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A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 1 A Responsabilidade dos Sócios e Administradores A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 2 A Responsabilidade dos Sócios e Administradores 1. Regime Jurídico do Empresário e Responsabilidade Limitada 1.1. Espécies de Empresário Empresário é o sujeito que exerce profissionalmente atividade econômica organizada, nos termos do art. 966 do Código Civil (CC). O termo empresário, tomado em sentido amplo (lato sensu), comporta três espécies, a saber: Empresário Individual – pessoa natural (física) que exerce atividade econômica organizada. Não possui sócios, e sua responsabilidade patrimonial é ampla, absoluta e ilimitada (art. 391 do CC). Disciplinado pelos arts. 966 a 980 do CC. Sociedade Empresária – pessoa jurídica constituída para exercer atividade econômica organizada; excepcionalmente, existem sociedades que não são pessoas jurídicas (a Sociedade em Comum e a Sociedade em Conta de Participação). Formada, em regra, por dois ou mais sócios, embora exista também sociedade unipessoal no Brasil (art. 1.033, IV, do CC; bem como art. 251 da Lei das Sociedades por Ações – LSA). A responsabilidade dos sócios pode ser limitada, dependendo do tipo societário adotado. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) – pessoa jurídica constituída para exercer atividade econômica organizada. Instituída por um único titular, sendo ele pessoa natural. A responsabilidade patrimonial do instituidor é limitada. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 3 1.2. Tipos Societários e a Responsabilidade dos Sócios Para fins desta disciplina, interessa estudar as sociedades empresárias, as quais devem necessariamente adotar um tipo societário. O tipo societário é de livre escolha dos sócios. Dependendo do tipo escolhido, incidirá o regime legal de responsabilidade patrimonial. Sobre esse critério, de responsabilidade dos sócios por dívidas da sociedade, podemos classificar os tipos societários em três grupos: Responsabilidade Ilimitada – Aqueles tipos societários em que, esgotado o patrimônio social, todos os sócios respondem pelas dívidas sociais. Exemplo: Sociedade em Comum, Sociedade Simples e Sociedade em Nome Coletivo. Responsabilidade Mista – Aqueles tipos societários em que, esgotado o patrimônio social, um ou alguns dos sócios responde(m) pelas dívidas sociais e outro(s) não responde(m). Exemplo: Sociedade em Conta de Participação, Sociedade em Comandita Simples e Sociedade em Comandita por Ações. Responsabilidade Limitada – Aqueles tipos societários em que, esgotado o patrimônio social, nenhum sócio responde pelas dívidas sociais. Exemplo: Sociedade Limitada, Sociedade por Ações (S/A) e Sociedade Cooperativa. Evidentemente, na prática empresarial brasileira, os tipos societários mais adotados são aqueles que oferecem a possibilidade de os empreendedores mensurarem o grau de exposição de seu patrimônio pessoal. Portanto, em razão dessa classificação, os tipos mais utilizados no Brasil são os que se enquadram no grupo das sociedades de responsabilidade limitada, principalmente, a Sociedade por Ações (S/A) e a Sociedade Limitada (Ltda). A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 4 1.3. A Regra da Limitação da Responsabilidade e suas Exceções A regra da limitação da responsabilidade patrimonial dos sócios é importante e implica incentivo ao exercício de atividade econômica por meio de sociedades. Contudo, essa regra não é absoluta! Nosso ordenamento jurídico prevê diversas situações em que, excepcionalmente, mesmo o sócio de uma Limitada ou de uma S/A poderá ser chamado a responder por dívidas da sociedade e/ou terá uma responsabilidade patrimonial adicional. As exceções mais comuns à regra da limitação da responsabilidade são: 2. Exceções à Regra da Responsabilidade Limitada 2.1. Integridade do Capital Social Uma das funções do capital social, dentre outras, é que ele se constitui em uma garantia em favor dos credores, para a satisfação de seus créditos. Por isso, toda vez que o capital social for indevidamente reduzido, desfalcado ou diminuído, os sócios são obrigados a repor esses valores. Tais regras, que impõem a responsabilidade aos sócios de completar valores indevidamente ausentes do capital social, visam preservar a higidez e a intangibilidade do capital social. As principais regras de preservação da higidez e da intangibilidade do capital existentes em nosso ordenamento jurídico são: Sociedade Marital: os cônjuges podem ser sócios entre si ou com terceiros, desde que o regime de bens do casamento não seja o da comunhão universal ou o da separação obrigatória, conforme art. 977 do CC. Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 5 Integralização do Capital Social: na sociedade limitada, todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pela integralização do capital social. Caso algum dos sócios deixe de aportar à sociedade o valor subscrito no contrato social, os demais poderão ser chamados para completar o valor devido. Todos os sócios respondem pelos valores prometidos no contrato social, que devem ser efetivamente transferidos à sociedade, conforme art. 1.052 do CC. Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. Exata Estimação dos Bens Conferidos: na sociedade limitada, todos os sócios respondem pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social, pelo prazo de cinco (05) anos, contados do registro da sociedade. Se na integralização do capital social for atribuído algum bem à sociedade, esse bem deve ser devida e corretamente avaliado. Caso ele seja recebido pela sociedade por um valor superior ao real, todos os sócios poderão ser chamados a completar o valor da diferença, de acordo com a regra do art. 1.055, § 1º, do CC. Art. 1.055. (omissis) § 1º Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade. Reposição dos Lucros Fictícios Recebidos: ainda podemos considerar nesse grupo a regra que determina que os sócios devem devolver toda e qualquer quantia recebida a título de lucro se tal distribuição ocorrer em prejuízo do capital social. Isso significa que os sócios somente podem receber lucros quando o balanço patrimonial (art. 1.179 do CC) identificar que o patrimônio líquido da sociedade possui um valor maior do que o capital social. Qualquer distribuição de dividendos fora desse contexto é indevida e implicará o dever de reposição, consoante determina o art. 1.059 do CC. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 6 Art. 1.059. Os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital. 2.2. Responsabilidade Pessoal por Ato Ilícito Outra exceção à regra da limitação da responsabilidade dos sócios por dívidas da sociedade é a responsabilidade pessoal por ato ilícito, que ora veremos. Toda vez que os sócios e/ou os administradores praticarem um ato contrário à lei, aoestatuto ou ao contrato social, eles responderão pelos danos decorrentes causados a terceiros ou à própria sociedade. A violação a um dever jurídico preexistente (ato ilícito), um dano e o nexo de causalidade entre o ilícito e o dano são os elementos necessários para ensejar a responsabilidade dos sócios e/ou administradores. As principais regras sobre esse tema existentes em nosso ordenamento jurídico são: Responsabilidade do Administrador por Atos Culposos: na sociedade limitada, o administrador responde, perante terceiros e perante a própria sociedade, pelos danos decorrentes de atos culposos ou dolosos praticados no exercício da função. Se o administrador violar algum dos seus deveres (lealdade, diligência, informação, sigilo etc.), e se dessa violação sobrevier um dano, ele responderá, de acordo com o disposto no art. 1.016 do CC. Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções. Sócios Respondem pelas Deliberações Contrárias à Lei: na sociedade limitada, as deliberações tomadas em assembleia ou reunião de sócios que forem contrárias à lei ou ao contrato social tornam ilimitada a responsabilidade daqueles que expressamente as aprovaram, nos termos do art. 1.080 do CC. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 7 Art. 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram. Administrador Responde pelos Tributos Resultantes de Atos Praticados com Infração à Lei: no âmbito tributário, os administradores de sociedades respondem pessoalmente pelos tributos resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou com infração à lei ou ao contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional (CTN). Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. Essa regra é de extrema relevância em nosso ordenamento jurídico, e adiante dedicaremos maior atenção a sua interpretação e aplicação pelos tribunais pátrios. Responsabilidade do Administrador por Atos Culposos: também na sociedade por ações o administrador responde, perante terceiros e perante a própria sociedade, pelos danos decorrentes de atos culposos ou dolosos praticados no exercício da função, bem como pelos atos praticados com violação à lei ou ao estatuto social. Se o administrador violar algum dos seus deveres (lealdade, diligência, informação, sigilo etc.), e se dessa violação sobrevier um dano, ele responderá, de acordo com o disposto no art. 158 da Lei nº 6.404/76. Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II - com violação da lei ou do estatuto. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 8 § 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri- los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembleia geral. 