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MAURÍCIO SOUZA SAMPAIO MESTRADO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA 
FACULDADE DE DIREITO 
MESTRADO EM DIREITO 
 
 
 
 
 
 
 
 
MAURÍCIO SOUZA SAMPAIO 
 
 
 
 
 
 
 
 
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E INSTITUTOS DE 
PARTICIPAÇÃO DIRETA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Salvador 
2005
 
 
MAURÍCIO SOUZA SAMPAIO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E INSTITUTOS DE 
PARTICIPAÇÃO DIRETA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em 
Direito Público da Universidade Federal da Bahia – 
UFBA, como requisito parcial para obtenção do grau 
de Mestre, sob a orientação do Professor Doutor 
Saulo José Casali Bahia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Salvador 
2005 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
___________________________________________________________________ 
 
S192 r Sampaio, Maurício Souza 
Representação política e institutos de participação direta / Maurício 
Souza Sampaio. – Salvador, 2005. 
200 f. 
 
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade 
de Direito, 2005. 
 
Orientador: Professor Doutor Saulo José Casali Bahia 
 
1. Representação Política. 2. Política. 3. Democracia. 4. Estado. 5. 
Referendo. 6. Forma de Governo. 7. Regime Político. I. Bahia, Saulo José 
Casali (Orientador). II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de 
Direito. III.Título. 
 
 CDD - 320 
___________________________________________________________________ 
 
 
 
TERMO DE APROVAÇÃO 
 
 
 
 
 
MAURÍCIO SOUZA SAMPAIO 
 
 
 
 
 
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E INSTITUTOS DE PARTICIPAÇÃO DIRETA 
 
 
 
Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em 
Direito, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora: 
 
 
 
 
 
 
Nome: Saulo José Casali Bahia 
Titulação: Doutor em Direito pela PUC/SP 
 
Nome: 
Titulação: 
 
Nome: 
Titulação: 
 
 
 
Conceito: 
 
 
 
 
 
 
 Salvador, 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A 
Claudia, minha esposa, pela paciência e incentivo. 
Dida, minha mãe, por ter me oportunizado estudar e aprender. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Só existem dois dias em que nada pode 
ser feito: um se chama ontem, o outro 
amanhã. 
 
Dalai Lama 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
 
Essa dissertação tem como proposta uma análise da Democracia Semidireta no 
Brasil pautada numa suposta crise, causada pelos problemas atuais da 
representação política e pelos limites dos instrumentos de participação direta. Para 
iniciar, faz-se necessário fazer uma abordagem do que é estado e seus elementos 
estruturais: formas de governo; povo, participação e cidadania; regimes políticos, 
aludindo-se com especificidade à Democracia Semidireta, que é o caso brasileiro, 
suas características, conceitos, histórico, institutos etc. Diante disso, caberá uma 
análise mais específica e profunda da representação política e suas características, 
voltando-se principalmente à demonstração da grave crise por que passa essa parte 
da Democracia Semidireta, além de abordagens acerca dos mecanismos propostos 
pela legislação à participação popular, especificamente, nas atividades legislativas: o 
plebiscito, o referendo e a iniciativa popular e suas limitações, tanto as formais 
quanto as materiais, impostas pela legislação à participação direta da população, o 
que gera, desta forma, a contestação do Brasil como verdadeira Democracia, em 
virtude da falta de uso efetivo, como deveria ser, dos institutos acima mencionados e 
do desvirtuamento da representação política. 
O objetivo do texto é, portanto, tentar demonstrar que, em razão da excessiva gama 
de limitações aos mecanismos de participação direta da população e de toda 
problemática da representatividade, a definição do Regime Político da Constituição 
Federal brasileira, de 1988, como Democracia Semidireta, ou mesmo como uma 
Democracia, torna-se discutível e contestável. 
 
 
Palavras-Chave: Estado; Formas de Governo; Regime Político; Democracia; 
Participação; Cidadania; Representação Política; Plebiscito; Referendo; Iniciativa 
Popular; Crise Democrática. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The purpose of this thesis is to analyze the phenomenon of semi-direct democracy in 
Brazil based on the pressupposition that a political crisis has been created by the 
existing problems in the actual system of political representation as well as by the 
limitations caused by the actual instruments of direct democratic participation. The 
thesis begins with a definition what is the state and the elements of its government: 
governmental forms; people, participation and citizenship; political regimes, all 
contextualized in specific reference to semi-direct democracy, with these 
characteristics utilized principally to demonstrate the serious crisis through which 
semi-direct democracy passes in Brazil. Also included are descriptions of the 
mechanisms proposed by current legislation to increase popular participation, 
specifically in legislative activities: the plebiscite, the referendum as well as other 
popular initiatives and their limitations, formal as well as material, with the direct 
participation of the population a goal imposed by current legislation. This generates 
the question of whether Brazil is truly a democracy, in virtue of its lack of effective 
use of these institutions and consequent depreciation of true political representation. 
The objective of the discussion is, as a result, to demonstrate that, in view of the 
excessive range of limitations on the mechanisms for direct participation as well the 
range of problems associated with concept representation in Brazil, the definition of 
political regime of the Brazilian Federal Constitution of 1988 as semi-direct 
democracy, or even as pure Democracy, becames questionable. 
 
 
Keywords: State; Governmental Forms; Political Regime; Democracy; Participation; 
Citizenship; Political Representation; Plebiscite; Referendum; Popular Initiative; 
Democratic Crisis. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
1 INTRODUÇÃO 09 
 
2 O ESTADO E SUAS FORMAS DE GOVERNO 12 
2.1 O ESTADO 12 
2.2 AS FORMAS DE GOVERNO 17 
 
3 O POVO 34 
3.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS 34 
3.2 ASPECTOS RELEVANTES À DEMOCRACIA 40 
 
4 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA 51 
4.1 OS ASPECTOS TEÓRICOS DA PARTICIPAÇÃO 51 
4.2 A CIDADANIA 57 
4.2.1 Contextualização Histórica 57 
4.2.2 Contextualização Teórica 60 
 
5 ESPÉCIES DE REGIMES POLÍTICOS 63 
5.1 REGIMES NÃO DEMOCRÁTICOS 65 
5.2 A DEMOCRACIA 70 
5.2.1 O Princípio Democrático 70 
5.2.2 O Princípio do Discurso e o Princípio Democrático 80 
5.2.3 Origem e desenvolvimento 84 
5.2.4 Conceito e aspectos gerais 88 
5.2.5 Espécies de democracia 92 
 
6 INSTITUTOS DA DEMOCRACIA SEMIDIRETA 112 
6.1 A REPRESENTAÇÃO 112 
6.2 A PARTICIPAÇÃO POPULAR DIRETA 114 
6.2.1 O Plebiscito 119 
6.2.2 O Referendo 121 
6.2.3 A Iniciativa Popular 124 
 
 
 
7 DEMOCRACIA FORMAL E DEMOCRACIA SUBSTANCIAL 137 
 
8 A CRISE DA DEMOCRACIA 142 
8.1 A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E SUA CRISE 143 
8.1.1 A Regra da Maioria 1528.1.2 Os Partidos Políticos e os Grupos de Pressão 155 
8.2 LIMITAÇÕES AOS INSTITUTOS DA DEMOCRACIA DIRETA 162 
8.2.1 Limitações à Iniciativa Popular 162 
8.2.2 Limitações ao Plebiscito e ao Referendo 181 
8.2.3 Comissão Permanente de Legislação Participativa 186 
 
9 CONCLUSÃO 190 
 
REFERÊNCIAS 196 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Quando se faz uma análise reflexiva sobre a democracia dos tempos 
atuais no Estado brasileiro, principalmente aquela alcançada depois do período de 
dominação militar que culminou em um novo texto constitucional, a referência mais 
forte que se tem dela é a estabelecida na própria Constituição Federal de 1988, 
quando em seu art. 1º expõe que o Brasil é um “Estado Democrático de Direito” 
(grifo nosso). Junto a isso, o parágrafo único desse mesmo artigo coloca que “todo o 
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou 
diretamente, nos termos desta Constituição” (grifo nosso). Nota-se, portanto, que o 
regime político estabelecido por esta Constituição está vinculado à idéia de uma 
democracia denominada de semidireta, ou seja, uma combinação de formas de 
democracia direta com a democracia representativa. 
Ainda de acordo com o texto constitucional, o inciso II do mesmo art. 1º 
expõe que um dos fundamentos desse Estado Democrático de Direito é a cidadania 
que, baseada em seu sentido estrito, é um vínculo político, próprio do nacional no 
exercício de seus direitos políticos, que lhe confere o direito de participar da 
formação da vontade política do Estado. 
Assim, os atributos da cidadania vinculados ao regime político adotado 
pelo Brasil conferem ao indivíduo a possibilidade de participar da vida política do 
Estado, seja através da representatividade política, seja pela utilização dos 
mecanismos de participação direta na atividade de produção de leis e de políticas 
governamentais, que se dão mediante a utilização da iniciativa popular, do plebiscito 
e do referendo. 
11 
 
