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Este DVD apresenta depoimentos de produtores, realizadores e pesquisadores 
ligados ao cenário do documentário no Brasil.
Trata de questões relacionadas aos modos de fazer e pensar esta produção, suas 
particularidades regionais e o impacto das novas tecnologias.
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Este DVD apresenta depoimentos de produtores, realizadores e pesquisadores 
ligados ao cenário do documentário no Brasil.
Trata de questões relacionadas aos modos de fazer e pensar esta produção, 
suas particularidades regionais e o impacto das novas tecnologias.
SOBRE FAZER DOCUMENTÁRIOS
São Paulo, 2007
Apresentação
Outros Retratos – Ensaiando um panorama do documentário independente no Brasil
Cláudia Mesquita
A realidade como crítica de cinema – O cinema como crítica da realidade
José Carlos Avellar
Tendências e perspectivas do documentário contemporâneo: um olhar histórico retrospectivo
Sheila Schvarzman
Documentário expandido – Reinvenções do documentário na contemporaneidade
Francisco Elinaldo Teixeira
O filme-dispositivo no documentário brasileiro contemporâneo
Consuelo Lins
Tendências do documentário contemporâneo
Liliana Sulzbach
A expressão cinematográfica no território do documental
Luiz Eduardo Jorge
Documentário e subjetividade – Uma rua de mão dupla
Cao Guimarães
O documentário como experiência
Érika Bauer
Filme livre
Carlos Nader
Outros novos rumos
Paschoal Samora
Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo: trajetória e perspectiva
Roberto Moreira S. Cruz
Relatório de viagem
Flavia Celidônio
 8
16
30
38
44
52
60
68
74
82
92
96
108
Sumário
 6
Sobre fazer documentários / Vários autores. – São Paulo : Itaú Cultural, 2007. 
 124 p.
 
 Acompanha 1 DVD
 1. Audiovisual 2. Documentários 3. Técnica 4. Produção 5. Brasil I. Título
 CDD 791.43
6 7
Desde a retomada da produção cinematográfica no país, em meados da década 
de 1990, o documentário cada vez mais tem ocupado espaço nos festivais e 
salas exibidoras, despertando a atenção do público e gerando interesse pelas 
imagens do gênero. Em sincronia com essa tendência, o Itaú Cultural desenvolveu 
uma política de difusão e fomento à produção de documentários por meio do 
programa Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo. Nos últimos dez anos foram 
realizadas atividades estimulando o pensamento crítico, criando ações de difusão, 
exibição e apoiando a realização de mais de 35 filmes e vídeos.
Sobre Fazer Documentários apresenta reflexões e opiniões de cineastas e 
pesquisadores, tratando dos processos de realização, tendências e modelos de 
linguagem e perspectivas históricas sobre essas produções. O livro é o resultado de 
uma série de palestras realizadas em 13 cidades durante o período de lançamento 
e apresentação da 5ª edição do programa Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo. 
Uma contribuição pontual para o leitor que se interessa pelos rumos do audiovisual 
no país, especialmente pelo documentário.
Apresentação
8 9
Proponho com este artigo um panorama breve e sintético da produção documental brasileira a partir dos anos 1960, quando ganha força e relevância estética o documentário independente no país. A idéia é relacionar condições de produção 
e opções estéticas e temáticas tendo como recorte a questão da alteridade, ou as 
representações do “outro de classe”1. O texto está estruturado segundo uma periodização 
da produção, dividida em três “momentos”: documentário moderno (1960-1984), tempos 
de vídeo (1984-1999) e documentário da “retomada” (1999 em diante). A demarcação desses 
períodos não é rigorosa ou exata, mas aproximada, guiando-se por marcos simbólicos2; eu 
a utilizo para apresentar características dominantes em cada “momento”, bem como para 
sugerir transformações no decorrer desse percurso histórico.
Documentário moderno (1960-1984): a emergência do “outro”
Sabemos que, no Brasil, o enfrentamento da alteridade ganhou especial interesse, expressão 
e atenção a partir da entrada dos anos 19603. Com a emergência do documentário 
independente, entram em pauta, sob olhares críticos, as histórias, os problemas e as 
experiências das classes populares. Nesse período, dominaram os curtas e os médias-
metragens, produzidos com baixos orçamentos e com o apoio de instituições que detinham 
e emprestavam os equipamentos básicos. Quando se fala em documentário moderno 
brasileiro, portanto, deve-se pensar num contexto não profissionalizado e na circulação 
extremamente restrita das obras – rejeitadas pelo circuito comercial, elas circulavam em 
festivais, cineclubes ou organizações políticas e culturais (Bernardet, 1987: 169).
Em Cineastas e Imagens do Povo (1985), livro sobre o documentário moderno brasileiro que 
se tornou referência indispensável, Jean-Claude Bernardet estabeleceu como eixo para o 
entendimento de sua trajetória uma questão posta justamente pela relação de alteridade: 
Cláudia Mesquita
Professora da Universidade Federal de Santa Catarina. Jornalista formada pela UFMG, mestre 
em cinema pela ECA/USP e doutoranda na mesma instituição, onde desenvolve pesquisa 
sobre representações da experiência religiosa pelo documentário brasileiro. Atuou como 
pesquisadora nos documentários Peões (Eduardo Coutinho, 2004) e Em Trânsito (Henri 
Gervaiseau, 2005), e como assistente de direção em Saudade do Futuro (Cesar e Marie-Clemence 
Paes, 2000). Realizou Terra da Lua (1992, com Anna Karina e Tania Caliari), A Folia de Adão (2001) 
e 5 Mulheres de Paraisópolis (2004).
Outros Retratos – Ensaiando um panorama do documentário 
independente no Brasil
1 Como aponta Bernardet (1987: 168), 
dois filmes curtos realizados em 1959 es-
boçam tendências iniciais para o moder-
no documentário brasileiro: de um lado, 
O Poeta do Castelo (Joaquim Pedro de 
Andrade) propõe um retrato intimista de 
um indivíduo “especial”, o poeta Manuel 
Bandeira; de outro, Arraial do Cabo (Paulo 
César Saraceni) se volta à abordagem 
crítica da problemática vivida por uma 
comunidade pobre de pescadores. É 
esse veio aberto pelo segundo filme que 
estará em pauta neste artigo.
2 Estou ciente das ilusões da “periodiza-
ção”, tão bem expostas por Bernardet em 
Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro 
(2004). Será possível seccionar a história 
do documentário brasileiro em “fatias 
temporais que tenham uma significação 
dominante intrínseca, bem como uma 
significação para os diversos elementos 
que a compõem?” (2004: 59). Apesar dos 
limites do método, que certamente não 
dá conta da diversidade da produção em 
cada “momento”, opto pela periodização 
por sua eficácia didática. Aqui, o perío-
do do “documentário moderno” inicia-se 
com Aruanda (Linduarte Noronha, 1960) 
e se encerra com Cabra Marcado para 
Morrer (Eduardo Coutinho, 1984). O do-
cumentário da “retomada” inicia-se com 
Santo Forte (Eduardo Coutinho, 1999), 
situando-se o período dos “tempos de 
vídeo” entre os dois marcos (1984-1999).
3 Antes da emergência do cinema 
novo, a maioria dos documentários 
produzidos – mesmo aqueles sob 
muitos aspectos notáveis – estava 
vinculada ao Instituto Nacional de 
Cinema Educativo (Ince) e, portanto, 
orientada ideologicamente no sentido 
de promover uma imagem favorável 
e harmoniosa do país. Sem falar nos 
curtas e matérias de cinejornais, es-
timulados nos anos 1930 e 1940 pela 
exibição compulsória de complemen-
tos nacionais nos cinemas (legislação 
de 1932), mas resultando, de modo 
geral, em propaganda paga por em-
presas e instituições.
10 Cláudia Mesquita Outros retratos – Ensaiando um panorama do documentário independente no Brasil 11
“quem é o dono do discurso?” (Saraiva, 2004). Com base na análise pormenorizada de 
23 filmes, o autor identificou diferentesmodos de construção cinematográfica do “outro 
de classe” (“o modelo sociológico ou a voz do dono”, “a voz do documentarista”, “a voz 
do outro” etc.). 
Para caracterizar o que chamou de “modelo sociológico”, dominante nos anos 1960, o 
autor toma Viramundo (1965), de Geraldo Sarno, como exemplo paradigmático. Nesse 
filme, já são utilizadas entrevistas, possibilitadas pela emergência técnica de gravação de 
som direto. Mas esse uso ainda é bastante restrito, limitado pelas condições materiais de 
produção e pelo paradigma documental clássico, ainda dominante. A “voz do povo” já se 
faz presente, portanto, mas ela não é o elemento central, sendo mobilizada na obtenção de 
informações e ilustrações que apóiam o documentarista na estruturação de um argumento 
(via de regra elaborado de antemão) sobre a situação real focalizada. De maneira geral, 
os documentários desse período estão interessados em estabelecer diagnósticos sobre 
situações sociais abrangentes e candentes. Almeja-se a macroanálise: o homem singular, 
a situação particular e o local específico são transformados em “categorias”, pelas quais 
se tecem significações genéricas, com a pretensão de iluminar dinâmicas sociais que 
conformam a experiência (de modo geral problemática) de muitos brasileiros. A relação 
observada nesse “modelo” é clássica, centrada na intransponível “exterioridade” do sujeito 
que filma em relação aos objetos filmados, como problematizou Omar (1978: 407): “Para 
haver um documentário é preciso uma exterioridade do sujeito e do objeto. Cada qual de 
um lado da linha, sem se tocarem. Só se documenta aquilo de que não se participa”.
Segundo o julgamento implícito em Cineastas e Imagens do Povo, esse “modelo” resultaria 
em representações autoritárias do “outro de classe”, reduzido a objeto de uma interpre-
tação exterior, erudita, unívoca. Em resposta aos limites desse “modelo”, Bernardet inves-
tigou, em curtas documentais dos anos 1970, experimentos que buscavam “promover” o 
sujeito da experiência à posição de sujeito do discurso. Uma dessas vias se materializou no 
ímpeto de “dar a voz”, notável em curtas como Tarumã (1975), de Aloysio Raulino, em que 
se observa certa “magreza estética” ou “estilo pobre”, que reduz sua forma de expressão 
ao mínimo, para que “o outro de classe assuma o discurso e não seja abafado pela voz do 
cineasta” (1985: 110). Mas, como escreve Bernardet, “o olhar continua sendo o do cineasta” 
(p. 110); não se problematiza a contento o gesto de “dar a voz”, a natureza da mediação 
(ainda obviamente presente) entre o espectador e a experiência do “outro”.
Como adverte ao leitor, Bernardet finalizou seu livro antes de assistir a Cabra Marcado 
para Morrer. Lançado em 1984, o filme de Eduardo Coutinho foi saudado como um 
“divisor de águas”. Entre as primeiras filmagens (interrompidas pelo golpe militar de 
1964) e o lançamento definitivo, 20 anos se passaram. Cresceu a influência da TV, notável 
na retomada do projeto, quando Coutinho incorpora a experiência da reportagem 
televisiva, treinada no Globo Repórter. Em 1964, tentou-se a ficção de matriz neo-realista, 
os camponeses como atores de suas histórias, roteirizadas em cenas e diálogos. Em 1984, 
domina a entrevista como palco do encontro/desencontro (sem roteiro prévio) entre 
“desiguais”: o cineasta, os camponeses. A entrevista aqui não é simples “depoimento”, não 
é “dar a voz”. Assumida no filme como diálogo, ela é permanente negociação. Marcando 
sua voz e presença em cena, Coutinho abre caminho para uma reflexão mais amadurecida 
sobre a elaboração de sentidos pelo documentário, pondo em crise tanto as ilusões de 
conhecimento objetivo do “modelo sociológico” quanto a falsa neutralidade do “dar a voz”: 
tudo é negociação, mediação, elaboração de versões, de discursos. Além de realizar uma 
espécie de “balanço crítico” do período moderno, Cabra sonda o futuro, estabelecendo 
parâmetros de linguagem que se tornariam muito influentes – tanto em termos de 
estratégias de abordagem e estilística (domínio da entrevista, assumida como “palco”, 
desnaturalizada) quanto de temática (a experiência dos “homens ordinários” como foco 
privilegiado de interesse4).
Tempos de vídeo (1984-1999): discursos “de dentro”
A carreira de Coutinho é emblemática. Depois do sucesso de Cabra Marcado para Morrer, 
o cineasta levaria 15 anos para voltar a produzir documentários longos em formato 35 
milímetros, destinados às salas de cinema5. Nesse período, produziu quase exclusivamente 
em vídeo. Com a crise do cinema brasileiro, a penetração progressiva da TV e a popularização 
dos aparelhos de vídeo, desenvolve-se uma significativa produção documental nesse 
formato no Brasil. Essa produção não chega ao cinema e se limita a circuitos exibidores 
específicos: festivais, associações, TVs comunitárias. Portanto, diferentemente do cinema 
ficcional (notadamente em longa-metragem), o documentário não “sucumbiu” à virada 
dos anos 1980 para os 1990. Seguiu seu destino de gênero “menor”, apartado do mercado 
de salas, situação que parece se modificar razoavelmente a partir da chamada “retomada” 
do cinema brasileiro, como veremos.
De um lado, a produção documental dos “tempos de vídeo” tem fortes relações com os 
movimentos sociais, que surgiram ou reconquistaram espaço com a redemocratização. 
Desde o começo dos anos 1980, desenvolve-se a realização de vídeos em que o exercício 
do “processo” de registro e discussão importa tanto quanto os produtos. No chamado 
“movimento do vídeo popular”, não vale a escalada da profissionalização em curso no 
mercado audiovisual brasileiro daquela época, observando-se uma notável imbricação 
entre produtores de vídeo e atores dos movimentos sociais. Não tematizarei aqui tal 
produção, que por suas particularidades mereceria um estudo à parte. Não poderia, 
entretanto, deixar de notar a grande influência (temática, estética e de produção) do vídeo 
popular sobre o documentário independente, num período em que os movimentos 
sociais davam o tom das representações.
É muito freqüente, por exemplo, o projeto de elaborar, “de dentro”, as identidades dos 
grupos sociais retratados, em oposição ao estigma; de dar-lhes visibilidade de uma 
4 Sobre a noção de “homem ordinário” e 
sua presença no documentário brasileiro 
contemporâneo, ver o trabalho de César 
Guimarães (2005).
5 A exceção parcial é O Fio da Memória, 
longa em 16 milímetros lançado – de 
modo restrito – em 1991.
12 Cláudia Mesquita Outros retratos – Ensaiando um panorama do documentário independente no Brasil 13
perspectiva que se propõe “interna”. Em termos de abordagem, a entrevista é o carro-
chefe, revelando o ímpeto de “dar a voz”, de abrir o microfone aos sujeitos da experiência, 
opção que tem como correspondente a ausência progressiva de voz over interpretativa 
ou totalizadora (numa espécie de continuação do cinema anti-retórico da “voz do outro”). 
É o caso de Santa Marta – Duas Semanas no Morro (1987) e Boca de Lixo (1992), de Eduardo 
Coutinho. Embora possam ser considerados trabalhos autorais, eles se vinculam (em termos 
de produção) a entidades relacionadas ao movimento do vídeo popular6. Em ambos, a 
estratégia de abordagem dominante é a entrevista, embora ainda estejamos distantes da 
radicalidade de seu uso na obra recente de Coutinho. Em Santa Marta, sobretudo, ainda se 
observa um esforço “contextualista”: o projeto de associar as experiências dos entrevistados 
às de um grupo maior, do qual fariam parte e ao qual dariam expressão (a “comunidade”). 
Visivelmente está em pauta a reconstrução do espaço público no Brasil, após 20 anos de 
regime autoritário, e os movimentos sociais organizados (notadamente as associações de 
moradores) são vistos como atores políticos fundamentais. Para além das relações formais 
de trabalho, outras formas de vínculo e de pertencimento entram em cena: a população 
carcerária, os moradores defavelas e de ruas, as prostitutas, os trabalhadores informais. 
Entram em cena outros “sujeitos” – que “buscam”, na nova conjuntura, sua identidade 
(Oliveira, 2001: 11). É, portanto, nos anos 1980, na esteira do vídeo popular, que se inicia 
a elaboração de “auto-representações” ou representações efetivamente “de dentro” – tal 
busca será uma das tônicas a partir dos anos 2000, como veremos adiante7.
O documentário da “retomada” (1999...): subjetividades e auto-representações
Convencionou-se falar em “retomada” do cinema brasileiro a partir de meados dos 
anos 1990. Será essa periodização aplicável à produção de documentários? Também se 
fala em boom do documentário. Mas boom em que sentido? Convém lembrar que o 
documentário continuou sendo produzido no Brasil nos anos 1980 e 1990, à margem do 
mercado de salas. Por outro lado, seria exagerado afirmar que o gênero conquistou na 
atual década um mercado sólido8. Mas, mesmo que o público não seja expressivo, há uma 
novidade considerável, como aponta Carlos Augusto Calil: o fato de o documentário ter 
“superado a barreira da tela grande” do cinema, “janela do mercado até então interditada 
a este gênero” (Calil, 2005: 159). Desde 1992, foram lançados comercialmente mais de 50 
longas documentais (o formato tradicional até os anos 1990 eram os curtas e os médias-
metragens, com raras exceções).
Essa intensificação da produção de documentários para o cinema tem razões objetivas. 
Há maior agilidade e barateamento da produção pela captação com câmeras digitais e 
montagem com equipamento não-linear. Também há estímulo objetivo à produção por 
meio de uma legislação de incentivo ancorada em mecanismos de renúncia fiscal, que 
atrai patrocinadores privados. Mas o incentivo à produção ainda esbarra no problema 
da distribuição. Muitos longas documentais são produzidos, poucos são distribuídos 
satisfatoriamente. Por outro lado, a produção documental independente mantém a 
histórica dificuldade de acesso à televisão, embora alguns experimentos recentes sugiram, 
se não mudanças efetivas de rota, novos percursos possíveis9.
Anomalias e distorções de mercado à parte, creio que a “retomada” documental já merece 
um balanço estético, sendo possível levantar características marcantes e recorrentes. Entre 
elas, destacaria uma tendência à particularização do enfoque: em vez de almejarem grandes 
sínteses, os documentários atuais buscam seus temas pelo recorte mínimo, abordando 
histórias e expressões circunscritas a pequenos grupos10. Nesse sentido, é freqüente a 
abordagem de experiências estritamente individuais, a investigação de singularidades. Há 
uma valorização da subjetividade do homem comum, um investimento no que, para além 
das determinações e normatizações sociais, é expressão “autêntica”, singular (Senra, 2004).
Relacionada a essa investigação de subjetividades, há uma tônica de abordagem empírica 
das situações – via experiência, via “encontro” com os personagens, evitando interpretações 
prévias. As experiências focalizadas são, de modo geral, tratadas como irredutíveis. Nem 
tipos, nem exemplos, nem casos raros ou comuns, entre outros casos. O valor está no 
“registro” e no trato respeitoso com elas, expondo suas singularidades – e não no “olho” 
que vê mais longe, relacionando essas experiências à conjuntura ou à estrutura social. 
Como bem observou Ismail Xavier (2000: 104), “a vontade agora é explorar mais os sujeitos 
no que têm de singular (…) evitam-se generalizações, a busca dos porquês”.
Santo Forte (1999), que marcou a volta de Coutinho à tela grande, estabeleceu parâmetros 
de linguagem bastante influentes. O filme compõe-se da montagem de entrevistas 
com 11 moradores de uma favela na Zona Sul do Rio, que conversam com o cineasta 
sobre suas experiências religiosas. Optando pela circunscrição espacial, o cineasta evita 
a tipicidade na escolha dos personagens. Ênfase total é posta na entrevista (ou conversa) 
como forma de abordar suas subjetividades. Na montagem, há uma minimização dos 
recursos narrativos, bastante reduzidos (evita-se narração, música, imagens de cobertura 
etc.) para não impor (aos sujeitos da experiência) qualquer tipo de comentário externo. 
Investindo em seqüências individuais, o diretor evita tomar os entrevistados como casos 
“representativos” ou “tipos” portadores de características que poderiam ser estendidas a 
um grupo maior de indivíduos. Por meio da ênfase em expressões verbais, todo o poder é 
dado aos sujeitos na elaboração de sentidos e interpretações sobre sua própria e singular 
experiência. 
Outro marco é O Prisioneiro da Grade de Ferro (Auto-Retratos), de 2003, de Paulo Sacramento, 
principal longa da tendência de “auto-representações”, muito presente na produção 
audiovisual brasileira atual (ainda que nem sempre chegue à tela grande)11. O Prisioneiro 
é resultado de iniciativa independente que promoveu oficinas de vídeo com detentos do 
extinto Carandiru. Já por seu desenho de produção, como escreveu Saraiva (2004: 176), o 
filme “provoca reflexões cruciais para o cinema, em especial para o documentário”. A busca 
pela afirmação dos sujeitos da experiência (como “donos do discurso”) foi possibilitada, 
nesse caso, pelo uso de pequenas câmeras digitais, de fácil manuseio. Trata-se, portanto, de 
9 O DOCTV, por exemplo, representa um 
esforço inédito de relacionamento entre 
a TV aberta e a produção independen-
te. Parceria entre Ministério da Cultura, 
TV Cultura e Associação Brasileira 
das Emissoras Públicas, Educativas e 
Culturais (Abepec), o programa, ba-
seado em concursos estaduais, tem 
viabilizado a produção regional de do-
cumentários e sua veiculação em rede 
nacional, sem a “obediência” a mode-
los de conteúdo ou formatos prévios. 
 
10 Karla Holanda (2004) diagnosticou 
uma tendência à particularização do 
enfoque no documentário contempo-
râneo brasileiro – tendência que ela 
compara à metodologia da micro-his-
tória, em oposição às macroanálises. 
11 Há uma série de experimentos (via 
oficinas de formação) que visam à elabo-
ração de representações pelos sujeitos 
da experiência, apartados dos meios de 
produção e difusão de imagens. Citaria, 
além do Vídeo nas Aldeias, as Oficinas 
Kinoforum, realizadas na periferia de 
São Paulo, desde 2001, pelo Festival 
Internacional de Curtas. 
6 Santa Marta foi produzido pela ONG 
carioca Instituto de Estudos da Religião 
(Iser); Boca de Lixo teve apoio do Centro 
de Criação de Imagem Popular (Cecip), 
uma das principais entidades respon-
sáveis pela produção de vídeos para os 
movimentos sociais no Rio a partir de 
meados dos anos 1980.
7 Um dos mais interessantes experimen-
tos surgiu nos anos 1980: o Vídeo nas 
Aldeias. Sua proposta inicial era oferecer 
aos índios instrumentos para criarem 
suas próprias imagens, usadas para troca 
de informações entre diferentes povos. 
Desde 1998, por meio de oficinas, o pro-
jeto tem formado realizadores indígenas, 
que assinam seus próprios documentá-
rios e são hoje “mestres” nos processos 
de formação.
8 Basta dizer que, de todo o montante 
arrecadado com filmes nacionais em 
2003, 92% correspondeu a produções da 
Globo Filmes (todas elas ficcionais).
14 Cláudia Mesquita Outros retratos – Ensaiando um panorama do documentário independente no Brasil 15
“uma formulação criativa das potencialidades trazidas pela nova tecnologia” (Saraiva, 2004: 
176). Ao final, é notável a desmistificação do espaço do Carandiru promovida por esses 
“auto-retratos”. O que aparece é um presídio bem menos violento e mais cotidiano do que 
se poderia imaginar: a prisão como uma imensa cidade feita e refeita de práticas variadas 
(artesanato, serviços, comércio), compondo “um tecido social que parece prescindir da 
instituição” (Xavier, 2004: 12).
Por fim, chamaria a atenção para Estamira (2005), de Marcos Prado, um longo retrato do 
personagem de mesmo nome,trabalhadora de um lixão na periferia do Grande Rio. O 
filme talvez possa ser visto como uma síntese entre a busca de formas mais plásticas 
(numa tendência documental contemporânea que dialoga com a videoarte12) e a atenção 
ao encontro praticada por Eduardo Coutinho. O resultado é surpreendente. Não apenas 
um trabalho de apreensão e expressão estética do ambiente e do contexto, mas de longo 
e denso relacionamento com o personagem, recorridas vezes visitado pela equipe de 
gravação. Com seu esforço de contaminação pela subjetividade arrebatada e irredutível 
de uma mulher socialmente à margem, Estamira diz muito sobre as questões e enfoques 
privilegiados pelo documentário brasileiro atual, em seu renovado enfrentamento da 
alteridade de classe e dos abismos sociais.
Referências bibliográficas
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________. Le Documentaire; Méandres de l’identité. In: PARANAGUá, Paulo Antonio (Org.). Le Cinema Brésilien. Paris: Centre 
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CALIL, Carlos Augusto. A conquista da conquista do mercado. In: O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
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HOLANDA, Karla. Documentário brasileiro contemporâneo e a micro-história. In: Devires, Belo Horizonte, Fafich/UFMG, v. 2, n. 1, 
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Reportagem, ed. 75, ano 5, jan.-fev. 2006.
SENRA, Stella. Interrogando o documentário brasileiro. In: Sinopse – Revista de cinema, n. 10, ano IV, dez. 2004. p. 89-96.
XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro dos anos 90. In: Praga – estudos marxistas. São Paulo: Hucitec, n. 9, jun. 2000. p. 97-138.
_______. Humanizadores do inevitável. In: Sinopse – Revista de cinema, n. 10, ano IV, dez. 2004. p. 6-15.
12 Como se nota nos trabalhos de Marília 
Rocha (Aboio, 2005) e Cao Guimarães 
(O Fim do sem Fim, 2001, com Beto 
Magalhães e Lucas Bambozzi; A Alma do 
Osso, 2004; e Acidente, 2006, com Pablo 
Lobato).
16 17
1No começo do século XIX, quase no mesmo instante em que Nicéphore Niépce inventava a fotografia comportando-se como um pintor, deixando-se ficar longo tempo diante da paisagem (exageremos um pouco: a objetiva da câmera ficou aberta 
durante todo um dia de sol para que se pudesse gravar a imagem), John Constable pintava 
comportando-se como se fosse um fotógrafo (exageremos um pouco: fazendo um quadro 
numa fração de segundo), registrando instantâneos de nuvens. Óleo ou aquarela sobre 
papel, madeira ou tela, pouco mais que esboços para as paisagens que iria pintar mais tarde, 
quase fotos jornalísticas que traziam uma espécie de legenda com local, dia, mês, ano, hora 
e condições meteorológicas do instante registrado; estudo de nuvens com horizonte de 
árvores, meio-dia, depois da chuva, um pouco de vento (Cloud study with an horizon of trees: 
noon, September 27, 1821, after rain, wind). Dez da manhã, olhando para o sudeste, nuvens 
cinzas correndo rápidas sobre o leito de um céu tingido de amarelo (5th september, 1821, 10 
o‘clock, morning, looking south-east, very bright and fresh greys clouds running fast over a yellow 
bed, about half way in the sky). Constable antecipava assim o que primeiro a fotografia, que ia 
sendo inventada então, e depois o cinema, a fotografia em movimento inventada no fim do 
século, iriam fazer adiante: documentário, um registro (objetivo subjetivo) do que se passa 
no instante em que se passa. O cinema, e em particular o filme documentário, nasceu como 
expressão desse desejo que se formulou primeiro na pintura.
Entre a pintura e o cinema existe uma relação semelhante à que se encontra entre as 
nuvens pintadas muito rapidamente por Constable para preparar as paisagens que ele 
iria produzir mais tarde – a pintura, de certo modo, esboçou o que o cinema iria fazer 
em seguida. Se examinarmos a questão do ponto de vista do cinema documentário, 
interessados em examinar a relação que se estabeleceu entre o filme documentário e o 
filme de ficção, encontraremos na experiência de Constable uma antecipação do que viria 
a ocorrer no cinema brasileiro (não apenas, mas especialmente no cinema brasileiro) no 
José Carlos Avellar
Crítico de cinema, autor de ensaios sobre cinema brasileiro e latino-americano, entre eles: 
Glauber Rocha, Madri, Editorial Cátedra, 2002; A Ponte Clandestina, Teorias de Cinema na América 
Latina, São Paulo, Editora 34, 1996; Deus e o Diabo na Terra do Sol, Rio de Janeiro, Rocco, 1995; 
O Chão da Palavra: Cinema e Literatura no Brasil, Editorial Prêmio, 1994. Foi diretor cultural da 
Embrafilme (1985-1987) e diretor-presidente da Riofilme (1994-2000). Atualmente é consultor 
de cinema do Programa Petrobras Cultural.
A realidade como crítica de cinema – O cinema como 
crítica da realidade
.
18 José Carlos Avellar A realidade como crítica de cinema – O cinema como crítica da realidade 19
começo da década de 1960: o documentário (como as rápidas anotações ao vivo das 
nuvens) como esboço necessário para a ficção (as paisagens pintadas em estúdio).
De certo modo, a fotografia e o cinema concretizaram o que já vinha sendo esboçado 
pela pintura desde o começo do século XIX. Francisco de Goya, por exemplo: a seqüência 
feita entre 1806 e 1807 (no acervo do Art Institute de Chicago), El Maragato Amenaza 
con el Fusil a Fray Pedro de Zaldivia, e as outras cinco telas que complementam a ação da 
primeira – frei desvia o fuzil; frei luta para desarmar o Maragato; frei golpeia o Maragato 
com o fuzil; frei dispara o fuzil; e frei amarra o Maragato. O que temos aqui é um filme 
documentário antes do cinema, tanto nesses seis quadros como nos dois pintados em 
1814 (no acervo do Museu do Prado de Madri): El Dos de Mayo de 1808 en Madrid, la Lucha 
con los Mamelucos e El Tres de Mayo de 1808 en Madrid: los Fusiliamentos de la Montaña del 
Príncipe Pío. Documentário antes do cinema são também as gravuras que José Guadalupe 
Posada publicou da Gaceta Callejera do México no fim do século XIX, como Ballazos en 
Calle de San Hipolito, ou El Motín de los Estudiantes en Mayo de 1892, ou ainda Fusiliamento 
del Capitán Clodomiro Cota.
Outro exemplo de representação visual que tem algo a ver com o que se concretizaria na 
prática do cinema documentário é o quadro que J. M. W. Turner pintou em 1842 e que 
surpreende primeiro pela indicação precisa em seu longo título: Snow Storm – Steamboat 
off a Harbour’s Mouth Making Signals in Shallow Water, and Going to theLead. The Author Was 
in this Storm on the Night the Ariel left Harwich. Algo que surpreende ainda mais quando 
o título se liga à imagem, pois a pintura parece contrariar a promessa de documentário 
contida no seu meio título, meio legenda. Nenhum detalhe da tempestade de neve 
imobilizado para uma observação minuciosa, nenhuma forma claramente identificável 
como o navio Ariel que sinaliza ao tentar deixar o porto. Somente manchas pouco precisas 
que compõem um ritmo nervoso. Talvez um traço fino no centro do quadro possa ser 
compreendido como o mastro de um navio, mas, de fato, nada do registro preciso que se 
poderia esperar do relato de alguém que esteve lá, na tempestade, amarrado no mastro 
do navio, como diz o pintor, que garante ter estado lá: “Pedi aos marinheiros que me 
amarrassem ao mastro do vapor para contemplar a tempestade. Fiquei amarrado durante 
quatro horas, cheguei a achar que não iria sobreviver; mas só pensava em registrar a 
tempestade se porventura saísse vivo dela”.
Registrar, documentar, sim, mas registrar de outro modo, documentar outra questão. A 
tempestade de neve em Harwich na noite em que o Ariel deixou o porto foi pintada no 
exato momento em que os franceses Nicéphore Niépce, Louis Daguèrre e Hippolyte Bayard, 
o alemão Peter Voitgländer e o inglês William Fox Talbot aperfeiçoavam os processos, as 
objetivas e os aparelhos fotográficos. Consciente ou não (pouco importa) do registro 
essencialmente objetivo da aparência das coisas por meio da fotografia, Turner pinta 
movido por uma vontade de documentar de um modo não (ou além do) fotográfico: “Não 
pintei a tempestade para que ela pudesse ser compreendida, mas porque queria mostrar 
algo parecido com esse espetáculo. Queria mostrar o que se sente com um tal espetáculo”1.
A questão levantada por Turner na metade do século XIX é, a rigor, a mesma que alimenta 
a discussão em torno da prática do cinema documentário desde a metade do século XX: 
como ir além do registro puramente (fotográfico? jornalístico?) da superfície, da aparência 
visual primeira das coisas? Como levar o espectador a sentir mais do que simplesmente 
ver o que se passa? Como fazer da imagem do documentário algo que mostre a realidade 
não exatamente como ela é, mas como foi percebida e sentida pelo realizador?
Talvez seja possível dizer que, em Rocha que Voa (2002), Eryk Rocha pinta sua imagem 
assim como Turner fotografou sua tempestade de neve. E que em Ônibus 174 (2002) José 
Padilha grava um incidente trágico da vida do Rio de Janeiro tal como Posada fotografou 
tiroteios, motins e fuzilamentos em sua gazeta de rua do fim do século XIX. Isto é, esses 
filmes não se apoiaram na pintura de Turner ou na gravura de Posada, mas lembrar 
imagens produzidas mais de um século antes permite situar melhor em que tradição de 
representação visual se insere o cinema documentário e reconhecer o que se faz hoje no 
cinema como a realização de um desejo sonhado muito antes da invenção dos meios 
técnicos para realizá-lo; e permite verificar que, de certo modo, o cinema documentário, 
hoje, parece voltar-se para o instante em que foi sonhado.
2. 
Rio de Janeiro, 13 de maio de 1988, 13 horas, avenida 13 de maio: os 13 integrantes da 
Confraria do Garoto comemoram a seu modo o aniversário da confraria e o centenário da 
abolição – diz o narrador de O Fio da Memória sobre imagens que mostram um pequeno 
e animado grupo que se diverte ao som de Cidade Maravilhosa. Como parte da festa, 
prossegue o narrador, preparam a coroação da rainha do centenário da abolição em frente 
à Igreja do Rosário e de São Benedito. Surge então uma imagem que se move para todos 
os lados, que pega o espectador de assalto, que não deixa tempo para organizar a visão.
Em frente ao quadro, a festa da coroação: Fátima Ju – anos antes escolhida a mulata 
mais bonita do Brasil no programa do Chacrinha – recebe a faixa e a coroa de rainha do 
centenário da abolição. Por trás da coroação, outra festa na Igreja do Rosário, a da escrava 
Anastácia, que muita gente diz ser responsável por milagres e que, insiste um garoto 
entrevistado em sala de aula, foi quem de verdade libertou os escravos. Ela, porque ela é 
que brigou mesmo pela libertação, ela, a escrava Anastácia, num 13 de maio, seu dia, e não 
a Princesa Isabel, que apenas assinou a lei que pôs fim ao cativeiro.
Uma festa ruidosa em frente: alguém coloca nos braços de Fátima Ju um menino de pouco 
mais de 1 ano e tenta deslocar a coroa da cabeça dela para a da criança, que protesta e 
chora. Outra festa menos barulhenta lá atrás, na igreja. Tudo isso se mistura dentro da 
imagem, e de quando em quando algo que o enquadramento empurra para um canto 
ou para trás salta para o primeiro plano. É assim que, de repente, perdemos Fátima Ju de 
vista e nos encontramos diante de uma mulher negra que protesta com força e chama a 
1 O relato de Turner nem sempre é acei-
to como autêntico. Ele tinha 67 anos ao 
pintar a tempestade de neve, e não há 
informações de um navio Ariel deixando 
o porto de Harwich, nem de uma esta-
da do pintor naquela região. O quadro 
pode ter sido uma livre invenção a par-
tir da memória de uma tempestade de 
neve que ele atravessara nos Alpes 30 
anos antes. Com base nela ele desenhou 
diversas notas para “fotografar” rapida-
mente no papel o que via e pintou em 
1812 Snow Storm: Hannibal and his Army 
Crossing the Alps. Esses esboços podem 
ter servido também para outra Snow 
Storm pintada em 1836 na Suíça. De 
qualquer modo, a pintura realizada com 
base em anotações, em esboços feitos 
ao vivo (como uma filmagem?) e depois 
organizados num quadro (como numa 
montagem?) que não reproduz objetiva, 
fiel, fotograficamente o acontecido, mas 
expressa a sensação sentida durante o 
acontecimento, aproxima sua pintura de 
certo modo de fazer cinema documen-
tário hoje.
