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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO 
RIO GRANDE DO SUL 
 
DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO 
 
CURSO DE PSICOLOGIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O DESAMPARO NA VELHICE 
 
 
 
 
ROSA MARIA SPILLARI MANJABOSCO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ijuí – RS 
2014 
 
1 
ROSA MARIA SPILLARI MANJABOSCO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O DESAMPARO NA VELHICE 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso 
apresentado ao Curso de Psicologia do 
DHE – Departamento de Humanidades e 
Educação da UNIJUÍ – Universidade 
Regional do Noroeste do Estado do Rio 
Grande do Sul, como requisito parcial 
para a obtenção do título de Psicóloga. 
 
Orientadora: Profª Ms. Iris Fátima Alves Campos 
 
 
 
 
Ijuí – RS 
2014 
 
2 
ROSA MARIA SPILLARI MANJABOSCO 
 
 
 
 
 
 
 
 
O DESAMPARO NA VELHICE 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia do DHE – 
Departamento de Humanidades e Educação da UNIJUÍ – Universidade Regional do 
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção 
do título de Psicóloga. 
 
 
Banca Examinadora: 
 
 
_______________________________________________ 
Profª Ms. Iris Fátima Alves Campos 
Orientadora (UNIJUÍ) 
 
 
_______________________________________________ 
Profª Ângela Maria Drügg (UNIJUÍ) 
 
 
Ijuí – RS, dezembro de 2014 
 
3 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
Esse trabalho aborda a questão do desamparo na velhice. Primeiramente buscamos 
entender a representação da velhice nas sociedades que nos antecederam para 
compreender o que significa ser velho nos dias de hoje. A seguir os estudos se 
voltaram ao entendimento do atual modelo econômico – o capitalismo – e como este 
atua sobre o sujeito velho. O conceito de desamparo foi sendo construído a partir do 
pensamento de Freud, Winnicott e Beauvoir. Buscou-se com o trabalho entender 
como a vivência do processo de envelhecimento acontece e, como cada qual se 
depara com ele, uma vez que é singular para cada sujeito em função da classe 
social e da cultura onde se insere. 
 
Palavras-Chaves: Desamparo. Velhice. Subjetividade. Sofrimento Psíquico. 
 
 
4 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 5 
CAPÍTULO I DA ORDEM NATURAL A LÓGICA CAPITALISTA ............................... 7 
CAPÍTULO II A TRAVESSIA DA VELHICE E O DESAMPARO ............................... 17 
CAPÍTULO III O PROCESSO DE ASILAMENTO E DESAMPARO .......................... 25 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 30 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 32 
 
 
5 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
Este trabalho tem a pretensão de abordar o tema do desamparo na velhice. 
Trata-se aqui, do desamparo primordial, experenciado por todos os sujeitos no 
momento do seu nascimento, e reeditado ao longo da vida em diferentes situações. 
Na velhice, esse desamparo parece atingir o sujeito de uma forma ainda maior, 
ficando ele sem recursos subjetivos para lidar com as situações que se apresentam 
no dia a dia. 
A vivência do desamparo é singular a cada sujeito e vai dizer da sua 
organização psíquica. Diante dos enfrentamentos, cada qual vai lançar mão dos 
recursos subjetivos que possui. 
O desamparo pode ser considerado um sintoma do sujeito velho tanto nas 
épocas passadas, quanto nos dias atuais. A humanidade passou por diversas 
revoluções sociais e tecnológicas, mas o trato para com a velhice pouco mudou, foi 
e continua sendo negligenciada. 
Situar a velhice não tem se mostrado tarefa fácil na contemporaneidade, 
uma vez que nem nome próprio ela possui. A velhice encontra-se revestida hoje com 
outros nomes: Terceira Idade, Melhor Idade, Idade Ativa e Idoso. Nomenclaturas 
essas que escondem o verdadeiro significado de ser velho. Os programas públicos 
contemplam aqueles que se encontram ativos e conseguem participar das atividades 
propostas, reservando aos restantes a sensação de inutilidade. 
Não podemos negar que a velhice impõe mudanças na vida do sujeito. As 
mudanças no corpo provocadas pele idade são impossíveis de esconder. Em uma 
sociedade onde o corpo belo e jovem é motivo de orgulho e valor, é natural que se 
procure meios de retardar a velhice. Por mais que se tente, a tarefa mostra-se um 
engodo. 
 
6 
No primeiro capítulo fazemos uma leitura do lugar do velho na sociedade 
capitalista, a partir principalmente dos trabalhos de Simone de Beauvoir em “A 
Velhice”. Para a autora, a velhice foi, e continua sendo muito maltratada. Segundo 
Beauvoir, o modelo capitalista se utiliza da força de trabalho do sujeito, que quando 
velho é descartado como um objeto que não possui mais valor. 
No segundo capítulo buscamos o conceito de desamparo, fazendo dele uma 
relação com a velhice, momento em que este se evidencia com mais intensidade. 
Nesse capitulo as ideias de Freud e Winnicott nortearam o trabalho. O desamparo 
visto como constitutivo da psique do sujeito e seus desdobramentos na travessia da 
velhice. 
O terceiro capítulo levanta a questão dos asilos, buscando entender os 
motivos da separação do idoso de suas famílias e, o que essa mudança de lugar 
representa para o velho em termos subjetivos que podem levar ao desamparo e ao 
agravamento das doenças já existentes, principalmente no que se refere as 
demências. Os conceitos de sociedade, abrigamento e velhice foram revisitados, 
principalmente pelos pensamentos de Ecléia Bosi e novamente Simone de Beauvoir. 
Entender o desamparo na velhice como um processo social, parte de um 
processo de distribuição das riquezas injusto, que faz com a grande maioria das 
pessoas, incluindo o velho, fiquem de fora e precisem do amparo do Estado. Esse, 
apesar dos avanços no que se refere às Políticas Públicas, muito ainda precisa 
evoluir para chegar a um nível aceitável de proteção e cuidado com a velhice. 
Levantar essa discussão, talvez seja um caminho possível para dar alguma 
visibilidade ao velho que se encontra tão apartado da sociedade. Representa a 
possibilidade do velho voltar a ser o protagonista da sua história, que apesar de ter 
boa parte já escrita, ainda falta concluir. Portanto, possível de mudar o final. 
 
7 
CAPÍTULO I DA ORDEM NATURAL A LÓGICA CAPITALISTA 
 
Recordo ainda… 
VIII 
 
(Para Dyonelio Machado) 
 
Recordo ainda… e nada mais me importa… 
Aqueles dias de uma luz tão mansa 
Que me deixavam, sempre, de lembrança, 
Algum brinquedo novo à minha porta… 
Mas veio um vento de Desesperança 
Soprando cinzas pela noite morta! 
E eu pendurei na galharia torta 
Todos os meus brinquedos de criança… 
Estrada afora após segui… Mas, ai, 
Embora idade e senso eu aparente 
Não vos iluda o velho que aqui vai: 
Eu quero os meus brinquedos novamente! 
Sou um pobre menino… acreditai… 
Que envelheceu, um dia, de repente! 
(Mario Quintana) 
(A rua dos cataventos. Coleção Mario Quintana. 2. edição. 6a. reimpressão. 
São Paulo: Globo, 2005. p. 26). 
 