 
Acontece que o desvirtuamento do real propósito da representação 
política, causado por inúmeras práticas moralmente e juridicamente irregulares, junto 
à falta de utilização efetiva e satisfatória dos instrumentos de participação direta 
terminam gerando dúvidas acerca da inclusão do Estado brasileiro como uma 
verdadeira democracia. 
A representação política está desacreditada e a prova disso é o momento 
de degradação por que vem passando o Congresso Nacional. Além disso, no 
decorrer da história até os dias atuais, na vigência da Constituição de 1988, não 
houve no Brasil o uso regular dos institutos do plebiscito, do referendo e da iniciativa 
popular de leis, como mecanismos de participação direta. 
Surgem, assim, alguns questionamentos: o que vem acontecendo 
atualmente com a política brasileira permite afirmar que no Brasil há uma verdadeira 
Democracia Representativa? Existe hoje, com base na Constituição Cidadã de 1988 
e nas normas infraconstitucionais, o efetivo uso dos mecanismos de participação 
direta acima citados? A insuficiência desses mecanismos ou mesmo a falta de 
utilização pela população, em razão das excessivas limitações impostas pela 
legislação, e ainda a inexistência de uma representatividade política pautada na 
vontade da maioria, não estariam decretando a ruína do caráter de Democracia 
Semidireta da Constituição de 1988? 
Todas essas questões surgidas serão devidamente analisadas e 
respondidas no decorrer do texto que se segue, o qual, para que se possa chegar à 
conclusão ora suscitada, contará uma exposição de temas importantes, tais como: a 
compreensão do que é estado e suas formas de governo; o entendimento do que 
seja povo, participação e cidadania; abordagem profunda dos regimes políticos 
existentes, principalmente da democracia, com seus principais aspectos, 
12 
 
 
características, conceitos e espécies; análise teórica e de dados para a 
comprovação do ponto principal do texto: o Brasil, na prática, não é uma 
Democracia, apenas o é na teoria. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
 
 
2 O ESTADO E SUAS FORMAS DE GOVERNO 
 
2.1 O ESTADO 
 
Sempre houve muita dificuldade em se achar uma definição satisfatória de 
“Estado”. Autores como Hans Kelsen e Hegel fazem parte dos inseridos nessa 
controvérsia. Para o último, seria mais fácil conhecer a natureza e seus mistérios do 
que a sociedade humana e seus problemas, já Kelsen propunha uma conversão da 
expressão “Estado” a um juízo de valor, vez que as acepções dessa palavra não 
permitem uma precisão conceitual. 
Em relação à época do aparecimento do Estado, existem algumas teorias 
que tentam explicá-lo: a primeira consiste em afirmar que o Estado, assim como a 
própria sociedade, sempre existiu, pois desde que o homem vive sobre a Terra 
acha-se integrado numa organização social, dotada de poder e autoridade para 
determinar o comportamento de todo o grupo; a segunda posição admite que a 
sociedade humana existiu sem o Estado durante um certo período, e que depois, por 
diversos motivos, o Estado foi constituído para atender às necessidades ou às 
conveniências dos grupos sociais; a terceira é aquela que só admite como Estado a 
sociedade política dotada de certas características muito bem definidas, como por 
exemplo, o aparecimento da idéia e da prática da soberania, a pluralidade de 
autonomias que aparecem no mundo medieval, etc. 
O certo é que essa ordem política da sociedade, chamada de Estado, já é 
conhecida desde muito tempo, embora nem sempre possuindo essa mesma 
denominação. 
14 
 
 
Houve época em que o Estado era formado por um conjunto confuso, sem 
diferenciação aparente, entre a família, a religião, o Estado e a organização 
econômica. Isso se deu nas localidades do Oriente ou do Mediterrâneo. Há duas 
características marcantes nesse período: a natureza unitária, pois esse Estado 
sempre aparece como uma unidade geral, não admitindo qualquer divisão interior, 
nem territorial, nem de funções, mas, talvez, esse tenha sido um expediente que 
efetivamente não tenha ocorrido; e, a religiosidade, afirmando-se a autoridade dos 
governantes e as normas de comportamento individual e coletivo, como expressão 
da vontade de um poder divino. Aqui há uma estreita relação entre o Estado e a 
divindade. 
O Estado Grego, embora não se tenha notícia da existência de um Estado 
único que englobe toda a civilização, já que era dividido em vários reinos, como o da 
Macedônia, por exemplo, tem algumas características fundamentais, principalmente 
entre os dois principais Estados, Atenas e Esparta, sendo a principal delas a 
“cidade-estado”, ou seja, a polis, como a sociedade política de maior expressão, 
tendo a auto-suficiência como o ideal buscado. 
Quando um Estado Grego era tido como democrático, parte restrita da 
população chamada de cidadãos é que participava das decisões políticas, o que 
influía também na manutenção das características de cidade-estado. 
O Estado Romano é marcado pelo fato de ter alcançado grande expansão 
territorial, o que ocasionou dificuldades para se chegar a uma uniformização. Apesar 
disso, Roma manteve, principalmente no seu início, as características de cidade-
estado, mantendo-se organizado através de uma base familiar. Desde o Estado 
Romano primitivo, a civitas tem origem de grupos familiares (a gens). 
15 
 
 
Como no Estado Grego, no Romano, durante muito tempo, o povo 
participava diretamente do governo, mas a noção de povo era muito restrita, 
compreendendo apenas uma pequenafaixa da população. Mais tarde, depois de 
lenta e longa evolução, outras camadas sociais foram adquirindo direitos, 
aparecendo, então, uma nobreza tradicional. Com isso, já despontava a idéia de 
Império. A idéia de Estado em Roma era representada, agora, mediante o uso das 
expressões imperium e regnum, que indicavam uma organização de domínio e 
poder. 
Eis aí a que se reduzia, pois, o Estado Antigo: numa extremidade, a 
força bruta das tiranias imperiais típicas do Oriente; noutra, a 
onipotência consuetudinária do Direito ao fazer suprema, em certa 
maneira, a vontade do corpo social, qualitativamente cifrado na ética 
teológica da polis grega ou no zelo sagrado da coisa pública, a res 
publica da civitas romana (BONAVIDES, 2003a, p. 20). 
 
Com a queda do Império Romano, o modelo de governo da Antigüidade 
Clássica teve seu fim decretado. Surge, então, a espécie de governo mais conhecida 
por todos, denominada agora de “Estado”. O sentido aqui atribuído é o de uma 
instituição possuidora de coerção e geradora da unidade de um sistema normativo 
com plena eficácia. 
Esse é o Estado na Idade Média ou Estado Medieval, tendo laender como 
o termo que traduz essa idéia, significando “países” e se restringindo a uma órbita 
estritamente territorial. Os principais elementos que se fizeram presentes na 
sociedade política medieval para a caracterização desse Estado foram o 
cristianismo, como a base de aspirações à universalidade; as invasões bárbaras, 
como agente da queda do império romano e de grandes transformações sociais e 
culturais; e o feudalismo, como modelo de mudança econômica. 
Nicolau Maquiavel, florentino nascido em 03 de maio de 1469, é que vem 
empregar, modernamente, a expressão “Estado” dentro de sua obra “O Príncipe”, 
16 
 
 
escrita em 1513. Aqui se fala em um Estado que começa a sair da Idade Média, 
chamado por alguns de Estado Moderno. Esse Estado Moderno possui uma 
imprecisão temporal muito clara, vez que é impossível se precisar quando ele 
realmente teve seu início. 
Durante os séculos XVI e XVII a expressão foi sendo admitida em escritos 
franceses, ingleses e alemães. 
Diante dos diferentes pontos de vista para afirmar o verdadeiro momento 
do aparecimento do “Estado” e das divergências para se chegar a uma conceituação 
objetiva, como mencionado no primeiro parágrafo, alguns estudiosos o caracterizam 
seguindo diferentes acepções. 
A primeira, em referência, é a concepção filosófica, o “Estado ético-
cultural1” trazido por Hegel (1952, apud BONAVIDES, 2000, p. 62-63), que sintetiza 
o Estado como valor social mais alto, conciliando a contradição Família e Sociedade, 
sendo uma instituição que está somente abaixo do absoluto, como a arte, a religião 
e a filosofia. 
 
De fato, o Estado é um todo orgânico, no qual todas as articulações 
são necessárias, como num organismo. Ele é um todo orgânico de 
natureza ética. O que é livre não tem indivíduos: concede-lhes 
momentos de construção, e, não obstante, o universal conserva a 
força que mantém essas determinações unidas a si (HEGEL, 1952, 
apud BOBBIO, 1997, p. 149). 
A jurídica, segunda acepção a que se faz referência, é expressa através 
da idéia de Immanuel Kant (1954, apud BONAVIDES, 2003a, p. 85), segundo a qual 
o Estado é uma abstração, é isento de elementos históricos e independente do 
arbítrio humano. O Estado para Kant é um fato absoluto e não apenas um fenômeno 
 
1 “A realidade da idéia ética, da vontade substancial, em que a consciência mesma do indivíduo se 
eleva à comunidade e, portanto, ao racional em si e para si”. É assim que se constitui o Estado para a 
filosofia hegeliana (HEGEL, 1952, apud BONAVIDES, 2003a, p. 92). 
17 
 
 
histórico ou uma realidade concreta no tempo, ou seja, ele separa o problema 
estatal de toda uma causalidade temporal. 
 A terceira e última acepção se remonta a uma idéia sociológica. Aqui, 
uma parte considerável dos pensadores liga o Estado ao aspecto coercitivo, 
assinalando que essa instituição é toda sociedade humana onde há diferença entre 
governantes e governados, fortes e fracos, ocorrendo, assim, uma dominação dos 
primeiros, como titulares do poder coercitivo, sobre os outros (BONAVIDES, 2000, p. 
64). 
Percebe-se que encontrar um conceito para “Estado” que satisfaça a 
todas as correntes é absolutamente impossível, dada à complexidade desse ente 
que pode ser abordado sob diversos pontos de vista. 
Uma conceituação bastante clara e talvez até concludente é a trazida por 
De Plácido e Silva, baseada na etimologia da palavra. Neste sentido a expressão 
“Estado” deriva do latim status (estado, posição, ordem, condição) e possui, 
distintamente, sentidos próprios no Direito Público e no Direito Privado. 
O sentido que mais interessa é o primeiro, que significa: 
o agrupamento de indivíduos, estabelecidos ou fixados em um 
território2 determinado e submetidos à autoridade de um poder 
público soberano3 que lhe dá autoridade orgânica. É a expressão 
 
