; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 40. 20 Se o Código fala a alguém, esse alguém é a burguesia que fez a Revolução e que finalmente realizou a sua plurissecular aspiração à propriedade livre da terra e à sua livre circulação; o Código francês é tomado por uma realização desse tipo, a ser desenhada, ainda, em 1804, ou seja, um protagonismo da terra – sobretudo da terra rural – como objeto possível de propriedade, que era substancialmente desmentido por uma situação econômica em plena evolução, valorizando cada vez mais decididamente outras fontes de riqueza; não estava errado Pellegrino Rossi, que, daí há pouco, teria salientado o atraso da consciência econômica dos codificadores napoleônicos. O Código fala ao coração dos proprietários, é sobretudo a lei tuteladora e tranquilizadora da classe dos proprietários, de um pequeno mundo dominado pelo ‘’ter” e que sonha em investir as próprias poupanças em aquisições fundiárias (ou seja, o pequeno mundo da grande comédie balzaquiana). É por isso que, ao lado da lei do Estado, única concessão pluralista, mas, ao contrário, bem fechada no interior de um surdo monismos ideológico, é admitida como única lei concorrente o instrumento príncipe da autonomia dos indivíduos, ou seja, o contrato 44 . A partir deste novo positivismo estatal se passou a utilizar como fontes do direito, tão somente, aquelas consideradas fontes formais, uma vez que a fim de vincular os juízes estritamente às leis promulgadas pelo Estado ou a costumes considerados válidos, aquelas que não oriundas do Estado foram excluídos das fontes, ou seja, com a chegada do positivismo os juízes não mais poderiam fazer uso de doutrinas e, ou, jurisprudências em detrimento à lei para fundamentar suas decisões. Aqui, tinha-se o entendimento de que a lei promulgada pelo legislativo se mostrava suficiente para fundamentar a resolução de qualquer problemática que o juiz necessita-se resolver45. Montesquieu, patrono da separação dos poderes, defendia que caso fosse dado ao juiz qualquer liberalidade interpretativa acerca da legislação, além de se ter uma afronta à separação dos poderes, uma vez que aos juízes teriam a faculdade de atribuir suas normas, o que ocasionaria a dispersão das normas do legislador, ter-se-ia uma indefinição acerca de qual regulamento deveria ser seguido, se o do legislador ou dos juízes, tornando indefinidas as obrigações vigentes46. Ante a promulgação da legislação Louisiana, passou a vigorar uma espécie de sujeição juiz à lei, o que insta dizer sujeição ao soberano. De forma expressa o Art. 7ª do Code Louis, ordenava que a interpretação do juiz se desse em sentido 44 GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. 2.ed.rev e atual; Tradução de Arno Dal Ri Júnior. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2007. p. 108. 45 MERRYMAN, John Henry; PERDOMO, Rogélio Pérez-. A tradição jurídica da Civil Law: uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2009. p. 50 46 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Moura; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 39-40. 21 restrito à vontade do legislador, logo ao texto da lei. Raatz sintetiza o processo civil no período moderno-absoluto: Com efeito, podem ser sintetizadas as características do processo civil do Estado Absolutista nos seguintes pontos: (a) atribuía-se ao juiz uma jurisdição voluntária muito extensa; (b) a legislação substancial exigia crescentemente a integração da vontade soberana para a constituição de um grande número de relações, com ampla interferência do soberano, por meio dos magistrados, na vida privada e familiar dos indivíduos; (c) a demanda era submetida à preventiva aprovação do juiz,sem a qual não teria curso, tudo sob o fundamento de que a tutela jurisdicional era graciosa, ou seja, ela não passava de uma concessão do soberano, o que, por sua vez, atribuía ao juiz o domínio do processo; (d) desse modo, o juiz poderia agir de ofício em diversos momentos do iter processual, por meio dos seus poderes de “espontaneidade”; (e) além disso, era confiada ao juiz toda a direção do processo, sendo-lhe conferidos meios idôneos para exercitá-la, com o total domínio dos tempos das atividades processual, o que estava afinado à concepção burocrática da administração da justiça; (f) por fim, o procedimento era todo escrito, exigindo-se, ainda, um “fascicolo di ufficio” (dossiê) para o seu andamento, em conformidade com a tendência de burocratização do processo giuseppiano. Como se vê, o processo civil desenvolvido pelo Estado Absolutista guardava traços próprios da época, consonantes com a forma em que era exercido o poder