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Unidade 3 Dissolução das Sociedades Livia Regina de Figueiredo Direito Empresarial Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Diretora Editorial ANDRÉA CÉSAR PEDROSA Projeto Gráfico MANUELA CÉSAR ARRUDA Autora LIVIA REGINA DE FIGUEIREDO Desenvolvedor CAIO BENTO GOMES DOS SANTOS Livia Regina de Figueiredo Olá. Meu nome é Livia Regina de Figueiredo. Sou bacharel em Direito, pós-graduada em Magistério Superior em Direito, cursei o mestrado em Direito e Desenvolvimento e atualmente curso o Doutorado em Direito Privado na Universidade de Salamanca, Espanha. Advogo desde 1989 e há alguns anos presto serviços para grandes grupos econômicos na área de medicamentos e alimentos. Amo advogar e sou apaixonada pela docência. Também gosto muito de compartilhar minha experiência com aqueles que estão iniciando suas vidas profissionais. Em razão da minha experiência e qualificação fui convidada pela Editora Telesapiens para integrar o seu elenco de autores independentes e me sinto muito honrada com esse convite. Estou feliz por ajudá-lo nesta fase de estudo e trabalho. Tenho certeza que o seu esforço e empenho nos estudos lhe trará muito sucesso. . A AUTORA Olá. Meu nome é Manuela César de Arruda. Sou a responsável pelo projeto gráfico de seu material. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: ICONOGRÁFICOS INTRODUÇÃO: para o início do desenvolvimento de uma nova com- petência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou discutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últimas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Dissolução da sociedade ....................................................................... 11 Dissolução das sociedades ..................................................................................................11 Transformaçã o ..............................................................................................................................12 Incorporação ....................................................................................................................................12 Fusão .....................................................................................................................................................14 Cisão ......................................................................................................................................................15 Direito de terceiros ......................................................................................................................16 Regras para a dissolução da sociedade .....................................................................17 Dissolução Parcial da Sociedade ..................................................................20 Dissolução total da sociedade ........................................................................23 Liquidação das sociedades ..................................................................................................24 Desconsideração da personalidade jurídica ................................. 29 A desconsideração da pessoa jurídica .........................................................................29 Recuperação de empresas ................................................................... 33 Lei de Recuperação e Falência de Empresas .......................................................33 Aspectos processuais relevantes da LRF ..................................................................37 Comitê de credores ....................................................................................................................41 Assembleia-geral de credores ...........................................................................................42 Recuperação judicial .................................................................................................................43 Microempresas e empresas de pequeno porte ....................................................49 Falência ......................................................................................................... 52 Compreendendo o significado da falência ............................................................52 Livia Regina de Figueiredo ....................................................................................................60 Direito Empresarial ......................................................................................................................60 Direito Empresarial8 UNIDADE 03 DISSOLUÇÃO DAS SOCIEDADES Direito Empresarial 9 São várias as formas de dissolução das sociedades, mas todas elas têm impacto para sócios, credores e no nicho de mercado no qual estão inseridas. As sociedades podem ser transformadas, incorporadas, fundidas, ou cindidas, dissolvidas total ou parcialmente. A extinção total ou parcial das pessoas jurídicas, a morte de sócios ou a retirada de um sócio da sociedade, ou até mesmo pela falência são exemplos de situações com impacto patrimonial para os sócios, que regra geral são precedidas da fase de liquidação, que pode ser judicial ou extrajudicial. Da mesma forma a recuperação das empresas em dificuldade, que pode ser judicial ou extrajudicial, com impacto no patrimônio particular dos sócios quando decretada a falência. Todas essas possibilidades estão inseridas num universo de possibilidades legais interessantíssimas e muito importantes para os advogados que pretendem trabalhar para pessoas jurídicas ou que venham a ser sócios de uma empresa jurídica ou de um escritório de advocacia. Vamos estudar e refletir sobre os conceitos do Direito Empresarial e as previsões legais para diferentes situações que podem surgir durante a vida das sociedades? Esses são temas apaixonantes. Acho que você irá gostar muito deste estudo e terá muito sucesso nesse aprendizado. Bom estudo! INTRODUÇÃO Direito Empresarial10 Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 3. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o término desta etapa de estudos: 1. Compreender as alterações nos diferentes tipos empresariais; 2. Identificar as consequências jurídicas nas mudanças societárias; 3.Identificar e compreender a recuperação judicial e extrajudicial; 4. Compreender a falência e suas consequências. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! OBJETIVOS Direito Empresarial 11 Dissolução da sociedade INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de entender todos os aspectos e tipos de alterações societárias, suas peculiaridades e consequências. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Dissolução das sociedades O início de uma sociedade tem viés positivo de gênese, nascimento, início da affectio societatis, empenho dos sócios em torno de um objetivo comum, esperança de bons negócios e de lucratividade, etc. O fim de uma sociedade, por sua vez, tem viés contrário, negativo, de morte, encerramento de atividades, fim da affectio societatis,afastamento dos sócios por desinteresse pelo objetivo que era comum ou pela mudança de interesses, e, não raro, conflito entre as partes, dentre outros. Por isso, popularmente se diz que o início de uma sociedade equivale ao casamento, momento em que tudo são flores, e o fim de uma sociedade empresarial equivale a um divórcio, o ponto de ruptura de uma relação com desgastes e/ou prejuízos reiterados ao longo do tempo. A exceção é para as sociedades com propósito específico, que têm tempo de vida pré-determinado e cuja dissolução se dá por força do contratualmente acordado. Mas, seja pelo afastamento de um sócio, continuando a sociedade com os demais ou com um novo sócio, seja pelo fim da empresa e liquidação da sociedade pela vontade dos sócios ou acionistas, ou ainda pela incorporação por outra empresa ou pela falência, todas as situações de ruptura empresária têm implicações fiscais e jurídicas importantes. Porém, entre o nascimento e a dissolução de uma empresa várias modificações podem ocorrer na sua constituição social. Chamadas operações societárias, essas modificações são a transformação, a Direito Empresarial12 incorporação, a fusão e a cisão, previstas no Capítulo XVIII, da Lei de Sociedades Anônimas. Transformaçã o A transformação ocorre quando uma sociedade passa de um tipo societário para outro. Essa modificação ou alteração independe da dissolução e liquidação das sociedades e deve ser feita de acordo com as regras estabelecidas na lei para constituição e registro da nova sociedade. (art. 220, Lei 6.404/76 e 1.113, CC). Na falta de previsão contratual ou estatutária, é imperiosa a autorização de todos os sócios ou da maioria dos acionistas. Porém, havendo previsão contratual nas sociedades onde a affectio societatis esteja presente, o sócio dissidente pode retirar-se da sociedade, aplicando-se, no que couber, as regras do art. 1.031 do Código Civil. (art. 1.114, CC) Também há casos em que a transformação é obrigatória por lei. É o caso do MEI que atinge faturamento bruto acima do excedente de 20% sobre o faturamento legal permitido - R$81.000,00 em 2019, totalizando R$97.200,00 -, contrata mais de um funcionário, soma