2Território “é o limite espacial dentro do qual o Estado exerce de modo efetivo e exclusivo o poder de 
império sobre pessoas e bens”. Esse é o conceito de Alexander Groppali trazido por José Afonso da 
Silva (2002, p.98). 
Segundo Dalmo de Abreu Dallari (1991, p. 76), “o território estabelece a delimitação da ação 
soberana do Estado”. 
3 A palavra soberania tem dois sentidos, segundo Dalmo Dallari (ibid., p. 68), o primeiro é o político, 
que conceitua soberania como “o poder incontrastável de querer coercitivamente e de fixar as 
competências”; o segundo, o jurídico, conceituando soberania como “o poder de decidir em última 
instância sobre a atributividade das normas, vale dizer, sobre a eficácia do direito”. 
No entanto, Miguel Reale (1960, p. 127) conceitua soberania como “o poder de organizar-se 
juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites 
dos fins éticos de convivência”, não separando, portanto, os aspectos sociais, jurídicos e políticos. 
Jean Bodin (apud BOBBIO, 1997, p. 96), conhecido como o teórico da soberania dentro da história do 
pensamento político, expõe que “por soberania se entende o poder absoluto e perpétuo que é próprio 
do Estado”. 
18 
 
 
jurídica mais perfeita da sociedade4, mostrando-se também a 
organização política de uma nação5, ou um povo6 (DE PLÁCIDO E 
SILVA, 1967, p. 627). 
 
Mas, se o enfoque principal no conceito de Estado for o componente 
jurídico, Dalmo Dallari (1991, p. 101) o conceitua como "a ordem jurídica soberana 
que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. 
 
2.2 AS FORMAS DE GOVERNO 
 
A importância de se chegar a um conceito definitivo e conclusivo de 
Estado não é o objetivo central desta primeira parte da exposição, apesar de existir a 
necessidade de um breve e prévio entendimento sobre o que seja Estado, para se 
compreender o restante. 
O que verdadeiramente se mostra de grande valia para a compreensão 
pretendida é a definição das formas de governo que a partir de agora passará a ser 
estudada. 
A caracterização das formas de governo é fornecida pela organização das 
instituições onde atuam o poder soberano do Estado e suas relações. Há grande 
divergência entre os autores no que diz respeito à expressão “Forma de Governo”, 
embora a maior parte deles entenda que esta expressão é sinônima de “Regime 
Político”. Duverger (1962, p. 9-10), inclusive, dá preferência à segunda, fazendo uma 
distinção entre regime político em sentido amplo, que indica a forma que, em um 
 
4 Sociedade “é ummeio em que os indivíduos fatalmente vivem. E pode ter sentido equivalente a 
nação ou a estado, desde que se encontra em qualquer espécie de agrupamento ou associação, seja 
juridicamente ou politicamente organizada” (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 628). 
5 Nação “indica agrupamento, quando se mostra unido por uma afinidade de tradição, idioma, 
costumes e religião, fundado na consciência de uma nacionalidade; mas, nem sempre se exibe na 
organização política, geradora do Estado, pois pode este ser constituído por mais de uma nação” 
(ibid., p.628). 
19 
 
 
determinado grupo social, assume a distinção entre governantes e governados, e 
regime político em sentido estrito, aplicável somente à estrutura governamental 
chamada de Estado. Há autores, no entanto, que fazem uma distinção diferente, 
permitindo a identificação de espécies distintas como regime político, forma de 
Estado e sistema de governo. A primeira referente à estrutura global da realidade 
política; a segunda afetando a estrutura da organização política; e a terceira 
tipificando as relações entre as instituições políticas. Porém, a expressão “forma de 
governo” é mais precisa quando quer se referir à estrutura e às relações dos órgãos 
de governo (DALLARI, 1991, p. 188). 
Todavia, há também outra grande confusão em torno das expressões 
“Forma de Governo” e “Forma de Estado”. Os alemães se referem, baseando-se nas 
classificações mais tradicionais, à monarquia, à aristocracia e à democracia, como 
“Formas de Estado” (Staatsformen), diferentemente dos franceses que se utilizam da 
expressão “Forma de Governo” para se referir aos mesmos institutos. 
Segundo Paulo Bonavides (2000, p. 192), a nomenclatura francesa é a 
mais adequada, e nessa linha segue o autor, uma vez que “Formas de Estado” são 
a sociedade de Estados, como o Estado Federal e a Confederação, conhecidos 
como forma plural de Estado; e o estado simples ou unitário, conhecido como forma 
singular de Estado. 
No Brasil a distinção se dá como na França. As formas de Estado se 
restringem ao modo pelo qual o Estado se estrutura, classificando-se em simples ou 
unitário, sendo este o Estado que possui uma unidade de poder político interno, cujo 
exercício ocorre de maneira centralizada e onde qualquer grau de descentralização 
 
6 Povo “é um agrupamento humano ou de indivíduos, o qual nem sempre se apresenta com a 
unidade orgânica e jurídica, que é caráter do Estado” (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 628). 
20 
 
 
depende da anuência do poder central; e em plural, composto ou complexo, no qual 
há uma pluralidade de poderes políticos internos. 
Já as Formas de Governo, que se dão pelo modo de organização política 
do Estado e pelo funcionamento do poder estatal, são determinadas segundo 
critérios relacionados à sua natureza. 
O primeiro critério, o do número de titulares do poder soberano, fazendo-
se referência ao “quem”, foi proposto por Aristóteles e por outros autores que 
também adotaram posteriormente a mesma classificação com pequena variações. 
Os outros critérios, que são mais recentes, são, respectivamente, o da separação 
dos poderes e o dos princípios essenciais das práticas de governo. 
O referente à separação de poderes é apoiado na teoria de Montesquieu, 
dominando todo o período do Liberalismo. 
O último critério é o totalmente contemporâneo, sendo uma reação à 
rigidez do critério anterior, que se preocupava mais com a simples forma do que com 
o fundo das instituições (BONAVIDES, 2000, p. 193). 
Muito embora haja uma grande amplitude destes critérios, as 
classificações mais tradicionais são as que possuem maior relevância doutrinária. 
Diante desta afirmativa, tradicionalmente, as tipologias das formas de 
governo dão-se início na discussão entre três persas, Otanes, Megabises e Dario, 
proposta por Heródoto, na sua obra “História”. 
A importância dessa passagem se dá pelo fato de esses personagens se 
referirem, cada um, a uma das três formas de governo clássicas, que são o governo 
de muitos, de poucos e de um só: democracia, aristocracia e monarquia, 
respectivamente. 
21 
 
 
Otanes propôs a entrega do poder ao povo persa, portanto, é partidário da 
democracia. Megabises seguiu a linha do governo oligárquico. Já Dario se 
manifestou em favor do governo de um só, a monarquia, contestando as outras 
formas já expostas. Segundo ele, numa oligarquia é fácil nascer conflitos pessoais 
entre aqueles que formam o governo. Todos querendo ser chefe, surgindo facções e 
delas os delitos e estes levam à monarquia, provando ser esta a melhor forma de 
governo. Quando governa o povo, ainda para Dario, é impossível não haver 
corrupção, não provocando inimizades, mas sólidas alianças entre os mal 
intencionados. Por isso é que, para ele, a monarquia é a melhor forma de governo 
(BOBBIO, 1997, p. 39-41). 
Platão, em sua obra “A República”, diferentemente da concepção de 
Heródoto, inclui só formas más de formas de governo, mas não com a mesma 
intensidade. Para Heródoto, as formas são realizáveis na história, já para Platão, a 
forma boa ultrapassa a história, não podendo ser realizada. 
As formas corrompidas de Platão são a timocracia, a oligarquia, a 
democracia e a tirania, faltando duas das formas tradicionais, a monarquia e a 
aristocracia. Mesmo assim, Platão aceita que haja seis formas de governo, 
reservando duas para a constituição ideal e quatro para as formas reais que se 
afastam da forma ideal. 
As quatro formas corrompidas se referem à oligarquia, que é a forma ruim 
de aristocracia; à democracia, que teria uma forma ideal, positiva, e outra negativa; e 
por fim à tirania, sendo a forma ruim de monarquia. A timocracia, palavra que se 
origina da expressão timé, que significa “honra”, é uma forma introduzida por Platão 
para designar a transição entre a forma ideal e as três formas corrompidas. 
22 
 