20 José Carlos Avellar A realidade como crítica de cinema – O cinema como crítica da realidade 21
atenção de todos: “está provado, a escravidão nunca que acabou!”. Ela fala com voz firme, 
se movimenta enquanto fala. A mistura indisciplinada – o riso da rainha, o choro do garoto 
com a coroa enfiada na cabeça, a música alegre, o vozeirão zangado da mulher negra, o 
sorriso de ironia de quem passa mais interessado na rainha meio nua do que na festa, a 
seriedade que passa com olhos só para a escrava Anastácia, o riso malandro de quem está 
só querendo ser filmado –, a aparente desordem da imagem segue sua ordem.
A mulher negra segue protestando: “o preconceito não vai acabar”; a rainha coroada, 
“magricela, parece mais homem que mulher”; ela “prova e reprova com toda a confiança 
do fundo da alma que o branco não gosta mesmo de preto”; e segue com frases que 
param na metade porque um homem branco entra na conversa, decidido a mostrar que 
não existe preconceito de cor no Brasil. Ele corta a fala da mulher negra, mas também não 
consegue concluir o que queria dizer. “Cinqüenta e um por cento da população brasileira...”, 
tenta uma primeira vez sem conseguir atenção. Tenta de novo, e de novo, e de novo, 
mas ninguém parece interessado em ouvi-lo. A mulher negra não lhe dá ouvidos, diz que 
não está falando com ele, que está falando com o repórter. As pessoas em volta entram 
na discussão, muita gente fala ao mesmo tempo, ninguém escuta nada. Num instante, 
aproveitando uma brecha na gritaria, o homem branco solta a voz e quase completa o 
que queria dizer: “Cinqüenta e um por cento da população brasileira tem a raça negra. 
Em qualquer companhia, quem tem 51% das ações controla a empresa. Se o negro não 
consegue controlar o país...” Ao que parece ele ia dizer algo como “é por falta de capacidade” 
ou “é por falta de organização”, ou um qualquer outro “por falta de”. Não consegue. Aí, 
sim, toda a gente em volta interfere ruidosamente. Adivinham a conclusão da frase e... 
exatamente aí, quando a ação começa a esquentar mesmo,a cena se interrompe, o filme 
muda de assunto.
Esse fragmento é insuficiente para dar uma idéia precisa do documentário que Eduardo 
Coutinho iniciou às vésperas do 13 de maio de 1988 e terminou três anos depois, mas é um 
bom exemplo da narração fragmentada e aberta para todos os lados de O Fio da Memória. 
Esse modo de narrar aparece como parte da coisa narrada, como uma representação do 
modo de viver imposto ao negro.
Primeiro sinal da fragmentação: dois diferentes narradores. Uma só narração, mas dois 
narradores. O primeiro – o texto é de Coutinho, a voz é de Ferreira Gullar – dá informações 
imediatas, introduz as diversas situações, como a festa da Confraria do Garoto. Diz, por 
exemplo, que com a abolição o negro, analfabeto, desaculturado, sem cidadania e sem 
família, teve de lutar contra a desagregação e reunir os estilhaços de sua identidade. Esse 
primeiro narrador volta mais tarde para anunciar a marcha de militantes do movimento 
negro do Rio de Janeiro, no dia 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi dos 
Palmares e Dia da Consciência Negra. Volta também, sempre como uma voz de poucas 
palavras, para apresentar brevemente os entrevistados, entre outros Manuel Deodoro 
Maciel, ex-escravo de 120 anos de idade; a família que criou o Cacique de Ramos, os 
menores do centro de triagem de meninas abandonadas de Charitas, em Niterói; e, ainda, 
é ele que nos apresenta o segundo narrador, Gabriel Joaquim dos Santos, que viveu no 
distrito de Vinhadeiro, município de São Pedro d’Aldeia, quase divisa com Cabo Frio, a 
menos de 200 quilômetros do Rio de Janeiro, nasceu em 13 de maio de 1892 e morreu 
no começo de 1985, aos 92 anos. O primeiro narrador apresenta e praticamente cede o 
lugar ao segundo narrador. A voz é de Milton Gonçalves, o texto é de um depoimento 
gravado no fim dos anos 1970 e dos cadernos em que Gabriel anotava (como quem faz 
um documentário?) alternadamente fatos de seu cotidiano, da história da região e da 
história do Brasil.
Gabriel conta que, por volta de 1926, depois de entrar para a Igreja Batista, conheceu “um 
menino bem sabido” que ensinou “alguma coisa de leitura” para ele numa “cartilha de 
criança” e que desde então começou a anotar o que se passava num caderninho. Fala de 
tudo, e a informação mais importante não vem propriamente dos fatos narrados, mas de 
seu modo descontínuo de narrar, que salta de uma frase para outra e de um fato a outro 
por meio de um corte seco. É esse segundo narrador, Gabriel, quem determina o modelo 
de construção do filme e o sentimento que o comanda, porque, em algum momento do 
processo de realização, o homem com a câmera viu a vida de Gabriel, seu jeito de falar e de 
fazer as coisas, como uma imagem da condição do negro brasileiro que constrói seu espaço 
à margem do país, tal como Gabriel construiu sua Casa da Flor com pedaços de coisas 
apanhadas no lixo: “Quando acabei a obra da casinha, aí veio um pensamento para enfeitar 
essa casinha. Enfeitar de que maneira?, pensei. A gente não tinha dinheiro para comprar 
certas coisas, então imaginei de apanhar aqueles caquinhos de louça do lixo. Apanhar caco 
de vidro, fazer aquelas florzinhas de vidro para pregar na parede da casa para enfeitar. Veio 
aquela coisa na mente. Só apanhar os cacos, resto das grandes obras da cidade”.
A casa se impôs como exemplo da força do pobre, diz Gabriel: “Os moços do Rio chegam 
aqui e eu digo a eles: lá no Rio tem tanta coisa linda. Eles: não, aquilo não é lindo, nos 
conformemos com o Rio de Janeiro porque lá é a força da riqueza, é a força da engenharia 
– tem casa, tem palacete, mas é a coisa bem organizada da riqueza. Eles vêm aqui para ver 
a força da pobreza. Eu quero que eles admirem é a força da pobreza”.
Ele conta que começou a trabalhar na salina em 1912 e “saiu de lá no ano 1960, cansado 
e encostado pelo instituto”. Naquele tempo os operários ganhavam por dia: “no ano de 
1912, dois cruzeiros; 1920, três cruzeiros; 1930, seis cruzeiros; 1940, sete cruzeiros; 1950, 
chegou a 60 cruzeiros”. Logo em seguida anota: “as leis do cativeiro no Brasil começou 
no tempo da colonização no ano de 1532”. E continua, somando outros fragmentos: 
“Guilherme me deu um vintém feito em 1869. Me deu em 30 de abril de 1955. O preço 
dos gêneros alimentícios em 1963: 1 quilo de carne, 700 cruzeiros; 1 quilo de feijão, 180 
cruzeiros; 1 quilo de açúcar, 140 cruzeiros; 1 quilo de arroz, 200 cruzeiros; 1 quilo de farinha, 
70 cruzeiros; um pão, 15 cruzeiros. No dia 17 de abril de 1963 começou a greve na salina. 
O papa de Roma morreu em 3 de julho de 1963”.
22 José Carlos Avellar A realidade como crítica de cinema – O cinema como crítica da realidade 23
Lembra, adiante, que “José de França amaziou-se com Almerinda em 12 de fevereiro de 
1964. Santos Dumont fez o primeiro vôo em 1906. A reforma agrária foi assinada no dia 13 
de março de 1964 pelo presidente da República. João Goulart assinou às quatro da tarde no 
Rio de Janeiro. A ordem é: quem não obedecer vai para a Ilha das Flores. O marechal Castelo 
Branco tomou posse em presidente da República em início de abril de 1964. Getúlio Vargas 
enviou as forças brasileiras para a guerra na Europa no dia 13 de novembro de 1943”.
O texto de Gabriel tem uma construção tão indisciplinada quanto a cena da coroação 
da rainha do centenário da abolição. Filme e texto obedecem a um mesmo princípio 
de composição e levam o espectador a sentir (não afirmam diretamente, não explicam, 
sugerem, levam o espectador a sentir sem se dar conta disso de forma consciente) que 
a desagregação imposta ao negro foi transformada por ele num diferente modo de se 
agregar e se expressar culturalmente. Ao selecionar uma fala em que Gabriel conta que 
é governado pelo sonho, O Fio da Memória abre espaço para se explicar por meio de 
Gabriel. O documentário está, como sempre, interessado em ouvir, mas está ao mesmo 
tempo falando, explicando sua dramaturgia: “Eu me deito muito cedo. Não para dormir, 
para pensar. Eu tenho um pensamento vivo. Meu pensamento é vivo, e quando chega 
meia-noite fico adormecido. Sonho toda noite. Sou governado para fazer essas coisas no 
pensamento e no sonho. Ninguém me ensinou, é coisa espiritual. A senhora pensa que eu 
tinha inteligência para fazer isso? Eu mesmo faço, eu mesmo me admiro”.
Imaginar um documentário (modo de fazer cinema que em princípio se pretende tão 
objetivo, direto e controlado pela razão quanto possível) como forma governada pelo 
sonho define a questão principal de O Fio da Memória: um diálogo entre seus dois 
narradores, o filme está mesmo interessado em conversar: com a câmera, com as pessoas 
diante dela no instante da filmagem, com o espectador na sala de projeção depois do 
filme pronto. Estamos todos (a expressão popular é o que melhor traduz o que se passa) 
jogando conversa fora. Os entrevistados estão à vontade na imagem, mas essa sensação o 
espectador só recebe porque a documentação se organiza com um rigor que parece mais 
coisa solta, contraditória, indisciplinada, que rigorosa. Assim, o espectador percebe cada 
depoimento como uma informação dupla, como uma representação do diálogo entre os 
dois narradores que orienta sua estrutura.
De quando em quando a imagem é longa, porque se trata de deixar que o entrevistado se 
revele na conversa: ele não apenas conta determinado episódio que viveu ou presenciou 
no passado: conta sua memória, conta o que ele próprio é, se revela nos gestos, nas 
expressões, no modo de falar. De quando em quando a conversa é curta, porque uma ou 
duas frases são o suficiente para levar o homem com a câmera a engolir em seco diante 
de gente de quem se tirou a possibilidade de se expressar, como as crianças abandonadas 
em centros de triagem: a menina que nem sabe como veio para o centro responde de 
cabeça baixa que não veio, está ali desde sempre; o menino que com o rosto escondido na 
sombra diz que já fez “umapá de coisas nessa vida”, já fez de tudo, roubou, matou, traficou. 
Longas ou breves, as conversas são sempre abertas, inconclusivas, um primeiro encontro. 
O entrevistado não repete para a câmera um depoimento previamente ensaiado. Ele não 
se encontrara antes com o diretor. Coutinho envia um assistente para combinar a conversa, 
mas só se encontra com a pessoa que vai filmar no instante da filmagem. E começa a filmar 
logo que chega, sem combinar previamente sobre o que vai ser a conversa. Entrevistador 
e entrevistado se surpreendem ao mesmo tempo um com o outro. Alguma coisa nova, 
única, imprevista, se dá então, alguma coisa aberta como a pequena confusão diante da 
Igreja do Rosário pouco depois das 13 horas do dia 13 de maio de 1988.
A arquitetura dramática desestruturada, porque inspirada na Casa da Flor e nos textos de 
Gabriel Joaquim dos Santos, porque preocupada em ser uma imagem viva do tema que 
a inspira, porque solta como uma conversa, não é o que primeiro aparece em O Fio da 
Memória. Enquanto o filme está na tela o que prende mesmo a atenção não é a câmera, 
mas as pessoas diante dela. O desenho do quadro e a forma de organização do filme só 
se percebem depois de terminada a projeção, quando volta à memória o texto de Gabriel 
que abre e encerra a narração: “O Brasil já foi mandado por Portugal. O Brasil já foi uma roça 
portuguesa. Aqui já foi tudo. Existiu aqui um cativeiro muito perigoso, os portugueses a 
carregar negros da costa da áfrica pra botar aqui pra trabalhar na enxada. E essas coisas 
tudo já passou. Aí o português entregou isso. D. Pedro I fez a independência. Botou o Brasil 
pra cá e Portugal pra lá. E ficou o Brasil por conta de nós próprio”.
3. 
Imaginemos que o cinema documentário se realize num espaço entre a pintura (o desejo 
de reproduzir o movimento se movimentando, Goya, Constable, Turner, por exemplo) e a 
pintura (a proibição de reproduzir, René Magritte e La Reproduction Interdite, por exemplo).
Numa tela de 1937, Magritte antecipa e resume a questão que os filmes documentários (os 
brasileiros, mas não só) começaram a se propor mais recentemente. A tela La Reproduction 
Interdite se propõe como um retrato de Edward James. Nela, um homem diante do espelho 
vê refletida não a imagem de seu rosto, mas aquela mesma figura que o espectador do 
quadro vê: no espelho ele aparece de costas, como se o essencial de sua imagem não 
pudesse se refletir no espelho. Magritte pinta quase como quem fotografa, reproduzindo 
tal e qual as costas de um homem diante do espelho – melhor, de uma pessoa em particular, 
Edward James, com seu penteado, seu porte físico e as dobras do paletó. Pinta como quem 
fotografa o livro sobre a bancada de mármore em que se apóia o espelho (e igualmente 
refletido no espelho como o vemos, do mesmo ângulo de visão). É evidente que Magritte 
não pintou La Reproduction Interdite para discutir o documentário (por mais que gostasse 
de cinema; por mais que tivesse, à margem de sua expressão visual, feito experiências com 
fotografia e cinema). Mas como tudo na imagem parece fotografar documentalmente o 
homem que diante do espelho vê não o seu rosto, mas as suas costas, o quadro pode ser 
24 José Carlos Avellar A realidade como crítica de cinema – O cinema como crítica da realidade 25
tomado como uma representação do problema que o cinema documentário enfrenta 
agora: como revelar no quadro o espaço mais amplo fora de quadro? O assunto, o tema, 
a questão registrada são somente uma forma de compor um quadro que durante todo o 
tempo joga o olhar para fora dele, para documentar no que está ali, imediatamente visível, 
o que não se traduz para o olhar: reproduction interdite.
4.
No começo de Passaporte Húngaro (2002), Sandra Kogut fala ao telefone. Ela pergunta ao 
consulado da Hungria se uma pessoa com um avô húngaro tem direito a um passaporte 
daquele país. Na verdade, são duas conversas, em francês, montadas como uma fala 
contínua, mas feitas em momentos e em telefones diferentes. A voz masculina que atende 
a uma das chamadas acha que não, que um neto de húngaro não tem direito a Passaporte 
Húngaro. A voz feminina que atende à outra chamada pergunta se ela poderia reunir 
documentos capazes de provar a origem húngara de seus avós.
No começo de 33 (2003), Kiko Goifman fala com o espectador. Diz que sempre gostou 
de contar que é filho adotivo em momentos inesperados e observar como as pessoas 
se sentem nessas ocasiões. Diz que tem 33 anos, que foi adotado por Berta, que nasceu 
em 1933, e que naquele dia, 9 de setembro de 2001, começava a remexer no passado, 
partindo em busca de sua mãe biológica por 33 dias e por “um caminho metódico e torto”. 
Decidira ir ao escritório de detetives para pedir dicas, usar as manhãs e tardes para as 
investigações e as noites para “a procura de imagens, nas poucas luzes e nos vazios“.
O que aproxima esses dois filmes não é apenas o começo, com imagens diferentes mas 
parecidas entre si: um breve discurso para apresentar uma busca e definir seus limites. São 
documentários próximos um do outro porque neles os realizadores estão no centro das 
histórias que contam; porque radicalizam algo presente em todo documentário de forma 
velada: o pedaço em que o documentário, filme voltado para o outro, até certo ponto 
determinado pelo outro, sem tirar os olhos do outro, se refere a si mesmo, fazendo do retrato 
do outro também um auto-retrato, como quem diz “ eu sou o outro”. A imagem aqui é um 
espelho como o de La Reproduction Interdite. Sandra e Kiko, no centro do filme desde o 
primeiro instante, aparecem como Edward James na pintura de Magritte: rostos invisíveis.
Em muitos planos de 33 vemos a câmera na mão de Kiko. Ele não filma a si mesmo num 
espelho, apenas deixa visível em qualquer superfície lisa capaz de refletir uma imagem a 
câmera com que (se) filma. Conscientemente ou não, define-se como um homem com uma 
câmera; reafirma a importância de seu instrumental sensível, o cinema; indica que manter 
a atenção voltada para a câmera, para o cinema, é aqui tão importante quanto observar as 
ações documentadas durante a busca de sua mãe biológica. O personagem que está em 
cena filma a cena. O Kiko diretor e o Kiko personagem em cena são ao mesmo tempo dois 
e um só, e reiteram: eu e meu eu/outro, antes de qualquer coisa, fazemos cinema. O Kiko 
diretor busca (busca talvez mais importante que a da mãe biológica efetuada pelo Kiko 
personagem) imagens para dizer o que ele sente e pensa durante a procura.
Também em Passaporte Húngaro a pessoa que filma participa da cena com a câmera na mão, 
age na cena que está filmando2. Usa um pequeno vídeo digital, e as pessoas que estão sendo 
filmadas nem percebem a câmera, ou, se percebem, acham natural que ela esteja ali, objeto 
semelhante a uma caneta, bolsa, livro ou caderneta. Em cena as pessoas filmadas conversam 
na presença de um terceiro olhar, pequenino, discreto, silencioso. Sem esse terceiro olhar, a 
cena seria diferente ou talvez nem viesse a existir. Na verdade, trata-se de um jogo em que 
a intervenção é de mão dupla. Sandra, a realizadora, age primeiro como um personagem 
de seu filme. Lida com a câmera como se estivesse também sendo observada pela objetiva. 
Vive o instante que filma como personagem da cena, não como quem a dirige. Não domina 
a cena nem sabe o que vai acontecer com ela. Busca Passaporte Húngaro e documenta o 
processo – que se estendeu por dois anos entre idas a consulados e arquivos, além de visitas 
a familiares, todos filmados. O mesmo ocorre com o projeto de Kiko Goifman: 33, tal como 
planejado, só teria sentido se ele mesmo se filmasse3. A idéia de procurar e filmar a procura 
da mãe biológica e a idéia de pedir e documentar o pedido de Passaporte Húngaro parecem 
ter surgido ao mesmo tempo, em fusão, uma dentro da outra. Observando a questão sob 
um ponto de vista exclusivamente cinematográfico, é possívelsupor, com algum exagero, 
que o fato de procurar a mãe biológica e o de pedir Passaporte Húngaro tenham surgido 
primeiro como idéia de filme.
Adotando a expressão com que Geraldo Sarno resumiu a questão4, o que um documentário 
documenta com veracidade não é o que está em quadro, e sim o modo de compor o 
quadro, a maneira de documentar do documentarista, seu modo de reagir às questões 
concretas que surgem durante a realização do filme, aquelas criadas pelo objeto a ser 
documentado e as provocadas pelo sistema de produção. Nos filmes de Sandra e de Kiko, 
além disso, mais do que se mostrar indiretamente no modo de estruturar o discurso, o 
documentarista documenta a si mesmo. Filma o seu outro eu. Filma sua família. É o que 
documenta e o que está sendo documentado. Está no centro da história, bem no centro 
– se aceitarmos a possibilidade de um centro excêntrico.
Nas imagens iniciais de Passaporte Húngaro vemos um telefone e logo um outro filmados, 
ao que tudo indica, sob o ponto de vista de quem fala ao telefone. A imagem que se produz 
então equivale à que se obtém com o gesto automático de riscar uma coisa qualquer no 
papel durante uma conversa telefônica. O espectador vê o telefone na tela assim como 
Sandra, no instante da filmagem, viu a imagem: ela foi construída para mostrar a conversa e 
não o aparelho. Olhamos o telefone e vemos Sandra, que fala aqui, e o homem e a mulher 
que respondem do outro lado da linha. O que vemos nesse momento não é o que está 
ao alcance dos olhos, mas o que se constrói pela estrutura de composição – porque num 
filme cada plano, quadro, fragmento é apreendido pelo espectador não somente como a 
expressão do que a imagem imediatamente revela, mas como um gesto da ordem expressiva 
que organiza a imagem. Não importa que Sandra não esteja ali; o que o documentário então 
documenta é Sandra, fora de quadro, refletida num falso espelho como o de Magritte. Kiko 
está igualmente fora de quadro no falso espelho de 33. A imagem apenas sugere um pouco 
2 Em depoimento feito para o site de 
Passaporte Húngaro (http://www.repú-
blicapureza.com.br/passaporte), Sandra 
Kogut conta por que não aparece na 
imagem do filme: “Foi uma decisão que 
tomei na hora da edição. Achei que, num 
filme sobre identidade, seria redutor ter 
uma imagem, um corpo... Ao mesmo 
tempo, não é um filme autobiográfico, 
acho mais importante estar presente 
com o olhar: o que me interessa é, atra-
vés do meu olhar, mostrar outras pessoas 
[...] Não existe um motivo central. Se eu 
estivesse pedindo um passaporte por-
que queria uma cidadania européia, acho 
que não faria um filme. Eu só quis fazer o 
filme porque era uma coisa complexa, 
porque não havia um único motivo”.
3 Sobre 33, de Kiko Goifman, ver também 
na internet a página do filme: http://
www. uol.com.br/33.
4 SARNO, Geraldo. Quatro notas e um 
depoimento sobre o documentário. In: 
Cinemais, n. 25, set./out. 2000.
26 José Carlos Avellar A realidade como crítica de cinema – O cinema como crítica da realidade 27
do que está fora de quadro: Kiko aparece numa espécie de fusão conseguida graças ao 
ângulo da câmera diante da janela, meio vidro, meio espelho, que, enquanto deixa ver o 
lado de fora, reflete parte do lado de dentro, a televisão ligada iluminando o rosto de Kiko. 
Mostrar-se assim, fora do campo visual, é um modo de levar o espectador a se dar conta 
da composição como elemento essencial do documentário, que deixa de ser um simples 
registro visual e sonoro do fragmento da realidade diante dele. Um documentário não 
repete, não reapresenta a realidade: representa, pensa.
5.
“Não há como negar, Nelson Freire é feito de lacunas.” João Moreira Salles definiu assim 
seu trabalho, depois de lembrar o que conseguiu registrar: “Nelson tocando o Segundo 
Concerto de Brahms no Municipal do Rio, tocando o mesmo concerto no sul da França 
com a Filarmônica de São Petersburgo, tocando a quatro mãos e dois pianos com sua 
grande amiga Martha Argerich, tocando a Fantasia de Schumann em pelo menos três 
ocasiões diferentes (todas elas de tirar o fôlego), tocando Villa-Lobos dentro de uma igreja 
barroca com vista para o Mediterrâneo. Porém, não há como negar”, conclui, “Nelson Freire 
(2003) também é feito de lacunas”. E essa é a primeira informação que se recebe do filme. 
No pedacinho inicial do que ainda vai ser a primeira imagem se anuncia com clareza: o 
filme se constrói como fragmento, pedaço, parte, estilhaço, intervalo, fora de quadro. O 
fragmento primeiro é uma unidade mínima de som logo cortada – mal começa, acaba. Um 
golpe seco, não se percebe nada além disso. A música acabou, a orquestra parou, a platéia 
aplaude. O pianista curva-se para agradecer e, ao lado do maestro, caminha na direção da 
câmera, que está no fundo do palco, por trás dos músicos, escondida nos bastidores. O 
quase-som que ouvimos dura pouco e é logo esquecido porque – sem intervalo algum, 
quase sem silêncio entre um e outro – novo som forte cobre a imagem: o aplauso da 
platéia. E, ao contrário da batida inicial, o som do aplauso se alonga, continua. Continua. E 
continua. Entusiasmado, mais forte e presente na imagem que a conversa entre o pianista 
e o maestro nos bastidores. Eles trocam poucas palavras. Comentam que tudo correu 
bem. O pianista diz que gostaria de um cigarro, mas, instado pelo maestro, volta ao palco 
para agradecer. A câmera o acompanha.
A longa duração dessa primeira imagem pode, à primeira vista, dar a sensação contrária, 
de que o filme não é assim como dissemos que ele é. Para fragmento, o plano de abertura 
parece grande demais. É um longo plano-seqüência. Quanto dura? Dois, três, quatro 
minutos? Parece mais. Não importa o tempo real, parece mais. Mas igualmente não 
importa aqui a duração real nem a sensação de que dura mais do que o que realmente 
dura. O plano se estica no tempo, mas estruturalmente é um fragmento, mostra só o 
intervalo entre duas apresentações do pianista.
Ele volta ao palco e a câmera sai dos bastidores, avança, esgueirando-se entre os músicos, 
para ver de perto o agradecimento e o entusiasmo da platéia. Os aplausos seguem, o 
pianista volta aos bastidores, e a câmera vem com ele. Bebe um pouco d’água, pede um 
cigarrinho, mas o maestro insiste: “cigarrinho, depois”. Antes, um extra, um brinde, “um 
docinho de coco para o público”, para agradecer. Pianista e maestro voltam à cena, curvam-
se diante dos aplausos, que não diminuem. De novo nos bastidores, o maestro insiste: um 
extra, um brinde. O pianista diz que não dá. Depois desse concerto, não seria possível. 
Pede ao maestro que o acompanhe ao palco para novo agradecimento – porque a platéia 
segue aplaudindo. Os dois cumprimentam os músicos. O maestro faz um gesto para que 
toda a orquestra se levante e volta para os bastidores com o pianista. O plano não acaba aí. 
Renova-se o apelo: uma peça pequenina, diz o maestro, um docinho de coco. Cigarrinho 
só depois. E nova entrada em cena para mais um agradecimento.
Um plano-seqüência mais intervalo que seqüência. Uma observação detalhada de um 
entreato. O concerto, que não vimos, acabou. Vai começar outra coisa que igualmente 
não veremos. Nessa nova entrada em cena o pianista senta-se ao piano para tocar algo, 
e o plano acaba. Vemos o vazio entre o último pedaço de som do concerto e o gesto 
de sentar-se ao piano – o gesto e só: agora nenhum som – para o extra. O que acabou 
importa pouco. O que vai começar não faz falta. Vemos o vazio entre uma coisa e outra e, 
graças a ele, percebemos melhor e mais acuradamente o que de fato importa.
“Documentaristas têm a estranha mania de achar que tudo, ou quase tudo, deve ser 
filmado. Não precisa ser necessariamente assim”, diz João Moreira Salles. “Uma boa 
parte do público de música erudita gosta de ver o seu pianista dando golpes de 
braço à direita e à esquerda, como se o teclado fosse um mar, e ele, um afogado.O 
problema desse destempero é que quase sempre a música acaba desaparecendo por 
trás da ginástica. Com Nelson isso nunca acontece. O seu piano é um mar calmíssimo. 
Acredito que essa elegância seja uma decisão estética; é como se ele dissesse: ‘Prestem 
atenção na música e não se deixem ludibriar pela performance’. E suspeito também 
que se trata de uma questão de recato [...] Num mundo cada vez mais exibido, esse 
recato é o traço mais belo de Nelson e, na minha opinião, a razão da extraordinária 
pureza de sua música”5.
Recato. Lacuna. Intervalo. Bem no instante em que a tecnologia digital aponta 
concretamente para a possibilidade de filmar tudo, e bem de perto, até invadir e vencer 
toda e qualquer intimidade, o que começa a aparecer nos filmes como construção mais 
refinada – Nelson Freire, 33 e Passaporte Húngaro, por exemplo – pode ser resumido nas 
palavras acima. O documentário, experiência em que o diretor quase se reduz a um 
espectador do filme que dirige, começa a ser pensado como uma expressão recatada, a se 
perguntar se, por acaso, em vez de ser o que mostra todas as coisas do mundo, não seria, 
de fato, o que mostra só o intervalo entre as coisas.
Intervalo, autoria. Quando, em O Prisioneiro da Grade de Ferro (2003), Paulo Sacramento 
entregou a câmera a detentos do presídio do Carandiru para que eles se filmassem, não 
estava renunciando à autoria de seu filme, mas passando a atuar como um espectador 
ativo da realidade ou do filme que produz para discuti-la. É um filme que se realiza 
estimulado por ele mas quase independente dele. Até certo ponto, todo documentário 
5 Em “O elogio do recato”, entrevista a 
Daniel Schenker Wajnberg, Marcelo Ja-
not e Maria Sílvia Camargo publicada na 
edição de 9 de maio de 2003 da revista 
criticos.com.br.
28 José Carlos Avellar A realidade como crítica de cinema – O cinema como crítica da realidade 29
é isso mesmo, filme feito por um espectador ativo, meio distante ou no centro da cena. 
Não é a primeira vez que isso ocorre num documentário, nem é tão incomum assim que 
um realizador construa seu filme montando imagens que não filmou. Aqui, ou porque os 
presos passaram antes por uma breve oficina sobre o uso de câmeras digitais, ou porque, 
como toda a gente hoje, foram “educados” visualmente pelo contato regular com cinema 
e televisão, ou ainda porque o manejo das câmeras de vídeo digital é relativamente fácil 
graças a controles automáticos, por qualquer uma dessas razões separar o que foi filmado 
por eles e o que foi registrado pelo realizador não é tão simples nem colabora para a 
melhor compreensão do projeto. O diretor não estava presente em boa parte da filmagem, 
mas em nenhum instante se ausentou da concepção do filme, porque de certo modo 
procurou se comportar como o outro, ser um deles, sentir a prisão como uma metáfora 
do mal-estar de nossa sociedade.
O Prisioneiro da Grade de Ferro remonta o cotidiano do presídio recém-destruído numa 
implosão, trabalha no eco do massacre de detentos ocorrido há pouco mais de dez anos. 
O que os presos filmam revela a prisão como um microcosmo da sociedade do lado de 
fora. Exagerando um pouco, corredores e celas do presídio não são muito diferentes dos 
corredores e apartamentos conjugados do Edifício Master, de Eduardo Coutinho. Nem as 
histórias contadas pelos presos do Carandiru são muito diferentes daquelas contadas pelos 
moradores do edifício de Copacabana. Uns e outros são excluídos, não são um desvio ou 
deformação dos ideais da sociedade.
Não é a primeira vez que o cinema sugere o cárcere como uma metáfora da sociedade, 
nem a primeira vez que a câmera procura pensar o mundo do ponto de vista de um 
prisioneiro – efetivamente preso ou em liberdade condicional, como os moradores de 
conjugados. O que importa é observar como os diferentes presos conversam entre si, 
confessando a meia-voz o sonho comum a todos os excluídos: mudar de vida.
6.
Os documentários que fazemos hoje parecem abraçar uma construção cinematográfica 
que parte de idéias esboçadas entre nós na década de 1960: o cinema como busca/
afirmação/invenção de uma identidade em permanente busca de si mesmo, o impulso 
documentário como forma de levar o cinema ao direto enfrentamento do presente. São 
filmes que partem do que se esboçou na década de 1960 e que passam pela experiência 
de Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho, e de Di (1977)6, de Glauber 
Rocha. No primeiro, o realizador se situa no centro da história e fora de quadro (20 anos 
depois, no Nordeste, em busca dos companheiros de trabalho no filme interrompido pelo 
golpe militar de 1964). No segundo, o realizador começa gritando a apresentação do filme 
(que não tem letreiros e se anuncia pelo som): “Di Cavalcanti. Título do filme: ninguém 
assistirá ao formidável enterro de sua última quimera, somente a ingratidão, aquela pantera, 
foi sua companheira inseparável”. Em seguida, voz alta, exaltada, Glauber lê uma notícia 
de jornal sobre a filmagem: “Filmagem causa espanto e irrita família e amigos. Jornal do 
Brasil, quinta-feira, 28 do 10 de 76, primeiro caderno, página 15: Filmagem causa espanto 
e irrita filha e amigos. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze... 
Corta! Agora dá um close na cara dele! Barba por fazer, calça de brim azul-marinho, casaco 
azul-escuro, camisa esporte quadriculada, sapatos marrons, o cineasta Glauber Rocha está 
parado ao lado do caixão do pintor Di Cavalcanti no Museu de Arte Moderna...” .
Dominando a imagem com sua voz, entrando em cena e acompanhando o enterro, no 
centro do plano, à frente do caixão (e não com o jeito discreto e encolhido com o qual 
o diretor de um filme documentário costuma aparecer na imagem), Glauber filma a si 
mesmo para falar do pintor, para falar de cinema. Retomemos a possibilidade de que a 
idéia de pedir Passaporte Húngaro e buscar a mãe biológica tenha surgido para Sandra e 
para Kiko primeiro como idéia de filme. Ou seja: mais do que o pedaço de realidade que 
documentam, os filmes de Sandra e de Kiko, como os de Paulo e de Eryk, e antes deles 
todos os de Coutinho e Glauber, são filmes. Ao mesmo tempo em que nos revelam as 
buscas objetivas em que seus realizadores estão empenhados (e sem sair delas, pois elas é 
que dão corpo à idéia), expressam a busca subjetiva de seus diretores: discutir na realidade 
(o cinema então como um instrumento crítico dela) o cinema (a realidade então como 
instrumento crítico dele), discutir a condição do espectador durante a projeção quando 
(para melhor criticar uma coisa e outra) abre mão de sua identidade como passaporte 
necessário para melhor perceber o filme como expressão vizinha à de Constable, Turner, 
Goya ou Posada, vizinha, sobretudo, ao espelho de Magritte.
6 Di, Prêmio Especial do Júri no Festival 
de Cannes de 1977, foi um dos filmes 
debatidos por Roberto Rosselini no se-
minário aberto que ele, presidente do 
júri, organizou para discutir o cinema de 
autor e os filmes em concurso naquele 
ano. Rosselini discutia a perda de potên-
cia do cinema de autor (“o filme de autor 
virou uma espécie de gênero, os autores 
renunciam à invenção e se repetem ao 
infinito”), e identificou no filme de Glau-
ber uma nova atitude autoral, em que o 
autor se inseria na história que narrava 
como parte inseparável dela.
30 31
O documentário, gênero que nasce com o cinema, procura lançar a câmera para mostrar e desvendar o real. Isso significa conhecer as paisagens, a natureza, as práticas e os modos de viver dos homens. Significa também interrogar o próprio 
exercício de documentar. 
Sendo assim, questionar o documentário é interrogar a forma como se busca e se expressa 
o conhecimento, a empatia ou a rejeição do outro, que está diante da câmera. A questão 
central, portanto, é saber como o documentário fez e faz da alteridade o sujeito das 
imagens, sobretudo no Brasil,uma vez que o artista – o cineasta – depara com uma relação 
com o outro, que envolve, em geral, uma diferença social marcante. Esta não deixa de 
influir de forma significativa no resultado do seu trabalho.
Em busca de um objeto
Se iniciarmos nosso questionamento pelo documentário clássico brasileiro, produzido 
pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo (Ince) entre os anos de 1936 e 1945, por 
exemplo, veremos que o que se enfoca ali são seres e situações edificantes, buscando criar 
modelos pedagógicos a ser seguidos numa sociedade autoritária.
São assim os grandes heróis cultos que o arqueólogo e diretor do Ince, Roquette Pinto, 
associado ao realizador Humberto Mauro, tratou de construir, forjando um panteão de 
homens exemplares por seus feitos e obras, que deveriam restar como modelos para as 
novas gerações: Machado de Assis, Castro Alves, Rui Barbosa, Princesa Isabel ou Barão do Rio 
Branco. Eles eram os grandes mortos, heróis românticos em que se deveria inspirar o Brasil 
extraordinário que aqueles filmes buscavam moldar.
Nesse mesmo momento histórico, as reportagens do Departamento de Imprensa e 
Sheila Schvarzman
Historiadora do Condephaat, professora do curso de audiovisual das Faculdades Senac, 
professora convidada do Departamento de Multimeios da Unicamp. Realizou pós-doutorado 
sobre a obra de Octávio Gabus Mendes. É autora de Humberto Mauro e as Imagens do Brasil, 
São Paulo, Edunesp, 2004, e “Humberto Mauro e o Documentário”, no livro organizado por 
Francisco Elinaldo Teixeira Documentário no Brasil – Tradição e Transformação, São Paulo, 
Summus Editorial, 2004.