político. Somente o rompimento com o modelo absolutista tornaria possível, desse modo, a superação do modelo processual vigente 47 Esta positivação estatal firma-se a partir de uma codificação que se estabelece, tão somente, com a promulgação do Código de Napoleão, instrumento eu pode se considerar um código moldado a uma situação social específica, que serviu para substituir as fontes do direito anterior por uma nova e centralizada ideia de organização jurídica. Tem-se a partir desta promulgação o nascer da dogmática da lei absoluta. Surge uma ideia de códigocentrismo48. Tem-se aqui a suposta ruptura com o jusnaturalismo49. Com a codificação napoleônica buscava-se não, tão somente, um esquecimento do direito anterior, pelo contrário, que tal fosse utilizado, para casos de lacunas na nova legislação, ou seja, o julgador deveria fazer uso tão somente das fontes que o novo código julgava pertinentes ao caso. Bobbio descreve tal intento: Nas intenções da comissão napoleônica, em lugar disso, o novo código não deveria constituir um início, um ponto de partida absolutamente novo e 47 RAATZ, Igor. Autonomia Privada, (De)Limitação dos Poderes do Juiz e flexibilização procedimental: da insuficiência normativa do “princípio dispositivo” à construção compartilhada do caso concreto. (Doutorado em Direito). Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, São Leopodo, RS, 2016. p.230-231. 48 ANCHIETA, Natascha. Civil Law e Common Law: Aspectos Históricos. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/11929>. Acesso em: 17 de abr. 2016. 49 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Moura; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 73. 22 exclusivo, mas antes um ponto de chegada e de partida ao mesmo tempo, uma síntese do passado que não deveria excluir a sobrevivência e a aplicação do direito precedente (costume e direito comum romano), ao menos em casos para os quais a nova legislação não estabelecesse alguma norma 50 . Ainda que possa parecer paradoxal, o dogma da onipotência do legislador teve sua emancipação por conta das interpretações e não por conta da redação do texto da lei. O que está se a dizer é que, ao contrário do que se afirma o positivismo exegético francês não vedava por completo a interpretação. Ao contrário, o que desejava o legislador era justamente que o julgador interpretasse, porém que interpretasse exclusivamente a lei, ou seja, em casos de insuficiência e silêncio da lei o juiz deveria buscar, através da interpretação do âmago do código, a resolução para o caso em concreto. Logo, o código ainda que ausente de forma expressa na lei, conteria a solução para o determinado caso, porém em seus princípios e, ou, ideologias, tendo-se assim, outro dogma do positivismo jurídico qual é o da completitude da lei51. Ainda em análise aos ditames preliminares da problemática interpretativa, qualquer interpretação diversa daquela pretendida pelo legislador, oposta pelo aplicador da regra poderia configurar a invasão da esfera legislativa pelo poder judiciário52. A partir do disposto no Art. 9º do Código Napoleônico, cumulado com o famoso discurso de Portalis ao Conselho de Estado, percebe-se que os legisladores reconheciam a insuficiência da lei para a resolução de todo e qualquer conflito que adviesse, vinculando as resoluções dos embates a um apego ao direito natural, ainda que este fosse no princípio repelido, pois esta vinculação dava-se através de uma razão natural53. A partir dessa insuficiência da lei, o código remete os juízes ao 50 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Moura; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 73. 51 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Moura; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 73-75. 52 REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 274-275. 53 SANTOS, Igor Raatz dos. Precedentes obrigatórios ou Precedentes à brasileira? Disponível: <http://www.temasatuaisprocessocivil.com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/192- precedentes-obrigatorios-ou-precedentes-a-brasileira>. Acesso em: 17 de abr. 2016. 