 
Nesta representação de Platão há apenas um movimento descendente 
para as formas de governo, ou seja, as três formas boas são postas em uma 
determinada posição (monarquia, aristocracia e democracia), e as más em uma 
posição inversa (democracia, oligarquia e tirania). Platão não explica se a partir 
desse ponto ocorre um retorno, nem de que maneira. 
O certo é que a democracia está ao mesmo tempo no fim da série “boa” e 
no começo da série “má”, ou seja, a democracia é a pior das formas boas e a melhor 
das formas más, fazendo um contínuo na concepção de Platão (BOBBIO, 1997, p. 
54). 
Portanto, as seis formas aceitáveis para Platão são a monarquia, a 
aristocracia, a democracia positiva, a democracia negativa, a oligarquia e a tirania, 
sendo que as três primeiras são as ideais, mas não as reais. 
A teoria clássica das formas de governo é aquela trazida por Aristóteles 
(2002, p. 185) em sua classificação: monarquia, aristocracia e democracia. A 
monarquia, conhecida como o governo de um só, está relacionada à unicidade da 
organização do poder político. Essa expressão vem da palavra grega monarkia que 
é a junção de mono (um) com arché (governo) e se caracteriza pela vitaliciedade, 
hereditariedade e irresponsabilidade do chefe de Estado. O monarca governa 
enquanto viver, e sua escolha é feita dentro da linha de sucessão dinástica. 
Portanto, o poder político está concentrado nas mãos de uma só pessoa, sendo 
exercido por ela, mas podendo ser delegado. 
Em oposição à monarquia surgem a aristocracia e a democracia. 
A aristocracia significa o governo de alguns, o governo dos melhores e se 
origina da palavra grega aristocratia.Segundo Paulo Bonavides (2000, p. 193), esta 
expressão está ligada à idéia de força, força entendida de modo qualitativo, ligada, 
23 
 
 
portanto, à cultura e à inteligência, força dos melhores, daqueles que dirigem o 
governo. Neste caso, o governo ou autoridade está nas mãos de uma classe, 
constituída por pessoas que se consideram formadoras de uma casta ou elite, em 
razão de sua nobreza, fortuna, bravura, talento ou por qualquer outro meio que as 
distingam do restante da sociedade. Pode ser, ainda, a aristocracia, eletiva ou 
hereditária, se os membros do governo forem escolhidos dentro de uma classe, ou 
se está concentrado dentro de uma ou várias famílias, fazendo com que somente o 
nascimento dê direito à sucessão política, excluindo-se todos que não forem 
descendentes delas. 
A democracia, última espécie classificatória de Aristóteles, opõe-se tanto à 
monarquia, por ser uma forma de governo plural, quanto à aristocracia, pois o poder 
soberano não repousa numa simples classe, mas no próprio povo. 
Toda a descrição e classificação das formas de governo de Aristóteles são 
trazidas dentro de sua obra “Política”, nos livros três e quatro. O termo utilizado por 
ele para se referir à “forma de governo” é politeia, que, na verdade, significa 
“constituição”. “A constituição mesma é governo” (ARISTÓTELES, 2002, p. 87). 
Considerando-se que as palavras constituição e governo querem 
dizer a mesma coisa, considerando-se que o governo é autoridade 
suprema nos Estados e que, necessariamente, tal autoridade 
suprema deve ficar nas mãos de um apenas, ou de diversos, ou de 
uma multidão, se sirvam da autoridade com vistas ao interesse 
coletivo, a constituição é pura e sadia, obrigatoriamente; em vez 
disso, se se governa pensando no interesse particular, quer dizer, 
no interesse de um apenas, ou de muitos, ou da multidão, a 
constituição é viciada e corrompida; [...] (ARISTÓTELES, 2002, p. 
89). 
 
Aristóteles formula brevemente a teoria das seis formas de governo de 
Platão. Para isso ele se utiliza de dois critérios simultaneamente: quem governa e 
como governa. No primeiro, as constituições podem ser distinguidas se o poder está 
numa só pessoa (monarquia), em poucas pessoas (aristocracia), e em muitas 
24 
 
 
(politia, que significa a boa democracia). No segundo critério, as constituições (forma 
de governo) podem ser boas ou más, gerando das três primeiras boas outras três 
más (a tirania, a oligarquia e a democracia). 
Como já se sabe, monarquia significa governo de um só, mas na teoria de 
Aristóteles quer dizer “governo bom de um só”, correspondendo a este um governo 
mau de um só, a tirania, porque busca somente o interesse do monarca. A oligarquia 
corresponde ao governo mau de poucos, porque vê apenas o interesse dos ricos, 
contrapondo-se ao governo bom de poucos, a aristocracia. E, por fim, ele utiliza a 
expressão “politia” para designar o bom governo de muitos, contrariamente a 
democracia, que significa o governo mau de muitos, buscando apenas o interesse 
dos pobres. Assim, as formas boas são aquelas em que os governantes visam ao 
interesse comum, e nas más visam ao interesse próprio. 
Aristóteles adota um critério numérico para distinguir a oligarquia da 
democracia: a diferença entre ricos e pobres. 
[...]: a real diferença entre democracia e oligarquia reside na pobreza 
e na riqueza; é necessário que todas as vezes que a riqueza chega 
ao poder, com a maioria ou sem ela, haja oligarquia, a democracia, 
quando os pobres chegam ao poder. Acontece, entretanto, como 
dissemos, que em geral os ricos formam minoria e os pobres 
maioria; a opulência pertence a uns, porém a liberdade é de todos. 
Essa é a razão das diferenças eternas entre uns e outros, quanto ao 
governo (ARISTÓTELES, 2002, p. 91). 
 
Bobbio (1997, p. 57) acha estranha a utilização da terminologia politia 
usada por Aristóteles, uma vez que está derivada de outra expressão, politeia, que 
significa “constituição”, sendo, portanto, um termo muito genérico e pouco 
específico. 
A melhor forma desta última classificação de Aristóteles seria a utilização 
da expressão “democracia” tanto para a forma boa como a má de governo de 
muitos, como fez Platão. 
25 
 
 
Para Aristóteles, portanto, numa escala hierárquica, as formas de governo 
se colocam da seguinte maneira: monarquia, aristocracia, politia, democracia, 
oligarquia e tirania, sendo que a pior forma, a tirania, é a degeneração da melhor, a 
monarquia e assim sucessivamente. 
Expõe ainda ele que o regime mais propício para assegurar a paz social 
seria a fusão da oligarquia com a democracia e isso seria chamado de “política”, ou 
seja, a fusão constituiria um regime em que a união dos ricos e dos pobres 
remediaria as causas dos conflitos sociais (ARISTÓTELES, 2002, p. 91 e ss). E 
conclui: 
Afirmamos que existem três bons governos; o melhor é 
necessariamente o administrado pelos melhores chefes. Assim é o 
Estado onde se acha um indivíduo apenas sobre toda a massa dos 
cidadãos, ou uma família toda, ou até um povo inteiro que possua 
uma virtude excelsa, uns sabendo obedecer, outros ordenar, 
visando à maior soma de ventura possível. Deixamos demonstrados 
também que, no governo perfeito, a virtude do homem de bem é 
necessariamente aquela do bom cidadão. É, portanto, notório 
também que com os mesmos meios e as mesmas virtudes que 
formam o homem de bem, formar-se-á, do mesmo modo, um Estado 
aristocrático ou monárquico. Desse modo, a educação e os 
costumes que constituem os cidadãos serão pouco mais ou menos 
iguais aos que constituem o rei e o cidadão (ARISTÓTELES, 2002, 
p. 114-115). 
 
A terceira grande obra em importância para a teoria das formas de 
governo na Antigüidade clássica, além dos textos de Platão e Aristóteles, foi 
“História” de Políbio. 
Para ele existem seis formas de governo, três boas e três más, 
representando o uso sistemático das formas de governo. Essas seis formas se 
sucedem uma às outras em um determinado ritmo, se alternando no tempo, 
constituindo, assim, um ciclo, e isso seria o uso historiográfico das formas. Todavia, 
existe, também, uma sétima forma, além das outras seis tradicionais, o governo 
misto. Forma esta que seria a melhor de todas por ser a síntese das três boas, e 
26 
 
 
aqui estaríamos diante do uso axiológico das formas de governo (BOBBIO, 1997, p. 
65-66). 
Como já mencionado, em relação à terminologia, Políbio chama de 
democracia a terceira forma de governo, ou seja, emprega o termo “democracia” 
com conotação positiva, diferentemente de Aristóteles que a chama de politia e de 
Platão, que consagra uma denominação má e uma boa para ela. 
Assim, Políbio classifica as seis formas boas de governo como monarquia, 
aristocracia e democracia, e as três más, derivadas das primeiras, como tirania, 
oligarquia e “oclocracia”. 
Esta nova expressão, “oclocracia”, introduzida por Políbio como a forma 
corrompida de democracia, vem de oclos, que significa multidão, massa, plebe, e 
corresponde ao governo de massa ou das massas (BOBBIO, 1997, p. 66-67). 
Há uma divergência entre Platão e Políbio no que tange à teoria dos 
ciclos. O ciclo polibiano possui uma linha decrescente fragmentada pela ocorrência 
de uma alternância de momentos bons e maus no tempo, mas sempre com 
tendência negativa, diferentemente do ciclo platônico que possui uma linha 
decrescente contínua. Além do fato de que a forma final de Platão é a tirania, e a de 
Políbio é a oclocracia, em virtude da alternância. 
Mas a principal contribuição de Políbio dentro da teoria das formas de 
governo é a idéia de um governo misto. Para ele todas as formas simples são más 
porque são simples, sendo assim, o governomisto é aquele que combina as três 
formas clássicas de governo, consistindo no fato de que o rei está sujeito ao controle 
do povo, que este participa do governo, que é controlado pelo senado. 
27 
 
 
Observa-se, então, que a teoria do governo misto de Políbio está atrelada 
ao mecanismo de controle entre os poderes. No entanto, não se pode confundi-la 
com a teoria moderna da separação dos poderes de Montesquieu. 
O que difere, na verdade, o governo misto do governo simples não é o fato 
de o primeiro ser estável, e o segundo não, vez que ambos buscam uma 
estabilidade, mas o fato de o primeiro possuir uma estabilidade mais duradoura, ou 
seja, o ritmo das mudanças é que difere os dois tipos de governo. 
Segundo Bobbio (1997, p. 77), “no curso da filosofia política medieval 
nada há de genuinamente fundamental para o desenvolvimento das teorias das 
formas de governo”. Assim, ultrapassa-se essa fase histórica, a Idade Média, e 
começa-se outra abordagem, a de Maquiavel, importante pensador político do início 
do século XVI, que traz nova classificação das formas de governo, separando-as de 
maneira dualista em monarquia (principado) e república. 
Todos os Estados que existem e já existiram são e foram repúblicas 
ou principados. Os principados ou são hereditários, quando por 
muitos anos os governantes pertencem à mesma linhagem, ou 
foram fundados recentemente (MAQUIAVEL, 2003, p. 29). 
 
