Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Biografia de Freud Sigmund Freud nasceu em 1856 em Freiberg (Checoslóváquia). A família desloca-se em 1860 para Viena (Áustria) onde Freud passará o resto da sua vida, à excepção do último ano. Interessa-se por Filosofia, mas tira o curso de Medicina, formando-se em 1881. Especializa-se em Neurologia. Em 1885 ganha uma bolsa que lhe permite estudar psiquiatria em Paris, com Charcot. Familiariza-se com técnicas de hipnose e com problemas de foro psiquiátrico, nomeadamente em casos de histeria. Deixa Paris em 1886. Nesse mesmo ano casa com Martha Bernays de quem tem seis filhos. A sua vida é cheia de dificuldades, quer financeiras quer profissionais. A psicanálise teve que travar uma longa luta para afirmar as suas teorias que são consideradas escandalosas pela mentalidade puritana muito dominante em Viena. Aos oitenta anos é finalmente reconhecido oficialmente a grandeza de Freud, sendo-lhe atribuído o Prémio Goethe (1936). A sua obra é traduzida e divulgada em todo o mundo culto. Nos últimos anos luta desesperadamente contra a doença (cancro no maxilar) sendo sujeito a inúmeras intervenções. Em junho de 1938 é obrigado a fugir, pois o regime nazi condena a psicanálise enquanto produto judeu e decadente. Para escapar à Gestapo, os seus amigos conseguem negociar a sua fuga para Londres onde morre a 23 de Setembro de 1939. 1- Um novo continente teórico- -A psicanálise Com Freud abrem-se fendas num mundo pensado à medida do sujeito, controlado por um eu que a si próprio se controla num esforço de auto-conhecimento. A consciência (vigilância, capacidade de atenção ao real que permite ao sujeito aperceber-se de si próprio, dos outros e do real físico. Ela é o conhecimento que acompanha as nossas impressões e acções.) passa a ser encarada como uma parte mínima do homem. Este é dominado pelo inconsciente, por forças ocultas que determinam a sua acção, forças que ele desconhece e das quais consequentemente é um joguete. Freud vai contrariar frontalmente a mundividência que o racionalismo iluminista ajudara a consolidar, inserindo-se num movimento de crise da razão que teve em Nietzsche, Kierkegaard e Schopenhauer os seus mensageiros. Esta ruptura relativamente a uma tradição de ordem e de auto- controlo, como todas as rupturas, trouxe problemas para aqueles que a propuseram. Foi uma verdadeira ruptura epistemológica um abandonar de concepções que não mais puderam ser encaradas do mesmo modo, nas quais se introduziu a dúvida, uma dúvida que mesmo para eles que rejeitam a psicanálise não pode deixar de ser considerada. Assim a psicanálise introduzida por Freud, propõe-nos uma nova visão do homem em que o inconsciente domina. Tudo quanto é inovador causa perturbação. É curioso verificar que os contemporâneos de Freud, ao rejeitar as suas teorias, revelaram os seus próprios receios, delimitando uma certa noção de homem a que se agarravam, que queriam à sua viva força perseverar. Freud deparou com inúmeros impedimentos. Na realidade, factores de vária ordem constituíram-se como obstáculos epistemológicos. Alguns desses obstáculos diziam respeito ao puritanismo da sociedade vienense, como por exemplo a relutância em aceitar a importância da sexualidade na etiologia das neuroses (doenças funcionais sem lesão ou inflamação dos órgãos. A psicanálise aplica-se essencialmente às neuroses e não às psicoses.) e a rejeição de uma sexualidade infantil. Outros obstáculos ligavam-se ao anti-semitismo reinante no Império Austro- Húngaro. As doutrinas freudianas eram identificadas com a mentalidade perversa, atribuida aos judeus. Freud vem introduzir elementos dinâmicos na consideração das perturbações psíquicas. Estas estão ligadas à história de cada indivíduo, ao seu passado, às suas vivências e não a meras lesões. Os métodos utilizados por Freud chocavam as mentalidades bem- pensantes. A novidade do procedimento proposto por Freud foi desvirtuada, esbarrando com a total incompreensão de quem estava habituado a lidar com factos límpidos. Para o psiquiatra de então um louco era um louco e um gato era um gato. A diluição de fronteiras entre a sanidade e a loucura repugna-lhe. Ora toda a psicanálise põe radicalmente em questão a existência de uma separação nítida entre o normal e o patológico. A loucura passa a ser um atributo de toda a humanidade e não só de alguns homens. Freud: Determinismo psíquico É a descoberta cientifica do inconsciente, das suas características e manifestações, dos traumas infantis