23 uso da equidade, qual conforme o Art. 9º do Código “é um retorno a lei natural, no silêncio, na oposição ou na obscuridade das leis positivas”54. Ainda, visando encerrar uma problemática ocasionada no período revolucionário, qual seja a abstenção dos juízes em julgar sob o argumento de ausência de lei para tanto, o legislador napoleônico, com a promulgação do Art. 4º (artigo este que é o fundamento dos juspositivistas para a determinação da lei como única fonte do direito), bem como do Art.9º vinculou o julgador ao texto da lei, pois, o primeiro artigo determinava a obrigatoriedade do julgamento e o segundo artigo entregava ao julgador as margens legais para tanto, nos casos de insuficiência e, ou, silêncio da lei. Tem-se, aqui, a notória fundamentação do positivismo jurídico, uma vez que da lei, tão somente, emerge a solução e ou critérios para a resolução de qualquer problemática jurídico-social e, assim, a criação da “escola da exegese”, escola que entendia conter na lei toda e qualquer norma que fosse capaz de resolver um conflito futuro, pois da intenção do legislador se poderia extrair tal capacidade, entendimento este conhecido como fetichismo da lei55. Segundo Bobbio, esta escola possui cinco fatores fundamentais para sua implementação sociopolítico-jurídica, quais sejam a) a codificação sem si; b) um princípio da autoridade (vontade do legislador); c) a doutrina da separação dos poderes, como fidelização ao código; d) a segurança jurídica, a partir de uma estabilidade da lei; e, por fim, e) A influência do poder político napoleônico56. Neste ponto do presente ensaio, quis-se demostrar de qual forma o positivismo jurídico surgiu, ante um período de quebra de paradigmas sócio- jurídicos, em meio a uma fase revolucionária, alterando o sistema jurídico francês a partir da busca pela segurança jurídica e determinação do direito, a partir de um sistema qual visava a vinculação estrita à lei promulgada, exclusivamente, pelo legislador. Com o surgimento da Escola da Exegese tem-se, neste trabalho o fechamento do ciclo histórico do mesmo. Passar-se-á a uma análise jurídica dos fatores que levaram a criaçãodesta doutrina e, conjuntamente, seus fundamentos 54 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Moura; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 76. 55 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Moura; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 75-77. 56 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Moura; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 78-83. 24 técnicos, bem como suas críticas. Fundamentos que se mantiveram vigentes até uma nova alteração sociocultural na qual fez-se cogente novas formas interpretativas da lei, demandando aos intérpretes novas formas de análise cognitiva. Logo, tais fatos e fatores serão explicitados no subcapítulo a seguir. 1.2 ASPECTOS TEÓRICO DO EXEGETISMO E SUA CRÍTICA Neste tópico, após a superação da ótica político-social-histórica do surgimento e aplicabilidade do positivismo exegético no período em que se caracterizou uma quebra entre o antigo regime e a ideia moderna de Estado na França, se adentrará nos pontos teóricos do positivismo exegético, com o surgimento da Escola da Exegese. Explicitar-se-á os fundamentos jurídicos da referida tradição, quais a tornam, ainda hodiernamente, uma referência para juristas do pós-moderno. Ainda, neste subcapítulo abordar-se-á o surgimento e os fundamentos da escola científica do direito como sucessora e opositora à escola da exegese, bem como as críticas sofridas pela interpretação exegética. A partir da promulgação do Código Civil de Napoleão, inicia-se um processo histórico de reverência ao texto da lei. Antecedentemente a técnica exegética, a partir de uma metodologia gramatical/literal57, passou-se a afirmar que a problemática não mais estava na lei positiva, mas sim em seu intérprete, pois este deveria encontrar sentidos fidedignos oriundos do cerne da lei para preencher passagens abstrusas do próprio texto legal analisado58. 57 Segundo Warat, “o método gramatical ou literal, em sua versão mais simples e primitiva, seria procedimento destinado a determinar o sentido juridicamente legitimável para certas passagens obscuras dos textos legais. Para determinar esse sentido o método proclama a utilização de estratégias sintáticas de substituição. Ademais é um método de interpretação por sinonímia: analisa as palavras ou frases dos textos legais, tentando sua substituição por termo equivalentes, com reconhecida univocidade, extraídos de textos aceitos como inquestionáveis, como é o caso dos glosadores, que recorriam habitualmente ao Evangelho. Modernamente, se entende que o uso do método gramatical supõe a remissão a usos acadêmicos da linguagem, contidos em repertórios oficiais da língua, o que caracteriza o recurso a certos padrões culturais. A interpretação literal pressupõe certas teses ontológicas sobre a determinação do significado, que aceitam as concepções realistas sobre o sentido dos termos. Esta linha deriva de Platão, que sustentava que o significado das palavras devia refletir aquelas características que constituíam a essência das coisas. Segundo esta tese haveria significados verdadeiros na medida em que com palavras se pudesse expressar corretamente as qualidades essenciais das coisas que se pretendem definir”. In WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Interpretação da lei. Temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994. v. 1. p. 66-67. 