mais um sócio, abre filial ou outra empresa no nome empresário responsável, ou passa a exercer atividades não permitidas. Em qualquer dessas hipóteses a MEI deve ser desenquadrada e transformada em microempresa. Da mesma forma, a Microempresa que em 2019 alcançar faturamento anual superior a R$360.000,00 deve ser transformada em Empresa de Pequeno Porte. Independente do enquadramento da empresa, porém, o direito dos credores nunca é afetado pela transformação. (art. 222, Lei 6.404/76, e art. 1.115, CC). Incorporação A incorporação é um fenômeno de concentração empresarial característico do capitalismo, que pode ocorrer entre quaisquer tipos de Direito Empresarial 13 empresas. E são muitas as razões que levam sociedades exploradoras de um mesmo segmento industrial ou comercial a se fundirem: conquista de novos nichos de mercado, melhoria na logística de distribuição, aumento da competitividade, domínio de novas tecnologias, etc. Esse instituto é definido no art. 116, do CC, como a absorção de uma ou várias sociedades por outra, que as “sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos”. A Lei 6.404/76, por sua vez, no art. 227, a define como “a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações”. Ou seja, na incorporação há uma obsorção total da incorporada pela incorporadora, que assume todas as obrigações, direitos, ativo e passivo. Os credores de ambas empresas não são prejudicados, pois a incorporadora, ao integrar a estrutura da integrada na sua totalidade e integrá-la no seu patrimônio, assume também a obrigação de pagar todas as dívidas. IMPORTANTE: Mas, atenção, as regras são diferentes para as sociedades de pessoas e as sociedades de capital. Na primeira, a deliberação de incorporar ou ser incorporada emana da vontade da maioria dos sócios, que estabelece as bases da operação e o projeto de reforma do ato constitutivo (art. 1.117 e 1.118, CC). Na segunda, incorporadora e incorporada devem aprovar a incorporação em assembleia geral, as bases da operação e o projeto de reforma do ato constitutivo, levando tudo a registro na Junta Comercial. (art. 135 e 136 c/c 223, Lei 6.404/76). Concluídos os atos da integração, a sociedade de pessoa declarará extinta a incorporada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio. As sociedades de capital abertas deverão ser sucedidas por sociedades também de capital aberto, negociando novas ações conforme Direito Empresarial14 as regras da Comissão de Valores Mobiliários, no prazo máximo de 120 dias a contar da assembleia-geral que aprovou a operação, sob pena de reembolsar os acionistas que quiserem deixar a empresa no valor das suas ações (art. 45 c/c parágrafos 3° e 4°, e art. 223, Lei 6.404/76). Fusão Na fusão, duas ou mais sociedades empresariais se fundem, são extintas, e uma nova empresa é formada congregando direitos e obrigações, passivo e ativo das empresas fundidas. (art. 1.119, CC, e art. 228, Lei 6.404/76) A exemplo do que ocorre na incorporação, nas sociedades de capital a fusão também deve ser aprovada em assembleia geral, de todas as empresas interessadas, pelo consenso da maioria dos acionistas com direito a voto. As regras gerais da fusão no Código Civil, praticamente replicam as regras estabelecidas na Lei das Sociedades Anônimas. Diz o art. 1.120, do Código Civil: Art. 1.120. A fusão será decidida, na forma estabelecida para os respectivos tipos, pelas sociedades que pretendam unir-se. § 1 . Em reunião ou assembleia dos sócios de cada sociedade, deliberada a fusão e aprovado o projeto do ato constitutivo da nova sociedade, bem como o plano de distribuição do capital social, serão nomeados os peritos para a avaliação do patrimônio da sociedade. § 2 . Apresentados os laudos, os administradores convocarão reunião ou assembleia dos sócios para tomar conhecimento deles, decidindo sobre a constituição definitiva da nova sociedade. § 3 . É vedado aos sócios votar o laudo de avaliação do patrimônio da sociedade de que façam parte.” Direito Empresarial 15 Cisão Esta figura jurídica foi incorporada ao direito brasileiro, em 1976, pela Lei das Sociedades Anônimas, no art. 229, que também define o instituto. Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão. Nesta forma de sucessão empresarial, apenas quando todo o patrimônio da empresa cindida é absorvido por outras ocorre a extinção. Os direitos e obrigações da empresa cindida são divididos da seguinte forma: a. Cisão total: cem por cento do patrimônio é incorporado a duas ou mais empresas, a serem criadas ou já existentes, sendo irrelevante em qualquer dos casos o tipo empresarial. Neste caso a empresa cindida é extinta e as sucessoras assumem a totalidade dos direito e obrigações; b. Cisão parcial: neste caso o patrimônio da empresa cindida é desmembrado e parte dele é transferido para uma ou mais empresas incorporadoras, já existentes ou a serem criadas, sendo irrelevante o tipo social de umas e outras. A empresa cindida não é extinta. Mas, como o seu patrimônio é transferido para terceiro, o seu capital é reduzido. Os direitos e obrigações são divididos entre as partes. IMPORTANTE: Atenção: é importante não confundir diminuição do capital da cindida com diminuição do seu valor de mercado. Afastar parte do patrimônio com pouca ou nenhuma lucratividade pode,ao contrário, valorizar a cindida no nicho de mercado ela que ocupa. Direito Empresarial16 Direito de terceiros Os credores que se sentirem prejudicados podem requerer a anulação dos atos autorizadores da incorporação, fusão ou cisão no prazo de 90 dias após a publicação. IMPORTANTE: O art. 232, da Lei 6.404/76, que fixa prazo de 60 dias para o pleito de anulação das fusões, incorporações e cisões foi parcialmente revogado pelo Código Civil, que prevê prazo mais benéfico, de 90 dias para a ação anulatória. Este prazo é decadencial. Impetrada a ação de anulação dos atos de fusão, incorporação ou cisão, os demandados podem consignar judicialmente os valores reclamados, caso em que restará prejudicado o pedido anulatório pelo cumprimento da obrigação. Quanto aos direitos trabalhistas, em nenhuma das formas haverá rescisão de contratos de trabalho como consequência imediata das mudanças societárias. O comum é que, no decorrer ou logo após concluída a transição, as empresas ofereçam aos empregados planos de demissão voluntária. O excedente da mão de obra que não adere aos planos é demitido ao longo dos dois anos seguintes, em razão de reorganização administrativa e extinção de postos de trabalho. Isso, porém, não ilide a obrigação trabalhista subsidiária dos sócios e empresas remanescentes ou novas, de todos os tipos societários, e solidária entre os sócios em caso de fraude. O empregador que sucede o anterior, por força de lei, precisa garantir aos empregados todos os direitos laborais vigentes no momento da sucessão, inclusive as previstas em acordos ou convenções coletivas do trabalho. Neste sentido os arts. 10 e 448 c/c os arts 10-A e 448-A da Consolidação das Leis do Trabalho: Direito Empresarial 17 Art. 10 - Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência: II - os sócios atuais; e III - os sócios retirantes. Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato. Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados. Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor. Parágrafo único. A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência. Finalmente, em caso de fiança locatícia prestada pelos sócios para a própria sociedade, ou pela sociedade para terceiros, a exoneração das obrigações só ocorre após a notificação dos locadores. (art.39, Lei 8.245/91, c/c 835 do CC/2002). Regras para a dissolução da sociedade Em sentido amplo, a dissolução de uma sociedade é genericamente definida como o fim da personalidade jurídica de uma sociedade Direito Empresarial18 empresária, e, em sentido estrito, pela assinatura do documento de encerramento pelos sócios ou acionistas, ou pelo trânsito em julgado da sentença de anulação dos atos de constituição ou de falência ordenando o encerramento. São duas as formas de dissolução empresarial: parcial e total. Mas a perda da personalidade jurídica só ocorre após a liquidação, com a extinção, etapas imediatamente posteriores aos atos de dissolução. DEFINIÇÃO: A liquidação é a fase de realização do ativo, quitação do passivo, partilha ou transferência do saldo para sócios ou acionistas. A extinção é o réquiem, o ato final dos sócios ou acionistas para desfazer os vínculos humanos e materiais que integravam a sociedade, concretizado pela assinatura do distrato ou inclusão do ato de vontade na ata da assembleia para dissolução da empresa. No instrumento de dissolução deve constar a nomeação de um liquidante, para proceder aos atos de liquidação e, a final, de extinção da sociedade. A inobservância desses atos tem implicações diretas quanto ao direito de terceiros, em especial nas execuções fiscais e não-fiscais. Nos termos da Súmula 435, do Superior Tribunal de Justiça: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. Entende a jurisprudência majoritária e pacífica do STJ ser obrigação dos gestores a manutenção dos cadastros atualizados das empresas, desde