Neste trecho, logo se observa que o autor substituiu a classificação de 
Aristóteles e de Políbio (tripartite) por uma bibartite. O principado (monarquia) 
corresponde ao reino, já a república se refere tanto à aristocracia quanto à 
democracia. Portanto, os Estados são governados ou por uma só pessoa ou por 
muitas. Uma diferença essencialmente quantitativa, mas não somente. 
A monarquia é o poder singular e a república é o poder plural que, como 
visto acima, engloba a aristocracia e a democracia. 
República, etimologicamente, é uma palavra de origem latina, oriunda da 
expressão res publica, que significa coisa pública, comum ou bem comum, isto é, o 
que é de todos ou pertencente a todos. 
28 
 
 
A república aristocrática “é aquela em que o governo somente pode ser 
exercido pelas pessoas consideradas como as mais notáveis ou que, por alguma 
circunstância, tenham se sobressaído às demais” (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 
1354). 
Já a república democrática 
é aquela em que se adota a forma de governo, em que o poder 
soberano ou soberania do Estado reside na vontade do povo ou da 
totalidade do povo, que o habita, sem exclusões ou privilégios, 
devendo o mesmo governo ser exercido em seu nome e por sua 
delegação, por meio de representantes e responsáveis, diretamente 
ou indiretamente designados pelo povo, conforme sistema eleitoral 
admitido ou instituído (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 1354) 
 
A modificação substancial entre principado e república é a natureza da 
vontade envolvida, se é de um ou de muitos. Da república aristocrática para a 
república democrática o que se modifica é o modo de formação da vontade, que 
nesse caso já é coletiva, ou seja, se a vontade é de poucos ou de muitos. 
Vale ressaltar ainda que na classificação de Maquiavel, além do 
desaparecimento da tripartição, falta também a duplicação das formas de governo 
em boas e más, como nos outros autores mencionados. Para ele, as três formas de 
governo boas podem também se corromper facilmente. 
Maquiavel expõe, ainda, uma idéia acerca do ciclo das formas de governo. 
Mas, segundo Bobbio (1997, p. 90), sua idéia se contrapõe a de Políbio, uma vez 
que Maquiavel, por ser um escritor realista, afirma que os ciclos não podem se 
repetir até o infinito, como quis Políbio, já que isso não possui sustentação na 
realidade histórica. Conclui Maquiavel, então, que um Estado, chegando ao ponto 
mais baixo de sua decadência, não tem força para retornar ao ponto de partida, 
sendo presa fácil de outro Estado mais forte. Inicia-se, assim, nova forma de 
governo não dentro da estrutura do próprio Estado, mas dentro do domínio de outro. 
29 
 
 
Outro autor que contribuiu para a teoria das formas de governo é o francês 
Jean Bodin, em sua obra “De La Republique” (1576), a qual é considerada a obra de 
teoria política mais ampla e sistemática desde Aristóteles (apud BOBBIO, 1997, p. 
95). 
Bodin estrutura sua teoria com base na idéia de soberania, ou seja, o 
início de seus estudos sobre as formas de governo se dá dentro de uma análise 
prévia da definição de soberania, principalmente dentro de dois de seus principais 
pontos: o caráter absoluto e a indivisibilidade. 
Classifica as formas de governo em três: monarquia, aristocracia e 
democracia, além de contestar as teses da duplicação das formas em boas e más e 
a do governo misto. 
Primeiro, Bodin afirma que as formas de governo são somente três porque 
não há distinção entre formas boas e más, baseando-se no argumento de que, se 
tivéssemos que distinguir as formas com base nos defeitos ou nas qualidades que 
apresentam, o número de categorias seria infinito. 
Segundo, expõe que não existe também uma sétima forma como o 
governo misto, pois, se houvesse a junção dos poderes real, aristocrático e popular, 
o único resultado seria a democracia, portanto, uma forma simples e não mista. 
Bodin também faz uma distinção entre “Estado” e “governo7”. Não há para 
ele a possibilidade da coexistência de podres soberanos, um único poder predomina 
e os outros são subordinados. O predominante constitui o regime (o Estado), e os 
outros, o governo. Portanto, diante do seu pensamento, as formas de governo 
 
7 Rousseau, dois séculos depois, faz também a distinção entre Estado e governo. A diferença é que 
para ele a soberania reside somente no povo que exprime a vontade geral, chamando a forma de 
Estado de “república” e esta pode ser governada de três formas diferentes pelo poder executivo, 
dependendo de quem possua o exercício do poder: uma só pessoa, poucas pessoas ou muitas 
pessoas. Rousseau não rejeita a tese do governo misto como Bodin, porque a entende não como 
divisão de Estado, mas de governo, ou seja, o fato de o governo ser dividido não implica numa 
divisão da soberania que se mantém única (BOBBIO, 1997, p. 100-101). 
30 
 
 
podem chegar a nove: monarquia monárquica, monarquia aristocrática, monarquia 
democrática, aristocracia monárquica, aristocracia aristocrática, aristocracia 
democrática, democracia monárquica, democracia aristocrática, democracia 
democrática, ou seja, há a possibilidade de existência de um só poder soberano 
distribuído por várias formas de governar. 
Para Bodin (apud BOBBIO, 1997, p. 102), cada uma das três formas 
(monarquia, aristocracia e democracia) pode assumir mais três formas diferentes. A 
monarquia pode ser real, despótica e tirânica, a aristocracia pode ser legítima, 
despótica e facciosa e a democracia pode ser legítima, despótica e tirânica. 
A monarquia real ou legítima é aquela em que os súditos obedecem 
às leis do rei, e o rei às leis da natureza, restando aos súditos a 
liberdade natural e a propriedade de seus bens. A monarquia 
despótica é aquela em que o príncipe se assenhoreou de fato dos 
bens e das próprias pessoas dos súditos, pelo direito das armas e 
da guerra justa, governando-os como um chefe de família governa 
seus escravos. A monarquia tirânica é aquela em que o monarca 
viola as leis da natureza, abusa dos cidadãos livres e dos escravos, 
dispondo dos bens dos súditos como se lhe pertencessem. 
 
A aristocracia e a democracia se utilizam mais ou menos dessa mesma 
forma que a monarquia. 
Hobbes, seguindo as idéias de Bodin, não aceita as tesesdas formas de 
governo boas e más e do governo misto. 
No que tange ao problema das formas boas e más, Hobbes sustenta que 
o poder soberano é absoluto, pois se não fosse absoluto não seria soberano. No 
entanto, sua posição diante da de Bodin diverge na intensidade desse caráter 
absoluto. Para o francês, o poder soberano, embora absoluto, comporta certos 
limites: as leis naturais e divinas e os direitos privados. Para o inglês, esses limites 
não existem. Ele não nega a existência das leis naturais e divinas, mas não se 
tratando como leis positivas, porque não são aplicadas com a força de um poder 
31 
 
 
comum, não sendo, portanto, obrigatórias externamente, mas no nível interno, da 
consciência. Já os direitos privados, para Bodin, não podem ser interferidos pelo 
soberano, pois não fazem parte de sua alçada, pelo fato de estarem atrelados aos 
indivíduos em suas relações econômicas, independente da sociedade política. 
Hobbes não concorda com tal posição porque, se o Estado for instituído, a esfera 
privada se junta à esfera pública. 
A outra tese de Hobbes, a crítica da teoria do governo misto, parte da 
característica da indivisibilidade da soberania. Para esse teórico, é certo que o poder 
soberano não pode ser dividido, somente a preço da sua destruição. Diante de seu 
raciocínio, se o poder soberano estiver dividido, não é mais soberano. 
Partindo da crítica de Hobbes ao governo misto, outro problema surge: a 
confusão entre essa teoria e a teoria da separação de poderes. 
A coincidência dessas duas teorias se dá apenas no fato de ambas 
buscarem a divisão das funções do Estado, e por aqui pára. Na verdade, no governo 
misto a função legislativa, que é a principal, é exercida em conjunto pelas três partes 
que o compõem (rei, nobres e povo). Na separação de poderes, cada um dos 
componentes assume uma função específica (executiva, judiciária e legislativa). 
Para haver uma verdadeira sobreposição seria necessário estabelecer que ao rei 
caberia a função executiva, ao senado a judiciária e ao povo a legislativa, mas não é 
isso que acontece. 
Por fim, ainda no tocante à teoria das formas de governo, aparece 
Montesquieu, classificando-as em república8, monarquia9 e despotismo10. Segundo 
ele, 
 
8 A república tem um sentido muito próximo do significado de democracia, uma vez que indica a 
possibilidade de participação do povo no governo. Com Maquiavel essa forma de governo tem um 
sentido de oposição à monarquia. Suas características são a temporariedade (o chefe do governo 
32 
 
 
o governo republicano é aquele que o povo, como um todo, ou 
somente uma parcela do povo, possui o poder soberano; a 
monarquia é aquela em que um só governa, mas de acordo com as 
leis fixas e estabelecidas, enquanto, no governo despótico, uma só 
pessoa, sem obedecer às leis e regras, realiza tudo por sua vontade 
e seus caprichos (MONTESQUIEU, 2003, p. 23). 
 