3. Exceções à Regra da Responsabilidade Limitada 3.1. Desconsideração da Personalidade Jurídica Em relação às exceções à regra da responsabilidade limitada dos sócios e administradores de sociedades, temos ainda de tratar da desconsideração da personalidade jurídica. Por meio da desconsideração – uma forma de imputação de responsabilidade –, o juiz amplia o polo passivo da demanda, atribuindo responsabilidade aos sócios por uma dívida da sociedade. Essa teoria deve ser aplicada àqueles casos em que há a prática de um ato aparentemente lícito para alcançar fins ilícitos (abuso de forma). Atualmente, a desconsideração da personalidade jurídica é prevista de três maneiras em nosso ordenamento jurídico, a saber: Teoria Maior da Desconsideração: aplicada em relação aos credores negociais da sociedade, pressupõe a prática de abuso da personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Está prevista no art. 50 do CC. Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 9 sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Teoria Menor da Desconsideração: aplicada em relação aos credores não negociais da sociedade. Pressupõe apenas o descumprimento da obrigação e a ausência de bens da sociedade. Estabelece uma solidariedade legal pelo pagamento da dívida. Aplica-se somente em relação a determinados credores, como os consumidores, trabalhistas, ordem econômica e meio ambiente. Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (omissis) § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Meio Ambiente (Lei nº 9.605/98) Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Ordem Econômica (Lei nº 12.529/11) Art. 32. As diversas formas de infração da ordem econômica implicam a responsabilidade da empresa e a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores, solidariamente. (omissis) Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 10 de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. A Teoria Menor da Desconsideração também é aplicada pelos tribunais em favor dos credores trabalhistas, apesar de não existir um dispositivo legal específico. Desconsideração Inversa: essa modalidade de desconsideração permite ao credor de uma pessoa natural ou jurídica, que não tenha bens, participar como sócio de uma sociedade, que busque osbens sociais para satisfazer seu crédito – o inverso da desconsideração da personalidade jurídica. Pressupõe que o devedor tenha desviado seu patrimônio de forma fraudulenta ou abusiva, em favor da sociedade de que participa. Está expressamente referida pela primeira vez em nosso ordenamento jurídico no art. 133, § 2º, do Código de Processo Civil (CPC). Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. § 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei. § 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica. 3.2. Aplicação da Desconsideração pelos Tribunais: Jurisprudência Em relação à desconsideração da personalidade jurídica, deve-se compreender a maneira como os Tribunais Superiores interpretam e aplicam os dispositivos legais pertinentes. Nesse sentido, cumpre transcrever as decisões mais importantes consolidadas em nossa jurisprudência sobre o tema. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 11 Desconsideração e Dissolução Irregular: Tratando-se de regra de exceção, de restrição ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a interpretação que melhor se coaduna com o art. 50 do CC é a que relega sua aplicação a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial. O encerramento das atividades ou dissolução, ainda que irregulares, da sociedade não são causas, por si só, para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do CC. (EREsp 1306553/SC, Rel. Min. Maria I. Gallotti, 2ª Seção, DJ 12/12/2014.) Desconsideração e Teoria Menor: RESPONSABILIDADE CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. SHOPPING CENTER DE OSASCO-SP. EXPLOSÃO. CONSUMIDORES. DANOS MATERIAIS E MORAIS. PESSOA JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO. TEORIA MAIOR E TEORIA MENOR. LIMITE DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS SÓCIOS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REQUISITOS. OBSTÁCULO AO RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS CAUSADOS AOS CONSUMIDORES. ART. 28, § 5º. - A Teoria Maior da Desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (Teoria Subjetiva da Desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (Teoria Objetiva da Desconsideração). - A Teoria Menor da Desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Para a Teoria Menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 12 qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e administradores da pessoa jurídica. (REsp 279.273/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 29/03/2004.) Desconsideração Inversa: Devedor é sócio controlador de sociedades empresárias e considerado o maior revendedor de veículos da América Latina. Pedido de aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica para que a penhora recaia em saldos bancários das sociedades empresárias controladas pelo devedor. (…) Prova de que o sócio devedor é, em rigor, “dono” da sociedade limitada e da sociedade anônima fechada, das quais é o presidente, controlador de