uma simples mudança de endereço até as informações contábeis mais relevantes e/ou complexas. Direito Empresarial 19 A regularidade dos registros das empresas nas Juntas Comerciais, especialmente no caso de dissolução das sociedades, parcial ou total, tem por objetivo demonstrar que a resolução foi feita de acordo com os ritos e as formalidades legais, ou seja, através da regular liquidação da sociedade e pagamento dos credores na ordem de preferência ou de acordo com a Lei 11.101/2005, se houver falência. (arts. 1.033 à 1.038, e arts. 1.102 a 1.112, CC). IMPORTANTE: Não existe “dissolução irregular de sociedade” sob aspecto estritamente legal. O STJ, na súmula 435, reconhece, por presunção, uma situação fática irregular caracterizada como ilícito civil que, por sua vez, tem reflexos jurídicos. Ou seja, quando há inobservância de lei, a consequência direta e imediata é o cometimento de um ilícito com consequências para o infrator. A desobediência a norma cogente civil caracteriza um ilícito civil ensejador de responsabilidade civil, sem prejuízo de eventuais reflexos penais, tributários e/ou administrativos. Nessa linha de pensamento do STJ, pouco importa se os débitos são fiscais ou não-fiscais, pois diante do ilícito se aplica o brocardo “Ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio” (Onde existe a mesma razão, aí se aplica o mesmo dispositivo legal). A responsabilidade dos sócios para com a quitação dos débitos da sociedade independe de dolo, sendo suficiente a culpa. (art. 135, III, CTN, c/c art. 10, Dec. 3.078/19 e art. 158, Lei 6.404/78) Quanto ao regime, o de constituição das sociedades determina também o da dissolução, nos termos o art. 472, do Código Civil. São dois: a) Contratual: as sociedades constituídas pela vontade dos sócios, através de um contrato social, são dissolvidas também contratualmente, por meio de um distrato social; b) Institucional: a dissolução das sociedades criadas por meio institucional ou estatutário é feita em assembleia-geral, através da Direito Empresarial20 aprovação dos acionistas que possuam no mínimo metade das ações com direito a voto, se quorum superior não for exigido no estatuto de empresa que não tenha ações negociadas em bolsa ou no mercado de balcão. Quanto à dissolução das sociedades anônimas, ela pode se dar judicial ou extrajudicialmente, nas seguintes circunstâncias: (art. 206, Lei 6.404/76) a. De pleno direito: Acontece à revelia da vontade das partes: pela previsão do tempo de vida da empresa no contrato ou estatuto; por deliberação da assembleia geral; pela existência de único acionista nas datas das assembleias- gerais com interregno de um ano; e pela extinção por imposição ou previsão legal. b. Por decisão judicial: esta forma se dá através sempre através de sentença transitada em julgado. Exemplos são a ação anulatória de constituição da empresa, que pode ser impetrada por qualquer acionista prejudicado; decisão que reconheça o não preenchimento da finalidade da empresa em ação propostapor no mínimo 5% dos acionistas; ou ainda em decisão que decrete a falência. c. Por decisão de autoridade administrativa: é possível mediante previsão legal pela inobservância de exigência legais administrativas: exemplos são a não renovação ou cassação de alvará, a interdição de estabelecimento comercial ou industrial pelos bombeiros ou pela segurança civil; a proibição do exercício da atividade empresarial no local onde está a empresa está estabelecida, etc. Dissolução Parcial da Sociedade A dissolução parcial da sociedade, também denominada resolução parcial, não extingue a sociedade. Após a saída do sócio retirante, ela segue ativa com os sócios remanescentes ou com a entrada de novos sócios. Direito Empresarial 21 As quotas pertencentes ao sócio retirante são liquidadas e o valor patrimonial correspondente é entregue a ele ou, conforme o caso, a seus herdeiros, curador ou tutor. A consequência imediata da dissolução parcial é a diminuição do patrimônio da empresa, decorrente da redução do capital social, o que pode ser evitado se os sócios remanescentes optarem por integralizar valor equivalente ao capital liquidado ou por admitir um novo sócio que integralize o capital dissolvido. IMPORTANTE: Atenção: Com o novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015, as datas de resolução parcial da sociedade passaram a ser aquelas estabelecidas no art. 605 e não mais a data do registro na Junta Comercial, inclusive para o cálculo do interregno de dois anos de responsabilidade do sócio. Diz o CPC: Art. 605. A data da resolução da sociedade será: I - no caso de falecimento do sócio, a do óbito; II - na retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante; III - no recesso, o dia do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio dissidente; IV - na retirada por justa causa de sociedade por prazo determinado e na exclusão judicial de sócio, a do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade; e V - na exclusão extrajudicial, a data da assembleia ou da reunião de sócios que a tiver deliberado. A dissolução parcial é possível nos seguintes casos: a. Morte de sócio: a resolução neste caso depende do acordado no contrato social (art. 1.028, I, CC). São três Direito Empresarial22 as opções: a sociedade pode ser dissolvida, liquidada e as quotas divididas entre os sócios remanescentes e os herdeiros do sócio morto (art. 1.028, II, CC); as quotas pertencentes ao sócio morto são liquidadas e o dinheiro entregue aos herdeiros (art. 1.028, caput, CC), prosseguindo a sociedade com os sócios remanescentes; ou a transferência das quotas do sócio morto para os herdeiros, que o substituirão na sociedade (art. 1.028, III, CC). b. Direito de retirada: O Código Civil reguarda o princípio da liberdade das convenções, segundo o qual as pessoas são livres para contratar e distratar, sem a necessidade do consentimento dos demais sócios. (art. 1.029, CC, c/c 599, CPC) O sócio que pretende retirar-se de uma sociedade por prazo indeterminado deve notificar os demais sócios com antecedência de 60 dias. Como esta notificação precisa ser inequívoca, o melhor é fazê-la por notificação extrajudicial, em Cartório de Títulos e Documentos. No caso da sociedade por prazo determinado, o afastamento de sócio só pode ocorrer por sentença judicial que reconheça a justa causa como mote para o distrato. As causas mais comuns são: a quebra da affectio societatis, a incompatibilidade de objetivos e ideias, o desentendimento grave e a insatisfação por descumprimento do acordado. A decisão judicial que autoriza o afastamento do sócio por justa causa tanto pode ser liminar, se presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, como definitiva, após transitada em julgado. Nada impede, porém, a opção dos sócios pela dissolução total da sociedade (parágrafo único, art. 1.029, CC). Isso acontece, não raro, quando o sócio retirante é o responsável pela administração societária ou é o único com a capacitação técnica exigida para a sua existência. Direito Empresarial 23 O sócio que sai também pode ceder suas quotas a terceiros, a título oneroso ou gratuito, mas, nesse caso, não há dissolução parcial da sociedade, e sim em alienação ou doação. c. Exclusão ou Expulsão de sócio: Somente por sentença judicial, em ação impetrada pela maioria dos sócios, é possível excluir ou expulsar um deles, provando-se o cometimento de falta grave no cumprimento das suas obrigações ou incapacidade superveniente do retirante. (art. 1.030, CC) É possível o afastamento liminar do sócio das atividades societárias até decisão final, em tutela de urgência, quando presentes o fumus boni iuri e o periculum in mora. Neste caso, no exame e deferimento do pedido liminar, o juiz leva em consideração os princípios da preservação e da função social da empresa. (art. 1.085, CC) Como a lei não define falta grave, o leque de possibilidades é muito amplo. As mais comuns são: fraude, desvio de caixa, uso mal- intencionado dos recursos da empresa e dos clientes, conduta desleal, descumprimento das obrigações societárias, uso do nome da empresa e dos recursos societários para fins ilícitos, interesses próprios ou de terceiros, etc. Dissolução total da sociedade A dissolução total da sociedade resulta no fim da personalidade empresária pelo rompimento definitivo dos vínculos contratuais. Uma das possibilidades é o fim do ciclo de vida da empresa contratualmente estabelecido, quando opera de pleno direito. O legislador, entretanto, com base nos princípios da preservação da empresa e da função social, estabeleceu, como exceção, a vigência por prazo indeterminado na inércia dos sócios, pela falta de liquidação da sociedade. Neste caso, a sociedade ainda poderá ser extinta, total ou parcialmente extinta, mas somente nas demais hipóteses previstas em lei e não mais pelo vencimento do prazo de vida estabelecido no contrato. (art. 1.033, CC) Direito Empresarial24 Além do prazo contratual, pode-se dissolver totalmente uma sociedade: por consenso dos sócios, deliberação por maioria absoluta, falta de pluralidade de sócios por mais de 180 dias, por extinção ou não renovação da autorização do Estado para