58 WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Interpretação da lei. Temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994. v. 1. p. 65-66. 25 A técnica exegética, posteriormente à gramatical, consistia em fazer uso do sistema material utilizado pelo legislador e não mais em elaborar um parecer e, ou, opinião acerca do que pretendia o legislador, ou seja, aquilo que previu o legislador será suficiente para elucidar toda e qualquer problemática encontrada pelo aplicador, fazendo uso, tão somente, do texto legal59. O positivismo exegético, sendo um passo evolutivo do método literal, mantém a univocidade da lei, todavia, aqui, atribui ao legislador uma posição divinal, pois essa técnica traduz-se em uma série de mecanismos para que o aplicador resolva sua problemática através da utilização da vontade do legislador no momento da promulgação da lei. O papel do legislador no método exegético reflete, ainda, a vontade de uma classe social que através de um sistema jurídico visava para si uma maior segurança frente às práticas arbitrárias absolutistas. O “espírito do legislador” representa, também, a onipotência da lei, bem como uma ideia de racionalidade, qual representa o mito de uma elaboração legislativa perfeita60. Tem-se que com a codificação a idealização de um monismo jurídico qual, por sua vez, eleva a lei ao topo do ordenamento, tornando o cume de uma hierarquia jurídica dotada de rigidez, qual atribui às diversas fontes do direito, bem como aos posicionamentos inferiores uma ideia de servidão61. Com a exegese, extrai-se o fenômeno ‘fetichização do discurso jurídico’ entendimento que, partindo-se de um discurso dogmático transparente, ou seja, no qual oculta-se seu processo de elaboração (transparência discursiva), a lei incorpora um estado ‘natural’, ou seja, diz-se que é lei-em-si, ou seja, que sua condição ‘natural’ está em consigo desde sua concepção, configurando uma tentativa infrutífera de demonstrar, de forma imediata, a realidade social que tal lei encontra- se inserida, tornando-a, portanto, simploriamente uma figura expositiva. No entanto, afirma-se que através do processo interpretativo o jurista não descobre o verdadeiro significado/sentido da lei, mas sim institui um inaugural entendimento que vai ao encontro de suas ideologias sociais e teóricas. A norma é externa ao texto e é atribuída pelo ator. Diante disso, pode-se atestar que entendimentos diversos acerca 59 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Moura; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 83. 60 WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Interpretação da lei. Temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994. v. 1. p. 65-69. 61 GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. 2.ed.rev e atual; Tradução de Arno Dal Ri Júnior. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2007. p. 99. 26 do mesmo texto podem ser verdadeiros, pois o significado da lei é heterônomo. Outrossim, a dogmática jurídica preocupa-se com a busca pelo “sentido-em-si que, tal como a “lei-em-si”, estaria presente à lei desde o momento de sua elaboração. Ainda, hodiernamente, está-se a buscar um “significante primeiro”62. No exegetismo positivo tem-se a nítida desvinculação do direito positivo com o direito natural. Nesta ruptura com o direito milenar, o positivismo exegético mostrou-se como determinação para os conceitos e princípios vagos do direito natural, pois este não se demonstrava como base para o entendimento jurídico, devendo o jurista utilizar tão somente o direito positivo. O direito natural somente poderia ser utilizado a partir do momento em que fosse incorporado ao direito positivo. Ainda, a escola da exegese visou ultimar com o problema daaplicação subsidiária do direito natural para sanar possíveis lacunas no direito positivo. Com base nos termos do Art. 4º do Código Napoleônico o juiz deveria assentar seu entendimento tão somente no direito positivo. Este entendimento, foi de encontro com o que preconizou Portalis em seu discurso antecessor ao código, restando claro, aqui, o Princípio da Completitude da lei. Essa negativa ao direito natural comunicava-se, também, com o Princípio da Onipotência do Legislador, qual negava qualquer direito, ainda que positivo, que não tivesse origem no direito estatal, pois tão somente