que recobre, da energia pulsional ou líbido que o alimenta. Freud acreditava que tudo o que se passava na mente humana possuía um significado preciso: tinha uma causa originadora e desenvolvia-se ou manifestava-se segundo um sentido determinado. Assim, não poderiam existir processos ou acontecimentos psíquicos fortuitos, meros produtos do acaso ou expressões de uma aparente lotaria mental. Ao contrário, a mente humana estrutura-se segundo uma causalidade determinista, por vezes complexa, mas sempre passível de ser reduzida a uma relação de causa e efeito pelo psicanalista. Deste modo, tal como na natureza nada se perde e tudo se transforma, assim na nossa mente, embora possa permanecer inconsciente. À imagem do modelo das ciências exactas, como a física, Freud postula a existência de um aparelho dominado por forças instintuais e por princípios contrários entre si, cujos conflitos e movimentos dariam conta, na sua totalidade, da origem, causa, significação e finalidade dos nossos pensamentos e acções. Freud, animado pela mentalidade cientifica do seu tempo e inspirando-se no exemplo das Ciências Exactas, pretende descobrir nos pensamentos humanos uma rede de relações tão deterministicamente enlaçados que não permitiria a existência de comportamentos ou pensamentos avulsos ou arbitrários. Deste modo, a intenção última de Freud é a de procurar o sentido oculto de todas as acções humanas, especialmente daquelas que, por serem estranhas, parecem escapar a qualquer classificação racional ou cientifica ou a qualquer sentido previamente determinado (a loucura, por exemplo), ou aqueles que, embora mais habituais, não deixam igualmente de ser estranhos, isto é, os actos aparentemente sem sentido. Ora o estranho, o bizarro, o anormal nos comportamentos humanos é o que Freud irá estudar com o objectivo de os enquadrar num sentido existente inconscientemente na mente de quem assim age, bem como de os enquadrar nos conceitos da nova ciência psicanalítica. A psicanálise, apenas estudando os comportamentos patológicos individuais, distingue-se desde logo da psicologia, que estuda os comportamentos individuais considerados socialmente normais, e da psiquiatria que, embora estudando igualmente os comportamentos patológicos, usa uma terapêutica baseada na farmologia (e nos choques eléctricos, no tempo de Freud). Freud: Hipnose e histeria Com Charcot, Freud aprendeu a fazer uso da hipnose e a aplicá- la em casos de histeria: De tudo o que eu vivi com Charcot, o que mais me impressionou foram as suas últimas investigações desenvolvidas em parte, ainda sob os meus olhos. Também a constatação da realidade e da legalidade dos fenómenos histéricos, a presença frequente da histeria no homem, a produção das paralisias e contracções histéricas pela sugestão hipnótica...Em Paris, Freud vira Charcot usar a hipnose nos doentes mentais, tanto para suprimi-los. Os resultados deste método significavam assim que as contracções musculares ou a paralisia não se referenciavam a uma região orgânica ou anatómica determinada, mas a uma imagem mental do sector muscular que era contraído ou paralisado. Logo, os métodos de electroterapia da psiquiatria, métodos simplesmente orgânicos, não resolviam senão provisória e insuficientemente o problema mental do doente. Freud tem, por um lado, a convicção que as histerias são provocadas por imagens mentais sem equivalentes anatómicos localizados e que, portanto, são representações traumáticas que despoletam as crises nervosas e não malformações físicas; por outro lado, Freud vai constatando que os métodos neuro-patológicos então em vigor (hidroterapia, electroterapia), porque partem pressuposto organicista das doenças nervosas, são ineficazes. Por outro lado ainda, resta-lhe o método eficaz da hipnose que aprendera em Paris com Charcot. Mediante a hipnose Freud provoca uma ab-reacção, ou seja, uma descarga emocional em que o indivíduo se liberta de um afecto ligado à ocorrência de um acontecimento que o traumatizou. Devido a esta descarga o afecto deixa de ser patogénico. A utilização da hipnose não permitia que se alcançasse o âmago da dinâmica das afecções. Hipnotizado o doente tornava-se um instrumento dócil nas mãos do analista. Não revelava as resistências (são dificuldades que o paciente tem de evocar certas recordações penosas, impossibilitando-lhe um acesso ao inconsciente. É uma função defensiva.) que tão importantes são para a compreensão de um comportamento patológico. Para além de mais, nem todos os doentes eram