funcionar (caso de bancos, seguradoras, determinação da defesa civil, etc.). IMPORTANTE: Não se dissolve a sociedade por falta de pluralidade de sócios se o sócio remanescente, dentro do prazo de 180 dias, registrar na Junta Comercial pedido de transformação da sociedade para empresário individual ou empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI. (parágrafo único, art. 1.033, CC) Outras possibilidades para a dissolução são o trânsito em julgado de ação que julga procedente pedido de anulação da constituição societária, reconhece o exaurimento do seu fim social – exemplo são as Sociedade de Propósito Específico – SPE -, ou da sua inexequibilidade (art. 1.034, CC). A lei permite, expressamente, a possibilidade de inserção de outros motivos para a resolução das sociedades nos documentos constitutivos, a critério dos sócios, mas cada caso será examinado individualmente pelo Judiciário. (art. 135, CC) Finalmente, a sociedade pode ser totalmente dissolvida pela decretação judicial de falência. (arts. 1.044 e 1.087, CC, c/c, Lei 11.101/2005). Liquidação das sociedades Encerrada a fase de dissolução, inicia-se a fase de liquidação das sociedades que, por sua vez, antecede a extinção da pessoa jurídica. Ela pode ser definida como uma sequência de atos e providências legais e administrativas a serem tomadas pelo liquidante nomeado, com o objetivo de realizar o ativo, ou seja, converter em dinheiro tudo o que Direito Empresarial 25 for possível, quitar o passivo e dividir o eventual saldo entre os sócios e acionistas. Nesta fase todas as negociações da sociedade são suspensas, à exceçãodas iniciadas antes da dissolução, que devem ser obrigatoriamente ultimadas. A liquidação pode ser: a. Extrajudicial (voluntária, consensual ou amigável): ocorre quando, no ato da dissolução, em comum acordo, os sócios nomeiam o liquidante e estabelecem as regras para os trâmites da liquidação. OBS: Este acordo é imutável e perene, e só pode ser alterado excepcionalmente por consenso unânime entre as partes ou por anulação judicial, provada a existência de vício de consentimento, simulação, etc. b. Judicial: se a dissolução for feita judicialmente, a liquidação também deve ser judicial. E, ainda quando feita extrajudicialmente, na falta de consenso entre os sócios sobre a nomeação do liquidante e/ou sobre as regras da liquidação, a via judicial é o caminho. Conforme as regras previstas na Lei de Falências, a liquidação judicial é sempre feita pelo procedimento comum. (parágrafo 3°, arts. 1.046 e 318, CPC, c/c art. 1.111, CC) No decorrer do processo de liquidação, o juiz convocará e presidirá reunião ou assembleia, sempre que necessário, resolvendo sumariamente as questões suscitadas. As atas, autenticadas, serão apensadas ao processo judicial. (1.112, CC) Para manter a transparência e preservar o direito de terceiros, o liquidante usará a denominação social acrescida do termo “em liquidação”. (art. 212, Lei 6.404/76) Quanto ao liquidante, ele só é obrigatório nos casos de dissolução total da sociedade. Nas dissoluções parciais é comum o próprio contador Direito Empresarial26 da empresa, assistido por outro da confiança do sócio retirante, proceder a liquidação. Ele pode ser definido como um profissional contratado pela sociedade a ser dissolvida ou nomeado pelo juiz para, de forma isenta, administrar o processo de liquidação, eventualmente cumulando a administração da sociedade, até a extinção, levantando balanços, arrecadando ativos, quitando passivos e, a final, partilhando o saldo entre os sócios, depositando os valores em conta judicial, etc. Pode ser pessoa estranha à sociedade ou um dos sócios, mas a sua atuação não configura mandato. Os poderes que necessita para a prática dos atos de liquidação vêm da lei, como transigir, receber e dar quitação, alienar bens móveis ou imóveis, dentre outros. Esses poderes também são limitados pela própria lei, que impede o liquidante de gravar de ônus reais móveis ou imóveis, contrair dívidas em nome da sociedade sem autorização no contrato social ou nas regras estabelecidas para a liquidação, pelos sócios ou pelo juiz, excetuando a contratação de empréstimos bancários indispensáveis para o pagamento de obrigações inadiáveis. (art. 1.105, CC) A isenção e a liberdade no desenvolvimento do trabalho são essenciais para que o liquidante possa tomar as melhores decisões patrimoniais. As obrigações e responsabilidades dos liquidantes são equiparados às dos administradores da sociedade liquidanda (art. 1.104, CC), e seus deveres estão elencadas no art. 1.103, do Código Civil, que, entretanto, não são exaustivos. Reza o art. 1.103, do Código Civil. [[Citação]]: Art. 1.103. Constituem deveres do liquidante: I - averbar e publicar a ata, sentença ou instrumento de dissolução da sociedade; II - arrecadar os bens, livros e documentos da sociedade, onde quer que estejam; III - proceder, nos quinze dias seguintes ao da sua investidura e Direito Empresarial 27 com a assistência, sempre que possível, dos administradores, à elaboração do inventário e do balanço geral do ativo e do passivo; IV - ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas; V - exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à solução do passivo, a integralização de suas quotas e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da responsabilidade de cada um e proporcionalmente à respectiva participação nas perdas, repartindo-se, entre os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo insolvente; VI - convocar assembleia dos quotistas, cada seis meses, para apresentar relatório e balanço do estado da liquidação, prestando conta dos atos praticados durante o semestre, ou sempre que necessário; VII - confessar a falência da sociedade e pedir concordata, de acordo com as formalidades prescritas para o tipo de sociedade liquidanda; VIII - finda a liquidação, apresentar aos sócios o relatório da liquidação e as suas contas finais; IX - averbar a ata da reunião ou da assembleia, ou o instrumento firmado pelos sócios, que considerar encerrada a liquidação. Parágrafo único. Em todos os atos, documentos ou publicações, o liquidante empregará a firma ou denominação social sempre seguida da cláusula “em liquidação” e de sua assinatura individual, com a declaração de sua qualidade. Sobre a remuneração do liquidante, quando a contratação é privada, não há maiores problemas, pois prevalece o acordo entre os interessados. Porém, no caso da nomeação judicial, como inexiste previsão legal para a remuneração desse profissional, aplica-se, por analogia, a remuneração Direito Empresarial28 do administrador judicial fixada na Lei de Recuperação e Falências – LRF (Lei 11.101/2005). Neste diapasão, a remuneração do liquidante, na liquidação judicial, não ultrapassa 5% do valor da venda dos bens da sociedade, reduzindo para 2% no caso das Microempresas - ME e das Empresas de Pequeno Porte – EPP. (art. 24, LRF) Entretanto, como o trabalho do liquidante, mesmo nomeado judicialmente é de natureza privada, o percentual inicialmente arbitrado pelo juiz pode ser impugnado pelas partes ou ser objeto de negociação e acordo entre partes e liquidante, posteriormente homologado pelo juiz. A remuneração arbitrada em porcentagem sobre o valor arrecadado tem por objetivo estimular o liquidante a obter melhor preço pelos bens. Quanto melhor ele vende, maior a sua remuneração. Finalmente, é obrigação do liquidante prestar contas e responder pelos atos que praticou perante sócios, credores e Juízo. (arts. 154 e 155, LRF, c/c 217, Lei 6.404/76) Aprovadas as contas em assembleia-geral ou por aceitação dos sócios, na liquidação extrajudicial, a fase de liquidação é dada por encerrada, a sociedade declarada extinta por distrato ou na ata da assembleia-geral, documentos que devem ser levados a registro na Junta Comercial. Na liquidação judicial é observada a lei processual (art. 1.111, CC). Em resumo, o juiz julga as contas e a liquidação e, estando tudo de acordo com a lei, sentencia a extinção da sociedade, oficiando a Junta Comercial. RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que os aspectos e tipos de alterações societárias, suas peculiaridades e consequências. Direito Empresarial 29 Desconsideração da personalidade jurídica INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de entender como funciona a personalidade jurídica. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! A desconsideração da pessoa jurídica Esse instituto sofreu profunda mudança com a recente Lei 13.874, sancionada em 20 de setembro de 2019, que alterou vários artigos do Código Civil e outras leis que regulamentam o Direito Empresarial. A desconsideração da pessoa jurídica, também denominada de desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, segue sendo uma medida judicial extrema, que atinge os bens particulares dos sócios e administradores para o pagamento de credores da sociedade, prejudicados pelo abuso da personalidade jurídica, praticado com desvio de finalidade ou confusão patrimonial. (art. 50, CC) Esta é a nova redação do art. 50 do Código Civil: Art. 50. Em caso de abusoda personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. § 1° Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Direito Empresarial30 § 2° Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. § 3° O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. § 4° A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. § 5° Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. Houve uma preocupação do legislador em delimitar a responsabilidade e, consequentemente, os bens particulares dos sócios e administradores que podem ser atingidos pela desconsideração, condicionando-a ao benefício direto ou indireto do abuso da personalidade jurídica. Ou seja, os sócios e administradores que não tenham se beneficiado do abuso estão naturalmente excluídos e seus bens particulares não podem ser atingidos para o pagamento de dívidas da sociedade. Pela redação anterior, o simples fato de ser sócio de sociedade fraudadora autorizava o perdimento de bens para indenização dos prejudicados. Também restaram definidos e bem delimitados o abuso de finalidade e a confusão patrimonial, assim como os casos em que a personalidade jurídica não pode ser desconsiderada. Direito Empresarial 31 A atual definição legal do desvio de finalidade é utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e/ou praticar atos ilícitos de qualquer natureza. IMPORTANTE: A Medida Provisória n° 881/2019, previa expressamente a necessidade da conduta dolosa para configuração do abuso da personalidade, o que foi suprimido na Lei n° 13.874 sancionada. Mas essa supressão é irrelevante, pois o texto da lei exige o propósito, ou seja, o dolo, a vontade livre e consciente de praticar o ato abusivo e obter o resultado danoso. A culpa, caracterizada pela negligência, imprudência ou imperícia, não autoriza a desconsideração da pessoa jurídica. Para a caracterização da confusão patrimonial, por sua vez, é preciso haver a ausência real de separação dos bens dos sócios e administradores dos bens da pessoa jurídica e prática reiterada de atos que indiquem confusão de obrigações dos particulares e da empresa, transferência de ativos que não configurem dividendos, e a prática de outros atos que deixem clara a ausência de autonomia patrimonial da pessoa jurídica. A lei também desautoriza a desconsideração da pessoa jurídica pelo simples fato das empresas integrarem grupo econômico, limitando a responsabilidade àquelas que real e efetivamente tenham se beneficiado do abuso da personalidade. Tampouco autoriza a desconsideração da pessoa jurídica a simples alteração de finalidade da atividade econômica das empresas ou a expansão das atividades empresariais. O objetivo da alteração na lei foi dar segurança jurídica aos sócios e administradores, especificando de forma clara como e de que forma os seus bens pessoais podem ser atingidos para pagamento de dívidas da sociedade. Porém, por outro lado, tornou mais difícil para os credores fazer a prova das condutas abusivas das empresas. Direito Empresarial32 A jurisprudência, nos próximos anos, se encarregará de equacionar a atual hipossuficiência dos credores frente às empresas que praticam condutas abusivas. Processualmente, a desconsideração da pessoa jurídica deve ser pleiteada através de incidente processual, inclusive nos juizados especiais, à exceção de quando o pedido for feito na inicial. (arts. 133 a 137 e 1.062, CPC). RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir o que vimos. Você deve ter aprendido sobre o funcionamento da personalidade jurídica. Direito Empresarial 33 Recuperação de empresas INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de entender sobre a recuperação de empresas. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Lei de Recuperação e Falência de Empresas A Lei de Recuperação e Falência de Empresas, Lei 11.101/2005, é uma norma eclética, pois reúne no seu texto diretrizes administrativas, civis, processuais e penais, com o objetivo de disciplinar recuperações extrajudiciais e judiciais, e também a falência do empresário individual e da sociedade empresária, lastreada no princípio da preservação da empresa e da sua função social, com norte na proteção da atividade econômica através da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, aliando preservação dos empregos e justiça social à recompensa do lucro e saúde da economia nacional, nos termos do art. 170, da Constituição Federal. Nesta linha também o art. 47, da Lei 11.101/2005: Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Crises empresariais patrimoniais, econômicas ou financeiras podem ter várias razões: má administração, desentendimento entre sócios, fenômenos naturais, concorrência desleal, falta ou excesso de insumos, diminuição do consumo, atraso tecnológico, linha de produção ultrapassada, dentre outros. Direito Empresarial34 O objetivo primeiro da Lei 11.101 é ajudar as empresas a sanar essas crises para que possam continuar atuando no mercado, restringindo a falência aos casos de real impossibilidade de recomposição dos ativos empresariais. Caracteriza-se crise econômica quando a empresa não vende produtos e serviços em quantidade que lhe permita pagar os seus custos, ensejando inadimplemento eventual, ou seja, incapacidade de cumprir obrigações líquidas e certas nos prazos corretos. A crise financeira é mais grave e ocorre quando o fluxo de caixa é insuficiente para o pagamento das obrigações empresariais, caracterizando iliquidez e incapacidade provisória do devedor para cumprir as obrigações, em que pese a empresa possua ativo em quantidade suficiente para quitar dívidas vencidas e vincendas. A crise patrimonial, por sua vez é muito grave e ocorre quando o ativo da empresa é inferior ao seu passivo, ou seja, quando há insolvência, incapacidade definitiva para o pagamento das obrigações, pela falta de bens e direitos suficientes para cobri-las. IMPORTANTE: Atenção: A insolvência civil é a incapacidade econômica e financeira de pessoa física para pagar dúvidas por ela contraídas e que superam os seus ganhos e o seu patrimônio disponível ou penhorável. Ao fim do processo a pessoa física pode se recuperar e tornar-se solvente ou, persistindo a inadimplência, serdeclarada definitivamente insolvente por sentença judicial. Por força do art. 1.052 do CPC/2015, até a edição de lei especial que regulamente o tema, a insolvência civil continua sendo processada e julgada de acordo com os arts. 758 a 786-A do CPC/1939. O endurecimento da desconsideração da pessoa jurídica pela Lei 13.874/2019, que também aumentou a rigidez na separação patrimonial das empresas e dos empresários, limitando responsabilidades, tem por objetivo incentivar o empreendedorismo. O empresário pode empenhar- Direito Empresarial 35 se mais e melhor para recuperar a sua empresa sabendo que o seu patrimônio pessoal não só responderá pelas dividas societárias se provado o abuso de finalidade e a confusão patrimonial. Pessoas jurídicas na lei 11.101/2005 - LRF Todas as pessoas jurídicas que desenvolvem atividades empresariais estão sob a égide da Lei de Recuperação e Falência de Empresas, excetuando as elencadas no art. 2°, em rol não exaustivo, já que há outras pessoas jurídicas não sujeitas à falência por previsão no Código Civil e em leis especiais Diz o art. 2°, da Lei 11.101/2005: :Art. 2° Esta Lei não se aplica a: I – empresa pública e sociedade de economia mista; II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores. Relembrando, o parágrafo único, do art. 966, do Código Civil, especifica que não são empresários “quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. Para fins falimentares, porém, é irrelevante que o empresário individual ou a sociedade empresária estejam regularmente registrados na Junta Comercial. Ou seja, as sociedades não personificadas, e mesmo aquelas com alguma irregularidade registral, podem ter a sua falência decretada. O que a lei lhes veda é o pleito de autofalência, de recuperação judicial ou de falência de outro empresário do qual sejam credores, pois Direito Empresarial36 para isso precisam atender às exigências dos arts. 105 e 106, c/c art. 97, da Lei 11.101/2005. Só as empresas regularmente registradas na Junta Comercial alcançam essas benesses legais. As atividades rurais, por sua vez, só estão sujeitas à recuperação judicial e à falência se o trabalhador rural optar por fazer a sua inscrição na Junta Comercial e se equiparar à sociedade empresária (arts. 971 e 984, CC). Nada impede, porém, que o trabalhador rural devedor pleiteie a declaração judicial da sua insolvência civil. Entretanto, seja por desconhecimento da lei, seja pelo preconceito em se autodeclarar devedor, ou ainda pelo alto custo processual, a insolvência civil raramente é utilizada pelas pessoas físicas devedores, em que pese possa ser uma medida extremamente benéfica, por lhes dar tempo e condições favoráveis para renegociar dívidas, preservar o seu patrimônio e recuperar sua saúde financeira. Com relação às cooperativas em geral, há um aparente vácuo legal no que diz respeito à possibilidade da recuperação judicial ou extrajudicial, já que o instituto não existia em 1976, quando sancionada a Lei 5.764, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas e dá outras