fato, e, apesar da participação minoritária de sua esposa, ficam elas caracterizadas como autênticas sociedades unipessoais. Confusão patrimonial entre sócio e sociedades comprovada. Patrimônio particular do sócio controlador constituído de bens que, na prática, mesmo que penhorados, não seriam convertidos em pecúnia para a satisfação do credor. Oferecimento de bens imóveis à penhora, que, por se situarem no Estado da Paraíba, distantes mais de 2.600 km de São Paulo, onde tramita a execução, com nítido escopo de se opor maliciosamente à execução, empregando ardis procrastinatórios, que configura ato atentatório à dignidade da Justiça. Agravo provido para deferir a desconsideração inversa da personalidade jurídica das sociedades empresárias indicadas (Limitada e S/A fechada), autorizada a penhora virtual de saldos de contas bancárias. (TJ/SP, 29ª Câmara Cível, AI nº 1.198.103-0/0, Rel. Des. Pereira Calças, DJ 26/11/2008) Em Resumo, a Responsabilidade dos Sócios pelas dívidas da sociedade será limitada, desde que: O tipo societário adotado seja Ltda ou S/A. O capital seja totalmente integralizado. Haja avaliação adequada dos bens. Não haja prática de atos ilícitos. Não haja abuso (desvio de finalidade ou confusão patrimonial). A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 13 A natureza da dívida seja trabalhista, de consumidor, ambiental ou concorrencial. 4. Responsabilidade Tributária 4.1. Norma Geral de Responsabilidade Tributária de Terceiros Para fins desta disciplina, existe no Brasil uma norma geral de responsabilidade tributária de terceiros que permite à Fazenda Pública responsabilizar os administradores de uma sociedade pelas dívidas tributárias da pessoa jurídica. Essa regra está insculpida no art. 135 do CTN e tem a seguinte redação: Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. Historicamente, o art. 135, III, do CTN tem sido adotado como o principal fundamento legal para a imputação de responsabilidade tributária aos sócios e administradores de sociedades. Importante frisar que o dispositivo ora analisado não se confunde com aqueles que tratam da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Aqui, com efeito, trata-se de imputar a responsabilidade ao administrador pela prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou estatutos – portanto, responsabilidade pessoal por ato ilícito. Assim, devemos estudar quais são as principais interpretações dadas a este dispositivo. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 14 4.2. As Interpretações da Norma A regra do art. 135, III, do CTN comporta inúmeras interpretações – algumas mais favoráveis ao Fisco; outras, aos contribuintes. De modo simplificado, podemos resumir as principais correntes hermenêuticas em três grandes grupos, a saber. Interpretação Literal – Interpretação puramente gramatical do dispositivo, que apenas atribui responsabilidade ao administrador quando o tributo resultar diretamente de um ato de infração à lei praticado antes. Restringe a aplicação da norma e favorece os contribuintes. Interpretação Sistemática – Interpretação mais ampla, que insere odispositivo no contexto de todo o ordenamento jurídico. Pagar tributos é uma obrigação ex lege. Não é uma escolha, uma opção. Não é uma conduta lícita, por parte do administrador, deixar de recolher os tributos devidos pela sociedade. Logo, o mero descumprimento da obrigação tributária pela sociedade, por si só, geraria a responsabilidade pessoal do administrador. Essa corrente foi aplicada até meados da década de 1990 pelo Superior Tribunal de Justiça. Atualmente, está superada pela Súmula 430 do mesmo tribunal. Interpretação Predominante – A interpretação que prevalece atualmente acerca do art. 135, III, do CTN é fruto de uma análise combinada das Súmulas nº 430 e nº 435 do STJ. Essas Súmulas são as grandes balizas que norteiam a aplicação da norma. Súmula 430 – STJ O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente. Súmula 435 – STJ Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 15 Em síntese, temos que a obrigação de pagar tributos é decorrente da lei – pode- se falar até no dever fundamental de pagar tributos. Contudo, a dívida tributária, por si só, não gera a responsabilidade do administrador. A responsabilidade só surgiria se houvesse a prática de outro ato ilícito. Além disso, a responsabilidade, se houver, será sempre subsidiária. Ou seja, busca-se, primeiro, o patrimônio da sociedade. 