Quando uma mulher gesta uma criança, a família toda é tomada por um 
misto de ansiedade, excitação e alegria. O bebê esperado passa a receber todas as 
atenções. Para a sua chegada a casa é preparada, planos são feitos para ele. A 
criança é, antes mesmo do seu nascimento antecipada por seus pais. Para esse 
bebê já é reservado um lugar, um lugar subjetivo asseguradopelo discurso parental, 
e é importante que assim seja para que essa criança venha a se constituir 
psiquicamente como um sujeito. Para que possa desejar, o Outro deve ter desejado 
antes por ele. Essa criança vai crescer, e um dia pelo percurso natural da vida 
tornar-se-á um velho. 
O velho, aqui considerado aquele de idade avançada que vive a decadência 
do corpo na perda das habilidades motoras e intelectuais, passa da mesma forma 
que quando criança, a necessitar de cuidados de outras pessoas, para garantir o 
atendimento de suas necessidades básicas. Mas diferentemente da criança, que ao 
experimentar o mundo, vai inaugurar suas experiências na vida, o velho já é portador 
das experiências de forma que é equivocada a expressão de que ao envelhecer o 
sujeito torna-se novamente criança. O velho é alguém que já escreveu grande parte 
da sua história, entretanto, ainda não a completou, pois sabemos que o desejo não 
obedece as leis do tempo cronológico. Quando chega o tempo em que não pode 
 
8 
mais ser o condutor da sua vida e outros precisam ser por ele, o envelhecer que 
deveria ser uma etapa natural da vida, por que o processo de envelhecimento tem 
seu inicio com o nascimento, na contemporaneidade mostra-se problemático, uma 
vez que em nossa sociedade instituiu-se que o velho não representa força 
econômica. 
Esse momento, diferentemente daquele de esperar por uma criança, é vivido 
na maioria das vezes por apreensão por todos que de alguma forma são chamados 
a ser responsáveis por aquela pessoa que agora é considerada velha. Quando, de 
alguma forma, o envelhecer vem acompanhado do adoecimento físico ou do 
comprometimento psíquico, o impasse familiar é ainda maior. Parece que ninguém 
se preparou para esse momento achando que ele nunca chegaria. E o que 
acontece, muitas vezes, é um tipo de estranhamento daqueles que lhe são 
próximos, quando as evidências teimam em mostrar que a pessoa envelheceu. 
Constata-se na atualidade que a população brasileira está envelhecendo. O 
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que o numero de idosos 
dobrou nos últimos vinte anos no Brasil. Os idosos – pessoas com mais de 60 anos 
– somam 23,5 milhões de brasileiros, mais que o dobro do registrado em 1991 
quando a faixa etária contabilizava 10,7 milhões de pessoas. Na comparação entre 
2009 (última pesquisa divulgada) e 2011 o grupo aumentou 7,6%, ou seja, mais de 
1,8 milhão de pessoas. 
Ainda de acordo com dados do IBGE em relação a expectativa média de 
vida no Brasil houve um aumento de 17,9% entre 1980 e 2013. Para o referido 
instituto se fossem considerados dados atuais o avanço seria ainda maior. Dados 
estatísticos de 2013, já disponibilizados pelo IBGE apontam que a esperança de 
vida ao nascer no nosso país, é de 74,8 anos. 
Estudos mostram que os números são diferentes em relação as regiões do 
Brasil, e que a expectativa de vida é maior nas regiões mais desenvolvidas 
economicamente. Enquanto que na região Sul a expectativa média de vida é de 75,8 
anos, na região Norte é de apenas 70,8 anos. A expectativa de vida também não é 
igual quando se leva em conta o gênero; os homens vivem em média 70,2 anos, 
enquanto as mulheres vivem uma média de 77,4 anos. 
Se por um lado estamos vivendo mais, envelhecer não tem se mostrado 
tarefa fácil em nossa sociedade e as dificuldades em relação ao envelhecimento se 
apresentam maiores na camada menos favorecidas economicamente da população. 
9 
Pode-se dizer que quanto mais dura for a realidade vivenciada por uma comunidade 
mais difícil vai ser o envelhecer. Se, o sujeito, precisa lutar, contando apenas com a 
força física para ter a sobrevivência assegurada, é de se esperar que quando essa 
se esgota, o futuro se mostra incerto, sem garantias. A aposentadoria, almejada por 
muitos, na maioria das vezes, tem se mostrado insuficiente para dar conta das 
necessidades e cuidados que a velhice impõe. Em nosso país, apesar dos avanços 
nas políticas públicas, na tentativa de resgatar a dignidade dessa expressiva parcela 
da população muito ainda encontra-se por fazer. 
A sociedade brasileira, da qual fazem parte nossos velhos, está inserida 
num modelo capitalista. Nesse modelo o trabalho, ou ainda a força de trabalho está 
diretamente atrelada ao sujeito. Para aquele que não é o dono dos meios de 
produção, o que pode oferecer ao sistema é a sua força de trabalho. O sujeito é 
olhado, falado e reconhecido pelas suas realizações no campo do trabalho. A 
vinculação do trabalho ao sucesso pessoal está tão presente em nosso meio, que 
cada vez mais projetos de vida são postergados (constituir família, nascimento dos 
filhos), na tentativa de vir a ter uma melhor colocação no mercado de trabalho. 
O que percebemos na sociedade capitalista dos tempos de hoje, é que a 
constituição de vínculos e laços afetivos com o semelhante estão perdendo espaço 
para o trabalho, e o objetivo do sujeito em primeiro lugar é a busca pelos bens 
materiais em uma suposta e nunca alcançada satisfação. O velho, que só possuía a 
sua força de trabalho para oferecer, quando se vê privado dessa, passa a sentir-se 
deslocado e inútil. Para um modelo de sociedade alicerçada na produção e no 
consumo de bens materiais, não interessa o velho com sua experiência de vida. 
Interessa o conhecimento técnico e o uso de novas tecnologias. Como novos 
conhecimentos surgem a todo momento, o velho torna-se alguém facilmente 
ultrapassado, uma vez que não consegue acompanhar com a mesma velocidade 
dos mais jovens – pois é de outro tempo – pertence a outra época. Se o velho não 
tem conhecimento das novas tecnologias, por outro lado possui a sabedoria que a 
experiência lhe proporcionou. Essa sabedoria ele poderia transmitir, se houvesse 
alguém disposto a lhe ouvir. 
Não sabendo mais ouvir o velho, todos nós perdemos. Sobre isso, Bosi 
(1994, p. 83): 
 
 
10 
Ele nos aborrece com o excesso de experiência que quer aconselhar, 
providenciar, prever. Se protestamos contra os seus conselhos, pode calar-
se e talvez querer acertar os passos com os mais jovens. Essa adaptação 
falha com frequência, pois o ancião se vê privado de sua função e deve 
desempenhar uma nova, ágil demais para o seu passo lento. A sociedade 
perde com isso. Se a criança ainda não ocupou nela seu lugar, é sempre 
uma força em expansão. O velho é alguém que se retrai de seu lugar social 
e este encolhimento é uma perda e um empobrecimento para todos. Então, 
a velhice desgostada, ao retrair suas mãos cheias de dons, torna-se uma 
ferida no grupo. 
 
Podemos pensar aqui em um declínio da função paterna, ao sujeito velho 
não é mais dado o crédito, ele perde a importância, uma vez que o novo se coloca a 
todo o momento. A transmissão, de uma sabedoria de vida que seria uma 
possibilidade de se fazer útil, não é mais importante. 
Entendendo transmissão, como a passagem, a entrega de um legado que foi 
construído durante toda uma vida pelo idoso. Poderíamos pensar aqui, na 
importância subjetiva de transmitir, como sendo a forma de se fazer continuar, que, 
se não pode ser ele próprio, pois se percebe como mortal, outros poderão continuar 
por ele. A transmissão como uma tentativa de não apagamento do sujeito. 
A sociedade moderna apresenta um circulo complexo que acaba por 
dispensar o velho da função de transmissão e que traz como efeito justamente o não 
lugar para transmissão que o velho é capaz de fazer. 
Para Jerusalinski (2000): 
 
A ruptura entre gerações, operada pela interrupção da transmissão 
simbólica, sob formas de hiatos da memória social, causada pela 
inconsistência dos ideais enunciados pelas gerações anteriores, vê-se 
intensificada pela aceleração dos processosmigratórios que provocam uma 
crescente desarticulação familiar. 
 
Aquele que exerceria uma função de saber, o representante da lei e da 
ordem perdeu espaço e, os sujeitos buscam igualdade e liberdade nas suas 
relações, reproduzindo nos espaços que ocupam o modelo socioeconômico ao qual 
estão de alguma forma vinculados. 
Freud, em “O mal-estar na civilização” (1938), embora sem vivenciar 
efetivamente o processo de “globalização” que nos afeta diretamente hoje, chama a 
atenção para a pobreza psicológica dos grupos que se organizam sem levar em 
conta um Outro a quem se referenciar, assim aponta: 
11 
Esse perigo (pobreza psicológica dos grupos) é mais ameaçador onde os 
vínculos de uma sociedade são principalmente constituídos pelas 
identidades dos seus membros uns com os outros, enquanto que indivíduos 
do tipo líder não adquirem a importância que lhes devia caber na formação 
de um grupo. O presente estado cultural dos Estados Unidos da América 
nos proporciona uma boa oportunidade para estudar o prejuízo à civilização, 
que assim é de se temer. Evitarei, porém, a tentação de ingressar numa 
crítica da civilização americana; não desejo eu mesmo estar empregando os 
métodos americanos. 
 