providências. E é aparente porque, mesmo há muitos anos, o legislador se preocupou em proteger e ajudar as cooperativas em dificuldade econômica-financeira a se recuperar, em razão da sua importância social. As cooperativas de crédito, nos termos do art. 2°, não estão sob a égide da Lei 11.101/2005, pois todas as instituições que têm natureza jurídica de instituição financeira, não-bancária, se submetem diretamente à Lei 6.024/74, que trata da intervenção e liquidação extrajudicial das instituições financeiras. A Lei de Falências é usada apenas subsidiariamente, na omissão da Lei 6.024/74. As cooperativas de crédito também estão sob fiscalização direta do Banco Central, nos termos do Decreto 2.321/1987, que prevê um regime de administração especial temporária, nas instituições financeiras publicas e privadas não federais, à guisa de recuperação. Direito Empresarial 37 As cooperativas em geral, por sua vez, não estão sujeitas à falência por serem sociedades de pessoas, nos termos do art. 4°, da Lei 5.764/1971. Porém, é importante ressalvar que o art. 76, da Lei n. 5.764/71, prevê uma espécie de recuperação econômica para as cooperativas em geral. Após a publicação da ata da assembleia que autoriza a liquidação, com vistas à mantença da integridade do sistema cooperativo, a bem do interesse público e para facilitar uma eventual recuperação econômica, as cooperativas têm moratória de um ano, período no qual ficam suspensas todas as ações judiciais contra elas. Assim como no caso das cooperativas de crédito, a Lei de Recuperação e Falências não se aplica, in totum, às cooperativas em geral. Ela é usada apenas de forma subsidiaria, no silêncio da lei especial 5.764/71 e no que não afrontar as determinações expressas do legislador em normas que lhe digam respeito diretamente. Aspectos processuais relevantes da LRF A competência para o processo de recuperação judicial ou da falência é do juízo da comarca estadual no qual está instalado o principal estabelecimento do devedor ou da filial que tenha sede no estrangeiro, que também fica prevento para quaisquer outros pedidos de recuperação judicial ou de falência, relacionados ao mesmo devedor. (art. 3° c/c parágrafo 8°, art. 6°, LRF). A exceção diz respeito à constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa, nos termos da Súmula 480, do STJ, in verbis: “O juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa.” Quanto ao curso do prazo prescricional, com o deferimento da recuperação judicial ele é suspenso, assim como todas as ações e execuções judiciais contra o devedor, à exceção das ações ilíquidas, das trabalhistas e das execuções fiscais, cujo trâmite, na fase de conhecimento, Direito Empresarial38 prossegue normalmente nas justiças especializadas (art. 6º e parágrafos 1º, 2º e 7º, LRF). A suspensão é de no máximo 180 dias, a contar do deferimento do processamento da recuperação e, após o seu decurso, os credores podem impetrar ou prosseguir com suas ações e execuções, independente de novo pronunciamento judicial. (parágrafo 4°, art. 6°, LRF) IMPORTANTE: Atenção: O caput do art. 6° suspende a prescrição, não a interrompe. Na suspensão o prazo para e depois volta a correr pelo tempo restante. Na interrupção o prazo para e na volta a contagem é reiniciada, como se nunca tivesse corrido antes. E, apenas para relembrar, a decadência, perda de um direito potestativo, não pode ser suspensa e nem interrompida. Os créditos alimentares, tanto trabalhistas como honorários advocatícios, devem ser habilitados na recuperação e na falência em concurso com os demais credores. Um credor individualmente considerado, em que pese a relevância da natureza jurídica da verba a que tem direito, não pode sobrepor-se a todos os interesses envolvidos no processo recuperatório ou falimentar. Por esta razão, as ações trabalhistas e outras que tenham caráter alimentar, apesar da proteção constitucional de que gozam, devem ser julgadas nas Justiças Especializadas e executadas no Juízo Universal Falimentar. A própria lei falimentar as coloca em patamar superior no momento do pagamento dos créditos. Imediatamente após a nomeação, o administrador judicial precisa providenciar um levantamento contábil de todos os créditos e débitos existentes contra o devedor, combase nos documentos apresentados pelos credores, livros contáveis, documentos comerciais e fiscais da empresa, etc. (art. 7°, LRF) O balanço deve ser publicado em edital, dando início ao prazo de 15 dias para os credores habilitarem eventuais créditos não indicados no edital ou apresentarem divergências sobre os créditos publicados, em Direito Empresarial 39 documento no qual conste o nome e o endereço do credor, o valor do crédito, comprovantes, etc. (parágrafo 1°, art. 7°, c/c art. 9°, LRF) Apresentadas as habilitações e divergências, o administrador judicial deve publicar novo edital com a relação consolidada dos credores. (parágrafo 2°, art. 7°, LRF). Eventual omissão do Administrador pode ser sanada por determinação judicial. Mesmo após a publicação editalícia da relação consolidada de credores, a lei admite a habilitação de credores retardatários, que, entretanto, não gozarão do direito a voto nas deliberações da assembleia- geral de credores na recuperação judicial, e sem terão direito a rateios na falência. (parágrafos 1° e 2°, art. 10, LRF). O Ministério Público, o próprio devedor e quaisquer credores, no prazo de 10 da publicação do edital de publicação da relação consolidada, podem impugnar a relação de credores alegando ilegitimidade, ausência de crédito, valores divergentes, prescrição, etc. (art. 8°, LRF) As impugnações são autuadas em autos apartados e apensas à ação principal. (parágrafo único, art. 13, LRF) Cabe ressalvar que, na recuperação judicial e na falência, o administrador judicial não representa credores, nem devedores. Ele é um auxiliar judicial, pessoa física ou jurídica da confiança do juiz, nomeado para conduzir os trâmites administrativos e fiscalizar a gestão na fase de recuperação, e efetivamente administrar o negócio na fase falencial, sozinho ou em concurso com auxiliares. (art. 21, LRF) Essa nomeação trás consigo deveres comuns ou não à recuperação e à falência. a. Comuns: enviar correspondência aos credores; fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores interessados; dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício, a fim de servirem de fundamento nas habilitações e impugnações de créditos; exigir dos credores, do devedor ou seus administradores Direito Empresarial40 quaisquer informações; etc. (art. 22, inciso I, letras “a” a “i”, LRF) b. Específicos na Recuperação Judicial: “fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial; requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação; apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor; apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação.” (art. 22, inciso II, letras “a” a “d”) c. Específicos na Falência: avisar, pelo órgão oficial, o lugar e hora em que, diariamente, os credores terão à sua disposição os livros e documentos do falido; examinar a escrituração do devedor; relacionar os processos e assumir a representação judicial da massa falida; receber e abrir a correspondência dirigida ao devedor, entregando a ele o que não for de interesse da massa; etc. (art. 22, inciso III, letras “a” a “r”) Incorrendo o administrador judicial em desobediência a qualquer obrigação legal ou desacato a ordem judicial, o juiz ordenará que seja intimado para, no prazo de 05 dias sanar a pendência. Decorrido o prazo in albis ou não atendida a pendência a contento, o administrador é destituído em decisão motivada e justificada e, preferencialmente, no mesmo despacho, o juiz “nomeará substituto para elaborar relatórios ou organizar as contas, explicitando as responsabilidades de seu antecessor”. (art. 23 e parágrafo único, LRF) O administrador também pode livremente renunciar ao cargo para o qual foi nomeado (parágrafo 3°, art. 24, c/c inciso III, art. 22, LRF), sem perda dos honorários até o momento da renúncia. A remuneração do administrador é fixada pelo juiz, inclusive quanto à periodicidade dos pagamentos, mas 40% somente são pagos após a apresentação das contas e do relatório final. (art. 24, c/c 24, LRF) Direito Empresarial 41 É ônus do devedor ou da massa falida o pagamento o administrador judicial e das pessoas contratadas para ajudá-lo. (art. 25, LRF) Assim como na renúncia, na destituição o administrador recebe proporcionalmente ao trabalho realizado, exceto se houver inércia, culpa, dolo ou descumprimento das obrigações previstas na lei, quando perderá o direito a ela. (parágrafo 3°, art. 24, LRF) IMPORTANTE: A remuneração do administrador judicial e dos seus auxiliares é crédito extraconcursal, ou seja, deve ser paga antes de qualquer outro pagamento a credores do falido. (art. 25, LRF) Comitê de credores O Comitê de Credores é um órgão facultativo, fiscalizatório e de representação dos credores na recuperação judicial e na falência, dotado de poderes decisórios e remunerado com eventuais sobras de caixa. Ele é um colegiado composto por credores, com composição prevista no art. 26, da