Tendências e perspectivas do documentário contemporâneo: 
um olhar histórico retrospectivo
32 Sheila Schvarzman Tendências e perspectivas do documentário contemporâneo: um olhar histórico retrospectivo 33
Propaganda (DIP) traziam para a tela homens vivos excepcionais – começando pelo 
presidente Getúlio Vargas, artistas como o pintor Pancetti, artesãos e trabalhadores de 
extração simples, que haviam se destacado em suas atividades. Mas o verdadeiro foco 
desses filmes, o sujeito dessas ações, era antes de tudo o Estado que, na figura do 
presidente, resguardava o cidadão, ou dava àqueles profissionais a chance de sobressair.
Tanto em um como em outro exemplo, era muito clara a separação total entre os 
personagens da tela e os da vida real. Na tela, todos eram parte da mesma ficção construída 
pelo regime por meio do cinema.
Nos anos 1950, finda a ditadura, e com novos tempos políticos e culturais, os heróis e as 
virtudes pedagógicas construídos pelo Ince se desfizeram. A forma documental se impôs 
sobre a pedagogia, e Humberto Mauro passou a registrar de forma sistemática os modos 
de vida tradicionais que o avanço da modernização pareceu ameaçar. São filmes como 
Fabricação da Rapadura (1958), Pedra Sabão (1957), ou canções populares românticas – as 
várias Brasilianas (1945-1958). Entretanto, em todas as obras o homem ainda não aparece 
como personagem importante. Ele é parte de um sistema no qual está imerso, junto 
com o Carro de Bois (1956) ou o engenho (Engenhos e Usinas, 1955); estes, verdadeiros 
sujeitos dos filmes que abordavam a cultura brasileira tradicional num momento de forte 
transformação, com a industrialização e a urbanização.
Em Aruanda, de Linduarte Noronha e Rucker Vieira (1960), o homem já tem consistência 
e existência própria, não é mais a entidade abstrata dos momentos anteriores. É 
nele que se edificam os traços do homem popular como depositário da verdadeira 
tradição e dos valores brasileiros. A construção romântica se transfere do grande 
homem para o homem simples. Ainda que pobre, ele é a verdadeira nacionalidade 
– sua inconsciente salvaguarda.
Em 5 Vezes Favela (Carlos Diegues e outros, 1962), a beleza e a poesia não escondem o 
viés romântico que permeia a abordagem dos tipos populares; viés cujo ponto de vista 
certamente era motivo de conflito entre os diretores cinema-novistas. Nesse sentido, 
Opinião Pública (1967), de Arnaldo Jabor, muda o tom e evita o romantismo, ao abordar a 
população de classe média de Copacabana, no Rio.
A magnificação do homem do povo é marcante nos filmes da Caravana Farkas, que 
procurou registrar o “verdadeiro homem brasileiro” a partir de meados dos anos 1960. 
Tratava-se, no dizer de Geraldo Sarno, um de seus realizadores, de mostrar a “nobreza 
intrínseca do ocupado e a sua competência”. Uma obrigação tão nobre que certamente 
não oculta, no tratamento da imagem e na eloqüência da narração, a culpa e a má 
consciência dos realizadores pelos débitos sociais que se explicitam nos filmes. Essa 
frase demonstra o grau de idealização em relação ao homem das camadas populares: 
num país de tanta desigualdade, é difícil tratar o outro de forma igualitária sem chamar 
para si – cineasta culto e bem alimentado do Sul – a responsabilidade pela mudança.
Em filmes como Viramundo (Geraldo Sarno, 1965), apesar de as mudanças técnicas e de 
concepção cinematográfica do cinema direto terem permitido “dar voz ao povo”, deixando 
patentes as carências dos homens que ali se enfocavam, a “voz sociológica” se sobrepôs às 
novas vozes; falou por elas, falou no seu lugar1. Isso certamente falou com mais eloqüência 
da visão do realizador do que daquele que é alvo da câmera.
Esse viés persiste ainda nos anos 1970 e 1980. Mas essa tendência muda, e muito, em 
meados dos anos 1980 e 1990.
Os anos 1980, fortemente marcados pelo neoliberalismo, sepultaram as utopias socializantes 
que faziam do povo um objeto a ser salvo e amparado. Ao ruírem, essas crenças permitiram 
a livre manifestação da persistente linhagem conservadora de parte do pensamento 
nacional que, desde o final do Império, sempre viu o povo de forma negativa.
Se, até os anos 1980, o Nordeste era o objeto de interesse e os filmes documentavam 
um modo de vida tido como arcaico, pobre, miserável – mas respeitosamente tradicional, 
como se vê em A Bolandeira (Vladimir Carvalho, 1969), por exemplo –, a partir desse mo-
mento o foco muda. O centro das atenções passam a ser os marginalizados urbanos, que 
os efeitos deletérios do “milagre brasileiro” só fizeram multiplicar. Assim, são documenta-
dos a vida no morro, as favelas, o apego à religião, o tráfico de drogas, a delinqüência e, 
ao mesmo tempo, seus antídotos ou mecanismos de defesa como o rap etc. A imagem 
cruenta, ou intensa, como lembra Fernão Ramos, parece ser a forma de “tematizar, no 
documentário contemporâneo, a exclusão e a violência social que permeiam a sociedade 
brasileira.(...) um narcisismo às avessas”2.
Se mudou a geografia, se o urbano substituiu o rural, se o jovem substituiu os homens 
maduros envolvidos em profissões e atitudes tradicionais, é como se a própria humanidade 
tivesse se transformado na imagem. Depurado do viés romântico que alimentava no povo 
a idéia de raiz, de autenticidade, o elemento popular aparece desprovido de qualidades, 
imensamente carente. Como já observou Ramos, em alguns filmes da época3, “o espectador, 
através de uma postura auto-agressiva, aceita e se deleita com a crueldade narrativa, 
embutida na enunciação, na imagem do HORROR (imagens do grito, da morte, da miséria, 
da sordidez, do sofrimento, do dilaceramento corporal, do sangramento, da humilhação, 
da sujeira). A favela, os cortiços, a prisão, os lixões, os esgotos, o campo devastado são os 
cenários privilegiados dessa imagem. É a fratura de classes da sociedade brasileira que 
permite a representação desse ‘outro’ que denominamos ‘representação do popular’ ”4.
Por outro lado, persiste ainda como característica dessa fase – talvez pela urgência 
dessas questões – um olhar exterior que continua a permear a relação com o outro. Um 
olhar exterior e de classe, que denuncia, mas também revela, na maior parte das vezes, 
a má consciência em relação ao outro pobre. Mesmo nas formas cinematográficas mais 
despojadas– como no diálogo entre o cineasta e seu entrevistado – , é essa má consciência 
que se mostra quando se revelam os dispositivos de elaboração de um filme. É nessas 
1 BERNARDET, Jean-Claude. O mode-
lo sociológico ou a voz do dono. In: 
Cineastas e imagens do povo. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2003. p. 15. 
2 RAMOS, Fernão Pessoa. Três voltas do 
popular e a tradição escatológica do ci-
nema brasileiro. In: Estudos de cinema 
Socine II e III. São Paulo: Annablume, 
2004. p. 48.
3 Como Notícias de uma Guerra Particular 
(João Salles, 1999), Uma Avenida Chama-
da Brasil (Octavio Bezerra, 1989), Boca de 
Lixo (Eduardo Coutinho, 1992), Os Car-
voeiros (Nigle Noble, 1999), Mamazônia, 
a Última Floresta (Celso Lucas, Brasília 
Mascarenhas, 1996), O Rap do Pequeno 
Príncipe contra as Almas Sebosas (Paulo 
Caldas, Marcelo Luna, 2000), O Prisionei-
ro da Grade de Ferro (Paulo Sacramento, 
2003), Ônibus 174 (José Padilha, 2001), 
Falcão, Meninos do Tráfico (MV Bill, Celso 
Athayde, 2003).
4 RAMOS, Fernão Pessoa. As três voltas 
do popular e a tradição escatológica do 
cinema brasileiro. Op. cit.
34 Sheila Schvarzman Tendências e perspectivas do documentário contemporâneo: um olhar histórico retrospectivo 35
formas cinematográficas, como mostram os últimos planos de À Margem da Imagem 
(Evaldo Mocarzel, 2003), que as contradições dessa postura supostamente igualitária 
afloram. A cena final mostra o entrevistado, morador de rua, respondendo ao cineasta o 
que achou do filme, do qual participou e no qual se contam suas histórias. O que ele diz 
é revelador do dispositivo de filmagem e do abismo que a diferença social de classe e de 
educação põe entre os interlocutores: ele diz que, fora do âmbito da filmagem, se batesse 
à porta do diretor, pedindo um prato de comida, seria tão rejeitado quanto sempre foi 
em todos os outros lugares. Essa fala, excepcionalmente significativa, termina com um 
corte em que o diretor avisa que “valeu!”. Terminou o filme. Terminou, portanto, para o 
diretor, essa história toda! Jean-Claude Bernardet5, em seu artigo sobre a entrevista, cobra 
de Mocarzel uma posição diante do interlocutor, algo que não acontece. O entrevistado é 
sagrado, resta como um objeto de interesse exterior. Tudo o que diz vale para o filme, mas 
o interesse, tal como se revela nas imagens, se resume ao filme.
O documentário contemporâneo, portanto, incorporando a reflexibilidade que busca deixar 
transparentes as relações entre quem filma e quem é filmado, termina por engendrar outra 
interrogação: quem está no centro do filme? Quem é o verdadeiro alvo: o entrevistado ou 
o dispositivo empregado pelo diretor para ressaltar seu próprio cuidado com o “objeto”?
Em se tratando das questões da alteridade no documentário contemporâneo, é 
obrigatório falar de Eduardo Coutinho. Sua obra, desde Cabra Marcado para Morrer (1984), 
restará certamente como uma baliza na história do documentário que procuramos 
escrever. Ainda que a reflexibilidade não seja sua invenção, é a partir dos seus trabalhos 
que os vários contratos supostos no documentário se explicitam: o pagamento, o 
caráter encenado do rito da entrevista, a presença da equipe. Essa noção de uma obra 
conjunta que se explicita diante do espectador – do entrevistado e de Coutinho e sua 
equipe – parece ser uma das chaves que explicam a empatia do interlocutor, bem 
como o acolhimento que se dá a ele. É assim que esse pode se constituir como sujeito 
diante da câmera. Nesse cinema basicamente da palavra, da memória e da fabulação, a 
personalidade de Coutinho é o ponto essencial. Ainda que exista aí um dispositivo, ele 
parece basear-se, antes de tudo, inteiramente na postura generosa de interlocução do 
diretor. Assim, o objeto de interesse deixa de ser o filme em si mesmo, ou o dispositivo, 
e o entrevistado pode virar sujeito.
Mais do que a prevalência de um dispositivo há em Coutinho a consistência cinematográfica 
de uma prática oriunda dos anos 1960, e que tem seu traço principal na forma de tratar 
as pessoas, no espaço que lhes é dedicado, no desejo de se aproximar delas, de deixar 
que se mostrem diante da câmera. E isso parece corresponder, antes de tudo, a uma 
evolução de Coutinho que está vinculada à idealização do povo, comum nos anos 1960 
e nos documentários da época.
Nesse sentido, é interessante observar o diálogo que se estabelece entre os recortes do 
morro nas lentes de Eduardo Coutinho, por um lado, e de João Salles, por outro. Deve-se 
ressaltar, contudo, que eles partiam de olhares e questões infinitamente diversas. Salles nos 
fala da urgência de uma guerra cotidiana que permeia a sociedade brasileira, na cidade do 
Rio de Janeiro, onde exclusão, criminalidade, repressão, corrupção e impotência destroem 
o tecido social espraiando-se por toda a sociedade, configurando a guerra retratada nas 
imagens de Notícias de uma Guerra Particular (1999).
Já Santa Marta: Duas Semanas no Morro (1987), de Eduardo Coutinho, cujo foco central 
também é a vida na favela, acaba por tirar do interlocutor relatos totalmente distintos. Se 
no primeiro filme, o de João Salles, o morro é concreto e hostil, e corresponde ao imaginário 
que do exterior se elabora sobre ele – na mídia, na opinião pública que demoniza a favela 
como lugar da marginalidade –, no de Coutinho ele é lugar de vivências e de imaginação, 
construído a partir de dentro, por seus moradores. Com Salles, somos intimados a agir, 
a nos posicionar perante essa guerra da qual também somos parte. No documentário 
de Coutinho, a palavra está com o morador, que nos esclarece sobre o que é, afinal, esse 
morro Santa Marta, o lugar que ama e no qual vive.
Entretanto, essa forma de abordagem de Coutinho que parece aparentemente fácil 
induziu, e tem induzido, o documentário atual a repetir em grande parte esse sistema, 
sem o mesmo sucesso, levando a forma da entrevista a uma crise de saturação devido à 
sua aparente facilidade, ao baixo custo etc.6
Se a entrevista se torna uma das formas mais usadas e desgastadas dos filmes recentes, 
dela decorrem outras posturas. Uma delas é a idéia de dar aos depoentes a câmera, para 
que produzam a sua própria imagem.
Assim têm agido cineastas, antropólogos e outros especialistas que vêm colaborando na 
criação de filmes pelos índios, por exemplo, gênero extremamente fértil desde a obra do 
Major Thomaz Reis. Essa filmografia hoje é extensa, o que se deve, em grande parte, aos 
aportes de ONGs nacionais e internacionais. Neles, mostram-se temas caros aos índios a 
partir de seu próprio olhar.
Em Prisioneiro da Grade de Ferro (2004), Paulo Sacramento entregou a câmera aos presos 
do Carandiru. Nessas imagens, o sujeito encarcerado se ergue e se idealiza. Redime-se 
e se mostra humano. A exclusão se dissolve numa nova identidade e atesta o princípio 
norteador do documentário de depoimento que estabeleceu, ao longo de sua história, a 
crença inabalável de que todo depoente fala sempre a verdade. Parece – parafraseando 
André Bazin – que a “ontologia da imagem documentária no Brasil” é o primado da verdade 
daquele que fala.
E, se o assunto é o depoimento como sinônimo de verdade, vamos nos voltar para o 
documentário mais constante nesse período, assim como em toda a história do 
documentário brasileiro, aquele que estabelece a ponte com os primórdios da produção 
e sua tradição pedagógica e exemplar: a biografia.
5 BERNARDET, Jean-Claude. A entre-
vista (Casa de Cachorro, À Margem da 
Imagem). In: Cineastas e imagens do 
povo. Op. cit. p. 281.
6 BERNARDET, Jean-Claude. A entrevista 
(Casa de Cachorro, À Margem da Ima-
gem). In: Cineastas e imagens do povo. 
Op. cit. p. 281.
36 Sheila Schvarzman Tendências e perspectivas do documentário contemporâneo: um olhar histórico retrospectivo 37
Grosso modo, se fossem usados os termos da historiografia para definir as produções 
documentais, veríamosque, na primeira fase do documentário nacional, filmaram-se os 
vencedores da história e os personagens caros à chamada “alta cultura”. A partir dos anos 
1960, foram filmados os vencidos e a cultura popular. Navega-se atualmente por uma 
noção de cultura mais ampla, e os heróis de hoje são os perseguidos e os clandestinos de 
ontem. Apesar da mudança de foco, a reverência é a mesma, com outra roupagem, salvo 
algumas exceções, como em Barra 68, de Vladimir Carvalho (2000), sobre a ocupação da 
Universidade de Brasília. Ali, a presença instigante e anti-reverente de Darcy Ribeiro deixa 
no filme não um memorialismo celebratório comum a tantos outros desse gênero, mas 
antes de tudo a lembrança viva da fala, que pode ser partilhada.
Bem ao contrário disso, e ainda que em mostras de reflexibilidade ostensivas – a cadeira 
do diretor montada no meio da praça, a interlocução com o “povo” –, Vladimir Herzog é 
celebrado, lembrado, mas é antes de tudo um herói petrificado em Vlado 30 Anos Depois, 
de João Batista de Andrade (2005). Ainda que saibamos toda a sua história, suas lutas, 
até mesmo sua intimidade, ele segue sendo alguém de quem se fala com reverência: 
um mártir cujo sacrifício permitiu mudanças no país, mas cuja identidade se perde nos 
reiterados elogios dos depoentes, na câmera fechada em primeiríssimo plano – como 
se, ao fim, a distorção nas imagens do rabino Sobel, do jornalista Fernando Morais ou de 
Rodolfo Konder, de Clarice Herzog e de seu filho fossem a caução de verdade: lágrimas 
nos olhos nos momentos de emoção...
Por outro lado, e como já chamou atenção Jean-Claude Bernardet, os diretores pouco 
falaram de suas condições de vida. Pouco falaram daquilo que lhes é próprio. Como se a 
situação das classes médias e camadas pensantes e artísticas, de que os cineastas fazem 
parte, não fosse objeto de interesse do documentário. Claro, há filmes sobre artistas, ou 
sobre o próprio meio cinematográfico, mas talvez seja somente no documentário em 
primeira pessoa que possamos encontrar esses diretores, com suas questões que se 
mostram não apenas como indagações individuais, mas também humanas, históricas e 
universais. É o caso de 33, de Kiko Goiffman, que trata da busca de sua mãe biológica, e 
de Passaporte Húngaro, de Sandra Kogut. Neste último, através das malhas da burocracia 
e das mudanças da história, vemos a neta de uma senhora judia húngara, fugida de seu 
país, reconquistar a cidadania européia, representada pelo direito a Passaporte Húngaro. 
Há muita história incrustada nesses relatos: o nazismo, o anti-semitismo, a Segunda 
Guerra, a fuga para cá, o Brasil como terra prometida – agora não o é mais, porque é 
mais importante poder estar na Europa – e, por meio dessa história toda, sem falar de 
todos os meandros da burocracia, a neta faz com que a avó fugida reate com o passado 
de que fora banida. Um belo resgate.
Faltam-nos histórias e falta o olhar do documentarista sobre aquilo que lhe é próprio, 
próximo. A sua vida, as suas carências – ou será que, por pudor, o documentarista de classe 
média não poderá falar disso? Como se, de alguma forma, não fosse isso mesmo que, de 
um lado, pode nos esclarecer sobre a falta do outro.
Não pretendo com isso apontar um caminho ou perspectiva para o documentário 
nacional. Entretanto, procurei traçar aquilo que interpreto como suas principais tendências 
atuais, religando-as à nossa tradição e enfocando prioritariamente a questão do sujeito no 
documentário. Assistimos hoje a uma multiplicidade de tendências em desenvolvimento, 
mas em nenhuma delas – salvo no documentário em primeira pessoa, de matriz artística 
– o documentarista é capaz de falar de sua realidade mais próxima, desprovido de má 
consciência, como já se apontou largamente e como mostramos com alguns exemplos. 
É tempo de falar não apenas de sua individualidade – em primeira pessoa –, mas das 
questões que dizem respeito diretamente aos autores, como tem feito o documentário 
internacional prioritariamente.
Como escrevi no início deste artigo, a postura do documentarista brasileiro é muito 
pautada por suas questões ideológicas, culturais e de classe. Já é tempo de colocar-se 
como objeto.
38 39
O que é o documentário? Essa questão vem sendo levantada ao longo da história das imagens técnicas há pelo menos 80 anos, a princípio no interior do cinema e depois, com o advento da televisão, do vídeo e da internet, não parou mais de reverberar a 
cada mudança de paradigma técnico, com grandes ressonâncias no que hoje se denomina 
largamente cultura audiovisual.
Indagação ontológica a respeito do ser ou da natureza do documentário como um 
domínio ou território particular da imagem, originalmente em relação ao campo do cinema 
para em seguida vetorizar-se de modo transmidiático, sua recorrência em momentos 
distintos revestiu-se de propósitos também diversos. Nos anos 1920, quando o termo 
documentário foi estabelecido, a resposta sobre o que ele era decorria de uma necessidade 
de diferenciação em relação à reportagem cinematográfica (“atualidades”) e ao cinema de 
ficção, reclamando para si as prerrogativas da realidade. Nos anos 1960, da segunda vaga 
ou documentário moderno, com a transformação de sua base técnica (miniaturização dos 
equipamentos, maior sensibilidade da película fotoquímica, sincronização da imagem e 
do som), aliada às novas modalidades narrativas (irrupção da narrativa subjetiva indireta 
livre), introduziu-se um primeiro grande estranhamento a respeito de sua natureza 
mimética em relação a seu material de base, a realidade, quando então surgiram diversas 
denominações substitutivas (cinema-verdade, cinema direto, cinema do vivido, cinema 
espontâneo, cinema do comportamento etc.). Das três últimas décadas para cá, desde 
quando as tecnologias e estéticas videográficas irromperam no horizonte nos anos 1970, 
com a alternativa do suporte eletrônico analógico e digital em relação à longa duração 
do suporte fotoquímico da fotografia e do cinema, produziu-se uma espécie de voragem 
intra, inter e multimeios que parecia tender para uma total pulverização do território do 
documentário. Mas não foi isso que aconteceu, embora a questão sobre sua natureza 
tenha se tornado muito mais escorregadia, de difícil formulação e mais ainda de resposta, 
e por isso mesmo muito mais crucial na atualidade.
Francisco Elinaldo Teixeira
É mestre e doutor pela FFLCH-USP, pós-doutor em comunicação e semiótica pela PUC/SP 
e professor participante do Programa de Pós em Multimeios da Unicamp, com pesquisas em 
cinema experimental e cinema documentário. Autor dos livros: O Terceiro Olho – Ensaios de Cinema 
e Vídeo (Mário Peixoto, Glauber Rocha e Júlio Bressane), São Paulo, Perspectiva, 2003; e organizador 
de Documentário no Brasil – Tradição e Transformação, São Paulo, Summus Editorial, 2004.
Documentário expandido – Reinvenções do documentário 
na contemporaneidade
40 Francisco Elinaldo Teixeira Documentário expandido – Reinvenções do documentário na contemporaneidade 41
Uma nova denominação surgiu nesse meio-tempo, a de cinema de não-ficção. 
Ambivalente, se por um lado ela nos lança de volta aos debates dos anos 1920, que 
opunham o cinema de realidade ou documentário nascente ao cinema de ficção 
estabelecido, oposição hoje (e desde sempre) no mínimo problemática diante das 
trocas intensas entre ambos, por outro lado ela também inscreve dificuldades existentes 
no âmbito das definições, deixando-as em aberto pela negativa, pelo vácuo de uma 
não-definição que abre, o que não deixa de ser um modo de expor algo da consistência 
metamórfica, heteróclita, camaleônica, heterodoxa de que se reveste o documentário 
contemporâneo. Consistência essa que se põe em foco também em denominações como 
as de antidocumentário, contradocumentário, paradocumentário ou pós-documentário 
que, em vez de remeterem ao paradigma ficcional, detêm-se ludicamenteno próprio 
substantivo ao lhe acrescentar prefixos que certamente inscrevem e ampliam muito de 
sua feição polifônica.
De todas essas terminologias que vieram desdobrar a questão ontológica de base – o que 
é o documentário? –, a mais recente é essa que sugere um patamar pós-documental para o 
momento em que nos situamos. O que seria a nossa época como uma era pós-documentário? 
Significaria que todo o burburinho em torno do documentário nas últimas três décadas, 
toda essa ruidosa produção de textos, de filmes, de vídeos, de peças audiovisuais as mais 
diversas que a ele remetem como um referente espesso e multifacetado, teria a ressonância 
de um canto de coruja de Minerva ao cair da tarde? Pura tagarelice em torno de algo que 
já passou, teve sua época áurea e agora se recolhe e se esfumaça sob a “luz polar” de nossa 
era informacional? Questão difícil, já que os fatos e artefatos culturais nos habituaram a um 
desenho com esse tipo de trajetória. Por outro lado, já tivemos toda uma seqüência de pós 
e pós-pós também nas últimas décadas, tendo atingido o risível e irônico limiar daquilo que 
o poeta concreto chamou de “pós-tudo” ou “postudo”, quando parecíamos querer deixar de 
ser contemporâneos de nós mesmos e mergulhar na eternidade.
A noção de pós-documentário pode ter outra envergadura. Em vez de um fim ou 
esgotamento, ela aponta para novos começos, para formas expandidas do documentário 
observáveis em larga escala nos diversos contextos audiovisuais da atualidade. 
Transmutemos-na, portanto, na noção de “documentário expandido”. Trata-se de uma 
série de operações postas em curso no domínio do documentário que visam à ampliação 
de suas fronteiras e que desmontam o senso comum, as idéias herdadas que dele se 
tinham até recentemente. Essa expansão de limites se dá, basicamente, em relação aos 
três grandes domínios da ficção, do experimental e do próprio documentário em suas 
feições clássica e moderna. Ou seja, ao mesmo tempo em que transforma sua própria 
tradição, a expansão do documentário desenha novas relações com os domínios ficcional 
e experimental. Circunstanciemos esses três deslocamentos.
Se tivéssemos de contornar e admitir que houve uma “essência” do documentário, 
sobretudo no período clássico, qual seria ela? Imediatamente nos ocorreria o grande 
rumor em torno do sentido de realidade que lá se produziu e que reivindicou uma 
alteridade radical para o documentário em termos de um “estar ali”, operando com 
um registro do “tempo presente” numa dada situação da realidade, do concreto, do 
historicamente dado. Ou seja, estamos diante de uma “metafísica da presença” que desde 
a invenção da fotografia não parou mais de reivindicar o privilégio de um “eu estive lá, 
eis aqui a prova”, desdobrando-se no documentário no familiar reclamo “eis a vida como 
ela é”. O documentário adquiria, assim, em relação aos outros gêneros ou domínios do 
cinema, um charme peculiar análogo àquele da palavra oral concernente à escritura: 
diferentemente da mediação que a palavra escrita opera em relação ao pensamento, a 
palavra falada seria o suporte de um pensamento vivo, direto, sem mediação, portanto, 
portador das prerrogativas de autenticidade, verdade e objetividade do ser em sua 
imediata transparência.
Essa matriz da presença na/da realidade como aquilo que fundava o modo de ser do 
documentário, que por décadas o evocou e para muitos ainda hoje o evoca, foi um 
dos seus primeiros aspectos a ser desconstruído, já com o advento do documentário 
moderno. Não no âmbito do cinema direto, cuja atitude tendencialmente contemplativa 
dava a ver uma realidade que parecia escorrer sem cessar num eterno presente, mas 
no do cinema-verdade, que a pressionava de tal modo que a fazia se dobrar numa 
multiplicidade de aspectos que acabavam por transformá-la entre o que ela era antes e 
o que será depois do filme completo.
Com essa mística da realidade em presença se propondo a imprimir suas marcas no 
documentário, os códigos ou as regras que o estruturavam se cercaram de todo um 
discurso de sobriedade que por décadas funcionou como uma espécie de “abre-te, 
sésamo!”. O documentário, por essa via, requeria-se como uma peça minimalista marcada 
pelo despojamento de materiais, pela austeridade construtiva, pela depuração de formas, 
pela ausência de ornamentos, ou seja, todo um requisitório para contornar ou deixar de 
lado o que fosse da ordem da expressividade ou da subjetividade, da reflexividade ou 
da auto-reflexividade, tudo que pudesse abalar ou comprometer seus investimentos 
nos poderes de uma realidade que se queria comunicativa, paradoxalmente, quase sem 
nenhuma mediação. Não é preciso dizer quanto essa ordem comunicacional cedeu 
quase ponto por ponto os seus termos, num novo contexto de entropia da significação 
que veio transformar o aproveitamento do ruído na ponta-de-lança por excelência da 
criação de novos sentidos para o documentário.
Um segundo deslocamento deu-se em relação à ficção e aos seus códigos, objetos de 
recusa desde as fundações do documentário. Mas se num primeiro momento tal recusa, 
de princípios mais que de fatos, pois uma mínima ficção continuou irresistível, pôde se 
apoiar na reivindicação da realidade ou da naturalidade contra o sistema artificial de 
produção em estúdio e toda sua parafernália técnica, foi igualmente a partir dos anos 
1960 que essas petições de princípios se viram totalmente abaladas. Primeiro, em função 
do lugar estratégico que a nova base técnica passou a ocupar, quase como um fetiche, 
quando então fazer documentários tornou-se sinônimo de ter equipamentos leves, som 
42 Francisco Elinaldo Teixeira Documentário expandido – Reinvenções do documentário na contemporaneidade 43
e imagem sincronizados, roteiro mínimo ou construído em campo com os personagens 
reais, todos esses elementos que foram sendo apropriados pelo cinema ficcional mais 
criativo do pós-guerra, do neo-realismo à nouvelle vague e cinemas novos. Segundo, com 
as mudanças operadas na estrutura narrativa, na construção dos relatos, quando o real e 
o ficcional se contaminaram numa tal escala de modo que impugnou o discurso anterior 
de demarcação de fronteiras. Essa instabilidade já tivera início com os primeiros filmes 
neo-realistas, que haviam lançado para fora dos estúdios suas equipes e as posicionado 
diante de cenários em ruínas, portanto, frente aos dados de uma realidade que de tão 
extraordinária parecia exceder toda faculdade de imaginação que alimentara o cinema 
ficcional. Curiosamente, uma das sugestões de nomeação do documentário nascente nos 
anos 1920 havia sido a de cinema neo-realista!
De modo que as trocas entre os domínios da ficção e do documentário aí processadas 
varreram de vez a noção de realismo no cinema ou da imagem como um mero naturalismo. 
Doravante, qualquer realismo documental passava por um crivo construtivista mínimo 
ou total, ou seja, pela idéia de que o realismo era uma construção estética como outra 
qualquer e não a operação direta de uma realidade que se expunha em sua integridade 
ou autenticidade. Esse desbloqueio veio repor um dado aparentemente banal, mas de 
grandes conseqüências: o de que, por mais que caminhasse tecnicamente na direção 
de uma mimese cada vez mais aperfeiçoada em relação à realidade (com a imagem 
em movimento, o som, a cor, a profundidade de campo etc.), o cinema continuava 
inscrito no paradigma perspectivista clássico, ou seja, continuava sendo uma simulação 
do olho humano diante do mundo, a simulação de um ponto de vista lançado sobre 
as coisas, uma máquina de visão com todos os seus defeitos ou anomalias (imagem 
plana, estática, bidimensional etc.), e não o mundo, as coisas, a realidade em si mesmos. 
Essa desnaturalização, desfamiliarização ou estranhamento do dispositivo imagético 
encontra-se no cerne das renovações que a imagem videográfica, depois do cinema, vem 
imprimindo nodocumentário desde os anos 1970.
E aqui chegamos ao nosso terceiro deslocamento, o das relações do documentário com 
o domínio do experimental. Talvez aqui se encontre um locus por excelência da expansão 
e renovação das formas documentárias na contemporaneidade. A vertente realista do 
cinema documental do período entre a Primeira e a Segunda Guerras (documentário 
griersoniano e quejandos) defrontou-se desde o início com uma vertente “formativista”, 
de vanguarda ou experimental, atenta às preocupações formais, estilísticas, expressivas, 
poéticas do documentário, que nos legou peças como Rien que les Heures (Alberto 
Cavalcanti, 1926), Berlim, Sinfonia de uma Grande Cidade (Walter Ruttman, 1927), O 
Homem da Câmera (Dziga Vertov, 1929), Chuva (Joris Ivens, 1929), A Propósito de Nice 
(Jean Vigo, 1929) etc. Essa vertente, embora retomada sob vários aspectos desde os 
anos 1950 e 1960, empalideceu diante da maior exposição da tendência realista 
hegemônica, do documentário oficial ou espetacular, permanecendo em circulação 
por uma via subterrânea que, no entanto, não parou de alimentá-lo e realimentá-lo de 
diversas maneiras e em diversos momentos.
Como esbocei anteriormente, o problema do cinema de vanguarda para o 
documentário era sua feição antiilusionista que, em vez de mergulhar no canto de cisne 
dos aprimoramentos técnicos como suplementos de mais realidade na imagem, tirava 
proveito justamente da precariedade do dispositivo, de seu artificialismo, fazendo disso 
uma base de lançamento de uma nova era de criação artística. Essa veia experimental 
do documentário, com grande relevo hoje para as concepções vertovianas de um “cine-
olho” que contorna e ultrapassa a mera percepção e o alcance do sistema perceptivo e 
das máquinas sensórias que lhe servem de suporte, tornou-se crucial e estratégica para 
sua renovação quando do surgimento de novas máquinas além da do cinema e seus 
desdobramentos internos. Com a irrupção da imagem-vídeo na cultura audiovisual, a 
sensação que se tem é a de um completo desbloqueio da construção imagética que 
nos lança num novo tempo de investigação e experimentação, que não deixa de 
reverberar aquele das primeiras décadas do século XX com a efervescência de suas 
vanguardas artísticas, dispostas a lançar por terra tudo que fosse da ordem de uma “arte 
retiniana” que por séculos havia erigido a postura vertical humana como condicionante 
de nosso universo óptico e a imagem especular, primeiro pictórica, depois fotográfica e 
cinematográfica, como “janela aberta para o mundo”.
Esses três vetores de deslocamento do documentário – em relação a si, à ficção e ao 
experimental – constituem uma expansão de seus limites a princípio rígidos, mas que já há 
certo tempo se abriram à contaminação e à hibridização (conforme expressão hipertrofiada 
posta em circulação pelo espírito da época) de múltiplas maneiras, configurando-se ele, na 
atualidade, em geral segundo modalidades eminentemente ensaísticas.
A noção de ensaio é de enorme pertinência para situar essa turbulência metamórfica, 
transformacional, posta em curso nos últimos tempos. Não se trata de um formato 
específico de documentário, mas de tendências de estruturação dele, mesmo os mais 
sisudos e reticentes quanto à investigação formal e estilística, que operam com elementos 
como a diversidade de materiais, a fragmentação, a falta de univocidade e totalização, a 
subjetividade e a expressividade, as elipses, os deslocamentos e condensações, sem falar 
dos inúmeros traços de auto-reflexividade que têm marcado a produção em larga escala. 
Mas, sobretudo, de reflexividade no sentido de um trabalho de pensamento que se debruça 
sobre suas matérias para moldá-las e manipulá-las conforme propósitos que não estão 
dados nelas, que não são evidentes, que nascem da relação mesma do documentarista 
com os entornos que sua vista ou imaginação alcançam, com seus objetos, agentes ou 
personagens implicados, suas derivas, oscilações, dúvidas em relação ao processo de 
criação, que raramente se esgotam num resultado pronto e acabado.
Enfim, na distância que percorreu em relação aos primeiros tempos, o documentário se 
reinventa na contemporaneidade como uma forma de “escritura” que tem no ensaio suas 
orientações e estratégias mais criativas.
44 45
Consuelo Lins
Documentarista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutorou-se pela Universidade 
de Paris 3 (Sorbonne Nouvelle) com tese sobre documentário centrada na obra do cineasta americano 
Robert Kramer. Realizou, em 1999, Chapéu Mangueira e Babilônia: Histórias do Morro e, em 2001, Jullius 
Bar. Atuou como pesquisadora e diretora de uma das equipes de filmagem dos documentários 
Babilônia 2000 e Edifício Master, de Eduardo Coutinho. Dirigiu Lectures em 2005, curta-metragem 
realizado em Paris com um telefone portátil, selecionado para vários festivais e premiado como melhor 
curta-metragem brasileiro no Festival de Curtas de Belo Horizonte (2006). Fez pós-doutorado na 
Universidade de Paris 3 (2005) sobre a produção documental mais marcadamente subjetiva. Escreve 
regularmente artigos sobre a criação audiovisual contemporânea e publicou em 2004 O Documentário 
de Eduardo Coutinho: Televisão, Cinema e Vídeo (Jorge Zahar).
O filme-dispositivo no documentário brasileiro contemporâneo
Os filmes de Eduardo Coutinho, Cao Guimarães, João Salles, Sandra Kogut e Kiko Goifman são distintos entre si e expressam diferentes concepções de cinema, maneiras singulares de filmar, específicas relações com o mundo e os personagens. 
No entanto, apesar das divergências, é possível identificar nos processos de trabalho desses 
cineastas ao menos uma prática em comum: eles fazem filmes que prescindem da feitura 
de um roteiro em favor de certas estratégias de filmagem que não têm mais por função 
refletir uma realidade preexistente, nem obedecer a um argumento construído antes 
da filmagem. Para esses diretores, o mundo não está pronto para ser filmado, mas em 
constante transformação; e a filmagem não apenas intensifica essa mudança, mas pode 
até mesmo provocar acontecimentos para serem especialmente capturados pela câmera. 