Nesta teoria, a república também compreende a democracia e a 
aristocracia, como em Maquiavel. “Quando, na república, é o povo inteiro que dispõe 
do poder supremo, tem-se uma democracia. Quando o poder supremo se encontra 
nas mãos de uma parte do povo, uma aristocracia” (MONTESQUIEU, 2003, p. 24). 
A tipologia de Montesquieu não corresponde à tripartição tradicional 
(monarquia, aristocracia e democracia), apesar de ser também tríplice, nem à 
dúplice de Maquiavel (principado e república). A particularidade da teoria de 
Montesquieu em relação à antiga é que ele acrescenta à monarquia e à república 
uma terceira que até então era considerada uma forma específica de monarquia, o 
despotismo. 
Essa terceira forma de governo de Montesquieu corresponde a uma das 
formas más ou corrompidas na teoria clássica. 
Segundo Bobbio (1997, p. 135), “não há dúvida de que a preferência de 
Montesquieu se inclina para a monarquia”. Para este o poder do monarca é 
controlado pelos chamados corpos intermediários (“contrapoderes”), ou seja, por 
uma faixa intermediária de poder situada entre os súditos e o soberano que 
 
recebe um mandato com o prazo de duração preestabelecido), a eletividade (o chefe de governo é 
eleito pelo povo) e a responsabilidade (o chefe de governo é politicamente responsável). 
9 A monarquia se trata do regime das separações, das variações e dos desequilíbrios sociais. É o 
governo de um só, mas o soberano fica adstrito a governar mediante leis estabelecidas. Os poderes 
da monarquia são o clero, a justiça e a nobreza, que atuam na presença do monarca. Suas 
características fundamentais são a vitaliciedade (o monarca governa enquanto viver), a 
hereditariedade (observa-se a linha de sucessão na escolha do monarca) e a irresponsabilidade (o 
monarca não tem responsabilidade política). 
A monarquia anterior ao Estado Moderno era absoluta, ou seja, sem limitações ao poder do monarca. 
Passando depois, aos poucos, a ser qualificada como monarquia constitucional, em virtude da 
resistência ao absolutismo e da observância de limitações jurídicas. 
33 
 
 
impedem o abuso da autoridade por parte do monarca. Esses “contrapoderes” 
exercem funções estatais que não permitem a concentração do poder público nas 
mãos de uma só pessoa. Essa é uma forma de divisão de poder chamada de 
“horizontal”. 
Ao lado dessa divisão horizontal existe uma divisão “vertical”, que constitui 
a famosa teoria da divisão de poderes de Montesquieu. Essa teoria, com já 
mencionada, pode ser considerada como a interpretação moderna da teoria clássica 
do governo misto, mas não se equiparando na sua plenitude. 
Montesquieu, quando se refere à teoria da separação dos poderes, utiliza-
se da expressão “governo moderado”, que deriva da dissociação do poder soberano, 
separando-o nas três funções fundamentais do Estado, a legislativa, a executiva e a 
judiciária. 
Em conclusão, 
a importância que Montesquieu atribui à separação dos poderes, 
que caracteriza o governo moderado, confirma a tese de que, ao 
lado da tríplice classificação das formas de governo (república, 
monarquia e despotismo), que corresponde ao uso descritivo e 
histórico da tipologia, há uma outra tipologia, mais simples, 
relacionada com o uso prescritivo, a qual distingue os governos em 
moderados e despóticos (abrangendo estes últimos não só 
monarquias mas também repúblicas) (BOBBIO, 1997, p. 137-138). 
 
O que interessa, no entanto, embora haja tantas considerações acerca 
das formas de Governo, é que a Democracia, estando ela enquadrada como Forma 
de Governo, de Estado ou como Regime Político, ainda vai ser a melhor opção 
diante das outras aqui enumeradas. E é dentro dessa ótica, da melhor opção para 
qualquer Estado, que o autor segue sua análise. 
 
 
10 O despotismo se resume à ignorância ou transgressão da lei, reinando, o monarca, fora da ordem 
jurídica. Aqui há o império do medo, da desconfiança, da insegurança e da incerteza. 
34 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 O POVO 
35 
 
 
 
3.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS 
 
Este capítulo propõe mais que uma breve análise acerca de um dos 
componentes do Estado, é um estudo sobre um dos mais importantes elementos da 
democracia: “o povo” e sua relevância para a compreensão deste regime político e 
de sua estrutura.O crescimento do interesse em torno desse elemento constitutivo do 
Estado, principalmente dentro dos parâmetros dos modelos de democracia no 
mundo, é inquestionável. Esse interesse se dá diante do aparecimento de 
questionamentos que geram a necessidade de esclarecimento do conceito de “povo” 
e de como ocorre a efetivação de sua participação dentro dos processos 
democráticos. 
Antes, porém, é preciso fazer uma distinção acerca de alguns vocábulos 
que podem ser confundidos: povo, população e nação. 
A nação, como visto no capítulo anterior, invoca certos sentimentos, 
identidades culturais, sociais e políticas. Para Lênio Streck (2001, p. 154), é um 
conceito “psicossocioantropológico”. O constitucionalista português Jorge Miranda 
(2002, p. 190) afirma que “o específico da nação encontra-se no domínio do espírito, 
da cultura, da subjetividade [...]. Uma nação não é qualquer grupo cultural. É uma 
comunidade cultural com vocação ou aspiração à comunidade política”. 
Por outro lado, muitos autores designam como população e não como 
povo o elemento pessoal que constitui o Estado. A população é uma simples 
expressão numérica, abrangendo todas as pessoas que estejam no território de um 
Estado definitiva ou temporariamente. Acontece que a inclusão na população de um 
36 
 
 
determinado Estado não significa a posse de vínculos jurídicos e também políticos 
com este. Assim, não se pode confundir as expressões população e povo. Este 
possui direitos e obrigações políticas, enquanto aquela não. 
O conceito de povo pode ser estabelecido de pontos de vista distintos: do 
político, do sociológico ou do jurídico. 
O conceito político foi conhecido desde a Antigüidade, quando Cícero 
(apud BONAVIDES, 2000, p. 74), escritor romano, disse que “povo é a reunião da 
multidão associada pelo consenso do direito e pela comunhão da utilidade”. 
Durante a Idade Média o conceito de povo, em seu sentido político, não 
existia como o é hoje. A teoria do Estado se baseava no território, na organização 
feudal. A formação política do conceito, mais próximo do que é atualmente 
conhecido, vem aparecer nas idéias da Revolução Francesa com a implantação da 
sociedade liberal-burguesa, uma vez que o absolutismo não conhecia este aspecto, 
já que só identificava a comunidade estatal como um conjunto de súditos. 
Com os ideais democráticos e com a implantação do sufrágio, o povo 
passou a ser “o quadro humano sufragante, que se politizou, ou seja, o corpo 
eleitoral” (BONAVIDES, 2000, p. 75). 
O conceito sociológico, conhecido também como conceito naturalista ou 
étnico, decorre de dados culturais. Desta ótica há uma equivalência do conceito de 
povo com o de nação11. O povo é compreendido como todos os componentes da 
sociedade, de todas as gerações e de todas as épocas, ou seja, os vivos e mortos, e 
os que irão viver. É o povo que é colocado numa dimensão histórica que liga todos 
os tempos e que transcende a contemporaneidade de sua existência. 
 