LRF. A formação do comitê supre a necessidade de convocação da universalidade de credores na tomada de decisões simples ou complexas. E, ainda que não haja sobra de caixa nem remuneração, isso não o escusa de total empenho no cumprimento das suas obrigações fiscalizatórias, sob pena de responsabilidade. São algumas atribuições do Comitê de Credores, em rol não exaustivo: fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial, zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei, comunicar ao juiz eventuais violações de direitos ou prejuízo aos interesses dos credores; etc. (art. 27, LRF) Não havendo comitê de credores, o administrador judicial, e na sua incompatibilidade o juiz, exercerão as atribuições a ele conferidas pela lei. (art. 28, LRF) Direito Empresarial42 Tão logo nomeados, administrador e membros do comitê de credores são intimados pessoalmente para assinarem, na sede do juízo, em 48 horas, um “termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e assumir todas as responsabilidades a ele inerentes”. (art. 33, LRF) Se o administrador não assinar no prazo, o juiz nomeará outro. (art. 34, LRF) No art. 30, da Lei 11.101, estão elencados os impedimentos para o exercício da função de administrador judicial e de membro do comitê de credores. O caput do art. 30, da LEF, não se aplica no caso de renúncia do administrador. Finalmente, cabe ressalvar que tanto o administrador judicial como os membros do comitê respondem pelos prejuízos que causarem no exercício das suas atividades por dolo ou culpa. (art. 32, LRF). Assembleia-geral de credores A assembleia de credores é um colegiado composto por credores trabalhistas, acidentários, com garantias reais, privilegiados (geral e especial), quirografários, subordinados, microempresa ou empresa de pequeno porte do devedor, para, soberanamente, cumprir as seguintes atribuições previstas no art. 35, da LRF. É vedado ao juiz mudar as decisões da assembleia, exceto nos casos comprovados de fraude ou violação de normas cogentes, com destaque para os preceitos de ordem pública. Quando necessário, o juiz convoca a assembleia-geral de credores por edital, com antecedência mínima de 15 dias, nele fazendo constar local, hora e data da realização da assembleia, ordem do dia, etc. (art. 36, LRF) A assembleia é presidida pelo administrador judicial, que designará um secretário entre os presentes, e a instalará, em primeira convocação, “com a presença de credores titulares de mais da metade dos créditos Direito Empresarial 43 de cada classe, computados pelo valor, e, em segunda convocação, com qualquer número”. (caput e parágrafo 2°, art. 37, LRF) O voto de cada credor é proporcional ao seu crédito, exceto para a aprovação do plano de recuperação, quando os votos dos trabalhadores,microempresários e empresas de pequeno porte serão contabilizados unitariamente, sem importar o valor do crédito de cada um. (art.38 e parágrafo 2°, art. 45 c/c incisos I e IV, art 41, LRF). Podem participar na assembleia, mas sem direito a voto: os sócios do devedor, as sociedades coligadas e controladas, aquelas que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% (dez por cento) do capital social do devedor ou nas quais o devedor ou algum de seus sócios tenham participação superior a 10% (dez por cento) do capital social, cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, colateral até o 2º grau, ascendente ou descendente do devedor, de administrador, do sócio controlador, de membro dos conselhos consultivo, fiscal ou semelhantes da sociedade devedora, e a sociedade em que quaisquer dessas pessoas exerçam essas funções, podem participar na assembleia. (art. 43, LRF). Recuperação judicial Recuperação judicial é uma tentativa opcional, do empresário ou da sociedade empresária em estado pré-falencial, para restabelecer a sua saúde econômica-financeira através de uma ação judicial. Credores, trabalhadores, sindicatos e/ou governo não têm legitimidade para pleitear a recuperação judicial de empresas, ainda que possuam um maravilhoso e muito bem estruturado plano para reorganizá- las e tirá-las do estado pré-falecial. Este não é, inclusive, o caminho apropriado para todas as empresas, pois a reorganização administrativa e produtiva é cara e resulta inequivocamente em prejuízo parcial ou total para os credores. Como o repasse dos riscos associados a atrasos nos pagamentos é política monetária e de gestão financeira no Brasil, a recuperação judicial ou extrajudicial resulta em aumento de preços dos produtos e serviços, juros bancários, impostos, etc. A conta final é sempre paga pela Direito Empresarial44 sociedade em geral. Além disso, esse contínuo repassar de custos cria um círculo vicioso que prejudica pessoas físicas, empresários e sociedades empresárias no curto, médio e longo prazos. Diante desse quadro, somente o empresário ou sociedade empresária com real probabilidade de recuperação deve ter o pedido judicial deferido. Os demais devem requerer falência. As sociedades em comum, de economia mista, cooperativa ou simples não têm legitimidade para impetrar Ação de Recuperação Judicial justamente porque não podem ter a falência decretada. São também carentes de legitimidade as instituições financeiras, as integrantes do sistema de distribuição de títulos ou valores mobiliários no mercado de capitais e as corretoras de câmbio (art. 53, Lei 6.024/74), as seguradoras integrantes do Sistema Nacional de Seguros Privados (art.26, Decreto-lei n. 73/66) e as operadoras e seguradoras de planos privados de assistência à saúde (art. 23, Lei 9.656/98). Pode requerer a Recuperação Judicial o empresário ou sociedade empresária devedora que, no momento da distribuição da ação, contar com mais de dois anos de exercício da atividade empresarial e que, cumulativamente: não seja falido, ou tenha falência anterior extinta por sentença transitada em julgado; não tenha pedido recuperação judicial, ou sendo microempresa ou empresa de pequeno porte não tenha obtido concessão de recuperação judicial com plano especial nos cinco anos anteriores à distribuição da ação; e, não ter sido condenada, nem ter administrador ou sócio controlador condenados por crimes falimentares. (art. 48, incisos I a IV, LRF) Ressalvada a preferência dos créditos extraconcursais discriminados no art. 84, da LRF (remunerações do administrador judicial e auxiliares, créditos pagos por credores da recuperanda, custas judiciais e extrajudiciais, obrigações resultantes de atos jurídicos válidos), o pagamento dos credores se dá na ordem estrita do art. 83 da LRF: trabalhistas até 150 salários mínimos por credor e acidentários, seguidos pela garantia real até o limite do bem gravado, tributários exceto multas, Direito Empresarial 45 créditos com privilégio especial discriminados em lei (art. 964, CC, com direito de retenção, devidos a microempreendedores individuais e das microempresas e empresas de pequeno porte, etc.), créditos com privilégio geral (art. 965, CC, art. 65, LRF, e outros previstos em leis especiais), créditos quirografários, multas diversas e créditos subordinados. Cabe ao autor a demonstração inicial da viabilidade do cumprimento dessas obrigações e a condição posterior de prosseguimento do negócio, sob pena do plano de recuperação ser judicialmente recusado. O exame da viabilidade é feito pelo critério do risco, com base nos níveis do ativo e passivo da empresa, o seu porte econômico, o seu tempo de existência e a sua importância social no nicho de mercado que ocupa, em especial o número de mão de obra que emprega, sem prejuízo de outras características importantes e a serem consideradas caso a caso. Os meios de recuperação judicial da atividade econômica, ou seja, algumas providências financeiras, administrativas e jurídicas possíveis, não exaustivas, estão elencadas no art. 50, da LRF. É ônus do administrador da sociedade empresária, ao impetrar a recuperação judicial, informar ao juiz os meios que escolheu e que julga aptos e eficazes à restauração econômica-financeira da recuperanda. O procedimento judicial da recuperação de empresas se divide em três fases muito bem demarcadas: a postulatória, a deliberativa e a executiva. a. Fase Postulatória: tem início com a distribuição da inicial da Ação de Recuperação Judicial pelo empresário ou pela sociedade empresária. Reiterando: só são legitimados a interpor Recuperação Judicial aqueles que podem legitimamente figurar no polo passivo de ação de falência. A recuperanda deve tornar imediatamente acessíveis aos credores suas demonstrações contábeis, a fim de que lhes seja possível verificar a sua real situação econômica, financeira e patrimonial. Também em atenção ao princípio da transparência e da boa-fé, a recuperanda deve, obrigatoriamente, instruir a petição inicial com os atos Direito Empresarial46 constitutivos, a procuração e os seguintes documentos: (art. 51, I a IX, LEF). Na falta ou incompletude de documentos o juiz pode dar prazo para que sejam disponibilizados. Decorrido o prazo in albis, o juiz extinguirá a ação sem resolução do mérito (art. 317, CPC). O autor não poderá propor novamente a ação sem pagar ou depositar em cartório as despesas e