se considerava normas jurídicas aquelas advindas do Estado. Logo, o direito deveria ser aplicado de acordo com a racionalidade legislativa e não com a racionalidade do aplicador do direito63. Após a promulgação do Code Napoleón, viu-se o início moderno da problemática interpretativa do direito a partir da hermenêutica, vez que neste código tornou-se defeso ao intérprete a utilização de quaisquer outras fontes do direito senão a lei. A partir da necessidade de extrair-se a melhor compreensão legal, a partir de lógicos processos cognitivos, deu-se o surgimento ao que se convencionou chamar de jurisprudência conceitual, atribuiu-se a interpretação dois prismas distintos, quais sejam o literal e o lógico-sistemático64. Streck traz, ainda que de simplória elaboração, a conceptualização da problemática acerca do processo interpretativo-hermenêutico ao afirmar que “o 62 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 73-74. 63 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Moura; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 84-87. 64 REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 273-274. 27 processo interpretativo/hermenêutico tem (deveria ter) um caráter produtivo, e não meramente reprodutivo”65, posição esta que mostra-se de encontro com o que pregava a escola exegética. Ante o movimento exegético, pós-revolucionário napoleônico, o intérprete deveria apostilar a lei visando abarcar a vontade do legislador, iniciando seu processo cognitivo através da análise gramatical do verbete, ou seja, deu-se a criação da figura do bouche de la loi (boca da lei) através do qual o juiz apenas dava vigência a vontade pretérita do legislador, ausente, aqui, qualquer elemento volitivo- interpretativo. Vê-se tal momento a partir dos escritos de Reale, qual afirma que É da gramatica que – tomada esta palavra no seu sentido mais amplo – o primeiro caminho que o intérprete deve percorrer para dar-nos o sentido rigoroso de uma norma legal. Toda lei tem um significado e um alcance que não são dados pelo arbítrio imaginoso do intérprete, mas são, ao contrário revelados pelo exame imparcial do texto. Por sua vez a interpretação lógico-sistemática adveio, na exegese da lei, a partir de uma proposição sistemática, ou seja, o artigo é disposto em um determinado capítulo, qual por sua vez encontra-se assentado em um título do código. Esta disposição, demanda ao intérprete que hermenêutica do artigo seja a partir de seus preceitos cumulados com a sua alocação sistêmica na lei66. Na exegese tem-se a mitificação acerca da figura de um juiz neutro e não criativo, qual dá-se através de uma figura mecanizada qual era defeso expressar em suas decisões qualquer elemento diverso daquele expresso na lei positiva67. Cediço que a partir deste raciocínio, buscava-se para o Direito um sentido pré-determinado, um significado embrionário da lei. Tal comportamento já aportava um método que visava a segurança jurídica a partir do afastamento de qualquer indício interpretativo jurídico que pudesse advir da leitura do texto legal. Ou seja, um texto que emanasse uma norma exata capaz de ser compreendida de forma universal, vinculante em sua aplicação68. Faz-se mister a transcrição literal da descrição do autor italiano acerca do autoritarismo da codificação, bem como da consequente, interpretação exegética. 65 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 73. 66 REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 275. 67 WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Interpretação da lei. Temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994. v. 1. p. 69-70. 68 NEVES, António Castanheira. O princípio da legalidade criminal. In: Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra, 1995. v. 1. p. 371. 28 Ainda, denota-se o entendimento de que a mera codificação não serve para traduzir o direito antes as alternâncias socioeconômicas: Mesmo existindo a hipótese de uma lei dos indivíduos a ele paralela, o Código permanece inserido em uma dimensão autoritária. Recentemente foi medida a respeitabilidade da fonte “Código” em referência aos conteúdos, mas o substancial autoritarismo está em outro lugar, na exigência centralizadora do Estado monoclasse, no seu consequente panlegalismo, na mitificação do legislador que surge quase como um Zeus fulminante do Olimpo, onisciente e onipotente, na mitificação do momento de produção do direito como momento de revelação da vontade do legislador. E é um autoritarismo que intensifica a incomunicabilidade entre Código e sociedade civil, já que, a respeito das incessantes transformações socioeconômicas, o Código inevitavelmente permanece