Para isso, eles constroem procedimentos de filmagem para filmar o mundo, o outro, a si 
próprios, assinalando ao espectador, nesse mesmo movimento, as circunstâncias em que 
os filmes foram construídos. São cineastas que filmam com base em “dispositivos” – o que 
não garante a realização dos documentários, nem a qualidade deles. Mas é um caminho.
O que é um dispositivo?
Precisemos um pouco mais essa noção cada vez mais recorrente no domínio do 
documentário e que se tornou central na crítica das artes audiovisuais contemporâneas. 
Deixemos claro, de imediato, que não nos referimos aqui à concepção do cinema como 
dispositivo segundo a formulação de parte da crítica francesa dos anos 1970. Estruturalismo 
e psicanálise são convocados por essa crítica totalizante que inclui tanto o dispositivo 
central de captação de imagens quanto o dispositivo de exibição. Trata-se, por um lado, de 
associar o cinema a um projeto ideológico: a câmera não é neutra e reproduz os códigos 
que definem a objetividade visual desde o Renascimento, estando assim impregnada da 
cultura dominante. Por outro, trata-se de explicitar as condições psíquicas de recepção 
inerentes ao dispositivo da sala escura, que imobiliza o espectador entre a imagem e o 
46 Consuelo Lins O filme-dispositivo no documentário brasileiro contemporâneo 47
projetor, favorecendo a identificação dele com os heróis na tela e com o que produz o 
espetáculo, a própria câmera1.
O espectador, produto desse dispositivo, é um ser necessariamente alienado: naturaliza 
o que é artifício, negando a representação como representação; vive a ilusão de que 
é o centro do mundo e que dele emana o sentido das imagens, o que em tempos de 
desconstrução e de crítica às noções de sujeito eautoria é um ultraje. E o pior, para essa 
crítica, é que essa experiência alienante se repete a cada filme, por mais diferentes que 
sejam as histórias narradas, pois é de forma estrutural que o dispositivo cinematográfico 
define as condições e a natureza da experiência do espectador.
Tampouco nos deteremos, nos limites deste artigo, em instalações que utilizam vídeo, 
computador ou cinema em galerias ou museus, embora várias características desses 
dispositivos se assemelhem ao uso que fazemos deles aqui. Nesses dispositivos de criação 
e/ou exibição das obras, o espectador experimenta sensações físicas e mentais por 
meio da disposição de elementos (telas múltiplas, câmeras etc.) em uma determinada 
organização espacial. Imagens podem ser produzidas antes e/ou durante a exploração 
que o espectador faz da obra; em alguns casos, são imagens em circuito fechado, nas 
quais o que está em questão é o deslocamento perceptivo do espectador.
Contudo, a produção dessas imagens difere da das imagens criadas pelos dispositivos 
de filmagem de certos documentários, que são necessariamente anteriores ao momento 
de exibição dos filmes. De toda maneira, “dispositivo” é, nesses dois contextos, um 
procedimento produtor, ativo, criador – de realidades, imagens, mundos, sensações, 
percepções que não preexistiam a ele. Como enfatiza Anne-Marie Duguet, “todo dispositivo 
visa produzir efeitos específicos”2. O que acontece mesmo na teoria do cinema como 
dispositivo: a dimensão produtora está presente, só que o dispositivo cinematográfico 
produz, segundo seus críticos dos anos 1970, apenas um tipo de experiência. No caso 
dos dispositivos artísticos, trata-se de sistemas diferenciados que estruturam experiências 
sensíveis, a cada vez de modo específico.
É também de modo específico que os dispositivos documentais funcionam. Não é, em 
absoluto, algo que se dá em todo filme de forma semelhante, estrutural, no cinema 
como um todo, mas criado a cada obra, imanente, contingente às circunstâncias de 
filmagem, e submetido às pressões do real. Trata-se de um uso da noção de dispositivo 
que tem no crítico e cineasta Jean-Louis Comolli seu defensor mais inspirado. Para ele, 
diante da “crescente roteirização das relações sociais e intersubjetivas”, dos “roteiros 
que se instalam em todo lugar para agir (e pensar) em nosso lugar”, parte da produção 
documental tem a possibilidade de se ocupar do que resta, do que sobra, do que não 
interessa às versões fechadas do mundo que a mídia nos oferece. Ao contrário dos 
roteiros que temem o que neles provoca fissuras e afastam o que é acidental e aleatório, 
os dispositivos documentais extraem da precariedade, da incerteza e do risco de não se 
realizar sua vitalidade e condição de invenção3.
Em Eduardo Coutinho (Santo Forte, Babilônia 2000, Edifício Master, O Fim e o Princípio), o 
dispositivo é, antes de qualquer coisa, relacional, uma máquina que provoca e permite filmar 
encontros. Relações que acontecem dentro de linhas espaciais, temporais, tecnológicas, 
acionadas por ele cada vez que se aproxima de um universo social. A dimensão espacial 
desse dispositivo – as filmagens em locações únicas – é a mais importante. Para Coutinho, 
pouco importa um tema ou uma idéia se não estiverem atravessados por um dispositivo, 
que não é a “forma” de um filme, tampouco sua estética, mas impõe determinadas linhas 
à captação do material. Em João Salles (Futebol, Santa Cruz, Entreatos), há uma opção por 
filmagens longas, mais observadoras do que interativas, inspiradas nas técnicas do cinema 
direto. É um dispositivo em que a dimensão temporal é crucial e produz efeitos no filme, 
diferente das intervenções curtas de Coutinho, em que o tempo de filmagem não conta 
especialmente para a narrativa4.
O tempo também é a principal linha do dispositivo de Passaporte Húngaro, de Sandra 
Kogut, mas não se trata de um filme de observação, pois a ação que integra seu dispositivo 
– tirar um passaporte – obriga a diretora a muita conversa e negociação. É um filme em 
que o autor é ator, em que a escrita fílmica está ligada à noção de agir: o diretor age para 
criar suas histórias. O mesmo acontece com 33, de Kiko Goifman5, que também é resultado 
de um dispositivo fortemente temporal, mas com limitações no tempo de filmagem que 
inexistem nos documentários anteriores. Seus 33 anos de idade lhe deram o número de 
dias que ele tinha para encontrar sua mãe biológica. 
Essa regra ortodoxa imprime ao filme uma tensão: ou ele consegue material suficiente 
nesses 33 dias de filmagem e investigação, ou não há filme.
“33 dias porque tenho 33 anos”: por mais arbitrário que o dispositivo de Kiko Goifman 
possa parecer, ele apenas revela, sem meias palavras, a arbitrariedade presente em todo 
e qualquer filme-dispositivo, com mais ou menos força, com mais ou menos sutileza. 
Não há qualquer fundamento “lógico” para esse número de dias. Da mesma maneira, 
não é nada “natural” que uma brasileira tire Passaporte Húngaro em Paris, já que no 
Brasil seria muito mais fácil, e provavelmente não daria filme. É também da ordem 
do artifício produzir encontros para ser filmados ou seguir personagens durante dois 
anos, e é bom que seja assim. Por que não seis meses? Por que esses personagens e 
não outros? Ora, porque documentários não brotam do coração do real, espontâneos, 
naturais, recheados de pessoas e situações autênticas, prontas para ser capturadas por 
seres sensíveis, cheios de idéias na cabeça e câmeras na mão; são, sim, gerados pelo 
mais “puro” artifício, na acepção literal da palavra: “processo ou meio através do qual se 
obtém um artefato ou um objeto artístico” (Dicionário Aurélio). Muitos deles, e talvez 
os melhores, são frutos de uma “maquinação”, de uma lógica, de um pensamento, que 
institui condições, regras, limites para que o filme aconteça; e de uma “maquinaria”6 que 
produz concretamente a obra.
4 Evidentemente não me refiro a Cabra 
Marcado para Morrer (1964-1984), mas 
aos filmes posteriores do diretor.
5 Jean-Claude Bernardet identifica no 
movimento dos filmes de Kogut e 
Goifman – em que “a documentação ten-
de a se tornar o registro da busca” – um 
dos mais estimulantes do documentário 
recente. “Novos rumos do documentário 
brasileiro?”, in Catálogo do 7º Festival do 
Filme Documentário e Etnográfico. Belo 
Horizonte, nov./dez. 2003. 
6 Retomamos essas noções de Philippe 
Dubois, que as utiliza mais especifica-
mente para falar de filmes com dimen-
sões autobiográficas e relacionados à 
memória, mas que nos parecem férteis 
para pensar os filmes-dispositivos de 
uma forma mais ampla. “A foto-autobio-
grafia” , in Revista Imagens. Campinas: Ed. 
Unicamp. p. 64-76. Dubois amplia o uso 
dessas noções em Cinema, Vídeo, Godard. 
São Paulo: Cosac & Naif, 2004.
1 Retomo, aqui, de forma muitíssimo bre-
ve, alguns argumentos da oportuna sínte-
se e atualização do debate feita por Ismail 
Xavier em “As aventuras do dispositivo 
(1978-2004)”. Aconselho vivamente a lei-
tura desse capítulo acrescentado à nova 
edição do livro O Discurso Cinematográfico: 
A Opacidade e a Transparência. São Paulo: 
Paz e Terra, 2005. p. 175. 
2 Dispositifs, in Déjouer l’image. Nîmes: 
Critiques d’Art, Editions Jacqueline 
Chambon, 2002. p. 21.
3 Sob o risco do real, in Catálogo do 
5º Festival do Filme Documentário e 
Etnográfico. Belo Horizonte, nov. 2001. 
p. 99, 111. Ver também Voir et Pouvoir. 
L’innocence Perdue: Cinema, Telévision, 
Fiction, Documentaire. Verdier, 2004. 
48 Consuelo Lins O filme-dispositivo no documentário brasileiro contemporâneo 49
Dispositivo e jogo
Analisemos mais detidamente dois filmes do mineiro Cao Guimarães: Rua de Mão 
Dupla, concebido inicialmente como videoinstalação para a 25ª Bienal Internacional 
de São Paulo, em 2002, e Acidente (2005), realizado em parceria com Pablo Lobato. É 
como se nesses dois filmes a idéia de dispositivose lapidasse, ganhasse em limpidez 
e incluísse uma dimensão lúdica, de jogo, de brincadeira com o real. Em Rua de Mão 
Dupla, Cao Guimarães convidou seis pessoas pertencentes às camadas médias da 
população de Belo Horizonte para participar de uma experiência inusitada: divididas 
em duplas, elas trocariam de casa por 24 horas e, munidas de uma pequena câmera 
digital, filmariam o que bem lhes aprouvesse na casa alheia, tentando “elaborar uma 
‘imagem mental’ do outro(a) através da convivência com seus objetos pessoais e seu 
universo domiciliar”7. Ao final, dariam um depoimento para a câmera, contando como 
imaginaram esse ”outro”. Portanto, o diretor não filma nem dirige, mas concebe um 
jogo, distribui cartas, determina regras, escolhe jogadores, fornece câmeras, transporte, 
comida. Provê o necessário e sai de campo. Trata-se de uma maquinação que implica a 
ausência de controle do diretor sobre o material filmado, propiciando uma espécie de 
“retirada estética” não propriamente do filme – afinal, o dispositivo é dele, assim como a 
montagem do filme –, mas das imagens e dos sons que seu filme vai conter, atribuindo 
a seis outros indivíduos a tarefa de filmar e se autodirigir8.
O dispositivo que “dispara” a filmagem de Acidente é, de certa maneira, o mais conceitual 
de todos os que vimos até aqui. Não há inicialmente nenhum interesse particular 
dos cineastas por um aspecto concreto da realidade. É como se houvesse, antes de 
tudo, pairando no ar, uma questão imensa, questão de vida, em que os cineastas se 
perguntassem como se relacionar com o mundo diante de tantas possibilidades, de 
tantos filmes já feitos, de tantas imagens prontas, sem sucumbir nem ao caos nem aos 
clichês. Ou, como diria J. L. Comolli, “como fazer para que haja filme”9? Cao Guimarães 
e Pablo Lobato decidem se apegar às palavras: criam um dispositivo-poema e de 
posse dele começam a filmar. Mas não são palavras quaisquer retiradas do dicionário 
– poderiam ser, mas gerariam outro filme. 
São nomes de cidades mineiras cuja lista eles pesquisaram no site do IBGE. Selecionaram 
100 e as imprimiram. Espalharam os papéis sobre a mesa e começaram a brincar com as 
palavras. Sonoridades, sentidos, materialidades, ressonâncias: foi isso que contou para os 
cineastas, e não um conhecimento prévio da realidade das cidades, das quais, aliás, eles 
ignoravam tudo. Chegaram a um poema com 20 nomes que evoca uma fábula de amor 
e dor: “Heliodora, Virgem da Lapa, Espera Feliz, Jacinto Olhos d’água, Entre Folhas, Ferros, 
Palma, Caldas, Vazante, Passos, Pai Pedro Abre Campo, Fervedouro Descoberto, Tiros, 
Tombos, Planura, águas Vermelhas, Dores de Campos”.
O dispositivo-poema torna-se, portanto, uma máquina de produzir imagem e adquire, 
como todos os dispositivos, certo poder sobre os cineastas. Decide por eles onde vão 
filmar; retira deles o direito de recusar uma cidade caso não gostem dela, porque nesse 
caso o poema deixaria de funcionar. Reduz o excesso de intencionalidade. É um jogo que 
tem suas regras, às quais eles devem se submeter. Não se trata em absoluto de adaptar 
palavras às coisas, nomes às cidades, mas de construir uma forma de se confrontar com 
o caos do mundo sem submergir, de imprimir uma direção inicial, abrindo ao mesmo 
tempo o filme aos acasos, imprevistos e imponderáveis do real.
Mas os dispositivos, como já destacamos, não garantem filmes e podem ser abalados 
no confronto com o real. “O movimento do mundo não se interrompe para permitir ao 
documentarista polir seu sistema de escritura.”10 A segunda regra do jogo era buscar a 
origem dos nomes das cidades escolhidas, o que se verificou improdutivo já no início 
da filmagem. Se, para chegar a essas cidades anônimas, distantes da imagem de cartão-
postal das cidades históricas mineiras, o poema foi fundamental – e respeitado até o 
fim –, a conexão para essa segunda etapa foi abandonada sem pena. Talvez porque 
fosse um caminho conhecido, cujo resultado colocaria o filme próximo do pitoresco, 
do que é curioso, do que pode ser turístico no interior mineiro – de tudo aquilo do qual 
os diretores queriam distância. O poema implicava uma abertura na relação com as 
cidades que essa temática da origem destruía. “Excluiu-se, portanto, o assunto, e o filme 
ficou sobre assunto nenhum”, diz Cao Guimarães. 
Os documentários que resultaram desses dispositivos são profundamente distintos 
entre si: Acidente é um filme que reinventa a imagem-tempo em esplêndidos planos-
seqüência, a maioria deles fixa ou com sutis movimentos de câmera, que capturam a 
duração, o tempo que passa, em várias camadas, nas pequenas cidades mineiras. Onde 
Acidente mais parece se aproximar da fotografia – em razão dos belíssimos recortes do 
mundo realizados pela câmera de vídeo ou em película super-8 – é justamente onde 
o filme mais se distancia da imagem estática, em razão da duração. Na cidade de Entre 
Folhas, por exemplo, vemos o cair da tarde do balcão de um bar onde praticamente 
nada acontece, a não ser os movimentos infra-ordinários de seu proprietário ou a rara 
circulação de carros e pessoas do lado de fora. Na cidade de Palma, o filme se atém a 
uma ladeira em que os tempos mortos se alternam com microacontecimentos.
São blocos de espaço-tempo que nos fazem ver e sentir “um pouco de tempo em estado 
puro”, à maneira de Ozu11. O filme inteiro é capturado por uma espécie de inação, que 
contamina personagens e cineastas, favorecendo uma atenção inédita e concentrada 
nas pequenas coisas do mundo, nos seres, nos movimentos, nos gestos, nos ruídos, 
nas conversas. O espectador também é envolvido nesse circuito em que as conexões 
entre palavras e coisas, nomes e cidades, acontecimentos e personagens são tênues, 
frágeis e, finalmente, de pouca importância. Trata-se de um filme em que a dimensão 
propositiva do dispositivo se mistura a uma dimensão mais plástica, contemplativa e 
formal, mesclando em um só tempo dois movimentos que Cao Guimarães identifica em 
sua trajetória, em trabalhos diferentes.
7 Cao Guimarães, no texto da contracapa 
do vídeo Rua de Mão Dupla.
8 Esse filme é analisado por mim mais 
longamente no artigo “Rua de Mão 
Dupla: documentário e arte contempo-
rânea”, in Kátia Maciel. Transcinemas. Rio 
de Janeiro: Contracapa, 2006.
9 Idem, p. 99.
10 Idem, p. 106. 
11 Expressão de Gilles Deleuze, referindo-
se ao cineasta japonês, em A Imagem-
Tempo. São Paulo: Brasiliense, 2006.
50 Consuelo Lins O filme-dispositivo no documentário brasileiro contemporâneo 51
Quanto a Rua de Mão Dupla, a grande invenção do filme, responsável pela solidez da 
proposta, é a solicitação do diretor de que os “outros” em questão, os participantes 
do filme, se interessem por outros e não por eles mesmos, atitude que redireciona o 
desejo da “besta da confissão” (Michel Foucault) em que nos transformamos a partir 
do momento em que uma câmera é postada diante de nós. Cao Guimarães não quer 
que eles se voltem para si, que falem de sua vida, que se revelem para a câmera; 
pede, antes, que falem de pessoas desconhecidas e filmem casas alheias. A mudança 
de foco do “eu” para o “outro” faz com que os personagens fiquem menos atentos a 
autocontroles, censuras e filtros que normalmente acionamos para oferecer a imagem 
que desejamos de nós mesmos. A maneira como se relacionam com o espaço alheio, o 
que escolhem filmar, o que dizem, como falam, as palavras, as sintaxes e as entonações 
que colocam em cena, tudo isso revela muito mais deles mesmos do que poderíamos 
esperar. São imagens do outro fortemente embebidas da visão de mundo e dos afetos 
daquele que filma.
O que o filme mostra de modo cristalino é quão encharcado de memórias e afecções 
corporais é nosso olhar sobre o mundo, quão arraigados somos a determinadas maneiras 
de ver e sentir, o tanto que ignoramos nossos preconceitos, o tanto de impossibilidade de 
nos colocarmos no lugar do outro,de aceitá-lo em sua diferença e singularidade. Em suma, 
nos mostra que “estamos” onde menos esperamos, não especialmente no “conteúdo” do 
que dizemos ou pensamos de forma consciente, tampouco em uma “interioridade” prévia, 
já dada, mas em “toneladas de subjetividades”12 que se constituem e se expressam na 
nossa relação com o mundo e com o outro. 
Por meio de um gesto à primeira vista pequeno – alterar a direção do que se solicita 
aos personagens em grande parte dos documentários baseados em conversas –, Cao 
Guimarães imprime um estrondoso deslocamento em relação a todas as querelas em 
torno da “voz do outro” que atravessam a história do documentário. Se a “eficácia” artística 
e política dos dispositivos artísticos é medida pelo potencial produtor e transformador 
do que é proposto, os filmes de Cao Guimarães respondem com vigor à possibilidade de 
deslocar visões estabelecidas, criar novas maneiras de ver, experimentar outras sensações, 
narrativas, espaços e temporalidades.
12 Expressão de Peter Pál Pelbart, in Vida 
Capital: Ensaios de Biopolítica. São Paulo: 
Iluminuras, 2003. p. 20.
52 53
Os filmes modernos, também chamados de filmes de tese ou expositivos, são mais evidentes nas décadas de 1960 e 1970. Neles encontramos características como a presença de um narrador que tem o poder de “deus” como idéia de 
onisciência, em que a imagem está a serviço do argumento do realizador/narração, em 
que o “cineasta/intelectual se julga no papel de interpretar e resolver os problemas do 
povo” e no qual o realizador pretende dar conta de um tema com “T” maiúsculo.
Já o cinema contemporâneo, que se consolida a partir da década de 1990, em vez de 
almejar grandes sínteses, análises ou interpretações de situações sociais, busca seus temas 
“através do recorte mínimo, abordando histórias de indivíduos e a verdade de cada um” 
(Mesquita, 2006). “Geralmente trabalha com fragmentos de uma realidade, buscando a 
reflexão e a compreensão aprofundada da questão abordada, deixando para o espectador 
o papel de relacioná-la com seu contexto histórico, econômico, político, social e cultural” 
(Altafini, 1999).
Essa distinção, no entanto, não pressupõe uma preferência ou um juízo de valor sobre uma 
ou outra tendência, ou sobre os filmes que se encaixariam nesta ou naquela abordagem. 
Nem o fato de verificarmos uma nova tendência a partir da década de 1990 significa 
afirmar que as produções anteriores estariam ultrapassadas ou seriam filmes menores. 
Talvez, olhando com distanciamento os filmes chamados modernos, notemos uma certa 
“arrogância” nessa tentativa de realizar uma macroanálise. Como se fosse possível ao 
cineasta/realizador não só dar conta de temas complexos, mas apontar soluções e, além 
disso, falar em nome do povo ou do sujeito representado.
Essas tendências, no entanto, espelham e estão diretamente ligadas ao desenvolvimento 
das distintas manifestações da sociedade de cada período, à forma como a sociedade 
pensava e se expressava como um todo, não somente no cinema e no documentário. 
Liliana Sulzbach
Jornalista e mestre em ciência política pela UFRGS. Estudou ciências da comunicação na Freie Universität 
Berlin. Coordenadora de produção e do núcleo de Cinema e Televisão da Zeppelin Filmes desde 1996. 
Coordenadora nacional da International Public Television Conference (Input) de 2002 a 2004. Trabalhou 
como produtora independente para Hamburger Kino Kompanie/Hamburgo, M. Schmiedt Produções, 
Spiegel TV Alemanha, onde realizou diversos documentários. Como diretora, seus trabalhos mais recentes 
são O Continente de Erico (2005), O Cárcere e a Rua (2004), A Invenção da Infância e O Branco (2000).
Tendências do documentário contemporâneo
54 Liliana Sulzbach 55Tendências do documentário contemporâneo
Esses seriam, na melhor das hipóteses, os precursores e, na maioria dos casos, os porta-vozes 
dessa forma de interpretar a sociedade. Assim, apontar tendências não significa preferir uma 
à outra, mas detectar e realizar um retrato valioso da forma como as pessoas se expressam em 
determinado período, por razões que muitas vezes fogem às análises da obra cinematográfica 
propriamente dita. Eu diria que em ambas as tendências podemos encontrar filmes bons e 
ruins, realizações preciosas e outras medíocres. Essas tendências também não são estanques. 
Exemplos de filmes bem-sucedidos com características modernas foram realizados após os 
anos 1960 e 1970 e não são necessariamente considerados ultrapassados.
No que tange ao conteúdo/tema eleito pelos filmes de produção nacional, tanto os filmes 
considerados modernos como os considerados contemporâneos concentram-se em 
temas que representam o Brasil em seu aspecto cultural e simbólico (folclore, religião, 
linguagem, costumes etc.), socioeconômico (trabalhadores desfavorecidos, disputa de 
classes, miséria), mas pouco se ocupam do aspecto político. Certamente temos produções 
de documentários políticos, como o clássico de Eduardo Coutinho Cabra Marcado para 
Morrer (1984); os filmes de Silvio Tendler, entre eles Os Anos JK, uma Trajetória (1980), Jango 
(1984), Doutor Getúlio, Últimos Momentos (2002) e Marighella (2002); Jânio a 24 Quadros 
(1981), de Luis Alberto Pereira; Jânio, 20 Anos Depois (1981) e Revolução de 30 (1980), de 
Silvio Back; Em Nome da Segurança Nacional (1978), de Renato Tapajós; Barra 68 (2001) e 
Conterrâneos Velhos de Guerra (1992), de Vladimir Carvalho; e mais recentemente No Olho 
do Furacão (2003), de Renato Tapajós e Toni Venturi; Tempo de Resistência (2004), de André 
Ristum; e Entreatos (2004), de João Salles. Mas, curiosamente, e com algumas exceções, 
os filmes são mais biografias do que documentários sobre um determinado momento 
político, mais sobre políticos ou personagens do que sobre política.
É claro que, se tomamos o termo “político” num sentido mais amplo, podemos incluir vários 
filmes de cunho socioeconômico na esteira de filmes políticos. É impossível pensar o lado 
social sem esbarrar no político. Mas o que interessa aqui definir como político são os filmes 
que desvendam aspectos políticos presentes na agenda de determinado momento do 
Estado-nação ou mesmo a sua relação política com os demais países. Sem procurar valorar 
o aspecto formal, temos fartos exemplos em outros países, como Farenheit 9/11 (2004), no 
qual Michael Moore investiga como os Estados Unidos se tornaram alvo de terroristas com 
base nos eventos ocorridos no atentado de 11 de setembro de 2001. Os filmes produzidos 
e/ou dirigidos por Robert Greenwald, como Unprecedent: The 2000 Presidential Election 
(2002), e por Richard Pérez e Joan Sekler, como Iraq for Sale, quem Lucra com a Guerra 
(2006) e Outfoxed – A Guerra ao Jornalismo de Rupert Murdoch (2004), são exemplos claros 
de filmes políticos contrários à era George Bush. Também podem-se destacar Sob a Névoa 
da Guerra (2003), de Errol Morris, que narra a história militar recente dos Estados Unidos 
do ponto de vista do controvertido político norte-americano Robert S. McNamara, ex-
secretário de Defesa nos governos Kennedy e Johnson; Why We Fight [Por que Lutamos?] 
(2005), de Eugene Jarecki, um olhar crítico sobre a tendência dos Estados Unidos de se 
envolver em conflitos armados; Black Box Germany (2001), de Andres Veil, que recorre ao 
passado recente da República Federativa da Alemanha nos anos 1970 e 1980 para retratar 
a polarização do país entre a força do Estado e a força do Exército Vermelho, gerando uma 
série de conflitos que beiram a guerra civil. Na América Latina, Memórias Del Saqueo (2004), 
do argentino Fernando Solanas, investiga os fatos que levaram à fragilização econômica e 
à degradação da Argentina. Solanas também é realizador de La Hora de los Hornos (1968). 
Allende (2004), do chileno Patrício Guzmán, desvenda Salvador Allende, ao mesmo tempo 
em que defende seu legado para o Chile do século XXI. É também o diretor da estupendasérie A Batalha do Chile (1975-1979). Nesses filmes, além do conteúdo claramente político, 
nota-se uma tendência a apresentar os fatos de forma investigativa, mostrando situações 
e reflexões novas sobre assuntos presentes na mídia e no jornalismo cotidiano.
Justamente essa tendência investigativa que busca trazer fatos novos a assuntos já 
pautados, ou que procura esclarecer questões no calor dos acontecimentos, é pouco 
trabalhada pelos documentaristas nacionais. Podemos citar ainda Who Betrayed Che 
Guevara [Quem Traiu Che Guevara] (2001), em que dois jovens realizadores, Erik Gandini e 
Tarik Saleh, vão desvendar, décadas depois, os fatos que levaram o argentino Ciro Bustos 
a ser injustamente acusado de trair Che, enquanto outro companheiro, Regis Debray, 
gozava na França de prestígio como grande amigo do líder revolucionário. Em Na Captura 
dos Friedmans (2003), de Andrew Jarecki, o professor Friedman e seu filho caçula são 
acusados e presos por molestar adolescentes. A família começa a entrar em colapso e o 
documentário não só registra, mas tenta agregar novos fatos ao assunto.
Quanto à forma, podemos perceber algumas tendências mundiais também presentes 
em documentários brasileiros. Uma delas seria o que Jean-Claude Bernardet chama de 
“documentário de busca”. Nesse sentido, podemos falar de Offspring, do canadense Barry 
Stevens, no qual um homem, que é o próprio diretor, foi fruto de uma inseminação artificial. 
O filme é um documentário de busca do realizador, que pesquisa bancos de esperma do 
mundo atrás do esperma original, para descobrir quem é seu pai e encontrar possíveis 
irmãos espalhados pelo mundo. No Brasil, alguns exemplos poderiam ser definidos como 
documentários de busca, como 33, de Kiko Goifman, e Passaporte Húngaro, de Sandra Kogut. 
“Os filmes partem de um projeto pessoal de seus realizadores. No caso de Kiko Goifman, é o 
filho adotivo que se propõe a encontrar a mãe biológica e, no caso de Sandra Kogut, (...) seu 
projeto é obter a nacionalidade e o passaporte húngaro” (Bernardet, 2005). Nesses casos, 
como bem coloca Bernardet, “a filmagem tende a se tornar a documentação do processo. 
Não há uma preparação do filme (a preparação é a própria filmagem), não há uma pesquisa 
prévia; a pesquisa, que freqüentemente no documentário é anterior à filmagem, é a própria 
filmagem” (Bernardet, 2005).
Não pretendo fazer uma análise mais profunda desses filmes, já muito bem realizada por 
Jean-Claude Bernardet, mas gostaria de salientar dois aspectos que envolvem ambos 
os filmes e que acho importante destacar porque nos conduzem e apresentam uma 
proposta de documentário que eu arriscaria chamar de uma tentativa de conferir plot ao 
documentário. Seriam os seguintes aspectos:
1) Nesses filmes, mesmo não existindo um roteiro como base, já é possível “prever” a própria 
56 Liliana Sulzbach 57Tendências do documentário contemporâneo
montagem durante a filmagem e se preparar para isso, criando situações que nos conduzam 
ao objetivo desejado. Como diz Sandra Kogut, no texto de Jean-Claude Bernardet, “no 
Passaporte Húngaro eu não sabia o que iria acontecer (...), mas isso não quer dizer que 
eu não tivesse, o tempo todo, consciência de que estava fazendo um filme e tivesse que 
construir as situações que iam aparecendo, mesmo sem preparação, em função do filme. 
Isso não quer dizer que havia menos construção do que num filme mais pré-roteirizado”.
2) Os filmes criam uma lógica narrativa, mesmo deslocando na montagem cenas que 
durante a filmagem ocorreram antes do momento em que foram adicionadas na edição. 
Portanto, ao inverter a ordem dos acontecimentos para conferir ao filme uma lógica 
narrativa, até que ponto esses filmes são documentários ou ficção?
Bernardet tende a dizer que seriam “filmes de ficção elaborados com materiais extraídos 
de situações reais” (Bernardet, 2005). Segundo ele, trata-se de uma espetacularização da 
vida pessoal, com duas facetas: como toda arte autobiográfica, é uma arte que expõe 
a pessoa, mas, ao mesmo tempo, a mascara. Além disso, essas pessoas-personagens 
obedecem a uma construção dramática: os personagens têm objetivos, enfrentam 
obstáculos (que eles superam ou não), alcançam seus objetivos ou não, exatamente como 
nos filmes de ficção, e tudo isso organizado numa narrativa. Seria uma ficção que coopta 
a vida pessoal. Bernardet conclui que esses filmes vivem uma tensão de documentário 
com desejos de ficção e uma ficção com desejos de realidade. Ainda segundo o autor, são 
filmes extremamente ricos porque expressam uma subjetividade tal como muitos de nós 
a vivenciamos atualmente.
Esse flerte com a ficção pressupõe, no mínimo, outra demanda de logística de produção 
e montagem. Mas, principalmente, outra forma de encarar o tempo no documentário. 
Como a narrativa pressupõe um avanço no tempo, e em documentário estamos tratando 
de fatos e pessoas reais, precisamos realizar um documentário de acompanhamento em 
diversas fases da vida do protagonista ou da etapa do acontecimento, o que também é 
evidente nos filmes que possuem um caráter investigativo.
Se num filme de ficção podemos alterar o tempo na medida em que construímos 
cenários, utilizamos atores de diferentes idades para interpretar os mesmos personagens 
justamente para conferir essa idéia de passagem do tempo, em documentário que não se 
propõe a fazer reconstituições é importante que se perceba a passagem do tempo real, 
mesmo que posteriormente esse tempo seja manipulado na montagem. E esse tempo 
precisa ser previsto na produção.
Nessa mesma perspectiva, surgem os filmes de acompanhamento, também capazes 
de criar uma lógica narrativa e conferir um plot ao documentário. Citaria como 
exemplo o filme alemão Adicted to Act [Viciados em Atuar] (2003), de Andres Veil, que 
acompanha um grupo de atores desde o momento em que entram na academia até o 
momento do ingresso no mercado de trabalho. Outro bom exemplo é Mai´s America 
(2002), de Marlo Poras. É um filme que acompanha a vida de uma jovem vietnamita 
que vai concluir o colégio nos Estados Unidos. O filme segue sua vida, desde sua 
cidade natal, expondo suas expectativas perante esse novo mundo e o estilo de vida 
ocidental – estilo que exerce uma certa fascinação sobre ela. Mas as coisas não se 
dão da forma como ela esperava: a família que a “adota” mora no Mississipi rural e ela 
enfrenta uma realidade bem diferente daquilo que imaginava ser o modo de vida 
norte-americano. Acaba revendo seus valores, sua cultura, e se depara com situações 
que vão do absurdo ao sublime.
Não dá para deixar de dizer que o cinema digital é o grande responsável pela 
realização da quase totalidade desses filmes. E, dessa forma, se aproxima do cinema 
direto, que na época em que surgiu também se beneficiou de câmeras mais leves 
e da possibilidade de captar o som em sincronia com a imagem. O cinema digital 
permitiu maior mobilidade e reduziu muito os custos, propiciando ao realizador mais 
tempo e dedicação para seus trabalhos. Mas, se o cinema direto apresentava alguns 
dogmas, como a ausência de entrevistas e encenações e a restrição ao uso de tripés, 
lentes e luzes artificiais, evitando a intervenção nos fatos, o cinema digital, ao mesmo 
tempo em que flerta com o cinema direto, não necessariamente segue seus dogmas, 
podendo tanto utilizar entrevistas como reencenar situações.
Ao facilitar a produção de documentários de busca e de acompanhamento, a era 
digital propiciou uma série de documentários mais intimistas, histórias que giram 
em torno da própria vida do diretor. Podemos acrescentar ainda My African Family 
(2004), de Thomas Thümena, a história de um realizador suíço que casa com uma 
africana e vai até a áfrica encontrar seus parentes. Narra as dificuldades e diferenças 
culturais entre as duas famílias. Tarnation (2003), de Jonathan Caouette, é a história de 
um realizador que, desde a infância,aprende a lidar com a mãe esquizofrênica. Seria 
um dos expoentes da era digital por lançar mão de uma colagem de elementos que 
vão de filmes caseiros, super-8, fotos, a áudios de secretária eletrônica, formando um 
grande mosaico que percorre 19 anos da vida do diretor. Assim, 33, Passaporte Húngaro 
e Offspring, citados anteriormente como documentários de busca, também abordam a 
intimidade de seus realizadores.
Para terminar, pode-se falar de uma tendência apontada por Esther Hamburger de filmes 
que expressam diferentes formas de apropriação dos mecanismos de produção de 
representação. Os filmes “através dos quais ‘o outro’, a respeito do qual o filme fala, participa 
da feitura – atuando, emprestando sua ginga corporal, participando da roteirização, 
criando a trilha sonora etc. – e expressa diferentes formas de apropriação dos mecanismos 
de construção da representação” (Hamburger, 2005). A autora cita, entre outros exemplos, 
Notícias de uma Guerra Particular (1999) e Ônibus 174 (2002). Assim como em Notícias..., que 
busca um registro complexo de polícia, tráfico e moradores, Ônibus 174 introduz outro 
aspecto: a TV, as câmeras, o jornalismo. O protagonista apropria-se da própria imagem 
veiculada pela mídia que está registrando tudo. Segundo Esther Hamburger, “com 
58 Liliana Sulzbach 59Tendências do documentário contemporâneo
estrutura semelhante ao documentário pioneiro Notícias de uma Guerra Particular (1999), 
de João Salles, (...) Ônibus 174 (2002) permite levantar questões interessantes sobre a 
relação entre performance, mídia, violência e pobreza. A análise sugere que tratamentos 
semelhantes para outros filmes podem ser produtivos no sentido de enriquecer o debate 
sobre como representar a violência e a pobreza no Brasil sem reproduzi-las”. O programa 
Revelando os Brasis seria uma possibilidade de passar a câmera ao outro, deixar que cada 
um construa a sua história ou a história que pretende contar.