hipnotizáveis, exigindo-se por parte do analista um esforço grande, por vezes não compensado. Assim o próprio Freud abandona este método, substituindo-o pela sugestão. Agora o doente é pressionado pelo analista no sentido de reencontrar ele próprio a recordação patogénica. Freud recorre muitas vezes ao artifício técnico que é colocar a mão na testa do doente conhecendo-o que ele irá encontrar a recordação. A hipnose e a sugestão são as técnicas que constituem aquilo a que Freud chamou o método catártico. Através do método o indivíduo evoca ou revive os acontecimentos traumáticos que provocáramos sintomas patogénicos e é levado a ab-reagi-los. Embora a hipnose e a sugestão tenham vindo a ser, gradualmente, pela associação livre, a catarse enquanto narração depuratória, enquanto revivescência de determinadas recordações, continua a desempenhar um papel fundamental na terapia analítica, manifestando-se por processos simbólicos como por exemplo a linguagem. É na linguagem que o homem encontra um substituto para o acto, substituto graças ao qual o afecto pode ser ab-reagido quase da mesma maneira. Em outros casos, é a própria palavra que constitui o reflexo adequado, sob a forma de queixa ou como expressão de um pesado segredo (confissão). Freud: Associação livre Gradualmente Freud passou a utilizar este processo que consiste em deixar o paciente livremente daquilo que lhe ocorre, sem que haja preocupações por parte do analista em sugerir-lhe temas ou levantar-lhe questões. O analisado compromete-se a dizer tudo quanto lhe passa na cabeça nesse momento, sem quaisquer peias. Regra fundamental da psicanálise é justamente esta - um doente deverá dizer tudo o que pensa ou sente sem reservas criticas, mesmo quando aquilo que lhe ocorre parecer ridículo, sem sentido desagradável de dizer. Torna-se desnecessário hipnotizar o paciente ou pressioná-lo. Ele é o detentor de um material riquíssimo para o analista e apenas uma censura interna impede que esse material seja comunicado. Há uma série de idéias e sentimentos que vão acompanhando inconscientemente vários pontos de narrativa que o doente faz dos seus estados e/ou do seu passado e que deverão ser transmitidos ao analista sem reservas. Assim o material recalcado é trazido à consciência. Não é fácil, pois há sempre resistências que é preciso combater. E mesmo estas, depois de anuladas, passam a expressar-se de outro modo, impedindo que o recalcado volte ao espírito, substituindo-o por outras idéias. Cabe ao analista adivinhar o recalcado, chegar a ele através das alusões que o expressão. O analista torna-se assim um decifrador de símbolos, um hermeneuta. A psicanálise surge como trabalho sobre a linguagem. Recalcamento e a estrutura do aparelho psíquico Num primeiro momento, Freud encara o recalcamento como um processo pelo qual o consciente rejeita para fora de si todos os pensamentos ou actos de moral ou socialmente condenados pela consciência. A acumulação de recalcamentos constituiria o inconsciente, lugar psíquico onde ficariam depositados todos os desejos de actos e pensamentos socialmente impróprios para uma vida normal. Deste modo, a teoria do recalcamento origina em Freud uma primeira divisão do aparelho psíquico humano, habitualmente designada por primeira tópica: Consciente - Função de relação moral e social e apreensão das representações do mundo. Pré-Consciente - Função de memória das representações do mundo e das relações morais e sociais. CENSURA Inconsciente - Função de conservação dos desejos recalcados e de transformação do líbido. Esta estruturação do aparelho psíquico pode ser facilmente percebida de outro modo: o consciente e o pré-consciente têm uma função de representação da realidade exterior, realidade sensível, moral, social, política, etc; o inconsciente tem a função de, sob os imperativos da moral social, sob os constrangimentos das regras sociais, procurar o prazer individual. É neste sentido que Freud afirma existirem dois grandes princípios orientadores e reguladores de todos os nossos pensamentos e comportamentos: o Princípio da Realidade e o Princípio do Prazer. Segundo Freud, a criança nasce sob o domínio do princípio do prazer, buscando em todos os seus movimentos as sensações agradáveis. A ausência da consciência moral e social no bebé, permite a Freud declarar que todas as actividades do recém-nascido se desenvolvem segundo o princípio do prazer via de uma energia que domina o seu aparelho psíquico, a líbido (vontade, desejo), que se constitui como o centro