A “globalização” se efetivou em nossa sociedade com uma velocidade 
surpreendente, e adquiriu contornos próprios, está alicerçada no discurso do 
desenvolvimento, do livre mercado e da liberdade de escolha das pessoas. O que se 
coloca como verdade é que todos podem chegar aonde querem, basta que queiram. 
Essa forma de pensar não leva em conta as realidades diversas, nem as 
singularidades dos sujeitos. No mundo globalizado o crescimento é sem limites e por 
essa razão não obedece fronteiras. Já não é necessário levar em conta a forma de 
organização de um grupo ou de mesmo de uma sociedade. A tradição que servia de 
parâmetro, estatuto de valor e que estabelecia regras a serem seguidas, pode, em 
nome da modernidade, ser facilmente substituída, deixada para trás, esquecida. 
Assim como são cada vez mais substituídos e esquecidos nossos velhos, alijados do 
seu saber, são descartados como mercadorias que perderam seu valor. Hoje, não 
há mais familiares com tempo para cuidar, amparar e investir no velho e, cada vez 
mais essas atribuições ficam delegadas a terceiros. As famílias que dispõe de 
condições financeiras contratam serviços, os que não podem pagar recorrem as 
instituições de caridade. Em ambos os casos, falta compreender que para além do 
corpo que se apresenta fragilizado, existe um sujeito com direito a palavra. Isso, 
quase sempre é ignorado. É a família que toma a decisão do que é “melhor” para o 
velho, e o que leva em conta é o possível arranjo familiar, de maneira que cuidar do 
idoso não venha a interferir no que já se encontra organizado. Ninguém se mostra 
disposto a refazer seus planos em função do velho. 
Assim refere-se Beauvoir (1990, p. 274): 
 
Hoje em dia, o operário mora num lugar e trabalha em outro, mas num 
esquema puramente individual. A família fica à margem de suas atividades 
produtivas. Ela se reduz a um ou dois casais adultos, que são responsáveis 
por filhos ainda incapazes de ganhar a vida; eles não podem, com seus 
magros recursos, assegurar o sustento de seus velhos pais. Entretanto o 
trabalhador é condenado à inatividade cada vez mais cedo do que outrora: 
a tarefa na qual se especializou permanece a mesma a vida inteira, e não 
se adapta, ás possibilidades de todas as idades. 
12 
Os sujeitos, que em razão do crescimento econômico e dos avanços das 
ciências, estão ganhando anos adicionais de vida, não possuem garantias de uma 
velhice de qualidade, e quando falamos em qualidade, não estamos nos referindo 
apenas no que é da ordem material, nem tampouco do corpo biológico, (este, 
sabemos que pode envelhecer sem apresentar doenças), mas falamos de um sujeito 
desejante, sujeito reconhecido pelo olhar do Outro e, que são seja estigmatizado 
pelo rótulo imposto pela velhice. Nos parece, no entanto, que na velhice, todos os 
avanços e facilidades do mundo moderno, pouco se dirigem àquele que pela sua 
força de trabalho fez a engrenagem andar e contribuiu no processo de 
modernização. Ao contrário, a engrenagem volta-se contra ele mesmo, aponta para 
ele a sua incapacidade. 
Parece haver uma contradição entre a promessa de uma vida mais longa, e 
o real do corpo que o velho mostra. O olhar que o Outro lhe devolve, vem dizer que 
o tempo passou para ele e, que essa condição é irreversível e vai acentuar-se cada 
vez mais rápida. Por mais que os sujeitos se utilizem de recursos para adiar o 
envelhecimento, a passagem do tempo é inegável. Envelhece-se desde o dia em 
que se nasce. 
O mal-estar da civilização encontra hoje a sua causa na própria abolição do 
sujeito, substituído notadamente por uma concepção puramente biológica do 
homem, isto é, uma concepção veterinária. O discurso gestionário, que governa 
atualmente o mundo segundo as regras do mercado, praticamente varreu todos os 
laços sociais básicos (...). O sujeito moderno, desembaraçado da “monarquia do 
significante”, segundo a expressão de Michel Foucault, tornou-se enfim “livre”, isto é, 
louco, perdido, aspirado ao produzir-se a si mesmo como detrito, no discurso da 
suposta livre empresa (MUCIDA, 1998). 
Todo o exposto acima nos leva a pensar quais os caminhos que conduziram 
a concepção da velhice da forma como se apresenta hoje em nossa sociedade 
ocidental. Frente aos apelos do capital, que convoca os sujeitos a produzir e 
consumir sempre cada vez mais, o velho é posto à margem como algo sem sentido 
e inútil de investimento. Esse desinvestimento no velho parece ser uma 
característica que permeia as relações da sociedade atual com aqueles que de 
alguma não se apresentam de acordo com os padrões exigidos pelo mercado. É 
como se houvesse um imperativo afirmando que aquele que não está dentro, está 
fora e, se está fora, não interessa mais. Não há tempo para ser velho nesse modelo 
13 
capitalista, e o velho sabe disso, e talvez por isso nega a sua própria velhice. O 
nome velhice é substituído por “terceira idade”, “melhor idade”, “idoso”. Termos que 
são usados pelo social na tentativa de vir a dar uma nova dimensão da velhice. 
Desligando de certa forma, a velhice das ideias de doença, inatividade e pobreza, 
para relacionar a velhice a um tempo de novas possibilidades, independência e 
poder aquisitivo, (por que isso é do interesse do mercado). 
Se por um lado esses novos termos utilizados podem ser positivos, pois 
remetem a um novo olhar ao velho, também no que se refere a direitos e 
investimentos por parte das políticas públicas, por outro lado, representam o perigo 
de se tentar uma categoria ideal de velhice. O termo “velhice ativa” muito usado por 
aqueles profissionais que apregoam a ideia de que o velho não pode parar, talvez 
venha a representar um modelo de exclusão moderno, que não aceita o velho que 
se apresenta com fragilidades inerentes da sua idade biológica. Se, os valores que 
se apresentam hoje, são todos relacionados à juventude, a saúde e a beleza do 
corpo, é natural que as pessoas procurem de todas as formas possíveis frear a sua 
velhice. Existe um engano que leva o sujeito a pensar que é possível ficar idoso sem 
envelhecer. Algo como: “se eu não ficar com a aparência de velho, não vou 
envelhecer”. 
Beauvoir (1990, p. 50) vai nos falar das diferentes sociedades e dos 
diferentes costumes para com os velhos, chamando a atenção para o que se passa 
entre os animais que nos são mais próximos – os antropoides – a autora observa 
que em muitas hordas o macho mais velho é aquele que se apropria das fêmeas, e 
não deixa que os outros mais jovens se aproximem, quandoesses tentam são por 
ele agredidos. O mais velho, protege as fêmeas e os filhos, defende a horda do 
ataque de outras feras. Mas quando os jovens crescem, e ficam mais fortes, se 
rebelam contra esse mais velho, e passam a espreitá-lo e atacá-lo. Ele então se 
sente acuado e aos poucos vai enfraquecendo. A arma que possuía, os dentes, 
começa a quebrar. O mais forte do grupo, então passa a investir mais fortemente 
sobre ele, até que se retire para longe da horda. Mesmo que ainda seja robusto e 
poderia lutar para sobreviver, a vida solitária vai fazer com que enfraqueça, adoeça e 
aos poucos definhe, até morrer. Aquele que foi seu agressor torna-se a partir de 
então a liderança do grupo, e a história vai se repetir com ele. 
 
 
14 
Conforme Beauvoir (1990, p. 51): 
 
Veremos que, como em muitas outras espécies, nas sociedades humanas, 
a experiência e os conhecimentos acumulados são um trunfo para o velho. 
Veremos também que ele é muitas vezes expulso, mais ou menos 
brutalmente, da coletividade. Entretanto, o drama da idade não se produz 
no plano sexual, mas no plano econômico. O velho não é, como entre os 
antropoides, o indivíduo que não é mais capaz de lutar, mas aquele que não 
pode mais trabalhar e que se tornou uma boca inútil. Sua condição nunca 
depende simplesmente dos dados biológicos: fatores culturais intervém. 
 