11 Por sua origem etimológica, do latim natio, de natus (nascido), já se tem a idéia de que nação 
significa a reunião de pessoas, nascidas em um território dado, procedentes da mesma raça, falando 
o mesmo idioma, tendo os mesmos costumes e adotando a mesma religião, formando assim, um 
37 
 
 
Por último, o conceito jurídico. Essa noção de povo aparece num momento 
mais recente, dada a necessidade de se disciplinar juridicamente esse instituto, ou 
seja, só o Direito pode explicar o conceito de povo de forma completa. 
Na Grécia antiga cidadão era apenas aquele que participava das decisões 
políticas. Já existia aí uma noção jurídica, pois, quando se falava no povo de uma 
cidade-estado, só se incluía aqueles que tinham direitos. 
Atualmente, o conceito jurídico de povo está ligado à idéia de um conjunto 
de indivíduos vinculados a um determinado ordenamento jurídico. Não basta afirmar 
que povo é o elemento humano possuidor de direitos e deveres. Tem-se que 
enfatizar o laço de cidadania, o vínculo que une o indivíduo a um certo sistema de 
leis. 
Para Hans Kelsen (2000, p. 334) povo “é constituído pela unidade da 
ordem jurídica válida para os indivíduos cuja conduta é regulamentada pela ordem 
jurídica nacional, ou seja, é a esfera pessoal de validade dessa ordem”. Para ele, 
portanto, o indivíduo só pertencerá ao povo quando estiver na esfera pessoal de 
validade de sua ordem jurídica, ou seja, o povo constitui uma unidade jurídica e não 
natural, porque, da mesma maneira que o Estado possui apenas um território cuja 
unidade é jurídica, tem somente um povo também. 
Jellinek fixa a noção jurídica de povo e disciplina sua participação na vida 
do Estado, fazendo a distinção entre um aspecto subjetivo e outro objetivo desse 
elemento. Para ele “o Estado é sujeito do poder público, e o povo, como seu 
elemento componente, participa dessa condição. [...]. Por outro lado, o mesmo povo 
é objeto da atividade do Estado, [...]” (JELLINEK apud DALLARI, 1991, p. 84). O 
primeiro, quando o que está em evidência é sua qualidade de cidadão, é o aspecto 
 
povo, cujos elementos componentes trazem consigo as mesmas características raciais e se mantêm 
unidos pelos hábitos, tradições, religião e língua (DE PLÁCIODO E SILVA, 1967, p. 1047). 
38 
 
 
subjetivo do povo; e o segundo, quando o que está em evidência é sua qualidade de 
súdito, é seu aspecto objetivo. 
Quanto ao aspecto subjetivo, Jellinek sustenta que o simples fato de se 
reunir várias pessoas e submetê-las a uma autoridade não chegaria a ser um 
Estado. Mas se essas pessoas se reunirem com outros elementos em um dado 
momento jurídico, tornam-se uma unidade, surgindo, assim, um Estado. Cada 
indivíduo que integra essa unidade participa também da natureza de sujeito, da qual 
deriva duas situações: a primeira, quando os indivíduos, enquanto objeto do poder 
do Estado, estão numa relação de subordinação, sendo sujeito de deveres; a 
segunda, enquanto membros do Estado, os indivíduos, se relacionam com ele e com 
os outros integrantes coordenadamente, sendo sujeitos de direitos. 
Nas palavras de Jorge Miranda (2002, p. 182), “o povo vem a ser, 
simultaneamente, sujeito e objecto do poder, princípio activo e princípio passivo na 
dinâmica social”. 
A qualidade subjetiva de certa comunidade garante o sentido de povo, que 
é causa da unidade do Estado. Esta unidade, proveniente dos laços que unem os 
indivíduos, permite que seja sujeito de direitos, já a subordinação lhes confere uma 
sujeição ao poder do Estado, sendo, assim, sujeito de deveres. 
Portanto, todo indivíduo submetido ao Estado é reconhecido como pessoa, 
participando ao mesmo tempo de sua constituição, exercendo funções como sujeito 
de deveres e como sujeito de direitos, sendo titular de direitos públicos subjetivos12. 
 
12 Para Eduardo Espínola (1941, p. 573 e ss), o direito subjetivo “é a relação que une um bem da vida 
a um determinado sujeito, e da qual resulta, para o sujeito, o poder de, por si ou representado, tirar, 
no interesse próprio, de outrem, ou coletivo, toda a utilidade de que é suscetível o mesmo bem, 
ficando à disposição exclusiva de tal sujeito movimentar a ação coercitiva do direito”. Esse direito 
subjetivo é público porque tem natureza de prerrogativa oponível a qualquer tempo, pelo cidadão, seu 
titular, erga omne, contra o Estado (BRITO, 1993, p. 60-61). 
39 
 
 
Para que esta subjetividade de oposição aoEstado realmente aconteça é 
necessário que este reconheça o indivíduo como membro da comunidade. Todavia, 
esse reconhecimento se deu de forma tardia, porque, o indivíduo teve apenas 
reconhecido o seu direito na esfera privada. A aceitação de um direito público 
subjetivo foi alcançada ao longo de um processo histórico iniciado na Antigüidade e 
se efetivou na Idade Média, com a luta entre o Estado e a Igreja. Essa luta permitiu o 
aparecimento da doutrina do direito natural e do direito originário da liberdade de 
consciência religiosa na Inglaterra, que em 1628 editou a Petition of Rights13 e em 
1689 o Bill of Rights14. Isto contribuiu para a primeira tentativa de positivação de 
direitos públicos subjetivos na América do Norte. 
O primeiro documento não criou nenhum direito novo, reafirmando apenas 
o antigo, que eram as limitações da coroa britânica; o segundo, reconhecia a 
liberdade de consciência a todos os homens que habitavam as treze colônias 
inglesas na America. Nessas colônias é que, em 1776, ocorreu a Declaração de 
Direitos do Bom Povo de Virgínia, que previa uma gama de direitos que o povo 
poderia exigir do Estado como, por exemplo, as vedações à expedição de mandados 
gerais de busca ou de detenção, sem especificação exata e prova do crime, além de 
outras. 
Essa Declaração foi inspirada por tudo que também inspirou a Declaração 
dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, que gerou a Constituição Francesa 
 
13 Era um documento dirigido ao monarca em que os membros do Parlamento de então pediram o 
reconhecimento de diversos direitos e liberdades para os súditos de sua majestade. A petição 
constituiu um meio de transação entre o Parlamento e o rei, que este cedeu, porquanto aquele já 
detinha o poder financeiro, de sorte que o monarca não poderia gastar dinheiro sem autorização 
parlamentar (SILVA, 2002, p. 152). 
14 Decorreu da Revolução Gloriosa do mesmo ano (1688), pela qual se firmara a soberania do 
Parlamento, impondo a abdicação do rei Jaime II e designando novos monarcas, Guilherme III e 
Maria II, cujos poderes reais limitavam com a declaração de direitos a eles submetida e por eles 
aceita (SILVA, 2002., p. 153). 
40 
 
 
de 1791 e outras constituições na Europa, muito embora tivesse nascida 15 anos 
antes. A partir daí, nasce a doutrina do direito público subjetivo, que reconhece ao 
indivíduo certa posição perante o Estado, passando a ser visto como membro do 
povo, considerado em sua qualidade subjetiva. 
Para Jellinek (apud DALLARI, 1991, p. 84), portanto, ser cidadão cabe a 
todos que participam da constituição do Estado, existindo uma categoria especial 
que são aqueles que têm cidadania ativa (como a do eleitor), ou seja, aqueles que 
exercem certas atribuições que o Estado reconhece. Essas atribuições se dão da 
seguinte maneira: a exigência pelo Estado de atitudes negativas, pois o Direito, que 
disciplina os indivíduos, garante que o Estado não ultrapasse seus limites; de 
atitudes positivas, quando o Estado é obrigado a agir para proteger e favorecer o 
indivíduo; por fim, de atitudes de reconhecimento, pois há indivíduos que agem no 
interesse do Estado e este é obrigado é reconhecê-los como órgãos seus. 
Esse reconhecimento em relação às atitudes positivas traduz a idéia de 
que o Estado deve implementar ações positivas que estarão a serviço de interesses 
individuais, com a finalidade de proteger e favorecer a comunidade estatal, sendo 
uma compensação que o Estado oferece ao indivíduo pelos sacrifícios impostos. 
Assim, no que tange a relação dos indivíduos com o Estado, o povo 
permanece sendo componente ativo mesmo depois de o Estado ser constituído. “O 
povo é elemento que dá condições ao Estado para formar e externar sua vontade” 
(DALLARI, 1991, p. 85). 
Deve-se compreender como povo o conjunto dos indivíduos que, 
através de um momento jurídico, se unem para constituir um Estado, 
estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, 
participando da formação da vontade do Estado e do exercício do 
poder soberano (DALLARI, 1991, p. 85). 
 
“Bill”, segundo De Plácido e Silva (1967, p.254), é o “nome que se dá, na Inglaterra, à minuta ou 
projeto de lei que é apresentado ao parlamento ou à Câmara, para ser examinado e que, se 
aprovado, é reduzido à lei ou ato”. 
41 
 
 
 
A participação e o exercício dos indivíduos podem, também, ser 
subordinados ao atendimento de certas condições objetivas, condições estas que 
garantam a total aptidão desses indivíduos quando atuarem dentro do Estado. 
Todos aqueles que façam parte juridicamente do Estado, quando da sua 
constituição, adquirem a condição de cidadãos. Povo, assim, passa a ser “o conjunto 
dos cidadãos do Estado” (DALLARI, 1991, p. 85). 
 