Com base nisso, podemos detectar possibilidades e apontar alguns caminhos que 
seria interessante trilhar. São caminhos não necessariamente novos e, de certa forma, já 
abordados por documentaristas tanto estrangeiros como brasileiros. Mas, se muito já foi 
feito em termos de documentário independente no Brasil, ainda há muito a fazer e muitos 
temas e formatos a serem explorados. O programa Rumos é uma boa oportunidade de pôr 
em prática novas tendências e gêneros.
Referências bibliográficas
ALTAFINI, Thiago. Cinema documentário brasileiro. Evolução histórica da linguagem. 1999. Disponível em http://
www.bocc.ubi.pt/pag/Altafini-thiago-Cinema-Documentario-Brasileiro.pdf.
BERNARDET, Jean-Claude. Documentários de busca: 33 e Passaporte Húngaro. In: MOURÃO, M.D. e LABAKI, A. 
(Org.). O documentário do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
HAMBURGER, Esther. Políticas da representação: ficção e documentário em Ônibus 174. In: MOURÃO, M.D. e 
LABAKI, A. (Org.). O documentário do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
MESQUITA, Cláudia. Em palestra realizada dentro da programação do Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo em 2006. 
Ver o texto “Outros retratos – Ensaiando um panorama do documentário independente no Brasil”, neste livro.
REISZ, Karel e MILLAR, Gavin. Geschichte und Technik der Filmmontage. Augsburg: Filmlandpresse, 1988.
60 61
Pavlovskoie, uma aldeia próxima a Moscou. Uma sessão de cinema. A pequena sala está 
repleta de camponeses, de camponesas e de operários de uma fábrica vizinha. O filme Kino 
Pravda se projeta na tela sem acompanhamento musical. Ouve-se o ruído do projetor. Um 
trem aparece na tela. E depois uma menina que caminha até a câmera. De repente, na sala, 
soa um grito. Uma mulher corre até a tela, até a menina. Chora. Estende seus braços. Chama a 
menina pelo nome. Mas, esta desaparece. E o trem desfila novamente na tela. “O que ocorreu?”, 
pergunta o co-responsável operário. Um dos espectadores: “É o Cine-Olho. Filmaram a menina 
quando estava viva. Há pouco adoeceu e morreu. A mulher que se lançou até a tela é sua mãe.” 
Dziga Vertov
Como cineasta posso inferir que o cinema documental, por sua vasta possibilidade de percorrer as essências do espírito humano, faz nascer, pelo seu caráter humanizante e por sua transversalidade, múltiplas e distintas formas de apresentar a realidade.
Significa dizer, entretanto, que esse gênero cinematográfico seguiu sua história 
desenvolvendo formas estéticas de olhares compartilhados nas idéias, no fazer e 
nas experiências específicas de inúmeros autores que investigaram, e continuam 
investigando, a vida humana nos mais diversos continentes da terra e nos mais diferentes 
territórios culturais pelo viés do mundo mítico, psicológico, histórico e antropológico. 
Uma busca incessante, direcionada à interiorização do espírito humano, da alma 
humana e de sua expressão artística, para ver como os seres humanos são e estão na 
vida real marcados pelas diferenças étnicas e sociais, sem, contudo, ficcionar, exotizar 
ou reinventar o mundo cotidiano e ritualístico. Enfim, como a textura do filme mostra a 
realidade por meio da forma estética do documental.
O cinema documental, desde sua origem, deslocou-se em direção ao outro, em busca do 
inusitado, do diferente. Uma ferramenta que serviu, e serve ainda, para revelar as diferentes 
Luiz Eduardo Jorge
Cineasta (diretor e roteirista), historiador e antropólogo. Doutor em artes/cinema pela ECA/USP em 
1995. Professor titular da Universidade Católica de Goiás, atuando na graduação e na pós-graduação. 
Dirigiu 15 filmes, entre eles Bubula, o Cara Vermelha (1999), Passageiros da Segunda Classe (2001) e o 
longa-metragem Ventos da História (2006). Nos últimos cinco anos, recebeu cerca de 30 prêmios em 
festivais nacionais e internacionais.
A expressão cinematográfica no território do documental
62 Luiz Eduardo Jorge A expressão cinematográfica no território do documental 63
culturas humanas e suas formas de organização social, política, econômica e religiosa. Uma 
necessidade de ir ao encontro da humanidade do homem para saber como ele percebe, 
pensa, representa e sente a realidade. Porque, assim procedendo, se pretende buscar 
expressões em nosso próprio ser, isto é, em nós mesmos, a fim de desvelar o sentido do 
nosso próprio mundo.
Na epígrafe deste texto, a descrição de um trecho do Cine-Olho do diretor russo Dziga 
Vertov é uma sinalização da importância do cinema documental como expressão 
da vida social. O referido realizador tornou-se uma referência clássica e, ao mesmo 
tempo, moderna no mundo do cinema como uma escola documental em razão de 
colocar em prática e teorizar sobre os princípios gramaticais do cinema-verdade. 
Por meio dessa expressão, Vertov desenvolveu suas idéias sobre a função do cinema 
documental influenciando uma geração de jovens cineastas do pós-guerra que, mais 
tarde, se tornaram também referências do documental em seus países: “na França com 
Jean Rouch (Moi un Noir, La Pyramide Humaine, Chronique d’un Étè), Mario Ruspoli (Lês 
Inconunus de la Terre, Regards sur la Folie), na Itália (especialmente com Baldi), na Grã-
Bretanha com o Free Cinema, nos Estados Unidos com Rechard Leacock (Primary, Yanqui 
No), com Lionel Rogosin (On the Bowery, Come Back África) e diversos seguidores da 
Escola de Nova York” (Sadoul, 1971) Esse recenseamento realizado por Sadoul limita-se, 
como ele mesmo afirma, a citar alguns filmes apresentados em Paris ou em festivais 
internacionais nos anos 1960.
Ao chamar atenção para o cine-olho, Dziga Vertov defendia a tese de um cinema-verdade 
como forma de expressão não-ficcional, para, com base em um plano de trabalho, alcançar 
a realidade e apresentá-la no processo de montagem. A montagem, para Vertov, é um 
conceito, isto é, um exercício subjetivo de concatenação do fluxo dos acontecimentos 
por meio da razão. Para ele, entretanto, o conceito é uma relação entre teoria e prática: o 
pensar,o elaborar e o fazer.
O método de Vertov está baseado na sincronização do som e da imagem que ele 
denominou câmera-olho e rádio-orelha para filmar A Vida ao Improviso. A realidade 
da forma cinematográfica é uma representação do improviso indo ao encontro dos 
acontecimentos do cotidiano para apreendê-los, a fim de compô-los dentro de uma 
lógica dialética da montagem para serem afirmados ou negados. A vida representa-se 
por si mesma no cinema.
El método del cine-ojo el método de estúdio científico-experimental del 
mundo visible: a) basado en una fijación planificada de los hechos de la vida 
sobre la película; b) basado en una organización planificada de los cine-
materiales documentales fijados sobre la película. (Vertov, 1927).
Ao utilizar o material de arquivo do Kino-Pravda, Vertov realiza, em 1928, com seu 
irmão Mikail Kaufman, o longa-metragem intitulado O Homem da Câmera, metafilme 
científico-experimental no qual emprega o método aludido por meio de um ensaio 
dialético-pedagógico mostrando a vida cotidiana de uma grande cidade do amanhecer 
ao anoitecer. Fazendo uso de inúmeras técnicas de montagem, consagradas até os 
dias atuais, elabora o cinema documental como um cinema de idéias. E idéias que 
continuam revolucionárias.
O Homem da Câmera, um filme dentro do filme, que demonstra todo o processo de 
confecção do documental, indo da idéia ao produto final, coloca em cena o trabalho da 
equipe técnica – filmagem e montagem – como se fossem personagens que participam 
do filme no contexto do cenário e dos atores sociais documentados.
Vertov pesquisou as possibilidades estéticas e científicas do cinema documental a ponto 
de experimentar inúmeros conceitos e comportamentos de câmera, de montagem e de 
inserção da equipe de filmagem no processo de construção da peça cinematográfica. 
Além disso, teorizou, nos anos 1920, sobre preocupações ainda atuais correlatas ao 
cinema-verdade e ao cinema direto, às dicotomias verdade x falsidade, subjetividade x 
objetividade, objeto x sujeito e realidade x ficção, colocadas, ainda hoje, como temas dos 
debates sobre cinema documental e cinema ficcional.
Declara Vertov: 
El campo visual es la vida;
la materia de construcción para el montaje es la vida;
los decorados es la vida;
los artistas es la vida.” (Vertov, 1927)
Partindo dos princípios técnicos e heurísticos de Vertov, Jean Rouch, em parceria com 
Edgar Morin, realizou, teorizou e desenvolveu estudos e produções cinematográficas 
com base em uma nova concepção do documental. Tomou para si a expressão cine-olho, 
transformando o cinema-verdade em um desdobramento de métodos e técnicas aliados 
a uma nova prática do cinema documental, balizado com o campo da antropologia. 
Não é por acaso que Vertov se tornou uma matriz fundamental para Jean Rouch. Esse 
etnólogo-cineasta passou a praticar e a teorizar o cinema-verdade com vistas à produção 
de filmes antropológicos, numa combinação do método vertoviano e dos princípios 
da pesquisa etnográfica. Aliou, também, em muitos de seus filmes sobre o processo 
migratório dos camponeses nigerianos para a cidade, o método de observação fílmica 
de A Vida ao Improviso à “mise-en-scène documental” do irlandês Robert J. Flaherty. Deste 
último, tomou como ponto de partida a gramática do clássico Nanook of the North (1922) 
e também dos filmes de atores naturais como Moana (1926), Tabu (1931), realizado com 
Murnau, O Homem de Aran (1936). Histórias reais interpretadas por atores da cultura local 
dirigidos pelo diretor com base em um roteiro pré-elaborado. A respeito desse modelo de 
documentário etnoficcional de Rouch, pronunciou-se Sadoul:
64 Luiz Eduardo Jorge A expressão cinematográfica no território do documental 65
Rouch foi, pois, tocado pela autenticidade que atingiu suas pesquisas 
quando ele ‘deixou falar livremente o ator diante da imagem.’ Ao refletir 
sobre este sucesso, disse ainda, disse a mim mesmo que se poderia ir 
mais longe ainda na verdade, se ao lugar de tomar atores e de lhes fazer 
interpretar um papel, se pedisse a homens para representar suas próprias 
vidas. E este foi Eu um Negro.” (Sadoul, 1971)
Procedendo assim, Rouch elaborou um novo método do cinema-verdade e um 
novo conceito dos vetores essenciais do movimento para o cinema etnográfico na 
realização de filmes que tratam dos rituais mágico-religiosos do Níger, estabelecendo 
um comportamento da observação fílmica em plano-seqüência a fim de documentar, 
na íntegra, os movimentos do corpo das pessoas em transe. Denominou esse cinema 
documental de cine-transe. E, ao filmar a passagem da natureza à cultura e o universo de 
representação das etnias tradicionais do Níger, tornou-se o principal propulsor da escola 
do cinema etnográfico francês, influenciando, assim, gerações de novos realizadores de 
diversas referências culturais e países do mundo.
O cinema documental, o etnográfico em especial, sempre foi em busca da realidade do 
“outro” a fim de tornar visíveis as diferenças sociais e etno-históricas, pela compreensão 
da complexidade da cultura. São seus símbolos e seus signos culturais os fenômenos que 
estão à frente das lentes do cine-olho para o desenvolvimento de uma gramática do real.
As particularidades do documental e suas imensas possibilidades de expressão 
contribuíram para que cineastas clássicos da geração de Flaherty e Vertov desenvolvessem 
suas teorias, com base em suas próprias produções documentais, acerca de sua função 
educativa, estética, política, sociológica e antropológica. Entre eles, estão John Grierson, 
na Inglaterra, diretor do filme Drifters (1929); Jean Vigo, na França, com À Propos de Nice 
(1929); Aleksandr Ivanovithc Medvedkin, na Rússia, com O Trem Cinematográfico ou 294 
Dias sobre Rodas (1932); Alberto Cavalcanti, realizador brasileiro com filmes produzidos 
na Inglaterra por Grierson e autor do livro Filme e Realidade (1957).
Os estudos e as pesquisas científicas realizados no território do outro, para a produção 
documental acerca da diversidade cultural, demonstraram a importância do cinema 
documental para o desvelamento do território do outro na relação com o eu. O cinema 
documental passa, então, a direcionar o seu olhar à complexidade das questões sociais 
relacionadas aos grupos humanos do campo e da cidade, seguindo, assim, o percurso das 
preocupações específicas e universais das ciências humanas e sociais. O outro passa a ser 
redescoberto no eu.
Com base nessa postura cinematográfica, há uma argumentação do olhar documental 
compartilhado no fazer e nas experiências dos autores que investigam a vida humana 
pelo viés do mundo social, psicológico, mítico e antropológico. Uma busca incessante de 
interiorização do espírito humano, da alma humana, na expressão poética da imagem.
O fundamento do cinema documental está localizado na forma de apresentar a 
realidade social e cultural na perspectiva imanente de suas experiências históricas como 
um fenômeno dialético que se manifesta em sua mais profunda essência, revelando-a.
Desde sua origem, o cinema documental, com suas referências empíricas espelhadas nos 
formatos fotográficos, escreve sob a ação da luz associada a suportes físicos, químicos 
e ópticos pesquisados por meio de métodos de pesquisa e técnicas instrumentais 
elaboradas como indicadores das novas experiências científicas. A ciência de Muybridge, 
Marey e Démeny, associada à construção do cinetoscópio Edison e do cinematógrafo 
Lumière, criou uma nova forma e um novo método para o homem olhar para o mundo 
e para si mesmo.
Por essa razão, o cinema nasce tecnicamente científico1 e documental. Nasce também 
sob as idéias disseminadas na forma poética de compor a perspectiva para falar do 
movimento do mundo, dos seres e das coisas por meio do registro do real. A realidade 
material e psicológica é apresentada no fenômeno do processo projetivo: imagens 
dadas aos sentidosda psique humana.
No tempo presente, o cinema é remissivo ao tempo passado, às suas origens, aos seus 
processos e procedimentos metodológicos, estéticos e filosóficos, antropológicos e 
históricos, cabendo, sempre, pensá-lo em sua dimensão subjetiva porque eleita pelo 
pensamento e pelo olhar lançado sobre o mundo observado.
Salvo raras exceções, notadamente Rituais e Festas Bororo (1917), de Luis Thomas Reis, 
a aurora do documental é marcada pelo registro puro e simples nos documentários 
de viagens, enfatizando o outro. Mais tarde, sob influência das reflexões estéticas, 
sociológicas e antropológicas, fundamenta-se em posturas críticas e arranjos 
narrativos combinados nos processos de construção de peças fortemente marcadas 
por tons poéticos e ideológicos questionadores, sobretudo por meio do cinema 
político e militante. Atualmente, o acesso aos novos recursos tecnológicos permite 
uma dilacerada “reinvenção” da forma de expressão e da gramática audiovisual com 
base em experiências individuais, que tornam o audiovisual uma prática educativa 
em razão das possibilidades que pode criar no exercício do aprofundamento 
do conhecimento específico e universal, especialmente no campo das ciências 
humanas e sociais.
Falo da produção audiovisual de caráter educativo, considerando somente filmes 
que abordam temas e questões de interesse educativo, fundamentados em pesquisa 
e produção do conhecimento científico e/ou estético. Obviamente que produções 
que inventam a realidade no extraordinário, no fantástico e no sensacionalismo não 
decorrem de tais propósitos e não decorrem de uma reflexão crítica, pois, como venho 
afirmando, a subjetividade e as idéias cinematográficas são formas artísticas de tratar a 
verdade por meio da expressão documental.
1 Em Palo Alto, Estados Unidos, 1872, em 
um cenário preparado para diversos tes-
tes envolvendo estudos do movimento 
de um cavalo fotografado em alta velo-
cidade, por meio de um dispositivo que 
permitiu inicialmente a interface de 12 
e, posteriormente, de 24 câmeras liga-
das em uma mesma bateria, Muybridge 
permitiu constatar que, no compasso 
do galope, o animal realmente fica com 
as quatro patas no ar. Com base nessa 
síntese fotográfica, o fotógrafo eviden-
ciou um movimento impossível de ser 
percebido a simples vista. Essa síntese 
fotográfica possibilitou a Marey criar 
o fusil photographique e comprovar a 
tese do movimento pela obtenção de 
imagens a 24 quadros por segundo, de 
um pássaro filmado em pleno vôo (Mitry, 
1967, p. 41).
66 Luiz Eduardo Jorge A expressão cinematográfica no território do documental 67
Assim, essa atitude evidenciada no percurso histórico da produção desse gênero 
cinematográfico é definidora de estilos e abordagens segundo posturas estéticas, 
políticas, científicas e ideológicas dos seus autores. A reflexão teórica em torno dos 
fenômenos escolhidos, pesquisados e selecionados para a realização documental 
consolida as escolas e as correntes teóricas do pensamento documental e as atuais 
formas artísticas de criação.
Portanto, posso concluir que o cinema é escola.
Essas minhas palavras sobre cinema documental deixam-me à vontade para não 
estabelecer linhas divisórias muito rígidas entre o exercício do pensamento científico e 
o do pensamento estético, até porque a escrita tende a interpretar e a imagem tende a 
representar. Pensando assim, sempre compreendi que ciência e arte na construção do 
documental se entrelaçam. Dessa forma, não sinto aqui aquela necessidade de formular 
problemas para realimentar e sistematizar as idéias guardadas nas gavetas a fim de 
comprová-las ou refutá-las, porque, assim procedendo, posso também correr o risco de 
pensar que o objeto não tem vida, que o objeto é do sujeito, isto é, o objeto pertence ao 
sujeito, é pensado pelo sujeito que o observa e dele tira conclusões, formulações teóricas, 
subjetivações, afirmações e julgamentos mantidos sob a mão única da ciência ou da 
arte. Não pretendi obedecer a um modelo, seja científico, seja estético, para apresentar 
a realidade como essência da forma do cinema documental, até porque ela pode ser 
tão variada e diversa quanto o número de filmes realizados. A realização de um filme 
documental obedece, assim, a critérios estéticos, científicos e humanos segundo a sua 
natureza histórica e antropológica. Um filme não é produzido, realizado e “feito” numa 
fôrma, e, sim, numa forma.
No cinema documental ao qual me refiro, o objeto – do latim obicere = algo lançado, 
algo posto adiante – não é pensado e constituído pelo olhar impregnante do sujeito da 
observação, e sim do realizador cinematográfico que, longe de apossar-se do objeto, procura 
expressar por meio da forma cinematográfica a relação humana que se coloca entre ele, o 
mundo circundante e os seres humanos documentados. Vejo e entendo o objeto como 
corpus do universo social, cultural e humano pensado nos recortes narrativos específicos 
e gerais articulados no pensamento documental. O objeto, pensado numa perspectiva 
subjetiva e em permanente movimento, portanto, dinâmico e não moldado, não acabado.
O cinema documental confunde-se com a idéia de originalidade, de identidade com a 
diversidade cultural em permanente construção. Culturas reinventando a cultura com base 
em novos códigos recolocados permanentemente por novas experiências interétnicas, 
também, temporariamente redefinidoras de um novo ethos.
Este artigo apresenta algumas indagações tecidas na seara das idéias semeadas no território 
do cinema documental, rondando duas matrizes cinematográficas já consagradas – Vertov 
e Flaherty, que impulsionaram a vasta produção de documentários, ora repousando o 
olhar nos conceitos e teorias advindos de suas próprias reflexões, ora confirmando-os por 
meio das idéias experimentadas em suas produções propriamente ditas.
Vertov e Flaherty desenvolveram idéias genuínas e diferentes sobre o cinema documental. 
O primeiro experimentou o cinema-verdade baseado no improviso como forma de não-
interferência no mundo documentado para evitar ficcionar e/ou alterar a realidade. O 
segundo “interfere” na realidade para propor a mise-em-scène documental visando a um 
tratamento mais fiel da realidade no cinema. Dessa forma, nota-se, finalmente, que essas 
idéias, após 80 anos, estão em pleno exercício, tanto no campo do cinema documental 
quanto no campo do cinema ficcional, ora tratando do cinema documental utilizando 
atores naturais, como é o caso da recente produção brasileira intitulada Cidade de Deus, 
de Fernando Meirelles, ora tratando do cinema verdade à la Vertov, como faz Eduardo 
Coutinho nos documentários Santo Forte e Edifício Master.
Referências bibliográficas
MITRY, Jean. Histoire du Cinema (1895-1915). Paris: Éditions Universitaires, 1967.
SADOUL, Georges. Dziga Vertov. Paris: Éditions Champ Libre, 1971.
VERTOV, Dziga. Del cine-ojo al radio-ojo (La importancia del cine sin actores). 1927. In: ROMAGUERA, 
Joaquim e THEVENET, Homero Alsina. Fuentes y documentos del cine. Barcelona: Editorial Fontamara, 1980.
68 69
1“Não é o escultor que esculpe a escultura, é a escultura que esculpe o escultor!” Existe nessa frase de Merleau-Ponty algo que fica no meio, como um canteiro entre duas avenidas. Chacoalha-se uma frase como chacoalha-se uma vida. 
Uma inversão entre sujeito e predicado, entre sujeito e objeto que pode nos ajudar a 
entender um pouco a relação entre arte e vida, realidade e percepção, olhar e deixar-se 
olhar, entregar e receber.
Poderíamos, da mesma forma, dizer: não é o cineasta que faz o filme, mas o filme que faz 
o cineasta. Ao fazer um filme, algo está nos fazendo e algo está se fazendo para além de 
nosso fazer. O filme se faz e com ele me faço.
Se o meu assunto é a realidade, não estou isento dela e nem ela está isenta de mim. Nesse 
exercício da reciprocidade, da generosidade da entrega, vários grausde subjetividade estão 
interagindo entre si. A questão não é objetivar o olhar diante da realidade, mas mesclar 
sua subjetividade com a subjetividade do outro. Às vezes esvaziando-se no sentido zen-
budista do termo, às vezes potencializando o seu “eu” até o total transbordamento. Não 
existem regras definitivas, tudo funciona como uma espécie de pacto fundamentado na 
cumplicidade recíproca.
A percepção dos acontecimentos reais sempre estará intimamente relacionada ao 
imaginário. Nenhum olhar é isento de si ao olhar para fora. Vejo e, ao ver, também me 
vejo. Vendo-me inserido nisso ou naquilo, aquilo inserido em mim, a coisa se forma, um 
algo mais, o inesperado. Imagino, ajo na direção do que imagino, depois salto para o lado 
de lá, para o lugar do desconhecido, que é muitas vezes mais forte e intenso do que o 
que antes eu imaginava. O cinema do real é a arte desse encontro, um encontro com o 
que você imagina e no entanto revela-se de outra forma. Nessa revelação, nesse susto, 
somos convocados diante de um espelho que mostra outro rosto. Qualquer realidade é a 
Cao Guimarães
Trabalha com cinema e artes plásticas. Desde fins dos anos 1980 vem mostrando seus trabalhos em 
diferentes museus e galerias, como o Guggenhein Museum de Nova York (seu filme Sopro faz parte da 
coleção do museu); Mori Museum, em Tóquio; Galeria La Caja Negra, em Madri; e em bienais como a 
XXV Bienal Internacional de São Paulo, Insite Biennial 2005 (San Diego/Tijuana), entre outras. No fim da 
década de 1990 começou a fazer filmes, principalmente documentários experimentais, entre eles Rua 
de Mão Dupla, A Alma do Osso, O Fim do sem Fim, Da Janela do Meu Quarto e Andarilho.
Documentário e subjetividade – Uma rua de mão dupla
.
70 Cao Guimarães Documentário e subjetividade – Uma rua de mão dupla 71
extensão de você mesmo; e você, a extensão da realidade.
Olhar o mundo através de um aparelho óptico, enquadrar a realidade, já possui em si uma 
dimensão subjetiva muito forte. É impossível destituir o documentário da subjetividade. É 
ontologicamente impossível.
Ao planejar um filme, ao escolher um assunto, você de certa forma começa um processo 
de múltiplos recortes, do macro ao micro, do todo às partes. Você objetiviza um espaço 
real, prepara a cama onde seu olhar vai poder se deitar. Encontra um lugar para se permitir 
estar perdido. Potencializa um descontrole necessário. Esse movimento dialético entre o 
que vem de dentro e o que vem de fora gera um espaço, onde o filme habita. O importante 
é não perder esse lugar de vista; lugar que é na verdade um fluxo no qual as coisas se 
embaralham, esvaziam-se de si e revelam-se outras por algum momento. Esse lugar é o 
lugar da câmera ligada diante de alguém ou de alguma coisa. Esse lugar é um momento, 
um dos muitos momentos mágicos do processo cinematográfico.
“Antes de estudar zen, um homem é um homem, uma montanha é uma montanha. Ao 
estudar zen, um homem é uma montanha e uma montanha é um homem. Depois de 
estudar zen, um homem é um homem, uma montanha é uma montanha. Só que você 
está com os pés um pouco fora do chão.”
Esse pensamento do doutor Suzuki, via John Cage, retrata bem o processo da feitura de 
um filme que lida com o real. Ao pensar no objeto de um filme, ao imaginar o universo de 
um determinado assunto, falsas certezas pululam em seu imaginário, você se sente um 
Deus criando um determinado mundo. 
Ao ir de encontro ao objeto de seu filme, ao acionar o botão do descontrole, todas as 
coisas se transformam, suas certezas desvanecem, você troca o lugar deificado de um 
mundo imaginário pela crueza da realidade diante de seus olhos.
Você volta a brincar de Deus associando imagens e sons uns com os outros e esculpindo 
o tempo e o ritmo de seu filme na edição. Fundamental lugar do reencontro, onde o 
homem volta a ser homem, e a montanha, montanha. Olhar as coisas pela segunda vez, 
realinhar o caos, reinventar o mundo por meio da imagem e não apenas do imaginário. 
Finalmente, na sala de cinema, todos flutuam com os pés um pouco acima do chão.
A realidade é uma coisa híbrida, multifacetada pela incidência de olhares diversos, espelho 
sem fundo de um homem, uma cultura, um país. Se a pensarmos como uma lâmina 
reflexiva, que nos reflete e nos faz pensar, se a compararmos à superfície de um lago, 
poderemos nos relacionar com ela de pelo menos três maneiras:
– Poderemos ficar sentados no barranco contemplando sua superfície (e acho que a pele 
das coisas é um universo imenso que revela muito do que no fundo se esconde). Existe aí a 
possibilidade de um distanciamento, uma relação filtrada por um olhar distante, um olhar 
passante, algo que incide e elege, no momento mesmo do encontro entre a imagem que 
é dada e os olhos que a percebem. Uma atitude, uma opção de posicionamento, como 
num campo de batalha, como a posição dos rifles em uma emboscada num faroeste 
americano, como as cenas iniciais de F for Fake, de Orson Welles – a câmera distante 
acompanha uma bela mulher que caminha pela rua sendo devorada pelos olhares 
desavergonhados dos homens pelos quais passa.
– Poderemos, ainda sentados no barranco ou em pé na margem do lago, lançar uma 
pedra na água para vê-la reverberar, gerar um movimento tectônico em sua superfície, 
embaralhar seus elementos, desorganizar o aparentemente organizado. Essa pedra como 
um conceito, um dispositivo, uma proposição. Os trabalhos oriundos desse método 
são fundamentados no princípio de ação e reação. Uma proposição qualquer aciona 
um movimento que produz uma reação. São trabalhos que jogam com a noção do 
esvaziamento da autoria ou, pelo menos, nutrem o desejo do compartilhamento desta. 
Um jogo não se joga sozinho, jogos são também fundamentados em uma ação que 
espera uma reação.
– E, finalmente, poderemos nos lançar a nós mesmos nesse lago. Afundarmo-nos inteiros 
nessas misteriosas águas e, de dentro, abrir os olhos e ver o que acontece. Essa atitude 
imersiva reflete um desejo de entrega e investigação, uma propensão ao embate, à mescla, 
a vivenciar um pouco mais de perto o que se esconde dentro do espelho, no fundo das 
águas, encarar o peixe nos olhos, deixar-se levar pela correnteza ou hipnotizar-se com a 
calmaria do lago.
Portanto, existe o lago e existe você. E no meio disso, na margem disso, ronronares de 
sapos dissonantes, balé da vegetação ao vento, metamorfoses de peixes em luz, bolhas de 
ar atravessando a água. Tudo participa dessa experiência e a autoriza. Tudo estimula, seduz, 
desorganiza, afeta sua percepção. Pois no espaço real uma folha que cai é tão expressiva 
quanto o vestido de Marilyn Monroe que voa e a sonoridade de um deserto tão intensa 
quanto uma cantora lírica no palco.
2.
Um helicóptero sobrevoa uma favela lançando um facho de luz sobre seus casebres. Da 
pracinha um homem observa o belo movimento circular do helicóptero e o facho de luz 
cortando a noite escura. Eu observo o homem da pracinha observando o helicóptero. 
Alguém com um binóculo pode estar me observando observar o homem da pracinha 
observando o helicóptero. Enquanto observo o homem da pracinha observando o 
helicóptero imagino o que ele está vendo e imagino também o que o piloto ou o foquista 
da luz estão vendo lá de cima. De repente alguém grita no meio da favela. Movo meus olhos 
na direção do grito, por instinto, por curiosidade. Vejo apenas o facho de luz percorrendo 
os casebres apagados. O grito se cala, o helicóptero se vai, o homem da pracinha deita 
na grama e fecha os olhos. Uma rede de imagens se constrói em minha memória. O que 
realmente vi e o que imaginei ter visto? O que realmente aconteceu e o que imaginei ter 
72 Cao Guimarães Documentário e subjetividade – Uma rua de mão dupla 73
acontecido? Nessa dúvida alguma coisa existe. O homem da pracinha faz seu filme em 
sua memória, eu faço o meu, da mesma forma o piloto, o foquista e a pessoa do binóculo.Existem diferentes filmes em cada um de nós para uma mesma realidade. Nisso consiste a 
beleza e a magia de lidar com a realidade. Ela nos faz pairar para além de nossas certezas e 
nos reinventarmos sempre diante das inúmeras possibilidades que se apresentam.
Somos todos espectadores privilegiados de inúmeros filmes que a realidade nos oferece. 
E felizmente nunca vemos a mesma coisa do mesmo jeito. Da mesma forma nunca saímos 
de uma sala de cinema com a mesma impressão de um filme que a pessoa ao lado. Pois 
arte não é ciência e os DNAs e os vetores de uma obra de arte são fundamentados na 
imprevisibilidade. A centopéia que habita sua cabeça ao sair de uma sala de cinema não 
tem necessariamente 100 patinhas. Tampouco será a mesma centopéia que existiu um 
dia na cabeça do diretor quando imaginou o filme. Ter a coragem de se entregar, saltar 
do plano deificado da imaginação para o plano real da imagem em ação, recodificar o 
transe e perceber o milagre da multiplicação dos sentidos no que se encontra para além 
de sua pessoa.
É necessário, de quando em vez, assassinar o sujeito para que a subjetividade exista. Pois 
é no lodo abissal de nossa existência que o sujeito real se move. Esse ser inominável que 
está dentro de nós, do qual sabemos tão pouco – é esse o outro rosto que se revela do 
outro lado do espelho quando nos propomos a encarar a realidade.
74 75
Como é possível que o sofrimento que não é meu, nem de meu interesse, possa afetar-me 
imediatamente como se fosse meu, e com tamanha força que me impele à ação?…
Sobre o Fundamento da Moral, Arthur Schopenhauer
Diante das inúmeras possibilidades que as mídias hoje oferecem, colocando à disposição do homem um leque de serviços audiovisuais pelos quais possa manifestar suas opiniões e sintomas no mundo globalizado, me pergunto: 
como se dá a construção de nossa identidade/verdade nos inúmeros diálogos que 
surgem espontaneamente através dos blogs, do Orkut, dos sites de relacionamento, 
dos messengers? É uma tentativa de construir a própria história, ou de desconstruí-la? 
Na internet, anônimos e não-anônimos criam diários e conversas a cada segundo, como 
um grito nesse imenso espaço virtual, numa tentativa de criar novas identidades. Tenho a 
impressão de que o importante nesses diálogos não é a permanência do que se diz, mas 
o esvaziamento dos sentimentos, da vida corrida, como as marcas deixadas por um meio 
que se acende e apaga, como passos na areia. Percebo uma necessidade de diferenciação 
misturada a um mergulho na massa globalizada, um medo de não se manter atualizado. 
Como a não-experiência com base nas imagens que nos chegam a todo instante pela TV, 
mas sem que as experimentemos, pois já chegam banalizadas e amortecidas pelo texto.
Sinto as notícias e as imagens do mundo amortizadas para que não as sintamos mais, para que 
não tenhamos atitudes de rebeldia. Mesmo que esteja tudo fora do lugar, está tudo “normal”.
Fazer documentário é um ato político, um posicionamento diante daquilo que se vê e 
sente. Um diálogo com o meio em que se vive. Uma demonstração de vigor diante da 
vida, uma manifestação do sentimento de estar vivo.
Érika Bauer
Formada na Escola de Cinema e Televisão de Munique, Alemanha, realizou pesquisas e dirigiu curtas 
entre 1987 e 1993. Realizou seu primeiro longa-metragem, Dom Helder Câmara, o Santo Rebelde, que 
ganhou, entre outros prêmios, o de melhor roteiro e montagem no Festival do Ceará, em 2004, e o 
Margarida de Prata, em 2005. É professora de cinema da Faculdade de Comunicação da UnB.
O documentário como experiência
76 Érika Bauer O documentário como experiência 77
É importante também dizer que é um ato de extrema coragem se expor e 
desmistificar o conhecido, assumir diferenças e indiferenças. Lançar-se ao mundo 
para se diferenciar, mesmo sem buscar nada de novo na forma, se o conteúdo assim 
o exigir. Ser ou não ser.
É uma maneira, também, de juntar os pedaços, aqueles milhares de fragmentos 
dispersos e mal contados de nossa história coletiva, e nisso redescobrir algo de nossa 
história pessoal. Reunir episódios, desvelar a história oficial e reconstruir a “crônica dos 
vencedores”. As imagens de arquivo no Brasil são, em sua maioria, sobre aqueles que 
“deram certo”.
O documentário quer ser linguagem, quer se comunicar. E com tal força que influencia 
os filmes de ficção brasileiros. Assistindo ao maravilhoso Cinema, Aspirinas e Urubus, de 
Marcelo Gomes, me lembrei do documentário de Wladimir Carvalho O País de São Saruê. A 
visceralidade das imagens, o sol do sertão convocando o espectador ao calor dos relatos 
dos sobreviventes. O preto no branco. Os galhos secos rasgando a tela. A verdade de 
quem desconhece banalidades.
A realidade chama, chacoalha, estremece. Precipita novos realizadores, e não tão novos, a 
responder àquilo que incomoda e/ou emociona. Faz-nos nos mover e entrar em choque 
com novos dilemas éticos, políticos e estéticos. A história não fala por si só. É preciso que 
a façamos falar!
Existe uma procura muito grande, por parte dos realizadores, por projetos de filmes 
documentários. Isso é gerado não só pelas facilidades dos meios, hoje mais acessíveis, 
mas também pelas políticas públicas de regionalização e por uma sempre presente 
necessidade de melhor compreender e apreender o mundo à sua volta.
Muitos universitários me procuram para apresentar temas como o primeiro bairro em 
Brasília, a colonização finlandesa em Penedo, a terceira idade nas cidades-satélites, a 
violência juvenil em Brasília, o rap em Ceilândia... Porém, mostrar não é mais preciso; um 
telejornal, qualquer dia, o fará. O que importa, para mim, é aproximar a lente, levantar 
novas questões, conviver com o seu objeto e se perguntar por quê.
Entender-se nesse processo de busca, buscar dialogar com seu tema, trabalhar o impacto 
social, ir ao fundo do poço das questões que serão levantadas numa pesquisa sobre o 
tema, tudo isso é que vai dar o verdadeiro sentido para o filme. Tudo isso, claro, aliado ao 
tempo, que amadurece tudo. Tanto o tema quanto o realizador, para entender realmente 
para onde será preciso ir.