O que nos leva a afirmar que é singular a cada cultura o tratamento 
dispensado aos seus velhos. E, se a preocupação com a sobrevivência encontra-se 
presente, nas relações dos mais jovens para com os que se encontram na velhice, 
existe sempre algo mais, que é da ordem subjetiva que permeia essas relações. Nas 
sociedades que nos antecederam a tradição era a garantia do agir daquele que 
passava a ocupar o lugar que até então era do velho, era da ordem natural que 
idoso fosse substituído. Mas mesmo sendo natural, não significa que se dava de 
forma tranquila e sem dor. 
Mucida (2012) vai trazer o filme japonês A Balada se Narayama, como um 
exemplo de ritual de passagem, que embora fazer cumprir o destino do velho, fosse 
a representação do amor e da dedicação, sentimentos ambivalentes encontravam-se 
presentes no ato: a autora vai dizer que o filme retrata algumas aldeias muito pobres 
do Japão dos fins do século XIX que, para sobreviverem, eram obrigadas a sacrificar 
seus velhos. Transportados para uma montanha (montanha da morte) no inverno, os 
idosos eram ali abandonados e entregues à fome e ao frio morrendo completamente 
sós. Dor, angústia e abandono acenam para o insensato do tempo vivido pela marca 
cronológica. Nessa balada de morte há uma idosa, O’Rin, com seus fatídicos 70 
anos que ainda está em pleno vigor-ara a terra, colhe, pesca, tece cozinha e cuida 
das crianças-e, conservando seus dentes intactos, expõe uma espécie de vergonha 
entre eles; ela não deveria ser mais capaz de tê-los e se alimentar como os outros. 
Zombada pelo neto como “a velha de trinta e três dentes”, O’Rin, pressionada pela 
chegada das jovens esposas que deveriam ocupar o seu lugar, e, apressando uma 
velhice nada natural, retira com pedradas alguns de seus dentes, dirigindo-se ao seu 
destino funesto e inexorável. Apesar do amor demonstrado pelo filho, que tem 
dificuldades em cumprir o preceito cultural, ela é deixada nas colinas da morte. Esse 
15 
retorna ainda para lhe anunciar que neva; um bom presságio, a morte lhe será mais 
rápida. 
Se hoje, a garantia da sobrevivência do corpo, (a partilha pela comida), não 
se faz imperativo para a condução no trato com a velhice, outros fatores se 
apresentam para justificar o que se apresenta como abandono, indiferença e 
soberba quando do convívio com velhos. Se não existe mais a garantia da tradição 
para apontar o que pode e o que não pode se fazer, o modelo econômico, do qual a 
globalização é um braço aponta o caminho. É ao capitalismo que nos referenciamos 
ao mesmo tempo que nos perdemos, pois dele viramos reféns. Já não sabemos o 
que é da ordem do nosso desejo, e, cada vez mais estamos na ordem do querer. 
Um querer sem limites, que exaure o nosso tempo, fazendo com que deixamos em 
segundo plano nossos afetos. Não podemos diminuir nosso ritmo, ao contrário, ele 
deve ser sempre mais e mais veloz, porque se não for assim os outros passam na 
nossa frente e, isso nós não queremos. Então, se nos falta tempo para realizar todas 
as tarefas que se apresentam como indispensáveis para a nossa vida, como é 
possível dar um tempo e abrir um espaço para incluir o idoso nele? Apresenta-se 
como uma enorme dificuldade aos mais jovens, fazer uma pausa no trabalho, ou em 
seus projetos, para acompanhar e dar suporte ao um idoso da família que esteja 
demandando cuidados. 
Assim, nos coloca Mucida (2012): 
 
Mesmo que tecida sob diferentes formas, não é tão distante de nós aquilo 
que a velhice tem despertado em grande parte das sociedades primitivas ou 
em outras sociedades mais organizadas. Se não deixamos nossos velhos 
morrerem nas montanhas da morte, o abandono está presente de formas 
mais veladas. 
 
Hoje o abandono do sujeito velho veste outras roupagens; se maquia para 
poder aparecer. E não se faz por um só ato e em um só tempo. Vai acontecendo aos 
poucos: é o mercado de trabalho que não permite sua entrada porque seu saber 
ficou obsoleto e o jovem rende mais; é a aposentadoria que chega e o faz parar 
mesmo que ainda poderia continuar; são os filhos que começam a dizer o que é 
melhor para ele; são os avanços da tecnologia que não consegue acompanhar; é o 
silêncio imposto a ele quando percebe que o que ele fala é de outra época e não 
desperta mais o interesse de ninguém. Enfim, são inúmeras as formas que fazem 
16 
com o velho se retire, pois outros o fazem entender que é chegada a hora de dar o 
lugar que foi seu à outra pessoa. 
Conforme Mucida (2010): 
 
Fora do tempo atual, fora do mercado de trabalho e da rapidez exigida pelo 
mesmo, fora do imperativo do novo e, desvalorizado de seu saber, a velhice 
tende a experimentar o desamparo de maneira mais cruel. 
 
Se o velho não pode contar com sua história de vida, se tudo o que construiu 
abruptamente mostra-se sem valor e tudo lhe parece sem sentido, mesmo assim 
não há como negar o desejo que existe no velho e que o faz resistir e continuar para 
além das imposições do capitalismo, do culto ao corpo e do endeusamento do 
dinheiro. 
A psicanálise se apresenta como a possibilidade de escuta do sujeito velho, 
sujeito do inconsciente, esse que é atemporal e, por tanto, não envelhece. Dar voz 
ao velho é mostrar a ele que alguém se importa com as suas rememorações. Sobre 
isso, Bosi (1994): 
 
Um mundo social que possui uma riqueza e uma diversidade que não 
conhecemos pode chegar-nos pele memória dos velhos. Momentos desse 
mundo perdido podem ser compreendidos por quem não os viveu e até 
humanizar o presente. A conversa evocativa de um velho é sempre uma 
experiência profunda: repassada de nostalgias, revolta, resignação pelo 
desfiguramento das paisagens caras, pela desaparição de entes amados, é 
semelhante uma obra de arte. Para quem sabe ouvi-la, é desalienadora, 
pois contrasta a riqueza e a potencialidade do homem criador de cultura 
com a mísera figura do consumidor atual. 
 
Dispor de tempo para ouvir o velho é dar a ele um lugar de transmissão, pois 
o que se escuta não é pura informação, é muito mais, é o vivido como experiência. 
Representa para as gerações atuais e futuras o entendimento de sua história, em 
sua dimensão material e, principalmente da sua dimensão subjetiva. 
 
17 
CAPÍTULO II A TRAVESSIA DA VELHICE E O DESAMPARO 
 
Que é que queres, Por que foi que não disseste logo o que querias, 
Pensarás tu que nãomais nada a fazer, mas o homem só respondeu a 
primeira pergunta, Dá-me um barco, disse. O assombro deixou o rei a tal 
ponto desconcertado, que a mulher da limpeza se apressou a chegar-lhe 
uma cadeira de palhinha, a mesma que ela própria se sentava quando 
precisava de trabalhar de linha e agulha, pois, além da limpeza, tinha 
também a sua responsabilidade alguns trabalhos menores de costura no 
palácio, como passar as peúgas dos pagens. Mal sentado, porque a cadeira 
de palhinha era mais baixa que o trono, o rei estava a procurar a melhor 
maneira de acomodar as pernas, ora encolhendo-se ora estendendo-as 
para os lados, enquanto o homem que queria o barco esperava com 
paciência a pergunta que se seguiria, E tu para que queres um barco, pode-
se saber de facto perguntou quando finalmente se deu por instalado, com 
sofrível comodidade, na cadeira da mulher da limpeza, Para ir a procura da 
ilha desconhecida, respondeu o homem, Que ilha desconhecida, perguntou 
o rei disfarçando o riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, dos 
que têm a mania por navegações, a quem não seria bom contrariar logo de 
entrada, A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há mais 
ilhas desconhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir a 
procura, Se eu tu pudesse dizer, não seria desconhecida, A quem ouviste tu 
falar dela, perguntou o rei, agora mais sério, A ninguém, Nesse caso, por 
que teimas em dizer que ela existe, Simplesmente porque é impossível que 
não exista uma ilha desconhecida, E vieste aqui para me pedires um barco, 
Sim, vim aqui para pedir-te um barco, E tu quem és, para que eu to dê, E tu 
quem és, para para que não mo dês, Sou o rei desse reino, e os barcos do 
reino pertencem-me todos, Mais lhes pertencerás tu a eles do que eles a ti, 
Que queres dizer, perguntou o rei inquieto, Que tu, sem eles, és nada, e 
que eles, sem ti, poderão sempre, sempre navegar, Às minhas ordens, com 
meus pilotos e os meus marinheiros, Não te peço marinheiros nem piloto, só 
peço um barco, E essa ilha desconhecida, se encontrares, será para mim, A 
ti, rei, só te interessam as ilhas conhecidas, Também me interessam as 
conhecidas quando o deixam de ser, Talvez essa não se deixe de o ser, 
Então não te dou o barco, Darás (SARAMAGO, 1998, p. 15). 
 