os honorários a que tiver sido condenado (art. 92, CPC). Se a inicial estiver instruída corretamente o juiz despachará ordenando o processamento do pedido de recuperação judicial, nomeará um administrador judicial da sua confiança, determinará vista ao Ministério Público, dispensará a apresentação de certidões negativas para o exercício das atividades empresariais – exceto no caso de contratação com o Poder Público ou para o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios -, determinará a entrega pela recuperanda de demonstrativos contáveis mensais durante todo o trâmite processual, ordenará a notificação por carta das Fazendas Federal, estaduais em todo o Brasil, e municipais onde o devedor tiver estabelecimentos e, finalmente, determinará a expedição de edital para publicitar o pedido de recuperação. Importante ressalvar que as ações com pedido de falência contra a recuperanda são suspensas pela simples alegação da existência da ação de recuperação em preliminar de contestação ou em petição simples, mas acompanhadas da prova de existência do processo de Recuperação Judicial (art. 95, LRF). Essa prova deve ser feita através de certidão do cartório do Juízo da Falência. IMPORTANTE: Decisão concessiva da recuperação judicial não se confunde com o despacho inicial de processamento. Neste o juiz apenas verifica o pedido vestibular, a legitimidade ativa do autor, a regularidade da documentação que a instruie dá início à ação recuperatória (art. 6° e 52, LRF). Aquela é própria da fase deliberatória e inicia com a aprovação do plano pelos credores reunidos em assembleia, seguida da concessão da recuperação por sentença judicial (arts. 57 e 58, caput) ou, excepcionalmente, pela concessão forçada da recuperação Direito Empresarial 47 IMPORTANTE (CONTINUAÇÃO): pelo juiz - Cram Down (parágrafo 1°, art. 58, LRF), configurando título executivo judicial impugnável pela via do Agravo de Instrumento (art. 59, parágrafos 1º e 2°). b. Fase Deliberatória: O mais importante nesta fase, que se inicia com a publicação do despacho de processamento, é a apresentação do plano no prazo de 60 dias e a verificação dos créditos, seguida da votação do plano de recuperação judicial pela assembleia de credores. Em que pese não seja garantia de recuperação da empresa, que sofre diversos fatores extra-autos como inflação, demanda de mercado, fatores concorrenciais, etc., ou até mesmo a má gestão durante o processo, todo o trâmite da ação recuperatória, e a própria recuperação da empresa, depende da aprovação do plano, da sua consistência e viabilidade. Um plano inócuo é mera formalidade processual e não ajuda na recuperação judicial, resultando, a final, na falência da empresa com prejuízo para todos os credores. Além dos meios, há algumas diretrizes que devem ser obrigatoriamente observadas no plano: o pagamento do saldo de salários até cinco salários mínimos por trabalhador, vencidos na da data do pedido de recuperação, em até 30 dias, e a previsão do pagamento dos direitos trabalhistas vencidos no prazo de um ano; proposta de parcelamento de créditos fiscais (art. 155-A, CTN); alienação de bens gravados com hipoteca ou penhor, e a supressão ou substituição da garantia real após aprovação pelos credores, com ou sem voto do titular da garantia. Após a aprovação do plano pelos credores o juiz homologará a decisão. Porém, se houver votação expressiva, mas com quorum insuficiente, o juiz pode, discricionariamente, acatar – Cram Down - ou rejeitar o plano. Direito Empresarial48 O Cram Down, um instituto falencial similar ao Crem Down americano, parcialmente incorporado ao ordenamento pátrio, permite ao juiz ignorar a decisão de rejeição do plano de recuperação pela Assembleia-geral de Credores e, a um só tempo, lhe dá poderes para, discricionariamente, homologá-lo se estiver acorde com as determinações objetivas discriminadas nas leis cogentes. (parágrafo 1°, art. 58, LRF) Cram Down significa, literalmente, “empurrar o plano goela abaixo” da maior parte dos credores que integram a Assembleia- Geral e não concordam com o proposto pelo devedor para a recuperação. Em que pese possa parecer excessivamente impositivo, e até ditatorial, é um instituto útil, especialmente quando os credores não se entendem e essa dissonância coloca em risco a eventual recuperação da sociedade empresária devedora, com prejuízo para o universo de credores e a sociedade em geral. Também discricionariamente ou em aceitação à Assembleia- Geral de Credores, o juiz pode recusar o plano e decretar a falência da parte autora. c. Fase Executória: esta fase inicia com a publicação da decisão de concessão da recuperação judicial, no Diário Oficial, e dura até dois anos, ou até que se cumpram as metas e obrigações previstas no plano. (art. 61, caput, LRF) IMPORTANTE: A fase executória é o tempo da execução prática do plano de recuperação aprovado pelo Juízo, que somente pode ser alterado para mantença do reequilíbrio da condição econômica-financeira da recuperanda, por meio de aditamento votado pela assembleia de credores e homologado pelo juiz ou por Cram Down. A regra geral é de não alteração do plano e de obediência estrita aos meios e obrigações nele previstas. A alteração do plano no curso do processo é medida excepcional. Direito Empresarial 49 Se a gestão da empresa se afastar do plano, a parte autora pode ter a falência decretada a pedido de qualquer um dos credores. (art. 61, parágrafo 1°, LRF) Decretada a falência, os credores são reconstituídos nos seus direitos e garantias, nos termos contratados, deduzidos valores recebidos a igual título, mantidos os atos válidos praticados no decorrer da recuperação judicial. (art. 61, parágrafo 2°, LRF) O empresário ou a sociedade empresária devedores mantém indelével a sua personalidade jurídica durante toda a fase executória, podendo contrair obrigações e titularizar créditos, mas não alienar ou onerar bens ou direitos, a menos que haja previsão no plano e essa alienação seja útil à recuperação. Na falta de previsão no plano, excepcionalmente, o juiz pode autorizar a venda após ouvir o comitê. Em atenção ao princípio da publicidade e da moralidade, a recuperanda deve incluir no nome empresarial a expressão “em recuperação judicial” e usá-la durante toda a fase executória, sob pena de responsabilidade civil direta e pessoal do administrador. A fase executória se encerra pelo cumprimento do plano de recuperação no prazo de dois anos, pela manifestação de desistência do empresário ou da sociedade empresária, a qualquer tempo, sujeita à aprovação da assembleia de credores, ou ainda pela decretação da falência. Microempresas e empresas de pequeno porte A recuperação judicial da microempresa ou empresa de pequeno porte possui regras especiais em decorrência da pouca complexidade de que se reveste. A inicial deve conter declaração expressa de apresentação do Plano Especial no prazo legal, bem como ser instruída com livros e escrituração contábil simplificada. (par. 1°, art. 70, c/c 2°, art. 51, LRF) Direito Empresarial50 No Plano Especial da ME e da EPP deve constar, obrigatoriamente: (art. 71, LRF) a. eventual proposta de abatimento das dívidas; b. previsão do pagamento parcelado de todas elas, vencidas ou não até a data da distribuição da ação, para pagamento em 180 dias e em até 36 parcelas mensais iguais e sucessivas, com acréscimo de juros pela taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC; c. o reconhecimento expresso da necessidade de autorização do juiz para aumento de despesas ou contratação de novos empregados, após oitiva do administrador judicial e do Comitê de Credores. Dívidas trabalhistas e fiscais não entram no plano especial e devem ser quitadas. A suspensão da prescrição alcança somente as ações e execuções discriminadas no plano especial (par. 2°, art. 71). Os credores podem objetar a proposta de parcelamento e, neste caso o juiz dará oportunidade ao autor para retificar o plano. (parágrafo único, art. 72, c/c art. 55, LRF) Na falta de retificação, o juiz decidirá o conflito. Porém, se mais da metade dos credores apresentarem objeções, a falência será decretada. Dada a singeleza do procedimento e do plano, a assembleia-geral de credores é dispensável. Em apertada síntese, o próprio juiz da causa examina o plano e, discricionariamente, após ouvir os credores, determina a sua retificação, se estiver em desconformidade com a lei, dá prazo para juntada de novos documentos e, a final, o homologa, dando início à fase executória, ou o rejeita, decretando de plano a falência da micro ou da pequena empresa. Homologado o plano, os efeitos imediatos da sentença homologatória são a suspensão das ações e execuções e a novação das obrigações nele discriminadas. Direito Empresarial 51 RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir o que vimos. Você deve ter aprendido sobre a recuperação judicial e extrajudicial. Direito Empresarial52 Falência INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de entender o que significa a falência e as suas consequências. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. E então? Motivado para
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