O tempo dá e constrói, no amadurecimento desse diálogo, a dimensão humana aos filmes 
documentários. Como um embrião que vai crescendo até virar filme, lançando luz na história 
do ser humano, buscando lacunas e construindo outra história, não-oficial. E não-oficial 
poderá ser o processo investigativo, conduzido de maneira independente, à luz de uma 
pesquisa insistente e impertinente. E muitos serão os obstáculos encontrados nessa busca.
Não existe um modelo, e por isso a diversidade deve ser preservada, sem o dever de levar 
respostas e de ser utilitária.
Essa necessidade humana de se comunicar está profundamente associada à 
necessidade de conhecer, de se perguntar e participar. É o que nos move para novos 
olhares e para uma compreensão do mundo, nossa maneira de encontrar um lugar 
no mundo.
Antes das câmeras, microfones e tantos outros equipamentos, existiam as imagens 
pintadas, o teatro de sombras, a palavra falada e também a dança e o ritual. Tínhamos 
meios de expressão, da mesma forma que fazemos hoje com nossos filmes.
O documentário faz uso das mesmas possibilidades de que o filme de ficção dispõe 
para compor uma cena: plano aberto, plano fechado, travelling, panorâmica, 
flashback, sem falar daquilo que a montagem pode oferecer para um melhor arranjo 
entre as imagens. Mas existe um elemento básico que diferencia um do outro, que 
é a abordagem do tema, a maneira como um documentarista se aproxima de seu 
objeto, mais sujeito a surpresas, levando a um desnudamento, forçando aberturas 
para o indeterminado, e conseqüentemente à abundância inata daquilo que a 
realidade nos oferece.
Segundo Bill Nichols, professor da Universidade de Rochester, os documentários podem 
ser expositivos, observacionais, interativos e/ou reflexivos.O formato varia de acordo com 
o tema e a abordagem que se queira dar a ele.
Como no filme Estamira, cujo diretor, depois de intensa pesquisa, optou por uma 
linguagem mais experimental, ao utilizar os recursos visuais do filme para interagir 
com o personagem e sua loucura. O filme traz imagens quase bíblicas, quando a 
tempestade chega e entra o off de Estamira naquele lixão sob um forte vento. Fascinado 
pelas imagens e pelo carisma do personagem, um deslize: ao encontrar um vidro com 
palmitos (provavelmente estragados), Estamira fala dos almoços que faz, do macarrão, de 
como fica bom etc. No cinema, espectadores fazem cara de nojo. Em seguida, vemos os 
familiares na casa de Estamira comendo justamente o macarrão que ela comentara em 
cena poucos minutos atrás... Um pequeno rasgo na ética do filme. E, claro, provavelmente 
o palmito não estava lá, uma mentira.
Como uma criança diante de diferentes brinquedos, assim se inicia a jornada do 
documentarista – aberto, sem idéias fixas e com olhares ainda dispersos. Assim também 
poderia ser o seu amadurecimento, o seu processo de autoconhecimento na fase final 
da montagem – aberto às inúmeras possibilidades de interpretação do mesmo fato. E aí 
vem a questão fundamental: a ética.
78 Érika Bauer O documentário como experiência 79
Chegar próximo da verdade de fato seria o mesmo que falar de conhecer a si mesmo. 
Somos tantos, somos tão diferentes em diferentes momentos, fazendo leituras diferentes 
das experiências que vivemos, que não existe a possibilidade de chegar a uma verdade 
final. Ela possui diferentes matizes, dependendo da luz em que for vista.
Personagens escolhidos por nós podem sugerir sentimentos diferentes daqueles 
que nos levaram a escolhê-los. Não existe unanimidade, e é isso que torna o trabalho 
do documentarista interessante e fundamental. Quando tentamos humanizar um 
ídolo, um ícone da sociedade, fazendo um plano de 360º sobre ele, nos aproximamos 
muito mais do que o enaltecendo ou contando fatos relevantes da história que ele 
ajudou a construir.
Poderia falar de minha experiência com o personagem de Dom Helder e minha 
pesquisa para o documentário O Santo Rebelde. A pesquisa teve várias etapas. Iniciou-
se com a descoberta do tema, ou “o tema me descobriu”, depois de uma série de 
“coincidências”. Vi dom Helder numa entrevista sobre Josué de Castro, fiquei curiosa e 
em seguida deparei com uma biografia recém-lançada. Curiosidade e enamoramento 
pelo personagem. Quando procurei me afastar da biografia escrita para iniciar minha 
própria jornada, enfrentei uma nova crise: falta de material de arquivo no Brasil. Fui atrás 
de outras fontes, como coleções particulares, entrevistas com colegas, pessoas ligadas à 
Teologia da Libertação, movimentos iniciados por dom Helder. Também ouvi fontes do 
outro lado, críticos de seu trabalho etc. Seus críticos, no entanto, eram fracos, não valia 
a pena assumi-los dentro do filme, porque exporiam a fragilidade do próprio discurso. 
Fui percebendo a amplitude que o trabalho de dom Helder teve no mundo e parti para 
a busca de imagens e depoimentos fora do Brasil. Foi a fase mais importante, pois me 
deu a segurança e uma melhor percepção da dimensão do personagem. A partir daí, 
o filme cresceu, e pude pensar realmente que o documentário não seria apenas sobre 
um homem da Igreja, mas sobre um homem de seu tempo no Brasil e no mundo. E por 
que não dizer que me apaixonei por ele e que me exporia dessa forma na colocação 
das idéias do filme. Apaixonei-me por suas idéias, sua força, sua feiúra e sua beleza, 
seu humor e sua inteligência, e – por que não dizer? – suas contradições, como sua 
familiaridade com o poder.
Ao perceber, no processo da montagem, o personagem que construímos, vamos 
entendendo o tempo como aliado. Como o trabalho amadurece, e como criamos nossa 
subjetividade em relação ao personagem. E as descobertas profundas são inevitáveis.
Jung escreveu:
Experimentar o eu significa estar sempre consciente da própria identidade. 
Então você fica sabendo que nunca poderá ser outra coisa senão você 
mesmo, que nunca poderá perder-se e que nunca se alienará de si. Isto é 
assim porque você sabe que o eu é indestrutível, que é sempre um e o mesmo, 
que não pode ser dissolvido nem trocado por nenhuma outra coisa. O eu 
lhe permite permanecer o mesmo em todas as condições de vida. Assumir 
o lugar no mundo, buscar idéias que formarão opiniões, analisar pontos de 
vista, composição de quadro, encontrar maneiras de expor um drama.
Diria, então, que o documentário é uma sujeição ao tempo. O documentarista precisa 
estar conectado com seu tempo, assumindo e criando necessidades que vão gerar novas 
invenções formais. Encontrar seu objeto, seu tema, é manter-se ligado aos acontecimentos 
do mundo e a suas conexões com o mundo interno. Colocar perguntas que vão desde a 
motivação do tema até as possibilidades de pesquisa, conflitos a ser levantados, conexões 
com a política, leituras diversas etc.
É importante perceber a complexidade do mundo hoje e as inúmeras possibilidades que um 
tema pode oferecer. E, fundamental, não se sujeitar à força do mercado, do neo-liberalismo 
ou da globalização, ou seja, tudo aquilo que limita, que esvazia conteúdos ou nos torna 
meros espectadores de algo maior do que nós. Não se deixar anestesiar diante da realidade. 
Temos de reagir, ir em busca de novas idéias, novos formatos, abraçar nossa subjetividade. 
Pessoalmente, sinto-me como um Dom Quixote, e são personagens assim que me inspiram!
Vargas Llosa escreveu:
El gran tema de Don Quijote de la Mancha es la ficción, su razón de ser, y la 
manera como ella, al infiltrarse en la vida, la va modelando, transformando...
Al mismo tiempo que una novela sobre la ficción, el Quijote es un canto a la 
libertad. Conviene detenerse un momento a reflexionar sobre la famosísima 
frase de don Quijote a Sancho Panza:
“La Libertad, Sancho, es uno de los más preciosos dones que a los hombres 
dieron los cielos; con ella no pueden igualarse los tesoros que encierra la tierra 
ni el mar encubre; por la libertad así como por la honra se puede y debe 
aventurar la vida, y, por el contrario, el cautiverio es el mayor mal que puede 
venir a los hombres” (Dom Quixote de La Mancha, Edición del IV Centenario, 
Alfaguara, II, 58, p. 984-985).
Como uma manifestação das novas necessidades dos documentaristas no mundo hoje, 
diante das novas tecnologias e da invasão constante das imagens, os filmes adquirem 
formas mais complexas. Documentários reflexivos misturam passagens observacionais 
com entrevistas, a voz sobreposta do diretor com intertítulos, deixando bem claro o que 
já era um pressuposto: “o documentário sempre foi uma forma de representação, e nunca 
uma janela aberta para a ‘realidade’ “ (Bill Nichols).
Assim, o cineasta se torna testemunha participante, criando e modificando o mundo 
enquadrado, desenquadrando preconceitos e inquietando com novas maneiras de 
percepção, para melhor compreensão das inúmeras faces e possibilidades que a realidade 
pode oferecer. E é interessante observar a inversão do político para o pessoal, que fabrica 
80 Érika Bauer O documentário como experiência 81
seu próprio discurso, efeitos, impressões e pontos de vista. É a voz do texto que ouvimos, 
que conduz todo o filme, mesmo quando essa voz tenta se apagar. Na vida fazemos uso 
de encenações; por que não as utilizar no filme documentário? Por exemplo, quando 
fazemos uso de entrevistas. A representação é parte do processo, não perguntamos o 
que não nos interessa, de certa forma conduzimos nossos personagens para o local do 
filme, daquilo que nos é importante. Interessante também é destacar o presente dos 
personagens. O que fazem, além de falar aquilo que o diretor pergunta, ou o que fariam, 
caso não estivéssemos lá.
A construção de uma estrutura de mosaicos, revelando a incompletudede uma verdade! 
A intensidade da vida no mundo – lembrando que vivemos num continente colonizado, 
com mentes colonizadas, com fortes raízes na injustiça, controlado por organizações 
políticas ainda confusas, tão próximos à nação mais rica do mundo.
Somos caóticos e a história que conhecemos – sempre a dos vencedores – foi contada 
com base em escolhas. Nossos olhares, no entanto, guardam o potencial de liberdade que 
Llosa apontou em Dom Quixote. Como a câmera-olho de Vertov, precisam ir onde ainda 
não enxergamos, reconstruindo a realidade, expondo outros paradigmas que suavizem 
velhas certezas, desvelando a ordem – freqüentemente estranha – por trás do caos. Quem 
sabe, como pessoas e nações, não nos reencontremos menos enquadrados?
82 83
Quando comecei a fazer documentários, no começo dos anos 1990, o panorama das expressões artísticas de áudio e/ou vídeo brasileiras que se seguiu ao porrete collorido vivia um período preto-e-branco de apartheid. Cinema era cinema. 
Artes plásticas eram artes plásticas. Música era música. E o que escapava desses grandes 
conceitos, alguns subgêneros como o documentário ou a videoarte, era exatamente 
aquilo que o nome indicava: subgêneros. Eram manifestações “menores”, relativamente 
esquecidas em algum limbo perdido entre as grandes correntes de expressão, sobretudo 
quando realizadas sobre suportes à época considerados menos nobres, como a imagem 
eletrônica. Havia uma espécie de cânon implícito, mas geralmente aceito, que não só 
separava as manifestações culturais, como também as hierarquizava.
O espaço daquele tempo ainda se definia por um apego a fronteiras bastante estritas. 
E em nome delas foram travadas grandes discussões que, ainda que depois tenham se 
revelado quase sempre putativas, mobilizavam ímpetos passionais. Lembro-me, por 
exemplo, do longo debate que se travou entre os defensores do vídeo e os advogados da 
película. Durante anos, questionou-se (e alguns poucos retardatários ainda questionam) 
a legitimidade da imagem eletrônica como suporte de uma obra de arte audiovisual. 
Felizmente, com o passar da própria matéria-prima central da obra audiovisual – ou 
seja, o tempo –, ficou claro que tal questionamento existia sobretudo para defender um 
corporativismo mal escondido. Tratava-se acima de tudo de uma tentativa institucional de 
proteger um meio estabelecido, o cinemão tradicional, da competição mais ágil e perigosa 
de uma nova tecnologia.
Essa competição, que se fosse exclusivamente estética poderia ter gerado um debate 
muito frutífero, escondia, assim, em seu bojo, outra competição, meramente financeira. E 
era provavelmente ela o principal combustível a motivar tanta celeuma, já que no universo 
Carlos Nader
Entretecendo linguagens que vão do documentário clássico à videoarte, Carlos Nader teve 
seus vídeos exibidos em centros culturais de mais de 20 países (como o MoMA, de Nova York, 
em 1999, e o Tate Modern, de Londres, em 2007) e veiculados em mais de uma dezena dos 
principais canais de TV do planeta (como o inglês Channel 4 e o franco-alemão Arte). Entre 
os prêmios que recebeu estão o Mondial de la Vídeo de Bruxelles (1993), o Internationaler 
Videokunstpreis da ZKM, na Alemanha, e o Grande Prêmio de Cinema Brasil (2000).
Filme livre
84 Carlos Nader Filme livre 85
cultural é, via de regra, do consenso estético entre grupos de influência que decorrem as 
decisões de alocação de verba, inclusão em leis de incentivo e julgamento de premiações. 
Em decorrência da reação corporativista do establishment cinematográfico, o cinema 
feito em vídeo, por exemplo, viveu durante algum tempo uma versão às avessas do 
célebre paradoxo de Tostines (aquele do “vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho 
porque vende mais?”). Assim, o biscoito fino do audiovisual eletrônico passou um período 
considerável excluído dos critérios da Lei do Audiovisual, por ser eletrônico, e igualmente 
excluído dos mecanismos práticos de aprovação na Lei Rouanet, por ser audiovisual e 
supostamente já ter uma lei própria, a Lei do Audiovisual, que na verdade também 
o excluía. Felizmente, essas distorções foram corrigidas a tempo em ambas as pontas, 
e a imagem eletrônica foi paulatinamente sendo resgatada de seu limbo financeiro ao 
mesmo tempo em que era retirada do limbo estético.
No território de museus e galerias de arte, deu-se um processo semelhante ao ocorrido 
nas salas de projeção. É verdade que no princípio de tudo o vídeo foi usado por artistas 
mainstream, no melhor sentido da palavra, como Anna Bella Geiger no Brasil ou Nam June 
Paik na cena internacional. Mas um desvio de rota, iniciado nos anos 1980 e ainda não 
totalmente explicado, fez com que no começo dos anos 1990 a arte do vídeo acabasse 
por se encontrar bastante insulada. Nessa época, a chamada videoarte, apesar de já propor 
uma fusão efervescente entre cinema, música, mídia e outras artes plásticas ou temporais, 
tinha paradoxalmente um sistema de criação e exibição exclusivo, apartado e a princípio 
negligenciado pelos circuitos tradicionais das artes. Mas antes ainda que as salas de cinema 
aceitassem o vídeo em suas exibições, as galerias, os museus e os próprios artistas plásticos 
foram gradualmente abraçando o meio eletrônico. Foi um processo relativamente rápido, 
mas essa aceitação não aconteceu sem passar por algumas situações intermediárias 
esdrúxulas, como a da Bienal de São Paulo de 1994, em que todas as instalações de 
videoarte foram sintomaticamente colocadas sob uma construção efêmera de lona, uma 
tenda anexa ao prédio central. A tenda era uma espécie de apêndice inflável da exposição, 
alegoria involuntária que expressava muito bem a dificuldade que os cardeais da arte 
daquela época tinham em aceitar definitivamente um novo meio em seu panteão.
O estado das coisas hoje é bem outro. A incorporação dos meio eletrônicos por aquela arte 
chamada apenas de “arte” seguiu com rapidez as três etapas que Schopenhauer enxerga 
no surgimento de toda nova verdade. Primeiro, ela foi combatida. Depois, foi ridicularizada. 
E, por fim, foi aceita como se sempre tivesse sido a coisa mais óbvia do mundo. Em poucos 
anos, a eletrônica passou de penetra a vedete – tanto no circuito das artes internacionais 
quanto na palheta dos artistas contemporâneos. Mesmo que com a abertura definitiva 
da porteira do museu para a boiada do vídeo possa ter havido algum vale-tudo auto-
indulgente, a quebra de qualquer barreira limitante, de qualquer reserva de mercado, é 
sempre muito salutar. E, hoje, com exceção daqueles poucos retardatários que mencionei, 
sempre literalmente de plantão, quase mais ninguém discute se o vídeo em particular ou 
qualquer outra tecnologia moderna em geral pode ou não carregar arte. O tempo, sempre 
ele, se encarregou de despertar definitivamente toda a exuberante irrelevância dessa 
discussão. Irrelevância esta que já era latente no início dos anos 1990, período ao qual, 
aliás, eu terei brevemente de voltar para colocar outra discussão, correlata e igualmente 
irrelevante, mas central para mim e, acredito, para esta publicação: “E o documentário, 
especificamente, pode ou não ser considerado arte?”.
Foi no começo de 1992 que essa questão me apareceu pela primeira vez. Para ela, recebi 
basicamente duas respostas. Uma curta e uma longa. A curta foi: “Não”. E a longa foi: “O 
seu documentário não”. O meu primeiro trabalho não foi, a princípio, considerado “arte”. 
Eu havia acabado de terminá-lo. Era realmente um vídeo sem grandes efeitos, a não ser 
o de misturar verdades e mentiras sobre um personagem, José Alves de Moura, também 
conhecido como Beijoqueiro, que para mim era uma alegoria ambulante do Brasil daquela 
época, maníaco-depressivo entre a violência e o afeto. Durante os dois meses de filmagens, 
em que dividi o mesmo teto com meu personagem, a questão “documentário é arte” não 
teve tempo para me ocorrer. Mas logo depois,com o vídeo já pronto debaixo do braço, 
pude notar que a maioria dos responsáveis pelas principais instituições que exibiam 
vídeos na época acreditava que um documentário de formato relativamente televisivo 
sobre um homem que saía beijando pela rua não era exatamente arte. Por causa disso, 
o vídeo ficou um ano engavetado, sem espaço para lançamento. Em 1993, O Beijoqueiro 
teve sua première no World Wide Video Festival, do curador holandês Tom van Vliet, uma 
importante plataforma de lançamento da “arte do vídeo” da época. A partir dela, o filme 
correu não só boa parte daquele circuito internacional de videoarte que mencionei acima, 
mas também parte do circuito de festivais e canais de TV que exibiam documentários “de 
qualidade”. Durante essas exibições, notei que, mesmo que alguns espectadores vissem 
no vídeo apenas o coté do Brasil exotique et bizarre que o Primeiro Mundo cultua, muitos 
outros enxergavam nele uma experiência de contato legítima e profunda entre um autor 
genuinamente envolvido e um personagem excepcional. Ou seja, arte.
Meus quatro documentários seguintes – Trovada, de 1995; O Fim da Viagem, de 1996; 
Carlos Nader, de 1998; e Concepção, de 2001 – iniciaram trajetórias que pareciam, a 
princípio, menos esquizofrênicas. Eles de cara foram aceitos e mesmo premiados por 
instituições culturais importantes, como o Videobrasil por aqui e a ZKM na Europa. Assim, 
foram logo reconhecidos como “arte”. O que aconteceu, estranhamente, é que eles 
não foram reconhecidos como “documentários”. Não foram selecionados para nenhum 
festival do gênero, nem foram exibidos em nenhuma programação documentária de 
TV. De certo modo, era compreensível. Se, por um lado, eles têm várias características 
óbvias de uma linguagem “artística” e “experimental”, por outro, Trovoada, Carlos Nader 
e Concepção não têm algo que caracteriza a maioria dos documentários: uma estrutura 
concêntrica ao seu tema, seja esse tema um cantor, seja uma doença. Esses meus ensaios 
visuais são o que chamei de “documentários sobre uma sensação pessoal”, com uma 
estrutura associativa, como a do pensamento livre. Já O Fim da Viagem fugia um pouco 
à regra. O vídeo é uma mistura estranha de cinema direto e proto-reality show, em que 
a câmera e eu acompanhamos, falsamente ausentes, uma fatia da vida comum de um 
homem comum. Mesmo que a princípio esses pequenos filmes tenham causado algum 
86 Carlos Nader Filme livre 87
estranhamento, talvez pela subjetividade excessiva de sua proposta, a aceitação do 
caráter documental deles também acabou vindo a tempo. Nesse sentido, dois eventos 
“oficializaram”, pelo menos para mim, esse processo. Em 2000, O Fim da Viagem foi um 
dos 25 trabalhos escolhidos para compor a New Documentary, uma mostra do MoMA de 
Nova York que apontava novas linguagens documentais para o milênio que se iniciava. 
E, em 2003, a Conferência Internacional de Documentários, vinculada ao festival É Tudo 
Verdade, apresentou, justamente com destaque positivo para a subjetividade no gênero 
documental, vídeos como Carlos Nader, Trovoada e Concepção.
Obviamente não fui o único realizador a participar da Conferência ou a viver essas questões. 
Artistas audiovisuais brasileiros tão diferentes como Arthur Omar, Cao Guimarães, Carlos 
Adriano, Eder Santos, Eduardo Coutinho, Fernando Meirelles, Francisco César Filho, Inês 
Cardoso, João Moreira Salles, Joel Pizzini, Karim Aïnouz, Kiko Goifman, Lucas Bambozzi, 
Lucila Meirelles, Luis Duva, Marcello Dantas, Marcelo Machado, Marcelo Gomes, Marcelo Tas, 
Piche Martirani, Roberto Moreira, Sandra Kogut, Tadeu Jungle, Tata Amaral, Walter Silveira, 
entre outros, também teriam histórias parecidas para contar. Num determinado momento 
histórico da criação audiovisual, inserido entre aquele fim dos anos 1980 e começo dos 
1990, eles pegaram o bastão dos pioneiros do vídeo e transitaram deliberadamente 
pelos dois lados de uma fronteira arbitrária e caduca, contribuindo para apagá-la. Assim, 
ajudaram a transformar o que era um critério de exclusão num parâmetro de inclusão. Se, 
no meio das artes plásticas, a eletrônica é hoje um suporte desejado, no meio do cinema 
documental, aquilo a que se dá o nome ora de “subjetividade”, ora de “experimentalidade” 
é algo hoje recorrentemente incentivado na prática. Se nos debruçarmos sobre os últimos 
cinco ou seis anos do mais importante e tradicional festival de documentários brasileiros, 
o É Tudo Verdade, observaremos que os principais premiados são belos filmes que se 
encaixariam com facilidade nos rótulos de “experimental” ou “subjetivo”. É certamente o 
caso de Rocha que Voa (2002), O Prisioneiro da Grade de Ferro (2003), A Alma do Osso (2004) e 
Aboio (2005). Vale ressaltar, também, que critérios semelhantes parecem pautar a escolha 
de boa parte dos editais públicos de premiação e fomento à produção. Houve, no espaço 
de dez anos, uma efetiva e liberadora mudança de paradigmas. O tipo de experimentalismo 
audiovisual, pelo qual alegremente nos batemos no começo da década passada, tem hoje 
um grau de reconhecimento inédito pelas correntes culturais mais centrais.
Eu gostaria de estar aqui apenas festejando esse reconhecimento. Eu o festejo, claro, e 
muito, mas começo a enxergar na institucionalização dele alguns perigos. Para tentar 
explicá-los, terei de lançar mão, mais uma vez, de uma história pessoal. Afinal, não é de 
subjetividade que estamos tratando aqui? Passei quatro anos, de 2000 a 2004, envolvido 
num projeto sobre a questão racial brasileira. Foi um período de dedicação intensa em 
que intercalei leituras sobre o assunto, conversas com especialistas e acompanhamento 
de personagens que literalmente vivem a questão da raça na pele. O resultado desse 
mergulho, um documentário de longa-metragem chamado Preto e Branco, foi exibido pela 
primeira vez no É Tudo Verdade de 2004 e chegou a entrar em cartaz em um pequeno 
cinema comercial de São Paulo. A reação ao filme me surpreendeu, novamente pela 
esquizofrenia com que se deu. Se o (pequeno) público em geral e a crítica de jornal viram no 
filme sobretudo qualidades, um determinado setor do meio cinematográfico – um grupo 
relativamente pequeno também, mas inteligente e influente – pareceu incomodado. Esse 
fato me surpreendeu especialmente por tratar-se de um grupo basicamente formado por 
pessoas que têm como bandeira, justamente, um cinema experimental, de que muitas 
vezes gosto e que sempre respeito. Ao perguntar a algumas dessas pessoas quais eram as 
restrições ao filme, recebi respostas muito parecidas às criticas feitas a O Beijoqueiro, mais 
de dez anos antes. Entre outros pecados, Preto e Branco fazia uso exagerado da música, 
usava uma linguagem parecida demais com a da TV ou a do cinema tradicionais e não 
colocava uma determinada “postura de autor” como protagonista ululante. E, ainda pior 
que O Beijoqueiro, Preto e Branco misturava histórias diferentes, não ia “fundo” em nenhuma 
delas, entrevistava “especialistas”, evitava cenas catárticas e não parecia contar com 
nenhum dispositivo ou personagem excepcional para abordar a questão.
Diante das críticas, eu tentei afirmar que tinha sido sempre absolutamente deliberada 
a decisão de que tanto a maioria das técnicas narrativas quanto a maioria das situações 
cênicas de P&B não se caracterizassem pela excepcionalidade. Em vários momentos da 
edição final, as emoções espetaculares que as câmeras costumam extrair de quem está à 
frente delas foram cortadas. Tudo que fosse “gestual” demais, de minha parte ou da parte 
dos personagens, acabou me parecendo sempre fora de lugar nesse filme. Por isso, além de 
buscar uma sobriedade técnica, não quis ver nele mendigos proféticos, nem presidentes 
da República, nem rappers raivosos, nem presidiários carismáticos, nem beijoqueiros. 
Não só porque esse tipo de personagem não garante experimentalidade nenhuma, nem 
porque a “documentografia” nacionalrecente já está bem servida deles. Minha decisão 
deu-se sobretudo em razão de uma fidelidade narrativa a meu tema, o racismo brasileiro, 
cujo modo de operação se caracteriza por um tom bem diverso: a conversa “pequena” 
entre personagens “pequenos”. E antes que algum defensor da moral documental se 
aflija, digo aqui apressadamente que eu também acredito que de perto nenhuma 
pessoa real é pequena. Mas digo ainda que essa minha opção por excluir personagens, 
técnicas ou gestos “grandiosos” se deu exatamente por uma motivação não moral, mas 
ética. Simplesmente a de tentar discutir um tema, se não com justiça, pelo menos com 
justeza. Por essa mesma razão, incluí no corte final as entrevistas com “especialistas”, afinal 
o embate teórico interminável é um protagonista histórico da questão racial brasileira, 
vivido de forma muito prática na criação de leis ou na formação de opiniões. Fato é que, 
apesar de não acreditar na existência de uma balança que necessariamente contraponha 
ética e estética, creio que minhas decisões em Preto e Branco se pautaram mais por uma 
tentativa objetiva de comunicabilidade e justeza em relação ao tema do que pelo desejo 
de expressão de uma subjetividade autoral. Não é o que eu proponho ou defendo para 
todos os documentários; mas é o que eu acredito que esse documentário específico, ao 
longo de seu processo de realização, tenha me pedido.
Não me passa pela cabeça, é claro, que Preto e Branco seja um filme livre de defeitos, tanto 
estéticos (dolosos) quanto éticos (culposos). E nem é isso que coloco em questão aqui. 
88 Carlos Nader Filme livre 89
O que me preocupa de fato é que, ao reunir na cabeça a maioria das críticas, específicas, 
feitas ao filme, ocorreu-me a possibilidade de que no subsolo desta época mais liberta 
estivesse germinando, geral, uma espécie de catálogo implícito de regras e parâmetros 
com os quais seria possível aferir se determinado documentário é ou não experimental. 
Uma espécie de cânon do experimentalismo. Cheguei a essa consideração porque as 
críticas, tão uniformes, não questionavam a legitimidade com que tratei o tema racial, mas 
se referiam sobretudo às técnicas fílmicas que utilizei. Todas elas pelo visto tradicionais 
demais e experimentais de menos. Assim, a princípio fiquei confuso. Mas, se por um lado o 
conceito do que é um trabalho experimental para esses críticos me pareceu vago (apenas 
sinônimo de “artístico” ou mesmo de “bom”?), por outro, aquilo que faria de um trabalho algo 
experimental era bastante específico, que parecia seguir alguma cartilha preestabelecida. 
Como se o experimentalismo pudesse realmente estar contido num conjunto de ditames 
consensuais que devem ser seguidos a priori. E como se, de acordo com tais ditames, um 
documentário experimental, para ser experimental, devesse necessariamente lançar mão 
de técnicas bem particulares como, por exemplo, dispositivos de linguagem marcantes e/
ou efeitos que realçassem uma subjetividade autoral ostensiva. Além disso, outro sintoma 
de que realmente se tratava de um cânon é que ele parecia ser ainda mais específico em 
relação aos seus tabus, ou seja, às técnicas que um documentário experimental não deve 
e/ou não pode usar, como, por exemplo, a realização de entrevistas em plano americano 
com especialistas e/ou a colocação de música que não faça referência explícita ao universo 
dos personagens.
Ao mesmo tempo em que eu percebia que Preto e Branco não cumpria as exigências 
dos defensores do Cânon do Experimentalismo, eu o via como um trabalho 
profundamente experimental. E experimental, no meu próprio canonzinho de uma 
regra só, é simplesmente todo trabalho que decorre de uma experiência legítima. Em 
sendo algo que decorre, a experimentalidade é necessariamente uma qualidade que 
se dá a posteriori, ou seja, depois da experiência, e não em função da escolha a priori 
de um conjunto de técnicas. Assim, a experimentalidade legítima, para mim, não só 
não é um conjunto de pressupostos que norteie a experiência relativa a uma obra, 
como também é seu oposto. A própria legitimidade a que me refiro está intimamente 
associada à liberdade, à abertura, à ausência de regras restritivas com que o ato de 
experimentar é encarado. É nesse sentido que eu via e vejo Preto e Branco como um 
trabalho experimental. Ele decorreu de quatro anos de imersão profunda e aberta na 
questão racial, uma experiência transformadora para mim, que acredito ter resultado, 
por meio do filme, numa experiência também relativamente transformadora para boa 
parte dos espectadores. Sobretudo aqueles para os quais as discussões sobre estilos 
entre cineastas é secundária. Ou aqueles que acreditam que o estilo, como disse Proust, 
não deve ser uma questão de técnica, mas uma questão de visão. Não vai aqui, é claro, 
nenhum tipo de ataque específico a qualquer filme que se utilize de uma ou mais das 
técnicas propostas pelo Cânon do Experimentalismo. Gosto de vários filmes, inclusive 
alguns dirigidos por mim mesmo, que se encaixariam perfeitamente nos ensinamentos 
experimentalistas do Cânon. Mas entre aquilo que me faz gostar desses filmes está 
certamente o fato de que eles não parecem ter tido a preocupação fundamental de se 
enquadrar em cânon nenhum (a não ser que estivéssemos falando da marca japonesa 
da câmera utilizada).
Não estou dizendo aqui que o artista pode estar livre de toda intenção. Nem de todo 
princípio, nem mesmo de todo artifício. Claro que sempre há uma intenção inicial. Mas 
acredito ser fundamental que, durante a experiência da criação, o criador – e em particular 
o documentarista, que lida com um imponderável bastante externo a si próprio – esteja 
aberto a mudar cada uma de suas intenções iniciais, se a realidade pedir. Foi o que 
aconteceu com Preto e Branco. Em vários momentos da produção, experimentei efeitos 
mais ostensivos de linguagem. Mas o filme – esse ser que, como todo criador sabe, é 
dotado de certa vida própria – tratou de expelir alguns desses efeitos. E, se nem sempre 
rejeitou todos os efeitos em si, não aceitou em nenhum momento a ostensibilidade deles 
ou qualquer expressivismo objetivo demais de uma subjetividade “de autor”. Estou falando 
de um caso específico. O processo de realização de P&B ensinou-me que a linguagem 
expressiva não deveria estar entre os protagonistas e que, justamente por isso, ela serviria 
melhor à própria mensagem que naquele momento carregava. Além disso, repito, não é 
que o filme esteja livre de artifícios de linguagem. Nenhum filme existe sem artifícios de 
linguagem; um filme é, em si, um artifício de linguagem.
Que fique claro: tenho grande admiração por vários artistas que dedicam suas trajetórias 
a realizar experiências no campo da inovação da linguagem. É algo que especialmente 
me interessa e a que também dedico parte do meu trabalho. Mas, como Richard Rorty, 
acredito que “as linguagens não são tentativas de copiarmos o que existe, mas sim 
ferramentas para lidarmos com o que existe; assim não há como separar a ‘contribuição 
que o objeto traz ao nosso conhecimento’ da ‘contribuição dada por nossa subjetividade’ ”. 
As linguagens não são um espelho, subjetivo ou objetivo, apartado do mundo. São a rede 
de conexão do mundo. Não é possível dissociá-las nem dos autores, nem dos seus objetos. 
Mesmo no caso hipotético de uma obra que tenha a própria linguagem como fim ou 
como objeto principal, ela precisará também de linguagem para ter acesso a seu objeto, 
a linguagem. Linguagem sobre linguagem. Assim, um “experimentalismo de linguagem” 
– que é, em última instância, aquilo em que os que crêem no cânon vêem como deus 
único e que é também uma das divindades da minha cosmogonia – poderá resultar em 
trabalhos interessantíssimos ou jogos de espelhos vazios. Uma experiência artística de 
linguagem também terá de ser necessariamente uma experiência artística de vida e, a 
meu ver, também terá sualegitimidade diretamente ligada à liberdade com que se dá. 
Gosto de pensar o conjunto de linguagens que constituem a arte como um subgênero 
do conjunto de linguagens que constituem a vida.
Preto e Branco não tem entre suas propostas a de discutir ou inovar as linguagens. O filme 
quer apenas usá-las como ferramenta. Muitas vezes, a linguagem é como a tecnologia: 
torna-se mais eficiente à medida que se torna mais transparente, na medida em que deixa 
de aparecer. Aliviar o peso dos artifícios de linguagem, ou seja, eliminar a ostensibilidade 
90 Carlos Nader Filme livre 91
com que a subjetividade se manifesta, não significa necessariamente eliminar a própria 
subjetividade. Às vezes, pode significar o contrário. Um olhar mais aberto ao P&B, como 
o da professora da UFRJ Andréa França, em artigo para a revista Contracampo, vê a 
subjetividade como definidora dele, “um filme que se ampara na presença do diretor e no 
tipo de relação que ele estabelece com seus personagens, estruturando os momentos 
de encenação entre eles como uma espécie de intimidade partilhada”. Outros olhares 
abertos veriam no filme, além dessa “encenação íntima” que não quer ser nem ostensiva 
nem escamoteada, vários momentos de intervenção explícita. Momentos em que a 
câmera é entregue aos próprios personagens, ou momentos em que a imagem é tratada 
como a de um reality show, ou ainda momentos em que ela, ao contrário, é tratada 
como uma imagem mais típica de videoarte. Talvez então o grande pecado de Preto e 
Branco, à vista do cânon, não seja o de dispensar artifícios experimentalistas, mas o de 
misturar vários deles sem afirmar um só. A crença em qualquer cânon geralmente implica 
um desejo de pureza mesmo que, como no caso do cânon do experimentalismo, essa 
crença esteja travestida de seu oposto, já que a experimentação geralmente coincide 
com a afirmação de uma mistura inusitada. Nesse caso, o pecado de Preto e Branco 
torna-se ainda mais mortal porque o filme realmente se contrapõe a qualquer desejo de 
pureza, misturando não só diferentes efeitos geralmente aceitos como “experimentais”, 
mas acrescentando ao caldo efeitos considerados “tradicionais”, como as referidas 
entrevistas com especialistas ou o uso “careta” da música. E, para piorar tudo ainda mais, 
o documentário não hierarquiza esses efeitos.