O conto acima, de José Saramago, chamado “O conto da Ilha 
desconhecida”, ilustra a trajetória da nossa vida, que se nada de trágico acontecer 
para abreviar, desembocará inevitavelmente um dia na velhice. Esse futuro, ou 
mesmo presente, que ao mesmo tempo que nos instiga, nos amedronta. Justamente 
porque dela, a velhice, só pode saber contar quem a vivencia. Lima e Baptista 
(2013), sobre o conceito de experiência em Benjamin apresentam o seguinte: 
 
Em Experiência e pobreza o termo “experiência” (Erfahrung) é o 
representante do conhecimento transmitido entre gerações. Tido de outro 
modo “experiência” denota o conhecimento acumulado por gerações que é 
transmitido em geral por meio das fábulas, histórias, parábolas ou 
provérbios. Benjamin constata: se o saber da experiência aos homens do 
passado um conhecimento que os constituía plenamente, que fazia parte da 
sua história, os homens modernos sofrem para reconhecer esse saber 
antes tão naturalmente transmitidos entre as gerações (BENJAMIN, 1987, p. 
114). 
 
18 
Ao contrário das sociedades tradicionais que preservavam suas tradições 
nos épicos e narrativas, a sociedade moderna se caracteriza pelo declínio de um 
passado comum a ser transmitido. O homem moderno na visão de Benjamin, ainda 
que não inteiramente desprovido da lembrança da existência desta transmissão não 
era mais capaz de dar continuidade a essa experiência, não podia mais comunica-la 
ou tão pouco invocar o peso de um saber contido no saber da tradição. 
Essa viagem, rumo ao desconhecido, cada qual, só poderá contar com os 
recursos subjetivos que possui. Assim como um bebê chega ao mundo na condição 
de desamparo, e vai precisar da sustentação (Holding, para Winniccott), para poder 
sobreviver e se constituir psiquicamente, de forma semelhante, na velhice, onde o eu 
que já se encontra integrado, o sujeito vai sofrer mudanças frentes as perdas reais, 
que se fazem inerentes ao processo de envelhecer. Todo o contexto social, 
profissional, afetivo e físico vão mudar. A proximidade da morte, que se apresenta 
cada vez mais real para o velho, com a perda dos parentes, dos amigos, do cônjuge, 
o remetem a uma reedição do desamparo originário vivido por ocasião do 
nascimento. Os referenciais, que lhe serviam de sustentação, aos poucos vão 
desaparecendo. 
Com muita sensibilidade, sobre essa fase da vida, Bosi (1994, p. 79) faz 
uma leitura: 
 
O velho sente-se um indivíduo diminuído, que luta para continuar sendo um 
homem. O coeficiente de adversidades das coisas cresce: as escadas ficam 
mais duras de subir, as distâncias mais longas de percorrer, as ruas mais 
perigosas de atravessar, os pacotes mais pesados de carregar. O mundo 
fica eriçado de ameaças, de ciladas. Uma falha, uma pequena distração são 
severamente castigadas. 
 
Quando o sujeito percebe que o tempo futuro é bem mais curto que o tempo 
passado, e que o que lhe resta parece insuficiente para que invista em planos a 
realizar, o sujeito velho, da mesma maneira que uma criança, vai ter que receber, 
daqueles que o cercam um investimento adicional para que não venha a se 
desintegrar psiquicamente. Esse investimento, naquele que comprovadamente é 
desinvestido pela sociedade, que na maioria das vezes, o descarta, é o que poderá 
dar um lugar outro ao velho. 
Sobre a função do holding, Abram (1996) afirma: 
 
19 
Os pais devem proporcionar ao bebê um ambiente compatível com suas 
necessidades. Não teria qualquer utilidade para a criança se lhe fosse 
oferecido algo que apenas eles considerassem ser necessário. Isto fará dela 
uma criança dócil, uma vez que, sob a pressão dos pais, a criança dirá 
desejar alguma coisa que na verdade não deseja. Winnicott quer dizer com 
isso que os pais devem considerar a integridade do bebê ao tentar suprir as 
suas necessidades, respeitando-o como um ser humano distinto deles 
próprios, o que forçosamente inclui o direito de ser diferente. 
 
A interpretação de Abram do conceito de holding, nos permite fazer uma 
analogia entre a sustentação na velhice e na criança. Quando o sujeito envelhece 
ocorre uma inversão dos papéis: cabe aos filhos cuidar dos pais. Esse cuidado 
deveria levar em conta sempre o respeito do desejo do velho, levando-o a ter lugar 
na família, como alguém que pode ainda, mesmo com limitações, olhar para frente e 
planejar. Mas isso, em nossa atual sociedade, mostra-se, com poucas exceções, 
uma utopia. O velho não é olhado como alguém que valha a pena se fazer 
investimentos, uma vez que não pode mais trazer retorno, tal como trabalhamos no 
capítulo anterior. O corpo do velho não é para ser visto, e quando exposto, muitas 
vezes é motivo de repulsa. Evita-se tocar, manusear, tornando-se, então, um corpo 
desinvestido. 
Podemos pensar que, os pais ao investirem no bebê, suprindo as suas 
necessidades físicas e psíquicas, colocam nesse investimento uma aposta, porque 
percebem nele um “sujeito vir-a-ser”; diferentemente do velho, onde o olhar é para a 
finitude da vida, e portanto dispensa a aposta. Essa não aposta lhe é causa de 
sofrimento levando-o a retirar-se do social, pois sente-se como um incômodo para os 
outros. Pensa que melhor seria ir para a montanha da morte, esperar pelo fim. 
Como fatores principais que levam ao desamparo na velhice, estão: a 
gradativa perda da capacidade de produzir, a sensação de inutilidade que dele se 
apodera e a perda irreversível de sua independência. Essa última parece ser a que 
mais lhe dói. Separa uma criança é motivo de alegria e satisfação ser cuidado e 
manipulado por um outro, para o velho ter seu corpo manipulado representa uma 
invasão, atestado de seu declínio. 
Sabemos que o desamparo faz parte do nosso viver, mas é inegável que na 
velhice ele se acentua. A vivência do desamparo, que tem a sua origem no 
nascimento de todo o ser humano, parece se reeditar, quando na velhice, o sujeito 
de se vê precisando de ajuda, nesse momento em que se vê incapaz de satisfazer 
sozinho as suas necessidades vitais de sobrevivência. Vai ter que inevitavelmente, 
20 
remeter-se a um outro que lhe diga o que fazer. Vai passar a depender desse outro. 
Perceber-se velho, é deparar-se com o desconhecido, embarcar em uma viagem 
onde as paradas não se encontram programadas e, podem acontecer quando o 
sujeito menos espera. O novo, o inesperado dessa fase, se faz porque nunca antes, 
o sujeito foi um velho. E, é sempre o outro, seu semelhante, que lhe aponta a sua 
velhice. Parceiros de juventude, quando se encontram, anos mais tarde, tendem a 
apontar o envelhecimento no outro, é sempre para o outro que o tempo passou. Por 
mais que ele insista em negar a velhice, vai chegar o momento em que terá que se 
haver com ela, lidar com o desamparo. 
Costa (2007) vai nos falar do desamparo sob o viés psicanalítico: 
 
Freud emprega o termo desamparo em dois principais contextos. No 
primeiro, o termo aparece na discussão sobre os estímulos interiores ou 
exteriores que afetam organismos humanos. Postula-se, em teoria, que a 
resposta adequada a esses estímulos é a ação específica motora ou 
psíquica. A ação específica visa fazer cessar o estímulo pela satisfação da 
necessidade ou pela fuga a ação penosa. Se isso não acontecer e o 
estímulo exceder a capacidade de resposta do organismo, surge o 
desamparo, que pode dar origem a defesas inadequadas, ou seja, a 
sintomas psicopatológicos. 
 