um pedaço de papel cada vez mais velho e cada vez mais alienado 69 . A Escola da Exegese utilizava-se de um subterfúgio a fim de garantir intocável a vontade do legislador, bem como para manter o julgador dentro dos limites positivos da lei. Tal evasão dava-se através dos princípios gerais do direito quais representavam uma espécie de alargamento pré-determinado da norma do texto, pois sempre de acordo com a aspiração daquele que possuía o poder legislativo, vinculando, assim, o aplicador à ao texto positivo mesmo que de forma abstrata. Ou seja, possuía-se um rol de axiomas quais deveriam os aplicadores fazer uso para indiretamente aplicar a lei positiva70. Uma grande distinção que se faz entre a exegese e a interpretação é que a interpretação, ora jurídica, não se dá simplesmente pelo aponte do sentido como texto, mas sim expande a fonte, de forma normativa, para separar ius e a lex. O que está-se a dizer é que a exegese, diferentemente da interpretação jurídica, não expande a fonte, mas sim a completa intrinsicamente vinculando o ius à lex. Desta forma pode-se afirmar, sem receios, que a exegese fecha a fonte do direito através dela mesma71. A interpretação pode ser vista a partir de duas óticas diferentes, porém concomitantes, quais sejam a interpretação como atividade (interpretativa) ou como resultado de tal atividade, sendo neste olhar, o sentido do texto interpretado. Guastini tal de forma clara esta distinção. 69 GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. 2.ed.rev e atual; Tradução de Arno Dal Ri Júnior. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2007. p. 108. 70 WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Interpretação da lei. Temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994. v. 1. p. 70. 71 NEVES, António Castanheira. Interpretação jurídica. In: Digesta:escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra, 1994. v. 2. p. 342. 29 En sentido estricto, “interpretación” se emplea para referirse a la atribución de significado a una formulación normativa en presencia de dudas o controvérsias en torno a su campo de (3) aplicación: un texto, se disse, requiere interpretación (sólo) cuando su significado es oscuro o discutibile, cuando se duda sobre si es aplicabile o no a un determinado supuesto de hecho – traduz-se na expressão in claris non fit interpretatio e interpretativo cessat in claris. En un sentido amplio, “interpretación” se emplea para referirse a cualquier atribución de significado a una formulación normativa, independientemente de dudas o controversias. Según este modo de utilizar el término en examen, cualquier texto, en cualquier situación, requiere interpretación 72 . Ainda, utilizar-se de um sentido amplo nada mais seria do que identificar a distinção entre texto e norma. [...] quienes adoptam el segundo concepto de interpretación se inclinam a distinguir netamente entre textos legislativos y normas: las normas (piensam) son el significado de los textos. La interpretación tiene como objeto no ya normas, sino textos. Interpretar es decir el significado de un texto legislativo. Por tanto, interpretar es producir una norma. Por definición, las normas son producidas por los intérpretes 73 . O processo interpretativo não remete à produção de um conceito dotado de exatidão, ou seja, correto, no caso da exegese da vontade unívoca do legislador. Mas sim a construção de um sentido inicializado, advindo de uma conceituação histórica social fundada, a partir de uma situação hermenêutica. Destarte, a interpretação advém, embrionariamente, de uma socializada relação74. Ainda, interpretação pode ser considerada não somente uma atividade psicológica, mas também como uma atividade discursiva do intérprete. Nesta senda, caso haja uma análise da mesma, sob este viés deverá ser vista não como atividade interpretativa tão somente, mas como atividade intelectual discursiva. Logo, a interpretação pode ser considerada a fala do intérprete. No entanto esta fala, este provimento, pode conter tanto signos que fundamentem o discurso das fontes analisadas como, ainda, podem tão somente conter argumentos que justifiquem o parecer elaborado75. Para a tradição jurídica aqui explicitada, a intepretação da lei se dava de forma restritiva à norma legal, logo traduz-se em uma ação de conhecimento ao 72 GUASTINI, Riccardo. Estudios sobre la interpretación jurídica. Tradicción: Marina Gascón, Miguel Carbonell. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1999. p. 4-5. 73 GUASTINI, Riccardo. Estudios sobre la interpretación jurídica. Tradicción: Marina Gascón, Miguel Carbonell. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1999. p. 8. 