A cineasta Agnès Varda disse recentemente numa entrevista à Folha de S.Paulo: “Nos 
documentários, eu estou a serviço do tema, me transformo em serva das pessoas e das 
histórias, estou lá para ajudá-las, estimulá-las a se expressar. Já nas ficções, claro, eu ocupo 
o lugar de artista e reinvento de acordo com minha visão expressiva”. Gosto da idéia de 
Agnès, em termos. O artista, o escravo da obra, parece estar eternamente condenado a 
jogar uma capoeira metafísica entre esses dois senhores, irmãos de criação: o tema e sua 
própria autoralidade. Toda obra é resultado dessa dança-luta. Mas, diferentemente de 
Varda, a única coisa que faço é documentário. E eu poderia até dizer que alguns deles, 
como Trovoada, estão um pouco mais a serviço da autoralidade e alguns outros um 
pouco mais a serviço do tema, como é o caso de Preto e Branco. De todo modo, não é 
esse tipo de distinção o que mais me interessa. Em qualquer trabalho, existe um grau 
de amalgamamento entre o tema e o autor, o mundo e o autor. Na verdade, o trabalho 
é justamente esse amálgama. O que importa realmente, para mim, repito, é que ele 
seja, nos termos que mencionei, fruto de uma experiência legítima, livre, e que consiga 
ser uma boa tradução dessa experiência. E, se vejo com maus olhos um conjunto de 
conceitos que norteiam a experiência de uma obra, também só posso desconfiar ainda 
mais quando determinado cânon passa a nortear o julgamento de uma obra. Aí é que 
mora o perigo maior, ainda mais quando o cânon vem travestido de receita “libertária” 
ou “moderna” e é justamente o oposto disso. Um julgamento baseado em conceitos 
apriorísticos está sempre correndo o risco iminente de se transformar num julgamento 
baseado em preconceitos.
Claro que não existe um só ser humano sadio livre de conceitos, com os quais, inclusive, ele 
norteia sua própria experiência de mundo. O reconhecimento de padrões e a decorrente 
transformação deles em conceitos norteadores é algo que define a humanidade. Em 
razão disso, é inevitável que cânones de toda espécie pipoquem por aí, em toda época, 
em toda área humana. Mas, para a própria humanidade, não será o território das artes 
justamente o espaço fundamental em que determinada subjetividade pode questionar 
e reinventar esses conceitos, usando-os da maneira mais liberta possível? E não será esse 
justamente o sentido mais humano do experimentalismo? Acredito que sim. Por isso, 
acho que qualquer tentativa de canonização do experimental ou de institucionalização 
do subjetivo não são apenas grandes contradições em termos, mas também um inimigo 
interno que todo artista, documentarista ou não, deve combater.
92 93
Judith Cortezão, uma sábia amiga, certo dia me disse: “O que o fotógrafo enfoca não deve ser propriamente a realidade, mas, sim, o impacto na sensibilidade e na mente dessa realidade, isso traz sempre uma imagem de sonho”. 
Judith me disse isso em meio a uma espessa neblina, em que, mesmo lado a lado, mal 
podíamos nos enxergar. Estávamos próximos ao Chuí, na fronteira entre o Brasil e o Uruguai, 
para a filmagem de um documentário, que, depois dessa frase dita num tom “primordial”, 
ganhou o título de Paisagens Invisíveis.
A angústia que senti, gerada pela impossibilidade de registrar a amplidão do vale que 
havia visitado dois meses antes, na pesquisa do filme, me colocava em busca de outro 
dispositivo, pois o imponderável redirecionava o filme a voltar-se para a única paisagem 
visível, uma paisagem interna, impressa na alma. 
Pode parecer contraditório, mas, na “arte de documentar”, aquilo que nos desestabiliza 
é, muitas vezes, o fator que nos alimenta e aguça a criatividade, pois não há resposta 
mais sincera e “real” do que nossa postura e nossas atitudes diante dos fatos; enfim, 
a única certeza que podemos alimentar é a de nos prepararmos para algo que 
desconhecemos. O “real” no documentário, de fato, nada mais é do que a arte de lidar 
com esse imponderável. 
Estamos constantemente em busca desse desconhecido, algo em geral não verbalizado 
ou ainda impossível de o ser, pois, ao longo de mais de um século, foram as reflexões acerca 
dos conflitos dos documentaristas que levaram o gênero a ser um meio de expressão em 
si. O documentário “auto-reflexivo” não é necessariamente algo objetivo ou decifrável a 
olho nu, pois o processo de sua linguagem criativa já é, em si, a própria linguagem. 
A jornada do programa Rumos pôde me proporcionar uma espécie de “desvelamento” dos 
motivos pelos quais faço documentários, pois, ao compartilhar esse “pensar o filme” de muitos, 
na reflexão acerca das idéias em debate, nos encontros e reencontros com as pessoas e nos 
Paschoal Samora
Documentarista, realizou os filmes Confidências do Rio das Mortes (1999), a série de documentários 
Ao Sul da Paisagem (2000-2001), Rio de Fevereiro (2003) e Diário de Naná (2006).
Outros novos rumos
94 Paschoal Samora Outros novos rumos 95
universos de cada projeto lido e falado, encontrei-me novamente diante dessa espessa neblina.
Vieram à tona durante o ciclo de palestras realizadas em diversas capitais do país ao 
longo do programa Rumos questões inesgotáveis, longamente discutidas na história do 
documentário desde a sua invenção, que atribuem ao processo documental um caráter 
existencial por excelência, por situar-se nos limites entre o que é realidade e o que é 
invenção ou, ainda, pela transposição para filme de sua matéria-prima tão “concreta”, 
“palpável” e ao mesmo tempo tão “inconstante” e “volátil” – o real.
Com a mesma pertinência de questões capitais como essas,fui contemplado nesse 
processo com a convivência com grandes pensadores contemporâneos desse gênero, 
com reflexões novas e bastante instigantes acerca do filme documental.
Francisco Elinaldo Teixeira, realizador e teórico de cinema, autor do livro 
Documentário no Brasil, defende com muita propriedade o que ele chama de 
“cinema expandido”, partindo da idéia de que toda forma de experimentação no 
âmbito cinematográfico encontra no gênero documental um terreno fértil para o 
cruzamento dessas formas de expressão.
Seja pela linguagem, seja pela própria natureza aberta e visceral, o documentário tornou-
se a ferramenta de investigação de artistas e profissionais de outras sintaxes, extrapolando 
os limites entre o documentário, as artes plásticas e a poesia.
Em sua argumentação, Teixeira reconstrói a história da linguagem no documentário, 
partindo de conflitos entre conceito e resultado na obra de Dziga Vertov e culminando 
numa rica discussão a respeito da produção audiovisual brasileira contemporânea, em 
que cita Arthur Omar e Cao Guimarães. Um autor imperdível.
José Carlos Avellar, professor e produtor, chama atenção para o fato de que a televisão no 
Brasil, que seria o espaço dos naturais (documentários), pertence aos posados (ficção), fato 
contraditório, mas possível, afinal, a televisão brasileira nasceu do rádio.
Avellar faz essa observação a fim de discutir os espaços do cinema documental na 
chamada “retomada do cinema brasileiro”, com o difícil objetivo de identificar esse “ser” 
invisível chamado “mercado”, num país onde a falta de políticas específicas para o gênero 
e onde a banalização diante de um modelo televisivo nivelador já seriam suficientes para 
empurrar o documentário para um abismo sem precedentes, condicionado a um modelo 
de produção medíocre, óbvio e maçante.
Eis a grande contradição: a televisão como espaço natural dos “naturais”, em regra geral, 
sempre representou o “túmulo do documentário” no Brasil.
Entretanto, Avellar sinaliza com muita fé e sabedoria para trabalhos recentes como Edifício 
Master, de Eduardo Coutinho, e Nelson Freire, de João Moreira Salles, que superaram a 
própria impossibilidade e se estabeleceram bem nas salas de cinema, espaço natural dos 
posados, sobretudo pela força e personalidade de sua abordagem.
Consuelo Lins investiga um mecanismo recorrente na produção documental brasileira, ao 
qual se atribui o conceito de cinema-dispositivo, citando filmes como 33, de Kiko Goifman, 
e O Fim e o Princípio, de Eduardo Coutinho, nos quais o realizador delimita principalmente 
o tempo e o espaço de seu recorte e, ao estabelecer esses limites na investigação, assume 
de antemão sua impossibilidade, que se converte automaticamente em liberdade de 
sustentar, ou quem sabe suportar, o seu propósito de realização do filme.
O conceito de cinema-dispositivo, de certa forma, liberta o realizador do terrível fardo do 
“real”, afinal, esse objeto de estudo, e de desejo, do documentarista é tão infinito, tão vasto, 
tão concreto, que pode ser uma grande armadilha ante o imponderável.
De fato, esse realizador talvez busque a si mesmo em cada personagem ou em cada 
paragem em que se encontre, e encontra-se, por fim, em busca de um lugar no mundo.
São fatores como esses que caracterizam o documentário hoje como “arte do documento”, 
porque se realimenta, ao longo de sua história, dessa postura de “construção em tempo 
real”, de reflexão sobre a natureza de sua sintaxe que confunde sujeito e objeto, de busca 
infinita de acesso a níveis sutis de realidade.
É justamente essa vocação existencial do documentário que ponho em questão: a 
natureza de construção, desconstrução e reconstrução de um filme.
De fato o documentarista é um ser em conflito, pois a busca desses níveis sutis de realidade 
se dá geralmente no meio de um turbilhão, a partir de fatos que ele cria ou nos quais 
interfere, utilizando-se da ferramenta do filme a fim de torná-los “fatos únicos”.
Paradoxalmente, o documentarista também é aquele que detém a ferramenta do 
registro, é o elemento mobilizador do ato documental, mas com o desejo de que, para 
além do esperado ou calculado, exista algo muitas vezes indizível a ser flagrado. 
Nesse sentido, o documentarista passa a ser mais um personagem incondicional de seu 
próprio filme, e é nessa busca estética e ética de sua abordagem que o documentário 
“moderno” se apresenta. Um cinema de “descoberta”, em tempo real.
À idéia de documentário, hoje, soma-se a história de sua invenção e reinvenção ao longo 
de mais de um século e essa visceral natureza de busca e descoberta inerente a ele, 
ao advento do digital, uma espécie de “democratização” da ferramenta que traz certos 
poderes de expressão a nós, seres documentaristas e marginais por excelência.
Seja pela verdade, seja pela invenção ou, ainda, pela invenção da verdade que se faz 
urgente e acessível, de fato, o documentário descobriu na última década a possibilidade 
de ser e estar no mundo como meio de expressão, por tornar-se algo viável, possível, e 
que brinca e brinda a própria imprevisibilidade.
O resultado é nada menos que uma produção efervescente e multilateral que imprime a 
necessidade e a urgência desse meio em si.
O documentário carrega como seus maiores trunfos a dualidade, a imprevisibilidade, a 
criação e a impossibilidade, fatores esses naturais, comuns à vida e à existência.
96 97
Quando, em 1997, foi criado o projeto Rumos Itaú Cultural
1, já se vislumbrava a 
importância de fomentar a produção audiovisual brasileira, mais especificamente 
o gênero do documentário. Naquela época, várias iniciativas promoviam reflexões, 
exibiam filmes inéditos, realizavam mostras itinerantes, dando início a um projeto 
permanente de fomento e difusão e colocando o documentário no foco dessas ações. O 
que se anunciava como uma aposta na renovação da produção artística e no estímulo aos 
valores emergentes se tornou um dos projetos mais importantes do Instituto Itaú Cultural 
e reconhecidamente um dos mais bem-sucedidos programas de abrangência nacional na 
área da cultura.
Uma breve panorâmica nessa quase uma década de atividades voltadas para o 
desenvolvimento da produção de documentários revela uma geografia de projetos que 
se concretizaram graças à credibilidade dada pelo Itaú Cultural a centenas de produtores, 
diretores, roteiristas, técnicos e pesquisadores que transformaram suas idéias em imagens 
e sons de nossa brasilidade. Ao todo foram 30 documentários finalizados e 13 projetos de 
pesquisa e roteiro desenvolvidos, com base em 1.359 propostas encaminhadas de todo o 
país, nas quatro edições realizadas até aqui.
Nesse cenário, é possível estabelecer um paralelo entre a retomada da produção 
cinematográfica do país a partir de meados da década de 1990 e a nítida efervescência 
documentarista nesse período, com a opção do Itaú Cultural de reconhecer e apoiar as 
produções desse gênero. O que se afirma aqui não é uma relação direta de causa e efeito 
entre a realidade do mercado e a lógica proposta pelo projeto – o que seria superestimar o 
alcance de Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo –, mas, sim, o reconhecimento da assertiva 
dessa proposta, sua coerência conceitual e sua correlação direta com as perspectivas 
históricas desse contexto e os diagnósticos apurados na experiência de construir um 
projeto de fomento de acordo com a missão do Instituto e que atenda às demandas da 
área. Como reconhece Amir Labaki2:
Roberto Moreira S. Cruz
Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo: trajetória e perspectiva
1 A arte e a produção intelectual brasi-
leiras são a matéria-prima do programa 
Rumos Itaú Cultural. Por meio do apoio a 
projetos que se enquadrem nessas duas 
vertentes, o Instituto contribui para a 
reflexão sobre a realidade cultural e so-
cial do país. O princípio do programa é a 
identificação de iniciativas tanto no ter-reno das artes (cênicas, visuais, musicais, 
interativas, audiovisuais, literárias) quan-
to no do pensamento (pesquisa acadê-
mica, educação, jornalismo). Projetos 
inéditos, em fase de produção ou que, 
já existentes, ainda não chegaram ao 
conhecimento do grande público rece-
bem do Rumos o aporte financeiro e de 
infra-estrutura para se concretizar. O pas-
so seguinte é a difusão, série de ações 
que amplificam a todo o país o conteú-
do dessas iniciativas. O Rumos promove 
a circulação de trabalhos selecionados 
com a realização de exposições, exibi-
ções, espetáculos, registros fonográficos 
e videográficos e publicações impressas 
e eletrônicas.
2 Amir Labaki é crítico de cinema e dire-
tor-fundador do É Tudo Verdade – Festival 
Internacional de Documentários.
Gerente do Núcleo de Audiovisual/Itaú Cultural
98 Roberto Moreira S. Cruz Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo: trajetória e perspectiva 99
O Itaú Cultural apostou no documentário, muito antes da hegemonia desse 
gênero no cenário. Um aprimoramento dessa iniciativa foi o Rumos Itaú 
Cultural Cinema e Vídeo, voltado para a produção de documentários. Fui 
um dos membros da comissão de seleção da edição 2003, cuja participação 
foi longa, profunda e instigante. Desconheço qualquer processo similar de 
fomento qualificado à produção no Brasil.
Metodologias e resultados
As quatro edições de Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo apresentaram mecânicas distintas. 
Essas mudanças foram em grande parte motivadas pelo próprio amadurecimento da 
proposta do programa e pela necessidade de adequação à política cultural que orientou 
a instituição nos últimos anos. Uma breve descrição de cada uma das edições ajudará 
na compreensão dos objetivos que estavam ali propostos, dos resultados obtidos e das 
perspectivas que se abrem para a continuidade do programa.
Com a crescente retomada da produção audiovisual no país, vários projetos de cinema 
e vídeo passaram a ser encaminhados ao Itaú Cultural em busca de apoio e parceria 
para sua realização. A qualidade dos projetos e a forte demanda do setor levaram à 
consolidação de uma política de apoio à produção voltada especificamente para o 
documentário, enfatizando temas relacionados à arte e à cultura brasileiras. Naquela 
época, entre os anos de 1997 e 1998, momento embrionário em que a instituição 
assinalava a necessidade de atuar como apoiadora de projetos audiovisuais, as propostas 
foram enviadas de maneira informal, sem necessariamente passar por um processo 
de prospecção – convocação por meio de um edital, por exemplo. Portanto, essa 
primeira safra de selecionados se deu por escolha direta, tendo estes sido analisados e 
escolhidos com base na viabilidade de produção e na pertinência do tema. Os projetos 
contemplados em 19983 foram:
Arte e Tecnologia, de Walter Silveira e Tamara Ká
Pesquisa e roteiro de cinco documentários sobre a produção de arte e tecnologia no Brasil.
Santo Forte, de Eduardo Coutinho
Documentário que discute a religião como elemento fundamental no cotidiano brasileiro 
para a compreensão da realidade e de suas contradições eminentes.
Geraldo de Barros – Trajetória de um Brasil Moderno, de Michel Favre e Fabiana de Barros
Desenvolvimento de roteiro sobre o artista, designer e fotógrafo Geraldo de Barros.
Peito Vazio, de Paulo Caldas, Lírio Ferreira e Hilton Lacerda
Desenvolvimento de pesquisa e roteiro para documentário sobre Cartola e a cultura do samba.
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Sebastianismo no Brasil, de Cláudio Assis
Pesquisa e roteiro para documentário sobre o movimento sebastianista no Brasil e suas 
várias formas de manifestação cultural e religiosa.
Hélices, de Carmela Gross
Vídeo experimental inspirado em objetos criados pela artista plástica Carmela Gross e 
expostos no MAM/RJ em 1993.
O Livro de Raul, de Arthur Omar
Documentário experimental realizado com base em imagens realizadas no Chile com o 
cineasta Raul Ruiz. Um diálogo entre o processo criativo do cineasta e o do diretor do 
documentário.
Nessa primeira edição do programa, o Itaú Cultural teve o privilégio de contribuir para a 
realização do documentário Santo Forte, de Eduardo Coutinho, filme que é um emblema 
da produção documentarista brasileira contemporânea. A marca estilística de seu diretor 
nos revela a religiosidade dos moradores da Favela Vila Parque da Cidade, situada na Gávea, 
Zona Sul do Rio de Janeiro. Como afirma Consuelo Lins:
O que se dá no dia-a-dia dos personagens de Santo Forte está para além de 
qualquer tentativa de classificação, de qualquer conceito ou generalização. 
Esta é uma das grandezas do filme: nos dar a ver múltiplas formas de se 
apropriar das principais religiões praticadas no Brasil, seja umbanda, 
catolicismo ou evangélica; mostrar diferenças onde outros só vêem 
obediência e mesmice.4
Os resultados obtidos nessa primeira edição estimularam a continuidade do programa. 
Em 1999, um novo programa foi lançado, reformulado e ampliado para três modalidades 
de fomento:
Jovens Realizadores: destinou-se a projetos de jovens realizadores com até 25 anos de 
idade e vínculo universitário;
Desenvolvimento de Projetos: contemplou pesquisa, roteiro e confecção de orçamento 
e cronograma com o objetivo de permitir ao realizador formatar seu projeto para a 
produção e posterior veiculação;
Finalização: contemplou projetos que já tinham realizado a captação de imagens e 
necessitavam de um aporte para sua conclusão (pós-produção e edição).
Ao todo foram 449 projetos enviados de diversas regiões do Brasil, sendo 301 para 
Desenvolvimento de Projetos, 80 para Jovens Realizadores e 68 para Finalização. 
Submetidos à análise da comissão responsável pela premiação, formada por André 
Parente, Carlos Alberto de Mattos, Daniela Capelato, Francisco Cesar Filho e Roberto F. 
Moreira, os projetos selecionados foram:
•
•
•
•
•
•
3 Nesse ano, paralelamente ao progra-
ma de apoio à pesquisa e realização 
de documentários, foi elaborada uma 
programação de mostras periódicas na 
sede do Itaú Cultural, em São Paulo. De 
setembro de 1998 a novembro de 1999, 
essa programação divulgou obras de re-
ferência, exibindo a produção nacional e 
internacional em formatos e linguagens 
diversas.
4 Lins, Consuelo. O documentário de 
Eduardo Coutinho – Televisão, cinema e 
vídeo. Rio e Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
100 Roberto Moreira S. Cruz Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo: trajetória e perspectiva 101
Finalização:
Glauces, o Estudo de um Rosto, de Joel Pizzini
Documentário sobre Glauce Rocha (1930-1971), uma das mais importantes atrizes 
brasileiras, com os principais registros de sua carreira no cinema e no teatro.
A Pessoa É para o que Nasce, de Roberto Berliner
Documentário sobre três irmãs cegas cantadoras dos Cariris Velhos, na Paraíba.
Barra 68 – sem Perder a Ternura, de Vladimir Carvalho
Mostra a invasão da Universidade de Brasília por tropas militares em 1968, seguida pela 
promulgação do AI-5 e pelo fechamento do Congresso.
No Rastro da Navilouca, de Ivan Cardoso
Apresenta amplo painel audiovisual da produção udigrudi e de seus bastidores, no início 
dos anos 1970.
Desenvolvimento de Projetos:
No Olho do Furacão, de Renato Tapajós e Toni Venturi
Documentário sobre a história dos militantes da luta armada brasileira.
A Caravana do Brega, de Ursula Vidal
Dois cantores dão fôlego a um ritmo cultuado nas festas de subúrbio da Amazônia: o brega. 
Nesse universo em que falta estrutura de mercado, sobram criatividade e extravagância.
Koellreutter: Experiência do Tempo, de Carlos Adriano
Documentário sobre Hans-Joachim Koellreutter, um dos mais importantes compositores 
da música brasileira.
O Folclore Urbano nas Páginas do Notícias Populares, de Renata Druck e Janice D’Avila
Investiga o significado de três lendas urbanas paulistanas: o Bebê Diabo do ABC, a Loira 
Fantasma e a Gangue do Palhaço.Carranca de Acrílico Azul Piscina, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz
Ensaio poético sobre o sertão contemporâneo, traz uma reflexão sobre como a região 
marcada pela aridez, pelo isolamento e pela escassez tem convivido com agudos 
processos de globalização e modernização cultural.
Jovens Realizadores:
A Soltura do Louco, de Bernardo de Castro e Cristian Cancino
A fronteira que separa a loucura da sanidade é confrontada com a fronteira que separa 
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a cidade dos sãos (Santos/SP) da cidade dos loucos (manicômio do Juquery, em Franco 
da Rocha/SP).
Cinema de Casa, de Marcos Toledo
Documentário sobre o uso doméstico do super-8 no Recife.
Filme da Família, de Maya Pinsky
Documentário co-realizado por integrantes de uma mesma família que nunca tiveram 
experiência com cinema ou direção.
Tom Zé ou quem Irá Colocar uma Dinamite na Cabeça do Século?, de Carla Gallo
Retrato estético do cantor e compositor Tom Zé.
Terra-Mãe, de Andre Francioli
Conta a experiência de transformar uma rádio comunitária em porta-voz de 
trabalhadores sem-terra.
Cemitério de Elefantes, de Rodrigo Lorenzetti
Documentário sobre um ator (Kaio César) orientado por um diretor (Zé Carlos Machado) a 
sair à rua para construir seu personagem, observando mendigos bêbados.
Internos, de Luciana Rocha
Documentário que retrata a produção cultural e artística em uma prisão.
Mais uma vez uma edição que teve como resultado filmes e projetos que se destacaram 
pela qualidade, originalidade temática e expressividade criativa. Barra 68 – sem Perder a 
Ternura, de Vladimir Carvalho, é um importante documento histórico sobre a determinação 
do antropólogo Darcy Ribeiro de criar a Universidade de Brasília, a interferência autoritária 
do governo sobre esse projeto universitário e a repressão sofrida pelos estudantes 
e professores nos anos da década de 1960. Em A Pessoa É para o que Nasce, o cineasta 
Roberto Berliner conta como sua vida cruzou com a das cantoras populares da Paraíba, 
três irmãs, todas cegas. O documentário acaba por transformar a vida das artistas, que 
viviam em estado de pobreza, desamparadas e sem perspectivas5.
Da mesma forma, os projetos das categorias Desenvolvimento de Projetos e Jovens 
Realizadores, uma novidade dessa edição, apresentaram pesquisas e roteiros de excelente 
qualidade e diretores iniciantes que tiveram por meio do Rumos Itaú Cultural Cinema e 
Vídeo a oportunidade de realizar seu primeiro documentário.
A terceira edição do programa repetiu a mesma estratégia da edição anterior, incentivando 
a produção de documentários em três categorias. Na etapa de recebimento dos projetos, 
priorizou-se a divulgação do programa numa tentativa de promover a profissionalização na 
formatação dos projetos dos proponentes. Para isso foram realizadas palestras promovidas 
em cinco instituições parceiras, para anunciar o programa, apresentar e sugerir modelos 
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5 Esse filme foi definitivamente concluí-
do em 2005 e exibido nacionalmente no 
circuito comercial. Mas vale ressaltar que 
o projeto teve em Rumos Itaú Cultural 
Cinema e Vídeo o ponto de partida para 
a realização, cerca de quatro anos antes 
de sua finalização.
102 Roberto Moreira S. Cruz Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo: trajetória e perspectiva 103
de propostas e suas formatações mais adequadas. O resultado foram 540 projetos inscritos 
e um salto qualitativo das propostas.
Vale ressaltar o trabalho da comissão de seleção nessa terceira edição que, após 
uma primeira triagem6, analisou em conjunto 85 projetos de Produção, 39 de Jovens 
Realizadores e 39 de Desenvolvimento. Nessa etapa foi considerado o material 
complementar dos projetos (roteiro, currículo e portfólio). Para chegar à seleção final 
dos projetos de produção, foram utilizados critérios de orçamento, para que se atingisse 
o maior número possível de premiados. Foram eliminados projetos cujo orçamento não 
era coerente com o produto, que se aproximavam do teto de maneira artificial, bem 
como projetos que não se adequavam de maneira rígida aos critérios utilizados nas fases 
anteriores. Os ganhadores nessa edição foram:
Produção:
33, de Kiko Goifman
Documentário em que o diretor Kiko Goifman procura sua mãe biológica com base em 
dicas de detetives de São Paulo e Belo Horizonte.
Nasceu o Bebê Diabo em São Paulo, de Renata Druck
Originadas em boatos, as lendas populares foram noticiadas pelo jornal Notícias 
Populares. Na busca da origem de cada uma, é revelado um universo no qual fantasia e 
realidade se confundem.
Na Garupa de Deus, de Rogério Correa
É uma reflexão sobre a vida na Grande São Paulo com base no perfil das pessoas que tiram 
da motocicleta sua sobrevivência: os motoboys.
Me Erra, de Paola Barreto
“Me erra” é um jargão usado pelos boxeadores da Academia Nobre Arte, que funciona há 
12 anos no Morro do Cantagalo, no Rio de Janeiro, como uma iniciativa pioneira de boxe 
amador e trabalho comunitário. 
O Atelier de Luzia, de Marcos Jorge
Documentário que propõe analisar os vestígios arqueológicos brasileiros contrapondo 
essa iconografia com as pichações urbanas.
O Prisioneiro da Grade de Ferro, de Paulo Sacramento
O cotidiano no cárcere do Carandiru, sob o ponto de vista dos presidiários.
Desenvolvimento de Projeto:
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Eu Vou de Volta, de Camilo Santos Cavalcante
Essa pesquisa descreve o regresso de migrantes nordestinos à terra de origem.
Jardelina Silva e Sua Assinatura do Mundo, de Cristiane Mesquita
É uma investigação sobre o vestuário surrealista da ex-costureira Jardelina Silva.
Linhas de Organdi, de Glauber Filho
Em Córrego dos Fernandes, município de Aracati (CE), existe um grupo de 12 rendeiras, de 
várias gerações, que ainda conservam as tradições de seus antepassados.
Tão Longe, Tão Perto, de Inês Cardoso
Esse projeto investiga as conseqüências deixadas pela extinção do trajeto ferroviário entre 
Crato (PE) e Maceió (AL), rota construída pelos ingleses no início do século XX.
Jovens Realizadores:
E Agora, José?, de Maya Da-Rin
No alto da Mantiqueira, entre o céu e a terra, dois homens caminham por estradas reais e 
imaginárias.
Encomenda ao Ganso, de Pablo Lobato
O cineasta faz uma proposta ao artista plástico marginal Paulo Pessoa, conhecido em Belo 
Horizonte como Ganso, para que este crie uma obra com três espaços vazios e passa a 
acompanhar o processo criativo.
Outras Amazonas, de Marina Weis
O documentário procura uma aproximação com o mundo das mulheres da tribo indígena 
dos waiãpis, no Acre, para registrar seu cotidiano entre a floresta e a cidade.
Se Tu Fores, de Ilana Feldman e Guilherme Coelho
Um encontro com personalidades do samba tradicional carioca.
Tranca Abre, de Paula Siqueira e Ricardo Calaça
Documentário sobre a possessão religiosa em Brasília, que destaca sua importância para 
os adeptos da umbanda, do neopentecostismo e da doutrina do Vale do Amanhecer.
Essa foi uma safra extraordinária, em que os filmes tiveram grande repercussão pública, 
sendo exibidos no circuito comercial e premiados em festivais e mostras internacionais. O 
Prisioneiro da Grade de Ferro, de Paulo Sacramento, é um bom exemplo disso. Foi gravado nas 
dependências do Carandiru, um presídio com mais de 9 mil detentos localizado na região 
metropolitana de São Paulo e desativado no ano em que o documentário foi concluído. 
Com imagens feitas, em boa parte, pelos próprios detentos em atividades e oficinas de 
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•6 A comissão de seleção recebeu separa-
damente uma relação de projetos, assim 
dividida: Bruno Vianna e Francisco Cesar 
Filho – 116 projetos de Produção, 27 
projetos de Desenvolvimento. Alexandre 
Veras – 51 projetos de Produção, 40 
projetos de Jovens Realizadores e 43 
projetos de Desenvolvimento. Roberto 
Moreira dos Santos Cruz – 57 projetosde 
Desenvolvimento e 85 projetos de Jovens 
Realizadores. Paulo Roberto Rego Barros 
Biscaia Filho – 51 projetos de Produção, 
14 projetos de Desenvolvimento e 45 
projetos de Jovens Realizadores.
104 Roberto Moreira S. Cruz Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo: trajetória e perspectiva 105
produção realizadas pelo diretor, esse filme desvenda a rotina dos protagonistas e revela 
as condições de vida no cárcere. Premiado na 60ª edição da Mostra Internacional de Arte 
Cinematográfica de Veneza, no Festival Internacional de Leeds e no Tribeca Film Festival, 
Paulo Sacramento reconhece a importância do programa Rumos neste depoimento:
O Itaú Cultural viabilizou parcialmente a realização de O Prisioneiro 
da Grade de Ferro. O Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo foi pioneiro 
no apoio a documentários, sendo uma iniciativa que já alcançou 
extraordinários resultados, merecedor de incrementos para expandir a 
excelência de sua atuação.
Outro documentário que também teve uma repercussão muito positiva foi 33, de 
Kiko Goifman. Bastante original em sua proposta, o apoio a esse projeto viabilizou 
integralmente a produção executiva do filme e permitiu que o realizador se aventurasse 
na busca por sua mãe biológica. Como declara o próprio diretor, “a equipe do programa 
Rumos Cinema e Vídeo teve coragem de apostar no documentário 33 e apoiar um projeto 
nada convencional”. Kiko Goifman sempre soube que era filho adotivo e, aos 33 anos, 
num prazo de 33 dias, se aventurou numa experiência em que sua vida pessoal e a de 
seus familiares passaram a ser investigadas. Tendo como referência estética o filme noir 
americano e abordando a realidade sob um olhar detetivesco, o filme mescla elementos 
narrativos ficcionais elaborados com base no ponto de vista do narrador – o próprio 
diretor – e do clima de suspense e dramatização em que os protagonistas são envolvidos. 
Como observa Jean-Claude Bernardet:
Essas pessoas-personagens obedecem a uma construção dramática. Os 
personagens têm objetivos, os personagens enfrentam obstáculos (que eles 
superam ou não superam), alcançam seus objetivos ou não, exatamente 
como nos filmes de ficção, e tudo isso organizado numa narrativa.7
Em 2003, quando foi lançada a quarta edição de Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo, uma 
nova estratégia de fomento foi adotada pela instituição. Visando a uma maior visibilidade 
dos documentários, o apoio foi direcionado a filmes de 26 minutos para compor uma 
série voltada para televisão e mostras itinerantes. Mais uma vez iniciou-se o processo de 
recebimento, análise e seleção de projetos, que culminou com a realização dos filmes. Da 
urbanidade ao sertão profundo, de distintos personagens a visões subjetivas da realidade, 
os cinco documentários apresentaram como fio condutor o conceito de contraste. Seja 
ele social, cultural ou étnico, a diversidade da cultura brasileira e suas mais distintas 
particularidades foram representadas nesses filmes. Lançados em um DVD, foram exibidos 
em rede nacional pela TV Cultura, tendo uma excelente receptividade, chegando a 
registrar 4 pontos no índice de aferição de recepção na Grande São Paulo – o que equivale 
a aproximadamente 350 mil espectadores. A qualidade dessas produções e o olhar vertical 
sobre a realidade brasileira valeram à série o convite para participar do Audiovisual E-
platform, programa da Unesco para conteúdos criativos em meios audiovisuais. Nessa 
plataforma, que funciona como uma rede de informação via internet, o usuário acessa 
informações sobre o projeto Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo, assiste on demand aos 
vídeos da série Brasil 3x4 e a alguns dos filmes produzidos nas edições anteriores.
Vale a pena lembrar aqui algumas das histórias narradas nos filmes da série. Em 
1969, a cidade de Carrapateira, no interior da Paraíba, foi considerada uma das mais 
carentes do Brasil. Naquele mesmo ano a tripulação da Apolo 11 pisava o solo lunar 
pela primeira vez. Mais de 30 anos depois, o documentário Carrapateira não Tem Mais 
Ciúmes da Apolo 11, de Fabiano Maciel, mostra como vive o povo daquela cidade nos 
dias de hoje e relaciona a conquista da Lua com os sonhos pessoais de progresso e 
prosperidade no sertão nordestino. Em Garota Zona Sul, Luciano de Paiva Mello revela 
as diferentes realidades de duas garotas da mesma idade, mas de classes sociais 
distintas. Uma é carioca, mora com os pais numa casa confortável de classe média, no 
Leblon. A outra mora com a mãe e mais nove pessoas numa casa simples no bairro do 
Capão Redondo, periferia de São Paulo. Os cineastas Karim Aïnouz e Marcelo Gomes 
enveredam por uma viagem e um devaneio pelo sertão brasileiro. Em Sertão de Acrílico 
Azul Piscina, lugares remotos revelam tradições e costumes de uma paisagem brasileira 
que é ao mesmo tempo primitiva e contemporânea, regional e globalizada. Baseado 
em entrevistas e com uma rica iconografia da época, Aristocrata Clube, de Jasmin Pinho 
e Aza Pinho, traça um panorama histórico desse clube recreativo exclusivamente de 
negros, fundado na década de 1960 na cidade de São Paulo. O último filme da série é 
Invisíveis Prazeres Cotidianos, de Jorane Castro. Um retrato de Belém do Pará com base no 
relato de seus jovens moradores, que se expressam e se comunicam pelos blogs. Pelas 
distâncias geográfica e cultural, desenvolveu-se em torno de si mesma e da Amazônia 
uma cidade que desde sempre viveu afastada do mundo, quase uma autarquia.
Essa edição de Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo também apresentou uma nova 
proposta no processo de seleção dos projetos. Para permitir uma coerência na seleção 
dos filmes e para que a instituição garantisse qualidade conceitual e técnica da série, a 
comissão de seleção atuou como commission editors. Como afirma Amir Labaki, um dos 
participantes da comissão ao lado de Carlos Nader e Renato Barbieri:
Cumprimos o papel de consciência crítica externa dos produtores e 
realizadores de cada obra, propondo mudanças de edição, novas filmagens, 
comentando opções estilísticas, tudo em nome do melhor desenvolvimento 
do documentário a partir dos rumos inicialmente traçados.
Os resultados de todo o processo foram muito favoráveis e aprovados inclusive pelos 
próprios realizadores. Fabiano Maciel, diretor de um dos filmes da série, declara que:
A maneira como foi conduzido o processo de seleção do Rumos Itaú Cultural 
Cinema e Vídeo é rara no Brasil e faz dele um modelo a ser seguido. A criação de 
uma comissão que acompanha o projeto do começo ao fim, com encontros 
com a comissão julgadora, aumenta a visão crítica e aprimora o resultado.
7 Bernardet, Jean-Claude. Documentários 
de busca: 33 e Passaporte Húngaro. In: 
Mourão, Maria Dora; e Labaki. O Cinema 
do Real. São Paulo: Cosac Naify, 2005. p. 
149.