No segundo contexto, desamparo está referido à ideia de “prematuração” do 
ser humano. 
Aqui entra a ideia de que entre os seres vivos, o homem, ao nascer é o mais 
desamparado de todos. Vai precisar que outro venha a fazer as coisas por ele, para 
poder sobreviver. Se for abandonado morrerá. Essa sua primeira experiência na 
vida, vai lhe imprimir marcas subjetivas, que frente a novas experiências, busque 
sempre no Outro garantias para prosseguir. Sobre o processo de “maturação”, Costa 
(2007), vai buscar em Freud uma melhor compreensão. 
 
Entre os fatores que contribuem para causar as neuroses, e que criam as 
condições nas quais as forças psíquicas se medem umas às outras, três se 
destacam particularmente: um fator biológico, um fator filogenético e um 
psicológico. O fator biológico é o estado de desamparo muito prolongado do 
filhote homem. A existência intra-uterina do homem é relativamente breve, 
em relação a maioria dos animais. Ele é menos acabado que esses últimos, 
ao ser lançado no mundo exterior real, se acha, muito reforçada. A 
diferenciação do eu com o isso é adquirida muito precocemente, os perigos 
do mundo exterior ganham uma importância enorme, pois ele é o único a 
poder proteger o eu de tais perigos. Assim, o fator biológico está na origem 
das primeiras situações de perigo e cria a necessidade de ser amado, que 
jamais abandonará o ser humano. 
 
21 
Tais considerações nos levam a pensar, que viver é buscar de todas as 
formas possíveis, o amor e a proteção do Outro. Enquanto tivermos isso, o terreno 
que pisamos vai estar seguro e, estaremos tranquilos para fazer a travessia. 
Quando, na velhice, o sujeito tem negada essas condições, o desamparo 
experenciado no nascimento, se reedita com força ainda maior, pois ele vê-se sem 
saída e sem poder retroceder. Parece estar em constante ameaça, uma vez que se 
coloca a mercê do Outro em razão de sua fragilidade. 
A esse respeito, nos atenta Beauvoir (1990): 
 
O velho permanece em atitude de defesa, mesmo quando todas as 
garantias de segurança lhe são dadas, porque não tem confiança nos 
adultos: é sua dependência que ele vive sob a forma da desconfiança. Sabe 
que os filhos, os amigos, os sobrinhos que lhe ajudam a viver 
financeiramente, ou cuidando dele, ou hospedando-o podem recusar-lhes 
essas ajudas, ou restringi-las; podem abandoná-lo, ou dispor dele contra a 
sua vontade: obrigá-lo a mudar de residência, por exemplo, oque é um de 
seus terrores. Conhece a duplicidade dos adultos. Teme que lhe façam 
favores em nome de uma moral convencional que não implica respeito nem 
afeição por ele; tratam-no pensa, de acordo com os imperativos da opinião: 
esta última pode ser contornada, ou contar menos que certas comodidades. 
As desgraças que o velho teme doenças, deficiências, aumento do custo de 
vida são tanto mais temíveis quanto a acarretar mudanças nefastas nas 
condutas de outrem. Longe de esperar que seu irreversível declínio natural 
seja sustado ou compensado pelo comportamento de seus parentes, ele 
suspeita que estes últimos, precipitarão o curso desse declínio: por 
exemplo, se ficar muito cheio de deficiências, será colocado no asilo. 
 
Reside aqui, a grande ameaça que paira sobre a velhice. Ter sua autonomia 
destituída, não poder mais tomar decisões em nome próprio e, outros vir a dizer o 
que é melhor para ele. O que se contata, na maioria das vezes, é que quando o 
velho mais precisaria do suporte familiar, que é no momento em que a doença o 
deixa vulnerável, acontece a decisão pelo asilamento. Essa decisão vem revestida 
de “estar fazendo o melhor por ele”, ou ainda de “dar a ele um maior amparo”. Isso, 
na maioria das vezes, tem se mostrado um engodo. Pois, nessa fase vida, o 
afastamento do território contribui para acelerar o processo de dependência do 
velho. Acontece então, que na hora em ele mais precisa daqueles que pensava 
poder contar, as portas se fecham. 
O desamparo que o velho experimenta decorre muitas vezes daquilo que é 
“não dito”, do que fica nas entrelinhas e não é para ele esclarecido, com a desculpa 
de não lhe causar sofrimento, ou porque em razão de sua idade avançada não 
poderá entender. O que é dissimulado lhe causa mais dor. 
22 
Sobre a atitude da família, de muitas vezes acobertar a realidade para o 
velho, posiciona-se Bosi (1994): 
 
A característica da relação do adulto com o velho é a falta de reciprocidade 
que pode se traduzir numa tolerância sem o calor da sinceridade. Não se 
discute com o velho, não se confrontam opiniões com as deles, negando-lhe 
a oportunidade o que só se permite aos amigos: a alteridade, a contradição, 
o afrontamento e mesmo o conflito. Quantas relações humanas são pobres 
e banais porque deixamos que o outro se expresse de modo repetitivo e 
porque nos desviamos das áreas do atrito, dos pontos vitais, de tudo o que 
em nosso confronto pudesse causar o crescimento e a dor! Se a tolerância 
com os velhos é entendida assim, como uma abdicação do diálogo, melhor 
seria dar-lhe o nome de banimento ou discriminação. 
 
Sabemos que na velhice, mais do que em qualquer outra fase da vida, o 
sujeito tende a agarrar-se aos hábitos, como uma forma de defende-se do novo. 
Resguarda-se ao realizar as tarefas que para ele são importantes. Repete-as 
sempre da mesma forma e com a mesma regularidade. A rotina é para ele a sua 
segurança. Quando isso lhe é negado, como no caso de ter que deixar a sua casa e 
ir para outro lugar, lhe caem também todas as suas referências. Podemos inserir 
aqui os conceitos de território e desterritorialização para pensar esse velho que é 
levado a sair do lugar em estava acostumado viver. 
Entender que para o velho estar junto a outras pessoas de sua idade 
cronológica e ser atendido em suas necessidades orgânicas bastam para lhe dar 
amparo, mostra-se um engano. O territórioque para todo o sujeito, independente da 
idade possui um papel fundamental na estruturação psíquica, na velhice adquire 
importância ainda maior. 
Território, de acordo com o geógrafo Haesbaert (2005): 
 
Desde a sua origem, o território nasce com uma dupla conotação, material e 
simbólica, pois etimologicamente aparece tão próximo de terra-territorium 
quanto de térreo-territor (terror, aterrorizar), ou seja, tem a ver com a 
dominação (jurídico-política) da terra e com a inspiração do terror, do medo- 
especificamente para aqueles que, com esta dominação ficam alojados da 
terra, ou no “territorium” são impedidos de entrar. Ao mesmo tempo, por 
extensão, podemos dizer que, para aqueles que têm o privilégio de usufruí-
lo, o território inspira a identificação (positiva) e a efetiva “apropriação”. 
 
Esse conceito nos leva a pensar, no caso da velhice, que o sujeito, quando 
retirado da sua moradia, é lançado também para fora do seu território, 
experimentando nessa passagem insegurança e medo do desconhecido. A vivência 
23 
da desterritorialização é acompanhada da dor da perda, do desaparecimento de um 
território e de tudo o este representava em termos de organização simbólica para 
ele. Se a mudança de lugar se apresentar para o velho de forma brusca, violenta, 
sem um mínimo de entendimento e adaptação, pode levar a um desaparecimento 
não somente do território, mas também do próprio sujeito. O sujeito pode negar-se a 
mudança, vindo a refugiar-se no seu próprio eu, potencializando sintomas que já 
existiam, como é muitas vezes o caso das demências. 
Na velhice, adaptar-se a novas situações é tarefa difícil ou mesmo 
impossível. Sair do seu lugar representa para ele deixar a suas lembranças, os 
objetos que vestiam o território eram para ele significativos. Para onde vai tudo lhe é 
estranho e sem sentido. O novo lugar não lhe permite invocar o passado. 
Ao falar sobre a cidade, Elia (2011), assim se refere: 
 
Ela é feita de espaços, histórias, lugares, marcas que constituem a 
realidade de um sujeito, que é sempre psíquica, subjetiva, interna e externa, 
como uma fita de Moebius. 
Assim, o território da cidade que interessa a um sujeito não é a região em 
que ele vive, mas os conjuntos de espaços que, ao longo do tempo de sua 
vida, construíram a sua história subjetiva. O território é o fragmento do 
Outro, que, como tal, inclui a sujeito e só se define por relação a ele. 
Essa forma de conceber o território-noção que é tão cara para todos nós-
define de outro modo a cidade, e a articula com o inconsciente. 
 