4.3. Aplicação da Norma Geral pelos Tribunais: Jurisprudência Em relação à responsabilidade tributária dos sócios e administradores, cumpre analisar as decisões dos Tribunais Superiores sobre o tema. Responsabilidade Tributária e Dissolução Irregular: Consoante a Súmula nº 435/STJ: (…). É obrigação dos gestores das empresas manter atualizados os respectivos cadastros, incluindo os atos relativos à mudança de endereço dos estabelecimentos e, especialmente, referentes à dissolução da sociedade. A regularidade desses registros é exigida para que se demonstre que a sociedade dissolveu-se de forma regular, em obediência aos ritos e formalidades previstas nos arts. 1.033 a 1.038 e arts. 1.102 a 1.112 do CC (...). Não há como compreender que o mesmo fato jurídico “dissolução irregular” seja considerado ilícito suficiente ao redirecionamento da execução fiscal de débito tributário e não o seja para a execução fiscal de débito não tributário. (REsp 1371128/RS, Rel. Min. Mauro Marques, 1ª Seção, DJ 17/09/2014.) Responsabilidade Tributária e Dissolução Irregular: A certidão emitida pelo Oficial de Justiça, atestando que a empresa devedora não mais funciona no endereço constante dos assentamentos da junta comercial, é indício de dissolução irregular, apto a ensejar o redirecionamento da execução para o sócio-gerente, de acordo com a Súmula 435/STJ. (AgRg no REsp 1289471/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJ 12/04/2012.) A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 16 Responsabilidade Tributária e Solidariedade Legal: Responsabilidade tributária. (…) Sócios de sociedade limitada. (…) O art. 13 da Lei nº 8.620/1993 (…) se reveste de inconstitucionalidade material, porquanto não é dado ao legislador estabelecer confusão entre os patrimônios das pessoas física e jurídica, o que, além de impor desconsideração ex lege e objetiva da personalidade jurídica, descaracterizando as sociedades limitadas, implica irrazoabilidade e inibe a iniciativa privada, afrontando os arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição. (STF, RE 562.276, Rel. Min. Ellen Gracie, Plenário, DJ 10/02/2011.) Responsabilidade Tributária e Inadimplência Dolosa Contumaz: RECURSO. Extraordinário. Efeito suspensivo. Inadmissibilidade. Estabelecimento industrial. Interdição pela Secretaria da Receita Federal. Fabricação de cigarros. Cancelamento do registro especial para produção. Legalidade aparente. Inadimplemento sistemático e isolado da obrigação de pagar Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Comportamento ofensivo à livre concorrência. Singularidade do mercado e do caso. Liminar indeferida em ação cautelar. Inexistência de razoabilidade jurídica da pretensão. Votos vencidos. Carece de razoabilidade jurídica, para efeito de emprestar efeito suspensivo a recurso extraordinário, a pretensão de indústria de cigarros que, deixando sistemática e isoladamente de recolher o Imposto sobre Produtos Industrializados, com consequente redução do preço de venda da mercadoria e ofensa à livre concorrência, viu cancelado o registro especial e interditados os estabelecimentos. (STF - AC-MC: 1657 RJ, Relator Min. Joaquim Barbosa, Rel. p/ acórdão Min. Cesar Peluso, Plenário, DJ 31/08/2007.) 5. Responsabilidade Tributária e as Infrações Mais Comuns 5.1. Violação à Lei ou ao Contrato Social ou Estatuto Em se tratando da responsabilidade tributária de terceiros, há uma série de condutas que, se praticadas, permitem à Fazenda Pública responsabilizar os administradores de uma pessoa jurídica pelas dívidas tributárias desta. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 17 No que tange à violação à lei, ao contrato social ou estatuto, as infrações mais comumente praticadas são: Dissolução Irregular – O encerramento das atividades, vulgarmente chamado de “fechar as portas”, sem a adoção do procedimento de baixa e liquidação, com a posterior dissolução perante a Junta Comercial, enseja a responsabilidade dos administradores (Súmula nº 435/STJ). Dever de Liquidação – Quando uma sociedade acumula dívidas vultosas, possuindo um patrimônio ínfimo e irrisório, incapaz de suportar uma mínima parte dos débitos, pode-se responsabilizar o administrador, que, atuando com desídia, deixou a situação chegar a esse ponto, sem adotar qualquer medida que pudesse estancar a sangria financeira – deveria liquidar a sociedade ou requerer autofalência (art. 105, Lei nº 11.101/05). Desconsideração de Personalidade Jurídica Inversa – Quando um sócio já foi responsabilizado pelas dívidas de uma sociedade e, após, descobre-se que verteu seu patrimônio pessoal para outra sociedade (uma nova, que não a pessoa jurídica devedora), pode-se requerer a desconsideração inversa, em relação a essa nova sociedade, para que responda pelos débitos do sócio. Fraude ou abuso – São muitas as situações que na prática podem dar ensejo ao reconhecimento de fraude ou abuso. Notadamente, quando o sócio já responsabilizado por uma dissolução irregular, por exemplo, oculta seu patrimônio, por meio de operações simuladas ou fictícias, tais como, doações, dívidas criadas para esvaziamento patrimonial, uso de laranjas, subcapitalização da sociedade e criação de múltiplas sociedades. 5.2. Sucessão Tributária Embora não se trate tecnicamente de um exemplo de responsabilidade de sócios e administradores, devemos enfrentar também a questão referente à sucessão tributária, prevista no art. 133 do CTN. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 18 Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: I - integralmente,se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão. Apesar de se tratar de responsabilidade do sucessor, muitas vezes a sucessão se dá em favor do próprio administrador ou sócio da sociedade devedora, que constitui nova sociedade, operando no mesmo local, no mesmo ramo de atividade, utilizando os mesmos bens e se valendo do trabalho dos mesmos empregados. Nesse sentido, quando o sócio se valer desse expediente de constituição de múltiplas sociedades, atuando no mesmo endereço e em idêntica atividade, há uma forte probabilidade de que haja a imputação da responsabilidade das dívidas tributárias anteriores para a atual sociedade. Cabe lembrar que a sucessão tributária incidirá sempre que houver o trespasse do estabelecimento. Isso significa que quem adquirir o fundo de comércio sempre responderá pelos débitos tributários do anterior explorador daquele empreendimento, mesmo que a aquisição tenha sido feita fraudulentamente. 5.3. Falência No que se refere à falência, é importante ressaltar que o processo falimentar é um modo regular de dissolução de uma sociedade, conforme se extrai da interpretação do art. 1.044 do CC. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 19 Art. 1.044. A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência. Assim, caso a sociedade devedora de tributos tenha a sua falência decretada, compete ao Fisco demonstrar a prática de atos praticados com excesso de poderes, infração à lei ou ao contrato social ou estatuto, para que se possa pretender imputar responsabilidade aos sócios ou administradores pelos tributos devidos. Dentre as hipóteses mais comuns que ensejam a responsabilidade dos sócios e administradores de sociedades submetidas ao processo de falência, destacam-se: Ausência de Livros – Quando os livros da sociedade empresária, cuja falência foi decretada não são depositados em juízo pelo administrador, tampouco apresentados ao administrador judicial para serem objeto de exame e perícia, em desacordo com o que expressamente estabelece a Lei de Falências e Recuperações (Lei nº 11.101/05), no art. 104, II. Escrituração Lacônica – Quando no relatório sobre as causas da falência o administrador judicial expõe que, ao analisar os livros da sociedade falida (por meio de perícia técnica, realizada por profissional idôneo e habilitado), foi constatado que a escrituração do empresário não preenchia os requisitos intrínsecos e extrínsecos de validade. Desvio ou Ocultação de Bens – Quando o administrador judicial expõe em seu relatório sobre as causas da falência que alguns bens não puderam ser arrecadados, porque não foram localizados; ou quando descreve um ilícito relacionado à conduta dos administradores ou à ocultação de bens sociais. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 20 6. Responsabilidade Tributária e as Medidas De Prevenção 6.1. Condutas que Podem Ser Adotadas para Prevenir a Responsabilidade Em se tratando da responsabilidade tributária de sócios e administradores de sociedades, há diversas medidas de prevenção que, se adotadas, reduzem a possibilidade de que esses sócios e administradores sejam responsabilizados pela Fazenda Pública por dívidas tributárias da sociedade. Como exemplos dessas medidas preventivas, podemos citar: Estrita Observância da Lei – Quanto maior a adequação da sociedade à lei, menores os riscos de uma eventual responsabilidade dos administradores e sócios. Portanto, a sociedade deve buscar sempre o estrito cumprimento da lei. Declaração Rotineira dos Tributos – Os contribuintes têm diversas obrigações acessórias, além do dever legal de pagar os tributos. Dentre as obrigações acessórias, destaca-se o envio de declarações, por meio das quais o próprio contribuinte constitui o tributo devido (Súmula nº 436/STJ). A ausência dessas declarações, isto é, a sua não entrega, pode caracterizar crime contra a ordem tributária. Outrossim, há tributos que devem ser sempre recolhidos, pois o não recolhimento, por si só, já caracteriza o crime (imposto de renda e contribuição à seguridade social, descontados do empregado e não repassadas à Receita Federal). Parcelamentos – Nos âmbitos federal, estaduais e municipais há leis específicas que contemplam a possibilidade de parcelamento dos tributos devidos aos entes federativos (parcelamentos ordinários), que permitem ao contribuinte fracionar o pagamento do tributo, incidindo juros e correção monetária. Eventualmente também há programas de parcelamentos A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 21 exclusivos (parcelamentos especiais), que oferecem vantagens aos contribuintes que a eles aderirem. Oferecimento de Bens – É prerrogativa do devedor indicar bens na execução fiscal. Sendo a sociedade solvente, usar dessa prerrogativa previne o risco de responsabilidade dos sócios e administradores. Recuperação Judicial e Autofalência – A recuperação judicial pode ser um meio de a sociedade se reorganizar econômica e financeiramente, possibilitando que cumpra com suas obrigações em relação aos seus credores. 