106 Roberto Moreira S. Cruz Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo: trajetória e perspectiva 107
Em 2006, a proposta da quinta edição do programa, ampliada e com um aporte financeiro 
maior, destaca o Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo como o mais importante programa 
de apoio à produção de documentários, desenvolvido por um instituto cultural e com 
abrangência nacional. Além do objetivo primeiro desse programa, que é a viabilização 
da produção e a finalização dos filmes, todo o processo de lançamento, difusão, análise 
e desenvolvimento estimula o debate e possibilita a criação de uma rede de articulação 
entre o público interessado, produtores, pesquisadores e realizadores, dinamizando e 
estimulando a reflexão sobre o documentário brasileiro e o contexto de sua produção 
no cenário contemporâneo.
Com a participação de uma comissão de seleção mais integrada no processo de 
lançamento e na difusão do programa, amplificou-se a abrangência do programa e 
diversificou-se o plano de ação. Liliana Sulzbach, Paschoal Samora e Luís Eduardo Jorge 
acompanharam a equipe de coordenação do Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo numaviagem por 13 cidades, nas quais foram realizados encontros, palestras e mostras com o 
intuito de informar o público interessado no programa e discutir com ele. Juntaram-se 
a esse grupo os realizadores e pesquisadores Cláudia Mesquita, Cao Guimarães, Érika 
Bauer, Francisco Elinaldo Teixeira, José Carlos Avellar, Consuelo Lins, Carlos Nader e 
Sheila Schvarzman, colaboradores notáveis no processo de reflexão e compreensão do 
cenário da produção de documentários no país.
Resultado: 375 projetos inscritos e a escolha de cinco projetos, que receberam um 
financiamento no valor de R$ 100 mil cada um para a produção do filme. Mais uma vez 
a diversidade da cultura brasileira foi compreendida em projetos que tratam de questões 
contemporâneas como fronteiras, migrações, cidadania e subjetividade. Os projetos 
contemplados foram:
Eu Vou de Volta, de Camilo Santos Cavalcante e Claudio Assis (PE)
Um vídeo sobre a migração nordestina para São Paulo e o regresso à terra de origem.
Histórias de Morar e Demolições, de Andre Costa (SP)
Quatro famílias paulistanas têm suas casas vendidas para um grande incorporador 
imobiliário que as demolirá. 
Margem, de Maya Werneck Da-Rin (RJ)
Uma viagem de barco através do Rio Amazanos e da fronteira tríplice entre o Brasil, a 
Colômbia e o Peru, num espaço marginalizado e quase esquecido de nosso país, o fim ou 
o início do Brasil, lugar de interseção entre diversos povos, culturas, línguas e credos.
Procura-se Janaína, de Miriam Chnaiderman, São Paulo (SP)
Por meio da busca de Janaína, criança órfã e com necessidades especiais, pretende 
registrar os processos históricos e a situação atual da criança em situação de abandono, e 
como se dá, atualmente, o atendimento a psicóticos em São Paulo.
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Memórias de uma Mulher Impossível, de Marcia Derraik (RJ)
Um mosaico sobre a vida, a criação e as idéias da escritora e editora Rose Marie Muraro.
Nessa edição, foi concedido um prêmio especial para o projeto Diário de Sintra, de 
Paula Gaitán. Esse documentário se estrutura com base em registros pessoais do 
cotidiano do cineasta Glauber Rocha na cidade portuguesa, onde morou com sua 
esposa Paula Gaitán e seus dois filhos Eryk Rocha e Ava Patrya no ano de 1981, tempos 
que antecederam sua morte.
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Relatório de viagem
Flavia Celidônio
MANAUS
6 de março de 2006
Um casarão antigo em Manaus, à beira do rio Negro, abrigou a primeira palestra de 
divulgação do Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo 2006-2007. O encontro aconteceu no 
dia 6 de março, na Usina Chaminé, um centro cultural que já funcionou como usina de 
estação de tratamento de esgoto.
Kety Fernandes, do Núcleo de Audiovisual do Itaú Cultural, fez a abertura do evento e 
apresentou Cláudia Mesquita, jornalista, realizadora e pesquisadora de cinema, que 
ministrou a palestra “Panorama da Produção de Documentários no Brasil”. A mediação 
ficou a cargo da produtora e diretora Liliana Sulzbach, que realizou o documentário O 
Cárcere e a Rua, de 2005, e faz parte da comissão julgadora desta edição de Rumos.
Para fazer um retrato do documentário no Brasil, Cláudia apresentou trechos de Viramundo 
(1965), de Geraldo Sarno, e de Santo Forte (1999), de Eduardo Coutinho – filme parcialmente 
realizado com apoio recebido na primeira edição de Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo. 
A exibição foi seguida de comentários de Cláudia e Liliana, que apontaram as diferenças 
entre filmes de épocas tão distantes.
A principal delas: a abrangência do tema dos dois documentários. Enquanto um mapeia a 
espiritualidade apenas de uma pequena comunidade carioca (Santo Forte), o outro fala da 
saga de migrantes nordestinos na chegada a São Paulo, sem a preocupação de ater-se a 
individualidades. Para Liliana, essa busca pela particularização é reflexo da sociedade atual, 
que não acredita em uma única verdade, mas, sim, que tudo tem ângulos diversos.
110 Flavia Celidônio Relatório de viagem 111
BELÉM
8 de março de 2006
A segunda palestra de divulgação do Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo 2006-2007 
aconteceu em Belém do Pará, no dia 8 de março. Cláudia Mesquita, jornalista e pesquisadora 
de cinema, e Liliana Sulzbach, produtora e diretora, autora de O Cárcere e a Rua, compuseram 
a mesa que discutiu o panorama da produção de documentários no Brasil.
Para fazer um retrato histórico da produção nacional, Cláudia destacou dois momentos 
importantes do documentário brasileiro. Um deles, os anos 1960, com o filme Viramundo 
(1965), de Geraldo Sarno, reconhecido pelo uso, até então inédito, do som direto, 
que possibilitava a gravação de entrevistas, e o início da produção do documentário 
independente no Brasil. Ela apontou fortes características do documentário dessa época, 
como a abordagem de grandes temas, no caso a migração de nordestinos a São Paulo e 
a tentativa de tratar assuntos da atualidade. Mostrando trechos do filme, Cláudia abordou 
outros pontos que marcaram a produção desse período, como a utilização ainda tímida 
das entrevistas e a opção pela voz em off.
O contraponto a essa época é a década de 1990, que assistiu à retomada do cinema 
brasileiro. O filme escolhido por Cláudia para representar esse momento foi Santo Forte 
(1999), de Eduardo Coutinho. Nesse caso, as entrevistas constituem o ponto principal 
do filme, que não tem narração. Ao contrário de Viramundo, não existe manipulação da 
informação ou uma tentativa de corroborar a tese do realizador. Quem dá significado 
ao conteúdo do filme são os 11 integrantes de uma pequena comunidade carioca que 
contam suas experiências religiosas em longas entrevistas.
Liliana Sulzbach, membro da comissão julgadora desta edição do Rumos Itaú Cultural 
Cinema e Vídeo, usou as informações de Cláudia para afirmar que hoje em dia há uma 
busca pela particularização, pelo recorte, uma tentativa de mostrar que não existe uma 
única verdade, o que acontece em Viramundo, em que os migrantes são tratados como 
categoria, sem individualidades. Todos eles saíram do Nordeste por causa de problemas 
com a terra e nem todos conseguem ser bem-sucedidos em São Paulo.
Liliana ainda deu dicas aos interessados em apresentar projetos ao Rumos Itaú 
Cultural Cinema e Vídeo 2006-2007. Ela acha que existe uma carência de filmes mais 
políticos e documentários investigativos. Para ela, as temáticas social e cultural já 
foram bastante exploradas.
GOIÂNIA
13 de março de 2006
A terceira palestra de divulgação do projeto Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo 2006-
2007 aconteceu em Goiânia.
Francisco Elinaldo Teixeira, professor de pós-graduação em multimeios da Unicamp e 
autor do livro Documentário no Brasil – Tradição e Transformação, foi o palestrante, com o 
tema “O Documentário e a Representação: Identidade e Brasilidade”.
Teixeira discorreu sobre os vários modelos de documentário no Brasil e apresentou a tese 
de que o nacional contemporâneo se utiliza de todos os modelos já conhecidos. Para ele, 
o da atualidade tem uma visão expandida em relação ao que já foi ao longo da história. 
Como argumentos para provar sua tese, o professor levantou modelos de documentário. 
Primeiro o clássico, que tem uma abordagem histórica dos fatos e é uma oposição à ficção. 
O segundo é o do cinema direto, que defende uma mínima intervenção do realizador, 
tanto na captação quanto na montagem, utilizando planos-seqüência e buscando o 
realismo da imagem. Por último o do cinema-verdade, de tradição européia, quando é 
introduzida a idéia da intervenção tendo em vista que a realidade não “está dada” e precisa 
ser construída, é um contraponto ao cinema direto, observacional. Na opinião do professor, 
esses conhecidos modelos de documentário, que foram se contrapondo aos já existentes, 
constroem o documentário da atualidade, o que ele chama de “docudiversidade”.
Paschoal Samora, documentarista autor de Confidências do Rio das Mortes (1999),Ao Sul 
da Paisagem (2000-2001), Rio de Fevereiro (2003) e Diário de Naná (2006) e membro da 
comissão julgadora de Rumos, compôs a mesa ao lado do professor Teixeira. Samora 
preferiu falar daquilo que para ele constitui a principal característica do documentário: a 
matéria-prima, a descoberta em tempo real dos fatos e o método da realização. Para ele, o 
documentarista deve estar sempre aberto ao que pode acontecer durante as filmagens. Ao 
mesmo tempo em que o documentarista é aquele que manipula o fato, o desejo essencial 
do realizador é o de perder o controle. Como dica para o público que assistiu à palestra, 
Samora diz que a “descoberta da invenção do documentário” é o que mais interessa.
112 Flavia Celidônio Relatório de viagem 113
CAMPO GRANDE
15 de março de 2006
Um rico bate-papo, considerado até como um laboratório para alguns participantes. Foi 
assim o encontro de Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo 2006-2007 na capital de Mato 
Grosso do Sul, Campo Grande.
O documentarista Paschoal Samora, membro da comissão julgadora desta edição de 
Rumos, e Francisco Elinaldo Teixeira, professor de multimeios da Unicamp e autor de livros 
sobre documentário, iniciaram uma conversa, curiosos para saber o que se passava na 
capital quando o assunto é documentário.
O público presente ao encontro agradeceu a possibilidade de concorrer ao prêmio de 
Rumos e disse achar importante que existam iniciativas como essa. Também lamentaram 
a não-existência de cursos de cinema nas universidades do estado. A boa notícia é que o 
Festival de Cinema de Campo Grande já está em sua terceira edição, e há uma tentativa de 
criar uma cultura de produção cinematográfica, pelo menos do ponto de vista de jovens 
estudantes ou recém-formados em cursos ligados à comunicação, como jornalismo, e 
cheios de vontade de produzir em sua cidade.
Um público interessado e ávido por informações ouviu a palestra do professor Teixeira 
sobre o documentário contemporâneo. Ele, mais uma vez, apresentou sua tese do cinema 
expandido, da “docudiversidade”, nome dado por ele às produções documentais dos dias 
de hoje que abarcam todos os modelos de documentários na história, desde o clássico, 
com a abordagem histórica dos fatos e em oposição à ficção; passando pelo cinema 
direto, que defende uma mínima intervenção do realizador, tanto na captação quanto 
na montagem, buscando o realismo da imagem; até o modelo do cinema-verdade, de 
tradição européia, quando é introduzida a idéia da intervenção tendo em vista que a 
realidade não “está dada” e precisa ser construída, em contraponto ao cinema direto, 
observacional.
Ao perceber que existe certo desânimo com as poucas possibilidades de realizar filmes 
em geral na opinião dos participantes, os dois palestrantes deixaram clara a importância 
de se formular um projeto mesmo que ele não seja escolhido para receber o prêmio. 
Os dois frisaram que, ao formular e organizar as idéias, o projeto amadurece e pode ser 
aperfeiçoado.
A sugestão de Pachoal Samora: “criem um projeto de guerrilha”.
FORTALEZA
20 de março de 2006
“Documentário como Gênero: Linguagens e Meios”. Esse foi o tema da palestra de 
divulgação de Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo 2006-2007 em Fortaleza, a quinta 
cidade a receber os encontros que marcam o início do projeto.
Érika Bauer, professora da Universidade de Brasília e realizadora, autora de Dom Helder 
Câmara, o Santo Rebelde, foi a palestrante e contemplou a platéia, formada por jovens 
estudantes de comunicação, com a sua própria experiência como realizadora. Humanizar 
o personagem, essa é a “tarefa” mais desafiadora para quem se propõe a fazer um 
documentário na opinião da professora. Foi realizando o filme sobre Dom Helder que a 
questão apareceu de forma mais clara para ela. Estudar a vida do personagem em questão 
e buscar elementos que o tornassem mais humano e menos mito é algo que, para Érika, 
deve ser sempre perseguido. A professora acredita que a linguagem e a forma como 
o documentário vai se dar chegam de maneira quase intuitiva. O importante é ter em 
mente que a construção da narrativa passa necessariamente pela forma como o realizador 
enxerga o personagem. A linha tênue que separa o documental da ficção também é algo 
que chama a atenção da realizadora. Para ela, a realidade é muito mais ficcional do que 
aparenta ser. Foi uma palestra bastante rica para um público ávido por produzir e encontrar 
suas próprias linguagens.
Érika também falou sobre o momento atual do cinema documental no Brasil, que, no seu 
entender, está se aperfeiçoando, acompanhando a maturação dos intelectuais brasileiros, 
interrompida pela ditadura militar e retomada nos anos 1980.
Luis Eduardo Jorge, realizador, antropólogo e membro da comissão julgadora desta 
edição de Rumos, também abordou a história do documentário e do cinema no Brasil. 
Ele lamentou que as universidades não sejam mais centros de formação voltados para a 
construção de cidadãos críticos e comprometidos com a sociedade. Eduardo Jorge frisou 
a importância de não se perder a visão crítica e questionadora. Para ele, o documentário 
deve ter uma função social, tem de provocar a reflexão.
Roberto Cruz, gerente do Núcleo de Audiovisual do Itaú Cultural, também presente no 
encontro, respondeu a dúvidas e questões sobre o edital e afirmou, diante de jovens 
céticos quanto às possibilidades de produção, que participar de um concurso como o 
Rumos é importante para ganhar maturidade e aperfeiçoar o projeto, mesmo que ele não 
seja contemplado.
114 Flavia Celidônio Relatório de viagem 115
RECIFE
22 de março de 2006
O encontro de Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo 2006-2007 na Fundação Joaquim 
Nabuco, no Recife, se transformou numa interessante conversa entre o público e os 
componentes da mesa: Érika Bauer, professora da Universidade de Brasília e realizadora, 
autora de Dom Helder Câmara, o Santo Rebelde, Luis Eduardo Jorge, realizador, antropólogo 
e membro da comissão julgadora desta edição de Rumos, e Roberto Cruz, gerente de 
Audiovisual do Itaú Cultural.
Érika Bauer falou sobre sua experiência como realizadora e o que a atrai no trabalho como 
diretora. Para ela, lidar com um tema pouco conhecido é o mais interessante para um 
documentarista. Procura sempre tratar assuntos ou personagens que lhe são “estranhos”, 
em vez de fazer um filme sobre algo familiar. Como professora, tenta sugerir aos alunos que 
busquem o desafio de pesquisar e mergulhar em um tema mais distante de sua realidade.
Usando o exemplo da produção de seu filme sobre Dom Helder, falou sobre a ética que 
deve estar sempre presente no tratamento dos personagens do documentário. Ética para 
não distorcer ou manipular a “fala” do entrevistado. Para ela, na montagem, por vezes é 
melhor abrir mão de certos trechos se não for possível incluir o contexto em que algo foi 
dito. O documentarista deve tratar com máximo respeito o objeto de seu filme. Como 
exemplo citou Eduardo Coutinho, em constante busca por essa ética.
Como sugestão para o público, que queria saber se existem temas mais interessantes a 
ser tratados em documentários, disse que qualquer tema pode ser um grande tema, tudo 
depende da maneira como o realizador trata o assunto. E avisou: sempre há mais por trás 
do que se imagina ou se enxerga, há que estar atento às descobertas que ocorrem no 
meio da produção de um filme. Um documentarista deve ter os olhos abertos ao que 
pode surgir durante a realização do documentário.
Provocar a reflexão no espectador, na sociedade. Esse deve ser o papel do documentarista 
na opinião de Luis Eduardo Jorge. Mas, para isso, é preciso consciência crítica, algo que 
ele acredita estar em falta na formação do brasileiro. Ele lamenta que as universidades 
não sejam mais centros de formação voltados para a construção de cidadãos críticos e 
comprometidos com a sociedade. “Da mesma forma que o brasileironão lê, também 
não tem cultura audiovisual.” Eduardo Jorge defende que o cinema deveria fazer parte da 
grade curricular das escolas desde as primeiras séries do ensino fundamental.
Roberto Cruz falou sobre o período atual do documentário no Brasil, que é promissor, no seu 
entender. “Está surgindo uma geração nova de documentaristas que não necessariamente 
é ligada ao cinema e isso é saudável.” Para ele, há mais interesse em se retratar a realidade 
brasileira, o que só vem enriquecer a cultura do audiovisual. Como dica aos que são céticos 
em relação ao mercado dedicado ao documentário no país, diz que não se pode pensar em 
distribuição, é preciso pensar no antes, no “fazer” do filme, o resto vem depois. Mãos à massa.
SALVADOR
27 de março de 2006
A professora Sheila Schvarzman e a jornalista Liliana Sulzbach participaram, no dia 27 de 
março, da sétima palestra de divulgação do programa Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo 
2006-2007, realizada em Salvador.
Sheila abordou as tendências do documentário no Brasil desde os primeiros filmes 
do gênero, produzidos pelo Instituto Nacional do Cinema Educativo (Ince). A 
professora projetou cenas de O Despertar da Redentora para mostrar que os temas dos 
documentários nos anos 1940 não tratavam do homem simples, mas, sim, de ídolos e 
modelos a ser seguidos.
Nos anos 1950, com as Brasilianas e a Caravana Farkas, o documentário começou a se 
aproximar do modelo que conhecemos hoje. Ainda que de forma generalizada, sem 
individualidades, o “homem” brasileiro aparece.
Após o intervalo da produção no período da ditadura militar, a retomada do cinema 
no Brasil foi marcada por um negativismo na esteira da queda do Muro de Berlim, nos 
anos 1980. Esse negativismo marca a retratação do homem de forma radical. Começam 
a aparecer as favelas, a desigualdade social, a miséria. O tema urbano substitui o rural, 
retratando as mudanças que ocorreram no Brasil com a saída do homem do campo em 
busca das grandes cidades. Nas palavras da professora, “passamos do romantismo para 
a crueza”. Para Sheila, está na hora de os documentaristas voltarem os olhos para os 
seus iguais, ou seja, a classe média, mostrando que existe algo além dessa desigualdade 
social brasileira.
Liliana, membro da comissão julgadora de Rumos, concordou com a professora e sugeriu 
outros formatos que gostaria de ver produzidos no Brasil, como os documentários de 
busca, a exemplo de 33, de Kiko Goifman – contemplado em edição anterior de Rumos 
–, ou Passaporte Húngaro, de Sandra Kogut. Ela também sente falta de documentários 
investigativos, de acompanhamento, e diz que a produção documental brasileira 
poderia se aproximar mais da ficção, dando dramaticidade ao filme e fazendo com que o 
espectador se pergunte sobre o que vai acontecer.
116 Flavia Celidônio Relatório de viagem 117
VITÓRIA
29 de março de 2006
O encontro de Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo 2006-2007 em Vitória contou com platéia 
formada por estudantes da Universidade Federal do Espírito Santo. Uma mesa formada por 
Sheila Schvarzman, historiadora do Condephaat, professora do curso de audiovisual das 
Faculdades Senac e professora convidada do Departamento de Multimeios da Unicamp; 
Liliana Sulzbach, jornalista, realizadora (autora do premiado documentário O Cárcere e a 
Rua) e membro da comissão julgadora de Rumos; e Roberto Cruz, gerente do Núcleo de 
Audiovisual do Itaú Cultural. A palestra teve como tema “Tendências e Perspectivas do 
Documentário Contemporâneo”.
Sheila fez um recorte na história do documentário no Brasil. Escolheu falar sobre como o 
documental brasileiro fala do “outro”. A professora levantou exemplos para mostrar que o 
documentário como conhecemos hoje passou a ser realizado nos anos 1950, época das Brasilianas 
e da Caravana Farkas. É nessa época que o “homem” brasileiro, simples e rural, passa a estar 
presente nas produções. O tema rural foi predominante nessa fase do documentário conhecido 
como moderno. Antes dessa época, os personagens retratados eram ídolos, personalidades, 
exemplos. A era Getúlio Vargas acreditava que o cinema era uma forma de educar o povo.
Após o intervalo da produção no período da ditadura militar, a retomada do cinema 
no Brasil foi marcada por profundas mudanças. O tema urbano substituiu o rural. 
Favelas, desigualdade social e miséria passaram a ser retratadas no documentário 
dito contemporâneo. E Eduardo Coutinho aparece como um dos expoentes desse 
documentário interessado no “homem”, com suas individualidades, defeitos e qualidades. 
“Passamos do romantismo para a crueza”, nas palavras da professora. “Ou temos de salvar ou 
sermos salvos”, é assim que resume os dois momentos do documental no Brasil, na época 
moderna e na contemporânea. Falando em perspectivas, Sheila acredita estar na hora de 
os documentaristas voltarem os olhos para seus iguais, para a classe média, mostrando 
que existe outro lado nessa desigualdade social brasileira. Esse tópico provoca os alunos, 
que ainda acreditam nos temas de cunho social, em que se denuncia o desrespeito aos 
direitos humanos, a fome e as agruras do mundo contemporâneo.
Diante do debate, Liliana Sulzbach afirmou que o mais importante é fazer bons 
documentários, independentemente do conteúdo. O que importa é o formato. Ela acredita 
que a mudança de foco do documentário brasileiro acompanha uma mudança de como 
a sociedade olha para ela mesma. Preocupando-se mais com o formato, poderiam ser 
produzidos no Brasil mais documentários investigativos, ou de acompanhamento, ou 
se poderia ousar mais ao “conferir um plot narrativo ao filme”, inserindo dramaticidade e 
instigando o espectador a se perguntar o que vai acontecer no final.
Roberto Cruz e Sheila chamaram a atenção de todos para as portas que se abrem com 
as diversas formas de mídia que se tem hoje para a divulgação de trabalhos. Há que ser 
inventivo e, principalmente, fazer bons documentários.
RIO DE JANEIRO
3 de abril de 2006
No dia 3 de abril, o Rio de Janeiro foi palco de uma descontraída conversa entre Paschoal 
Samora, documentarista e membro da comissão julgadora desta edição de Rumos Itaú 
Cultural Cinema e Vídeo 2006-2007, e José Carlos Avellar, crítico de cinema, ensaísta e 
consultor de cinema do Programa Petrobras Cultural.
As formas de exibição do cinema e do documentário estão se ampliando. Avellar acredita 
que em pouco tempo se produzirá especificamente para telas de celular e outras mídias. 
Algo como o que está acontecendo com o mercado fonográfico, em que é possível 
comprar apenas algumas faixas de determinado álbum.
Samora acredita que os modelos e formatos do documentário estão anos-luz à frente 
do mercado. Cabe aos realizadores pressionar o mercado a buscar novas maneiras de 
distribuição. O negócio é produzir, realizar e acreditar que bons produtos vão encontrar 
caminhos para ser exibidos e poderão cumprir seu papel de provocar a reflexão e instigar 
sentimentos, tanto na grande quanto na pequena tela.
118 Flavia Celidônio Relatório de viagem 119
BELO HORIZONTE
5 de abril de 2006
Realizada no dia 5 de abril, em Belo Horizonte, a palestra “O Documentário no Contexto 
da Retomada do Cinema Brasileiro: Existe Mercado?” teve a participação do crítico de 
cinema José Carlos Avellar e do documentarista Paschoal Samora. O encontro marcou 
o décimo evento de divulgação do programa Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo 2006-
2007 pelo Brasil.
Consultor de cinema do Programa Petrobras Cultural, Avellar fez uma analogia entre o 
documentário e a pintura do início do século XIX. Lembrou que o inglês John Constable 
rompeu com a tradição de retratar naturezas-mortas e personagens da aristocracia pintando 
paisagens e evidenciando nos quadros a data, a hora e as condições climáticas do momento. 
Uma forma de documentar, mesmo sem uma câmera. O crítico citou ainda a fotografia e o 
fotojornalismo parachegar ao documentário como conhecemos atualmente.
Para Avellar, o Brasil tem uma tradição oposta à européia ou norte-americana. Aqui a 
televisão faz ficção e o cinema bebe no modelo documental. Central do Brasil, Carandiru e 
Cidade de Deus têm uma veia documental, e a televisão fica a cargo de produzir ficção. O 
Brasil, acredita ele, produz muito mais documentários para a grande tela em comparação 
com o cinema europeu ou norte-americano. Avellar citou ainda o cinema novo como 
uma das primeiras formas de fazer cinema usando o modelo do documentário.
Membro da comissão de seleção do programa, Samora concorda, de certa forma, com 
Avellar. Ele acredita que o documentário, no Brasil, deixou de ser um “trampolim” para 
aqueles que desejam fazer ficção e firmou-se como uma forma de “fazer cinema”, um 
instrumento de reflexão da sociedade. Ele acredita que a projeção digital vai ampliar o 
mercado, não só para o documentário, mas para o cinema brasileiro em geral, contribuindo 
para facilitar a distribuição das produções nacionais.
CURITIBA
24 de abril de 2006
A palestra de divulgação de Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo em Curitiba começou 
com uma frase de efeito do realizador Cao Guimarães. “Não existe documentário sem 
subjetividade.” O tema do encontro foi “Documentário e Subjetividade: o Olhar do Autor”.
Diretor premiado, autor de A Alma do Osso e Rua de Mão Dupla, Cao Guimarães dividiu a 
mesa com o diretor, roteirista e antropólogo Luiz Eduardo Jorge, membro da comissão 
de seleção desta edição de Rumos.
Para ilustrar o que estava dizendo, Cao projetou cenas de seus dois trabalhos. Em Rua de 
Mão Dupla duas pessoas passam 24 horas na casa de um estranho com uma câmera de 
vídeo e tentam, por meio dos objetos e da disposição da casa, descobrir quem vive naquele 
lugar. Para o diretor esse foi o trabalho no qual mais se aproximou de um documentário 
com pouca interferência do olhar do autor, mas a subjetividade está fortemente presente 
naquele que faz imagens de uma casa estranha, de objetivos e indícios da vida de alguém 
que não conhece, e imagina quem é.
Em Alma do Osso, filme em que tenta mostrar como vive um ermitão, a subjetividade 
do autor está em boa parte do filme. Por meio de imagens, sons e montagem, o diretor 
especula o que se passa na cabeça desse ermitão sem ter nenhum indicativo do que ele 
está realmente pensando. O que está no filme é a subjetividade do autor.
Com as diferenças colocadas, Cao Guimarães afirma que não lhe interessa a verdade, mas, 
sim, a expressividade do objeto ou do personagem retratado. Nem a palavra interessa ao 
diretor, que acredita que o cinema tem um vício em literatura e em teatro. Cao acredita 
que cinema é feito de imagens e sons. Para ele, não é o cineasta que faz o filme, mas o 
filme que faz o cineasta.
Luiz Eduardo Jorge representou bem o papel de mediador. Tentou saber de Cao 
Guimarães suas estratégias para montar um projeto e conseguir realizar seus trabalhos. 
Ouviu, junto com o público, que o projeto tem de expressar bem a idéia do filme, o 
objetivo que se quer com o documentário, e ter sempre em mente que tudo pode 
mudar durante a captação. Em vista disso, Cao diz ser um apaixonado pela edição do 
filme, que é quando o documentário acontece, o momento em que o realizador se dá 
conta realmente do que é o produto final de seu trabalho.
120 Flavia Celidônio Relatório de viagem 121
PORTO ALEGRE
26 de abril de 2006
“Documentário e Subjetividade: o Olhar do Autor”, esse foi o tema do encontro de Rumos 
Itaú Cultural Cinema e Vídeo em Porto Alegre.
O diretor Cao Guimarães começou a conversa dizendo que não existe documentário 
sem subjetividade. Usou uma metáfora para ilustrar que tipos de documentários ele 
produz. Existem pelo menos três maneiras de estar na frente de um lago de água parada. 
Uma delas é contemplando de um barranco, onde não se tem interação com esse lago, 
apenas a visão – são filmes de contemplação, como Da Janela do Meu Quarto, em que ele 
gravou imagens de duas crianças brincando numa rua alagada no Pará, como se fosse 
uma coreografia e sem a interferência do autor. A outra forma é lançando uma pedra 
nesse lago, provocando ondas e mexendo com a água. Para ele um exemplo é Rua de 
Mão Dupla, em que há uma interferência do autor para que a realidade fique “bagunçada”. 
Nesse filme, Cao pediu a pessoas que não se conheciam que trocassem de casa por 24 
horas com uma câmera de vídeo nas mãos e tentassem imaginar os moradores da casa 
estranha em que estavam. Uma realidade filtrada pelos olhos de quem está na casa e 
pode apenas fazer elucubrações. A terceira maneira é atirar-se no lago, mergulhando em 
suas águas. O exemplo é A Alma do Osso, filme que Cao fez sobre a vida de um ermitão 
de Minas Gerais. Com as imagens do ermitão e de seu cotidiano, Cao procura imaginar 
o que o personagem está pensando, o que se passa pela mente de alguém que vive 
sozinho num local distante. Para fazer esse documentário, o diretor passou dias e dias 
fazendo imagens e convivendo com o ermitão, colocando sua subjetividade no mergulho 
na personalidade da figura de seu filme.
O diretor, roteirista e antropólogo Luiz Eduardo Jorge, membro da comissão selecionadora 
de Rumos, também estava presente no encontro. Subjetividade para ele é algo inerente 
ao ser humano. “A partir do momento em que o homem transforma a natureza em cultura 
ele está criando uma subjetividade.” Para Luiz Eduardo, Cao Guimarães faz da subjetividade 
do outro a matéria-prima de seu trabalho, realizando assim uma leitura antropológica da 
relação que o homem tem com o mundo.
BRASÍLIA
3 de maio de 2006
O último encontro de Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo 2006-2007 aconteceu com 
uma platéia formada quase inteiramente por estudantes de audiovisual de Brasília.
A dupla responsável pela palestra “Panorama da Produção de Documentários no Brasil” 
foi a mesma que esteve no primeiro encontro, em Manaus. Cláudia Mesquita, jornalista 
e pesquisadora de cinema, e Liliana Sulzbach, produtora e realizadora, integrante da 
comissão de seleção desta edição de Rumos.
A palestra reuniu um pouco de todos os outros encontros. Cláudia fez um histórico do 
cinema documental no Brasil desde os anos 1960, algo já abordado por ela mesma em 
Manaus. Viramundo, de Geraldo Sarno, marca a era do documentário moderno, com a 
temática urbana, as agruras do povo e a tentativa de estabelecer um diagnóstico dos 
problemas sociais no Brasil.
Cabra Marcado para Morrer é um divisor de águas. O documentário de Eduardo Coutinho, 
finalizado nos anos 1980, depois de ficar na gaveta durante a ditadura militar, inaugura 
a época contemporânea. Cláudia Mesquita classifica essa época, que vai dos anos 1980 
ao início dos 1990, como sendo “tempos de vídeo”, o cinema com forte relação com os 
movimentos sociais, numa clara demonstração da necessidade de criar uma identidade 
do brasileiro. Uma busca por interiorizar o cinema, como Coutinho também fez em Santa 
Marta. Para Cláudia, os “tempos de vídeo” duraram até a retomada mais forte do cinema 
brasileiro em 1995, e daí para hoje há uma espécie de boom, com produção mais intensa 
de documentários que conseguem chegar a grandes telas, abrindo cada vez mais janelas 
para a produção documental no mercado.
Liliana também reiterou em parte o que havia dito em Manaus, Salvador e Vitória, onde 
esteve com os encontros de Rumos. Independentemente de tendências, ela acha que 
é o momento de mudar o foco dos documentários feitos no Brasil. Cita, por exemplo, 
os acontecimentos em Brasília, com escândalos de corrupção, e pergunta se há alguém 
registrando tudo para transformar em documentário. Liliana acredita que é preciso 
produzir mais com temas exclusivamente políticos. E voltar a câmera para outras camadas 
da população, no lugar de apenas mostrar miséria ou violência em favelas, afinal, deve 
existir uma elite quecolabora para perpetuar as desigualdades no país.
Apesar das carências, o que a realizadora de O Cárcere e a Rua realmente acredita é 
que existem bons e maus documentários, e as boas idéias são sempre bem-vindas e 
bem recebidas.
123
Rumos Cinema e Vídeo
Palestrantes
Cao Guimarães
Carlos Nader
Cláudia Mesquita
Consuelo Lins
Érika Bauer
Francisco Elinaldo Teixeira
José Carlos Avellar
Sheila Schvarzman
Comissão de seleção da 5ª edição de Rumos 
Itáu Cultural Cinema e Vídeo
Liliana Sulzbach
Luiz Eduardo Jorge
Paschoal Samora
Instituições parceiras
Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira 
– Agepel (GO)
Centro Cultural Dragão do Mar (CE)
Centro Cultural Usina Chaminé (AM)
Diretoria de Artes Visuais e Multimeios da 
Fundação Cultural da Bahia – Dimas (BA)
Fundação Athos Bulcão (DF)
Fundação Clóvis Salgado – Palácio das Artes (MG)
Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (MS)
Fundação Cultural de Curitiba (PR)
Fundação Joaquim Nabuco (PE)
Instituto de Artes do Pará (PA)
Instituto Marlin Azul (ES)
Paço Imperial (RJ)
Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas (AM)
Universidade Federal do Espírito Santo (ES)
Usina do Gasômetro (RS)
Agradecimentos
Alexandre Figueiroa
Alexandre Veras
Ana Azevedo
Andressa Oliveira
Beatriz Lindenberg
Belchior Cabral
Bernardo José de Souza
Bya Cabral
Carlos Magalhães
Carolina Ferreira
Carolina Porto
Daniel Queiros
Daniela Capelato
Dulcinéia Gil
Eudaldo Guimarães
Fernando Segtowick
Francisco de A. Assumpção Neto
Francisco Liberato
Glauber Filho
Glênio Nicola Póvoas
Janine de Souza Malanski
João Dumans
João Júnior
Kléber Mendonça Filho
Marcelo Armos
Marcelo Pedroso
Márcia Macedo
Paulo Bragantini
Vera Adami
Verônica Maia
Participantes do Laboratório de Projetos
Aroe Jari: Trilogia Bororo
Cláudio de Oliveira Alves
Biografia das Casas Elástico
Alexandre Veras
História na Geral
Anna Azevedo
Meninas de Plástico
Tatiana Toffoli e Marta Nehring
Refugiados
Ivan Canabrava e Souza
Sub.Urbanos
Rubens Miranda Júnior
Projetos premiados e que compõem a série 
Cinco sobre Cinco
Margem
Maya Werneck Da-Rin
Eu Vou de Volta
Camilo Santos Cavalcante e Claudio Assis
Histórias de Morar e Demolições
André Costa
Memórias de uma Mulher Impossível
Marcia Derraik
Procura-se Janaína
Miriam Chnaiderman
Prêmio especial
Diário de Sintra
Paula Gaitán
SOBRE FAZER DOCUMENTáRIOS
Identidade visual e projeto gráfico
Helga Vaz 
Este livro foi organizado, editado, revisado e diagramado pela equipe do Instituto Itaú Cultural.
Este DVD apresenta depoimentos de produtores, realizadores e pesquisadores 
ligados ao cenário do documentário no Brasil.
Trata de questões relacionadas aos modos de fazer e pensar esta produção, suas 
particularidades regionais e o impacto das novas tecnologias.
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Este DVD apresenta depoimentos de produtores, realizadores e pesquisadores 
ligados ao cenário do documentário no Brasil.
Trata de questões relacionadas aos modos de fazer e pensar esta produção, 
suas particularidades regionais e o impacto das novas tecnologias.