O que nos leva a pensar que para o velho não é o lugar que vai dizer por si, 
mas tudo o que ele carrega como bagagem e que teceu a trama de sua vida. São os 
fragmentos do lugar que de alguma forma o marcaram e que podem falar por ele, 
são os registros, sempre subjetivos, que para ele, e só para ele, possuem 
importância, que talvez nem um outro lugar, por melhor que possa parecer para os 
outros, poderá para ele o ser. 
Para dar conta desse desamparo vivenciado por se encontrar longe do seu 
território, e que é causa de sofrimento, a proposta de uma multiterritorialidade, sobre 
a qual nos fala Haesbaert (2005) se oferece como uma possibilidade do velho 
reconstruir gradativamente os laços na tentativa de dar continuidade a sua história: 
 
Multiterritorialidade aparece como uma resposta a esse processo 
identificado por muitos como “desterritorialização”: mais do que a perda ou o 
desaparecimento dos territórios, propomos discutir a complexidade dos 
processos de (re)territorialização em que estamos envolvidos, construindo 
territórios mais múltiplos ou, de forma mais adequada, tornando muito mais 
complexa nossa multiterritorialidade. 
24 
De forma que se para o velho a mudança de ambiente é inevitável pelas 
mais diferentes razões, ainda assim é possível se oferecer outras possibilidades de 
inserção social. Aonde falta a sustentação real do lugar conhecido, a palavra, o 
toque, o cuidado, podem se colocar como orientação. Da mesma forma, alguns 
objetos que sejam significativos para o velho, podem vir compor o ambiente com a 
função de aproximá-lo da realidade, servindo também de amparo e proteção. 
 
25 
CAPÍTULO III O PROCESSO DE ASILAMENTO E DESAMPARO 
 
Tocando em Frente 
 
(Almir Sater) 
 
Ando devagar por que já tive pressa 
E levo esse sorriso por que já chorei demais 
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe, 
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei 
Nada sei. 
 
Conhecer as manhas e as manhãs, 
O sabor das massas e das maçãs, 
É preciso amor pra poder pulsar, 
É preciso paz pra poder sorrir, 
É preciso a chuva para florir 
 
Penso que cumprir a vida seja simplesmente 
Compreender a marcha e ir tocando em frente 
Como um velho boiadeiro levando a boiada 
Eu vou tocando dias pela longa estrada eu vou 
Estrada eu sou. 
 
Conhecer as manhas e as manhãs, 
O sabor das massas e das maçãs, 
É preciso amor pra poder pulsar, 
É preciso paz pra poder sorrir, 
É preciso a chuva para florir. 
 
Todo mundo ama um dia todo mundo chora, 
Um dia a gente chega, no outro vai embora 
Cada um de nós compõe a sua história 
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz 
E ser feliz. 
 
Conhecer as manhas e as manhãs 
O sabor das massas e das maçãs 
É preciso amor pra poder pulsar, 
É preciso paz pra poder sorrir, 
É preciso a chuva para florir. 
 
Ando devagar porque já tive pressa 
E levo esse sorriso porque já chorei demais 
Cada um de nós compõe a sua história, 
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz 
E ser feliz. 
 
Conhecer as manhas e as manhãs, 
O sabor das massas e das maçãs, 
É preciso amor pra poder pulsar, 
É preciso paz pra poder sorrir, 
É preciso a chuva para florir. 
 
 
 
26 
Apesar de toda a evolução da nossa sociedade, que nos surpreende a cada 
dia com a criação de novas tecnologias, os asilos continuam sendo o lugar para 
onde vão os velhos quando o cuidado na família não se apresenta mais como uma 
alternativa. 
Os asilos, também denominados de Instituições de Longa Permanência para 
Idosos (ILPIs) surgem ligados a ideia de amparar aqueles que não tem mais a quem 
recorrer. A caridade norteia a proposta, prestar socorro aos velhos que se encontram 
em situação de pobreza e exclusão social, em um caráter puramente 
assistencialista. 
O surgimento de instituições para idosos não é recente. O cristianismo 
mostrou-se o pioneiro no cuidado aos velhos. De acordo com Alcântara Ao. (2004): 
“Há registros de que o primeiro asilo foi fundado pelo Papa Pelágio II (520-590), que 
transformou sua casa em hospital para velhos”. 
Existem hoje várias denominações para os lugares que se oferecem para 
receber os velhos. Conforme a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia 
(2003): 
 
Define-se asilo como casa de assistência social para onde são recolhidas, 
para sustento e também para educação, pessoas pobres e desamparadas, 
como mendigos, crianças abandonadas, órfãos e velhos. Considera-se 
ainda asilo o lugar onde ficam isentos da execução das leis os que a ele se 
recolhem. Relaciona-se assim, a ideia de guarita, abrigo, proteção ao local 
denominado de asilo, independentemente do seu caráter social, politico ou 
de cuidados com dependências físicas e/ou mentais. Devido ao caráter 
genérico dessa definição outros termos surgiram para denominar locais de 
assistência a idosos como, por exemplo, abrigo, lar, casa de repouso, clinica 
geriátrica e ansionatto. Procurando-se patronizar a nomenclatura, tem sido 
proposta a denominação de Instituições de Longa Permanência para idosos 
(ILPIs), definindo-as como estabelecimento para atendimento integral a 
idosos, dependentes ou não, sem condições familiares ou domiciliares para 
sua permanência na sua comunidadede origem. 
 
Esta vasta nomenclatura que tenta dar conta de denominar os asilos de 
velhos, vem nos dizer do não-lugar que a velhice ocupa no social. Dela não se fala e 
quando se fala esta sempre relacionada ao negativo, ao sem-valor. 
Conforme Brum (2012): 
 
Desde que a juventude virou não mais uma fase da vida, mas uma vida 
inteira, temos convivido com essas tentativas de tungar a velhice também 
do idioma. Vale tudo. Asilo virou casa de repouso, como se isso mudasse o 
significado do que é estar apartado do mundo. 
27 
Podemos constatar um crescimento do número de lugares que se destinam 
a receber os velhos. Muitos deles possuem filas de espera. Esse aumento parece vir 
na contramão da proposta da desinstitucionalização, da não internação para 
sempre. Se no campo da saúde mental o tratamento e a forma de cuidar evoluíram 
na tentativa de dar visibilidade e cidadania aquele que antes era apenas visto pela 
sua loucura, o mesmo não podemos falar no que se refere a velhice. Esta parece 
ainda condenada ao isolamento e a inexistência. Em relação as instituições de 
outrora, as que hoje se apresentam, com raras exceções, pouco evoluíram em 
relação a maneira de cuidar e acolher o velho. A ideia ainda é o assistencialismo, e 
muito pouco se pensa na promoção do sujeito. 
Beauvoir (1990, p. 312-317) sobre as condições dos asilos da sua época, 
assim se refere: 
 
Quando não podem mais sustentar-se, física e economicamente, o único 
recurso dos velhos é o asilo. Na maior parte dos países, o asilo é 
absolutamente desumano: nada mais que um lugar para esperar a morte... 
as condições de vida em asilo não são as únicas responsáveis por isso: 
entre os velhos, a própria mudança de lugar, seja ela de que tipo for, 
frequentemente acarreta a morte. É antes o destino dos que sobrevivem 
que se deve deplorar. Num grande número de casos, pode-se resumir esse 
destino em algumas palavras: abandono, segregação, decadência, 
demência, morte. 
 