7. Responsabilidade Tributária e Matérias de Defesa 7.1. Matérias de Defesa versus Meios de Defesa Inicialmente, convém distinguir as matérias de defesa dos meios de defesa. Ora, os meios de defesa são os instrumentos processuais ao alcance daqueles que já foram incluídos ou estão na iminência de serem incluídos no polo passivo de uma execução fiscal. Podemos citar como meios de defesa os embargos de devedor, a exceção de pré-executividade, a consignação em pagamento, a medida antecipatória de caução, entre outros. Já as matérias de defesa são os argumentos, ou seja, o conteúdo que será tratado no meio de defesa escolhido ou adequado. Nesta disciplina, trataremos apenas das matérias de defesa. 7.2. Prescrição e Decadência Inúmeras matérias de defesa podem ser suscitadas pelo devedor no bojo de uma execução fiscal, seja por meio de embargos de devedor, seja por meio de uma exceção de pré-executividade. Contudo, neste ponto daremos ênfase àquelas matérias de defesa com abrangência maior, bem como com grande incidência, em se tratando de execução fiscal: decadência e prescrição. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 22 Decadência – A Fazenda Pública tem o prazo de cinco (05) anos para constituir o crédito tributário, sob pena de decadência do direito à constituição do crédito, de acordo com o disposto no art. 173 do CTN. Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue- se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Entretanto, é preciso considerar que, uma vez entregue a declaração pelo contribuinte, o crédito já estará constituído, afastando-se, pela apresentação da declaração, o fluxo do prazo decadencial e dando início ao prazo prescricional para cobrança do crédito tributário, de acordo com a Súmula nº 436, do STJ: Súmula nº 436 – STJ A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendodébito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco. Prescrição do Crédito – Uma vez constituído o crédito tributário, seja por declaração do próprio contribuinte, seja por atuação da Autoridade Fazendária, começa a fluir o prazo de prescrição de cinco (05) anos, para que a Fazenda Pública realize os atos de cobrança do crédito tributário, inclusive devendo ajuizar a respectiva execução fiscal, conforme estabelece o art. 174 do CTN. Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 23 I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; II - pelo protesto judicial; III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor. Muitas vezes se discute, em execução fiscal, se a demora na ocorrência da citação impede que o curso da prescrição se interrompa. Também se discute se o magistrado pode reconhecer de ofício a ocorrência da prescrição, em se tratando de execução fiscal. Em relação a esses dois pontos, deve-se ter atenção aos enunciados das Súmulas nº 106 e nº 409 do STJ: Súmula nº 106 – STJ Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência. Súmula nº 409 – STJ Em execução fiscal, a prescrição ocorrida antes da propositura da ação pode ser decretada de ofício (art. 219, § 5º, do CPC). Prescrição Intercorrente – Mesmo que a execução fiscal tenha sido ajuizada dentro do quinquênio legal, caso o processo permaneça parado, sem movimentação ou arquivado, por mais de cinco (05) anos, ocorrerá a chamada prescrição intercorrente. O crédito tributário será considerado prescrito, e a execução fiscal será extinta, com análise de mérito. Cabe ressaltar que não basta o mero decurso do prazo de cinco anos desde o ajuizamento. É preciso de que haja inércia do ente público. Também, deve-se observar se não houve a ocorrência de alguma causa de interrupção do transcurso do prazo prescricional (parcelamento, pagamento etc.). A prescrição intercorrente está positivada no art. 40 da Lei de Execução Fiscal (LEF). A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 24 Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. (...) § 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos. (...) § 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. Nesse mesmo sentido, estabelece a Súmula nº 314 do STJ: Súmula nº 314 – STJ Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente. Prescrição ao Redirecionamento – O Fisco tem o prazo de cinco (05) anos para redirecionar a execução fiscal contra o administrador da sociedade. Atualmente, há uma grande celeuma quanto ao início desse prazo. Os contribuintes sustentam que os cinco anos devem ser contados a partir do ajuizamento da ação, pois o cidadão não pode ficar eternamente sujeito ao redirecionamento. Porém, o Fisco argumenta que o prazo de prescrição do redirecionamento somente pode iniciar quando nascer a pretensão contra o administrador (actio nata). A inércia da Fazenda Pública só teria início a partir do momento em que fosse constatada uma hipótese apta a ensejar o redirecionamento. O STJ possui decisões divergentes, estando pendente de julgamento o REsp nº 1.145.563, o qual foi sumetido ao regime de julgamento dos recursos repetitivos. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 25 Julgamento Favorável aos Contribuintes (...) 1. O termo inicial da prescrição é o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagrado no princípio universal da actio nata. 2. In casu, não ocorreu a prescrição, porquanto o redirecionamento só se tornou possível a partir da dissolução irregular da empresa executada. (REsp 1196377/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, 27/10/2010.) Julgamento Favorável à Fazenda Pública (...) O redirecionamento da execução contra o sócio deve dar-se no prazo de cinco (05) anos da citação da pessoa jurídica, (…) decorridos mais de cinco (05) anos após a citação da empresa, ocorre a prescrição intercorrente inclusive para os sócios. (Ag 1272349/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ 14/12/2010.) 8. Responsabilidade Tributária e Bens Impenhoráveis 8.1. Relação de Bens Absolutamente Impenhoráveis Cumpre salientar que o devedor tributário, inclusive o sócio ou o administrador de sociedade que tenha sido responsabilizado pelo pagamento de dívidas sociais, responderá com todos os seus bens pelas dívidas, exceto aqueles reputados absolutamente impenhoráveis, por força de lei, conforme dispõe o art. 184 do CTN. Art. 184. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 26 O rol de bens impenhoráveis está atualmente previsto no art. 833 do CPC. Art. 833. São impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o; V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado; VI - o seguro de vida; VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos; XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nostermos da lei; XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 27 8.2. Bem de Família Além dos bens arrolados no CPC, temos, ainda, a proteção dada pelo ordenamento jurídico ao Bem de Família, assim entendido como o imóvel residencial próprio do devedor, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.009/90: Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Em relação à proteção atribuída por lei ao Bem de Família, é importante considerar as Súmulas nº 364, 449, 451 e 486, todas do STJ, que bem evidenciam os contornos dessa proteção, segundo a interpretação e a aplicação dada à lei pelo referido Superior Tribunal de Justiça: Súmula 364 – STJ O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas. Súmula 449 – STJ A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora. Súmula 451 – STJ É legítima a penhora da sede do estabelecimento comercial. Súmula 486 – STJ É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia de sua família. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 28 Portanto, vê-se que, de acordo com a interpretação do STJ, a proteção do Bem de Família deve ser estendida à residência de pessoas solteiras, separadas e viúvas. Também é impenhorável o único imóvel, ainda que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida seja revertida para residência ou subsistência da família. Por outro lado, o STJ entende ser legítima a penhora da sede do estabelecimento do empresarial, bem como da vaga de garagem que possua matrícula própria perante o Registro de Imóveis, não merecendo esses imóveis a proteção legal. 8.3. Exceções à Impenhorabilidade Por fim, deve ser frisado que a proteção conferida por lei ao denominado Bem de Família (i.e., ao imóvel residencial próprio do devedor e de sua família) é uma regra não absoluta, existindo exceções. Nesse sentido, a própria Lei nº 8.009/90 prevê as hipóteses em que a proteção ao bem de família não poderá ser invocada: Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III -- pelo credor de pensão alimentícia; III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES 29 BIBLIOGRAFIA Bibliografia básica: CARVALHOSA, M. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 3 e 4, t. II. ______. Comentários ao Novo CC Brasileiro – parte especial do direito da empresa, v. 13, arts. 1.052 a 1.195. São Paulo: Saraiva, 2003. ______. Estudos de Direito Empresarial, em Co-autoria com Nelson Eizirik. Rio de Janeiro e São Paulo: Saraiva, 2010. COMPARATO, F. K.; SALOMÃO FILHO, C. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense. 2014. DE LIMA, E. G. Responsabilidade Tributária dos Sócios e Administradores de Sociedade Limitada. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2012. Bibliografia complementar: BALEEIRO, A. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999. CARMO, E. S. Relações Jurídicas na Administração da S.A. Rio de Janeiro: Aide 1988. CARVALHO, P. B. Curso de Direito Tributário. 22.ed. 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