do inconsciente. Formam-se, assim, no aparelho psíquico da criança duas zonas bem diferenciadas: o consciente - regulado pelo Princípio da Realidade e constituído pela moral dominante na sociedade - e o inconsciente - regulado pelo Princípio do Prazer constituído pela líbido, e pelos desejos infantis recalcados. Ora, é pelo Princípio da Realidade e no consciente que as noções de bem e de mal, dever e responsabilidade, normal e anormal, ganham sentido e se postulam à criança como obrigações que ela deve respeitar para que seja socialmente aceite. O bem social nasce, assim, da repressão dos desejos libidinais e tem como fim harmonizar a vida individual no seio da vida colectiva através de normas que estabelecem o dever e as obrigações. O Princípio da Realidade, como base da moral, origina-se no aparelho psíquico da criança, segundo Freud, entre os 4 e os 6 anos aquando do sentimentolibidinoso do filho pela mãe ou da filha pelo pai - o Complexo de Édipo (também designado por Electra nas raparigas). Nesta idade, o pai assume para o filho o duplo carácter de ideal de acção e de obstáculo ao desejo de, imitando-o, proteger e amar plenamente a mãe. A realização plena deste desejo levaria a criança a expulsar o pai de casa e casar com sua mãe. Existe, assim, o desejo de absoluta afirmação e enaltecimento de si próprio (o narcisismo) e, por outro lado, a necessidade de reprimir os seus mais fundos desejos libidinosos com a mãe, acordando a sua acção com os hábitos morais que impedem a possibilidade de união sexual do filho com a mãe: o tabu do incesto. Ora, é pela repressão do complexo de Édipo e pela solidificação do tabu do incesto na criança quase origina em cada um de nós a consciência moral, expressão do Princípio da Realidade, a qual se integra no Super- Ego. Para além do inconsciente e do pré-consciente e consciente, Freud dividiu igualmente a estrutura do aparelho psíquico em três zonas dinâmicas: O Super-Ego - Zona que reflecte o Princípio da Realidade, consistindo na moral, na religião, nas filosofias e nos códigos sociais dominantes; O Id - Zona inconsciente das pulsões, da líbido e dos desejos recalcados, regulada pelo Princípio do Prazer; O Ego - Reflexo momentâneo e pessoal do conflito entre os dois princípios e que tenta traduzir um equilíbrio entre o Id e o Super-Ego. A origem histórica do super-ego é, segundo Freud, contemporânea da origem do tabu do incesto. Primitivamente, os homens viviam numa horda sob o domínio ilimitado do poder de um chefe. Este possuiria todas as mulheres da horda e todas as crianças seriam seus filhos, os quais podia acarinhar, expulsar ou até mesmo matar. Um dia, os filhos rejeitados ter-se-iam revoltado e matado o seu pai comum. Após o assassínio do pai, os filhos conflituam entre si disputando as mulheres, inclusivé as próprias mães. Envergonhados (o sentido de culpa e de remorso), resolvem, então, proibir para sempre o que o pai fizera e que eles próprios tinham querido fazer - nascia assim o tabu do incesto. Este tabu ficou de tal modo gravado no inconsciente humano que se repete ontogeneticamente através do Complexo de Édipo. O sentimento de culpa gerado colectivamente pelo assassínio tornou-se tão forte que os filhos começaram a adorar o pai em forma de Deus, prestando-lhe culto e implorando-lhe as suas dádivas e misericórdia. A impossibilidade de saberem que o Deus (ou o pai) os beneficia, gera nos homens (e nas crianças) o sentimento de angústia, isto é, um impulso inconsciente que, embora reprimido pelo consciente, origina estados nervosos de expectativa e ansiedade, reflectindo-se no consciente em forma de insegurança pessoal. Esta angústia pode provocar estados ou acções de sublimação. Pela sublimação os desejos do inconsciente, censurados e reprimidos pelo super-ego, encontram um escape, realizando acções socialmente permitidas e assim satisfazendo as pulsões sexuais. É assim que a mulher que não pode ter filhos analisa a sua energia libidinal para o amor a Deus (religião), às crianças ou aos animais, ou se entrega obsessivamente à criação artística. Deste modo, os que defendem preconceitos morais excessivamente rígidos são analisados por Freud como indivíduos neuróticos, angustiados, auto-culpabilizando-se na infância pelos seus desejos sexuais e tentando superá-los quando adultos. Por outro lado, indivíduos moralmente lascivos são analisados por Freud como carecendo de um forte super-ego na sua infância por via de uma deficiente interiorização do Princípio da Realidade.
Compartilhar