74 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 17. 75 GUASTINI, Riccardo. Estudios sobre la interpretación jurídica. Tradicción: Marina Gascón, Miguel Carbonell. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1999. p. 10. 30 invés de um ato volitivo. Assim, prega-se um formalismo voltado à segurança jurídica em detrimento de um julgamento justo, logo equânime76. Essa linha de raciocínio lógico-positiva, qual instaurou-se ainda em tempos agrícolas, foi gradualmente perdendo força, ante as inovações técnicas do século XIX, qual modificou consideravelmente os costumes sociais que por sua vez passaram a conflitar com a ordem jurídica vigente. Ante novas posturas sociais e, porque não, novos costumes, a lei passou a não abarcar uma nova gama de práticas sociais, mesmo com todo esforço dispendido pelos intérpretes do direito. Desta forma, uma nova interpretação fez-se cogente, qual seja a interpretação histórica fundada nos ensinos da Escola Histórica de Savigny, cujo dogma se dava na adaptação do direito a uma realidade histórico-progressiva, ou seja, a legislação não ficava restrita às suas origens cognitivas, pelo contrário moldava-se conforme as necessidades sociais77. A Escola Histórica, cujo maior expoente foi Savigny, é considerada uma espécie de preparação do positivismo jurídico, pois esta doutrina ia claramente de encontro ao direito natural, notável oposição ao direito positivo. É possível conectar a teoria histórica com os elementos fundamentais do historicismo78, uma vez que i) o 76 WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Interpretação da lei. Temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994. v. 1. p. 70. 77 REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 277-278. 78 Conforme preconiza Bobbio o historicismo possui cinco elementares fundamentais, quais sejam “1) O sentido da variedade da história devida à variedade do próprio homem: não existe o Homem (com H maiúsculo) com certos caracteres fundamentais sempre iguais e imutáveis, como pensavam os jusnaturalistas; existem homens, diversos entre si conforme raça, o clima, o período histórico [...]. 2) O sentido do irracional na história, contraposto à interpretação racionalista da história própria dos iluministas: a mola fundamental da história não é a razão, o cálculo, a avaliação racional, mas sim a não-razão, o elemento passional e emotivo do homem, o impulso, a paixão, o sentimento (de tal modo o historicismo se torna romantismo, que exalta quanto de misterioso, de obscuro, de turvo existe na alma humana). Os historicistas escarnecem assim das concepções jusnaturalistas, tais como a ideia de que o Estado tenha surgido após uma decisão racionalmente ponderada de dar origem a uma organização política que corrigisse os inconvenientes do estado de natureza. Nos confrontos desta concepção historicista, que torna protagonista da história não a razão, mas sim o irracional, o marxista húngaro Lukács falou polemicamente de “destruição da razão. 3) Estreitamente ligada à ideia de irracionalidade da história está a ideia de sua tragicidade (péssimo antropológico): enquanto o iluminista é fundamentalmente otimista porque acredita que o homem com sua razão possa melhorar a sociedade e transformar o mundo, o historicista é pessimista porque não compartilha dessa crença, não crê nos “magníficos destinos e progressos” da humanidade. [...] 4) Um outro caráter do historicismo é o elogio e o amor pelo passado: não havendo crença no melhoramento futuro da humanidade, os historicistas têm, em compensação, grande admiração pelo passado que não pode mais voltar e que aos seus olhos parece idealizado. Por isto eles se interessam pelas origens da civilização e pelas sociedades primitivas. Também este ponto de vista está em nítido contraste com os iluministas, os quais, ao contrário, desprezam o passado e zombam da ingenuidade e da ignorância dos antigos, exaltando, em contrapartida, as “luzes” da Idade racionalista. [...] 5) Um traço ulterior do historicismo é o amor pela tradição, isto é, pelas instituições e os costumes existentes na sociedade e formados através de um desenvolvimento lento, secular. Esta ideia é expressa seja por Herder, seja por Burke, sendo que este último elabora o conceito de 31 direito não sendo uno, como fruto histórico, surge e desenvolve-se como as demais ocorrências sociais variando no tempo; ii) Haja vista uma conceptualização do justo e injusto a partir de formas jurídicas passadas, o direito advém de uma pensamento de justiça e não da racionalidade; iii) Prega-se uma conservação dos conjuntos
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