O que observamos, ainda hoje, é que nem sempre os lugares que recebem 
os idosos, possuem profissionais preparados para lidar com as demandas da 
velhice. Há ainda uma confusão entre velhice e doença e entre velhice e demência. 
O tratamento e os cuidados parecem ser únicos. Tratar o velho como se ele fosse 
uma criança, fazendo uso de diminutivos, infantilizando-o, é ignorar seu saber em 
relação ao mundo, é não respeitar sua experiência. Da mesma forma, não entender 
o que o processo de demência acarreta para a vida cotidiana do velho, pode levar a 
um agravamento da doença. A memória do velho, quando falha, precisa encontrar 
um anteparo, para que não venha a se perder ainda mais. Esse anteparo, essa 
sustentação pode vir pelo outro, no caso, aquele que cuida, de diversas formas, 
singulares a cada um. O que pode vir a funcionar como fator organizador não dá 
para se saber a priori. Poderá ser uma palavra, uma afirmação, um gesto, um objeto. 
Quem está ao lado do velho, quem o acompanha é que poderá saber. Por essa 
28 
razão, o perigo de se pensar a velhice como uma categoria, onde o que a define são 
parâmetros que servem a todos os sujeitos ditos velhos. 
Sobre esse aspecto, Bosi (1994, p. 80), citando o Dr. Repond, assim nos 
esclarece: 
 
Somos levados a nos perguntar se o velho conceito de demência senil, 
pretenso resultado de perturbações cerebrais, não se deva revisar 
completamente, e se essas pseudodemências não são resultados de 
fatores psicossociológicos agravados rapidamente, por colocação em 
instituições inadequadamente equipadas e dirigidas, como também por 
internações nos hospitais psiquiátricos, onde esses doentes muitas vezes 
abandonados a si mesmos, privados de estímulos psíquicos necessários, 
separados de todo o interesse vital, não tem a esperar senão um fim que se 
convém em desejar rápido. 
 
Nós chegaremos mesmo a pretender que o quadro clínico das demências 
senis talvez seja produto artificial, devido o mais das vezes à carência de cuidados e 
de esforço de prevenção e reabilitação. 
Como estamos vivendo mais, consequentemente envelheceremos mais, 
teremos da mesma forma mais doenças relacionadas ao envelhecimento. 
Poderemos também simplesmente envelhecer e, aproveitar esse ciclo natural da 
vida. Por essas razões a importância em se pensar na velhice e nos cuidados com a 
mesma. Deixando de lado a ilusão, que em nada contribui, de que a velhice é dos 
outros, e que nós não vamos envelhecer. A eterna juventude não existe, o sujeito, 
esse que é inconsciente, pode sim se manter ativo e desejante, esse, pode desejar 
viver enquanto a vida se oferece. 
Ao pensar nas razões que levam nossos velhos ter a sua velhice 
negligenciada Bosi (1994, p. 81): 
 
A noção que temos da velhice decorre mais da luta de classes que do 
conflito de gerações. É preciso mudar de vida, recriar tudo, refazer as 
relações humanas doentes para que os velhos trabalhadores não sejam 
uma espécie estrangeira. Para que nenhuma forma de humanidade seja 
excluída da humanidade é que as minorias têm lutado, que os grupos 
discriminados têm reagido. A mulher, o negro, combatem pelos direitos, mas 
o velho não tem armas. Nós é que temos que lutar por ele. 
 
Os asilos precisarão também passar por reformas, talvez da mesma forma 
que aconteceu com a reforma psiquiátrica. Se, mostra-se impossível 
desinstitucionalizar o velho, porque o desamparo seria ainda maior, aqueles que se 
29 
propõe a oferecer amparo precisam rever o modo de fazê-lo. Pensando sempre que 
o objeto de trabalho dos asilos é o sujeito velho, esse que em razão da sua velhice, 
merece por parte daqueles que se dispõe a protegê-lo principalmente respeito. 
Sobre como deveria ser o tratamento para com o velho na sua velhice, Bosi 
busca em Beauvoir (1990, p. 80): 
 
Durante a velhice deveríamos estar ainda engajados em causas que nos 
transcendem, que não envelhecem, e que dão significados a nossos gestos 
cotidianos. Talvez seja esse um remédio contra os danos do tempo. Mas, 
pondera Simone de Beauvoir, se o trabalhador aposentado se desespera 
com a falta de sentido da vida presente, é porque em todo o tempo o 
sentido de sua vida lhe foi roubado. Esgotada sua força de trabalho, sente-
se um pária, e é comum que o escutemos agradecendo sua aposentadoria 
como um favor ou esmola. 
 
O sujeito velho de hoje, parece não contentar-se mais com o papel que lhe 
reservaram na sociedade e, aos pouco busca novamente ocupar um lugar que já foi 
seu, mesmo que para isso tenha que recorrer à lei. O Estatuto do Idoso se oferece 
como amparo ao velho, garantia que seus direitos serão assegurados. Mas, em 
contrapartida, isso nos leva a pensar que se precisamos de leis que venham a 
assegurar os direitos dos sujeitos velhos, é porque historicamente nossa sociedade 
os excluiu calando a sua voz e o seu fazer. Precisa-se, então recuperar esse tempo, 
permitindo que o velho ocupe o lugar que lhe é de direito de vir a ser outra vez o 
protagonista de sua história. 
 
30 
 
 
 
 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
 
Nesse exercício de pensar sobre a velhice e, o que significa ser velho em 
nossa sociedade atual algumas questões se fizeram entendidas ao mesmo tempo 
em que outras se abriram. Entendendo que há ainda um longo caminho a ser 
percorrido nesse do se fazer velho. 
O modo de produção capitalista se utiliza do vigor da juventude para obter a 
mais valia e, quando o sujeito não dá mais conta de ser fonte de lucro é 
sumariamente dispensado pelo sistema que até então serviu. Mas já não serve mais, 
ele, o sistema, lhe diz. Se as tribos antigas abandonavam o velho a própria sorte 
para morrer, era porque a lei da natureza e a tradição fundavam as regras. O ritual 
era uma necessidadepara a sobrevivência dos demais, ainda que fosse uma 
crueldade. O rito de despedida e morte do ancião era revestido de representação 
simbólica, havia ali um sentido de finitude de um, no caso o velho, e de continuidade 
de seu legado no outro, o jovem, que viria ocupar o lugar que fora deixado pelo 
velho. Alguém iria continuar por ele. 
Hoje não é mais a tradição, muito menos a necessidade que fundam as 
relações entre as gerações. Essas, as relações são guiadas pelo mercado, pelo 
lucro e, porque não dizer pela ganância desenfreada que não vê limites para 
alcançar os objetivos a que se propõe, que é o de justamente lucrar mais e mais. 
Não temos tempo, é o discurso que mais se houve. Tudo fica então muito fugaz. O 
homem moderno é aquele que não tem tempo para se debruçar sobre o passado 
para recolher seus ensinamentos, prefere sempre olhar para frente em busca de 
novidades, essas, por sua vez, são tão efêmeras que sempre lhe fogem, deixando a 
ele uma sensação de esvaziamento, um não sentido, assim como é a sua vida. 
 
31 
Uma sociedade que não respeita seus velhos é uma sociedade sem 
memória e, portanto sem história. Se não aprende com aqueles que já vivenciaram 
os fatos, tende a repetir os erros. Simplesmente vive, mas não registra nada como 
experiência. Essa é subjetiva e necessita de elaboração para que fique registrada no 
inconsciente. 
A modernização parece que não apresentou novidades em relação ao 
entendimento da velhice. Tudo o que se apresenta para essa fase da vida de um 
sujeito remete a superficialidade, ao engano da velhice e, são voltadas ao puro do 
corpo. Um corpo que a modernidade entende como corpo real, que não passa pelo 
registro da simbolização. 
Por essa via da negação da velhice, proliferam em nosso meio os serviços 
que prometem que se envelheça sem que no corpo apareçam os sinais típicos 
dessa fase. Diante do horror ao corpo envelhecido, chegamos ao absurdo de 
mesmo ainda na juventude, tentar frear a passagem do tempo com o uso totalmente 
desnecessário de cirurgias plásticas que descaracterizam o corpo. 
Se para nos tornarmos sujeitos modernos superamos muitos tabus e 
suplantamos a barbárie, em relação a velhice, podemos pensar que ela continua 
sendo um grande enigma. Sobre ela poucos se atrevem a falar e, muito menos a se 
deixar levar pela beleza e doçura que pode representar essa fase da vida. 
Paralisados diante dos apelos do social, que exige dos velhos um lugar que estes 
não podem ocupar, deixamos de reconhecer a importância da passagem do tempo 
como algo constitutivo que entrelaça o sujeito à sua história. História que só poderá 
ser entendida pela sucessão dos acontecimentos, que envolvem o tempo, o espaço 
e o homem, provocando mudanças que permitem a sociedade avançar. 
Essa sociedade que hoje se apresenta necessita muito ainda avançar em 
relação aos seus velhos. Talvez estamos dando os primeiros passos. Lentos, mas 
mesmo assim representam um movimento na direção de uma nova forma de olhar a 
velhice. Fase natural de vida, desde que forçosamente não seja desnaturalizada. 
 
32 
 
 
 
 
 
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