3.2 ASPECTOS RELEVANTES À DEMOCRACIA 
 
Trata-se esta parte referente a povo de uma abordagem desse elemento 
componente do Estado, sujeito indispensável da transição estritamente teórica para 
a prática, numa perspectiva voltada à compreensão da democracia. 
Para José Afonso da Silva (2002, p. 134-135), o conceito trazido por 
Abraham Lincoln de que “democracia é o governo do povo, pelo povo e para o 
povo”, é essencialmente correto se for dada uma interpretação real aos termos que o 
compõem, embora possua limitações. Uma, quando ele define democracia como 
governo, vez que ela é mais um regime, forma de vida ou um processo; outra, em 
relação à formalidade, mas essa limitação desaparece com o sentido real proposto. 
Segundo esse mesmo autor, 
governo do povo significa que este é fonte e titular do poder [...]. 
Governo pelo povo quer dizer governo que se fundamenta na 
vontade popular, que se apóia no consentimento popular; [...] 
Governo para o povo há de ser aquele que procure liberar o homem 
de toda imposição autoritária e garantir o máximo de segurança 
(SILVA, 2002, p. 135) 
 
Apesar dessas limitações expostas, é fato que toda democracia assenta 
suas bases no povo. O povo é o elemento fundante do regime democrático. 
42 
 
 
Tal análise se inicia com o postulado de Rousseau (1987, p. 66) de que as 
premissas básicas da democracia são a liberdade e a igualdade e que, de acordo 
com ele: 
Se quisermos saber no que consiste, precisamente, o maior de 
todos os bens, qual deva ser a finalidade de todos os sistemas de 
legislação, verificar-se-á que se resume nestes dois objetivos 
principais: a liberdade e a igualdade. A liberdade, porque qualquer 
dependência particular corresponde a outro tanto de força tomada 
ao corpo do Estado, e a igualdade, porque a liberdade não pode 
subsistir sem ela. 
 
Em relação às doutrinas mais atuais, tem-se que acrescentar mais uma 
premissa básica e necessária para nortear os Estados como exigência da 
democracia: a supremacia da vontade popular já abordada em capítulo anterior, que 
Dallari (1991, p. 128) arrola junto a três outros pontos fundamentais (a preservação 
da liberdade e a igualdade de direitos15). 
É exatamente dentro dessa premissa da supremacia da vontade popular 
que sobressai a idéia central do texto. 
Quando se expõe que “todo poder emana do povo”, nota-se que essa 
máxima é o estandarte da democracia moderna, sendo, portanto, a vontade popular 
o ponto mais importante para a construção de um Estado legítimo. 
No entanto, o postulado ideal da supremacia da vontade popular se tornou 
um objetivo difícil de ser alcançado, por causa do alargamento da própria base 
popular que constitui o Estado moderno, desde a concepção desse modelode 
Estado. 
Dentro dessa ótica é que Friedrich Müller desenvolveu uma análise crítica 
da utilização do termo “povo”, em inúmeras constituições do mundo, e do papel que 
 
15É entendida a preservação da liberdade como o poder de fazer tudo que não incomodasse o outro e 
como o poder de dispor de seus bens e de si próprio, sem qualquer interferência do Estado, já a 
igualdade de direitos é entendida como a proibição de diferenças nos gozos dos direitos entre os 
43 
 
 
lhe é atribuído pelos diversos ordenamentos jurídicos, sempre em busca de se 
legitimarem a partir do uso dessa importante palavra para as democracias 
modernas. 
Para Müller o conceito de povo assume um caráter plurívoco, traduzindo 
esse termo como: povo ativo; como instância global de atribuição de legitimidade; 
como ícone; e como destinatário de prestações civilizatórias do Estado. 
A espécie de legitimidade, que se venha a inferir do poder 
constituinte do povo, pode ser formulada em gradações: a 
incorporação dessa pretensão ao texto da constituição tem por 
interlocutor o povo enquanto instância de atribuição; o procedimento 
democrático de pôr em vigor a constituição dirige-se ao povo ativo; e 
a preservação de um cerne constitucional (que sempre é também 
democrático) na duração do tempo investe o povo-destinatário nos 
seus direitos. Lá, onde esses aspectos da pretensão de legitimação 
permanecem apenas fictícios, o discurso se torna icônico (MÜLLER, 
2000, p. 108). 
 
No entendimento de Müller, o Estado é, basicamente, uma expressão de 
poder-violência, ficando evidente quando da constatação de que o Estado é o 
detentor do monopólio da aplicação da justiça e da imposição de penas. Neste 
sentido o Estado detém a legitimidade para exercê-la em nome de todos e diante de 
todos os partícipes da sociedade. Tal legitimidade decorre exatamente da presença 
do povo como elemento humano na conformação do Estado. 
Definir o significado e o alcance de “povo”, empregado nas constituições 
democráticas tornou-se imprescindível, em virtude do aperfeiçoamento do Estado e 
de sua evolução até se tornar um Estado Democrático de Direito. Essa 
imprescindibilidade aumentou à medida que o Estado passou a buscar os 
significados de democracia e soberania popular. 
Aqui se trata do conceito jurídico ou, mais precisamente, dos modos 
de emprego da expressão ‘povo’ nos textos das normas de uma 
constituição democrática; de uma constituição, para dizê-lo em outros 
 
indivíduos, principalmente quando se refere a motivos econômicos ou de discriminação social 
(DALLARI,1991, p. 128). 
44 
 
 
termos, que quer justificar o seu aparelho de Estado e o exercício de 
sua violência e do seu poder enquanto ‘democráticos’. ‘Quem é o 
povo?’ transmuda-se aqui na pergunta: como se pode empregar ‘povo’ 
nesse contexto, caso a pretensão de legitimidade ‘do governo do 
povo’ deva fazer suficientemente sentido? (MÜLLER, 2000, p.52). 
 
Trata-se, portanto, de buscar legitimar as ações do Estado. E para Müller, 
essa legitimação tem de ser buscada dentro de uma perspectiva democrática e que 
sua busca deve ser constante. 
Como mencionado, seu ponto de partida é o “povo como povo ativo”, 
atribuindo um caráter político ao tema. Esse termo significa a totalidade de eleitores, 
constituindo-se fonte da determinação da convivência social por meio de imposições 
jurídicas, sendo considerados os titulares da nacionalidade (MÜLLER, 2000, p. 55). 
Numa constituição que se diga democrática, consegue-se uma primeira 
identificação de povo, como no caso da brasileira de 1988, quando coloca em seu 
art. 1°, parágrafo único, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de 
representantes eleitos ou diretamente”. 
Müller (2000, p. 79) afirma que “o povo ativo está definido ainda mais 
estreitamente pelo direito positivo (textos de normas sobre o direito a eleições e 
votações, inclusive a possibilidade de ser eleito para diversos cargos públicos)”, ou 
seja, o povo corresponde ao maior grau de legitimação de um regime representativo, 
estando presente em eleições ou em votações. 
Quando se fala em eleições está-se referindo à escolha pelo povo dos 
seus representantes através do voto. Essa escolha visa ao preenchimento dos 
cargos políticos - no caso brasileiro - dentro da estrutura dos Poderes Executivo e 
Legislativo, servindo como uma procuração para que os escolhidos ajam em nome 
da maioria. 
45 
 
 
Vale ressaltar que todos aqueles que recebem essa incumbência de 
exercer em nome do povo as funções de decidir o futuro do país e, principalmente, 
aqueles que têm o encargo de elaborar a constituição, precisam ter a origem do seu 
exercício do poder reconhecida pelo povo. 
Dependendo do modelo democrático de referência, os cargos passíveis de 
preenchimento através da escolha popular irão crescer. Em alguns casos a 
radicalização da democracia é tanta que cargos de direção em empresas públicas, 
por exemplo, serão preenchidos dessa maneira. 
Mas na verdade, o importante é o preenchimento dos cargos com 
competências decisórias e de elaboração de normas, para que a sociedade seja 
gerida da maneira mais democrática possível. Ressalta-se aqui a Democracia 
Representativa, que vem passando por séria crise dentro da realidade brasileira e 
mundial. 
Além das eleições dentro da idéia de “povo como povo ativo”, existem 
outras formas de participação popular na definição do direito a ser criado, que são 
as votações em consultas plebiscitárias, referendárias ou por iniciativa popular de 
leis. Estes são os casos de participação popular de forma direta e não mais de 
escolha dos seus representantes através do voto. 
Dentro desse modelo de participação popular, Carole Pateman (1992, p. 
38-42) se refere a uma “teoria da democracia participativa”, cujo maior expoente 
seria Rousseau, entendendo que a participação é um fenômeno necessário para o 
crescimento e desenvolvimento da democracia, como meio de exercício social de 
poder. A grande relevância da participação se dá pelo seu caráter educativo16; como 
modo de proteger os interesses privados e de assegurar um bom governo; como 
46 
 
 
meio de libertar o indivíduo, na medida em que funciona como forma de controle 
sobre os que executam a lei e sobre seus representantes; quando permite que as 
decisões coletivas sejam aceitas mais facilmente pelo indivíduo; e como meio de 
integração do indivíduo em sua comunidade. 
A participação se configura, dentro do pensamento rousseauniano, como 
prática educativa auto-alimentadora. 
Além de Pateman, outros autores, dentro da perspectiva de 
implementação de novas formas de interferência nas discussões políticas, também 
se utilizam da expressão “democracia participativa”, como Bobbio, José Joaquim 
Gomes Canotilho, como nomes estrangeiros, e José Afonso da Silva e José Alfredo 
de Oliveira Baracho, na sua “Teoria geral da cidadania”, como referências nacionais. 
Bobbio utiliza o termo quando menciona os problemas do sistema político 
contemporâneo e as possíveis soluções aplicáveis. 
Dos quatro remédios de que falamos no item anterior, o que parecia 
mais decisivo, o quarto (ou o controle a partir de baixo, o poder de 
todos, a democracia participativa, o Estado baseado no consenso, a 
realização no limite do ideal rousseauniano da liberdade como 
autonomia), é também aquele para o qual se orientam, com 
particular intensidade, as formas mais recentes e mais insistentes de 
contestação (BOBBIO, 1992,

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