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coccidiose em suinos

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DINÂMICADINÂMICA
Ano V – No 18 – Agosto/1996 – Periódico técnico-informativo elaborado pela EMBRAPA–CNPSA
Isosporose suína
Doralice Pedroso de Paiva1
Introdução
A isosporose ou coccidiose dos leitões é a
doença causada pelo Isospora suis, um pro-
tozoário da Classe Apicomplexa e da Família
Eimeriidae. No Brasil, a coccidiose em suínos
vem sendo estudada desde 1936, quando Yaki-
moff descreveu os oocistos de três espécies de
eimérias, encontrados em fezes desses animais.
O I. suis, no entanto, já havia sido edentificado,
em 1934, por Biester & Murray, como agente da
coccidiose neonatal, causando diarréia em suínos
de cinco a 14 dias de idade. Só há poucos anos,
porém, esse parasito vem sendo considerado
um problema sanitário de importância na criação
de suínos, devendo ser incluído no diagnóstico
diferencial das diarréias.
O protozoário parasita células epiteliais dos
intestinos de suínos – especialmente jejuno e
íleo – e produz diarréias três a quatro dias
após a ingestão dos oocistos. Essa diarréia
apresenta coloração amarelada e não responde à
antibioticoterapia. Quando ocorre, atinge de 70%
a 90% dos leitões, levando a uma desidratação
moderada e ao atraso no desenvolvimento, com
baixa mortalidade – de 6% a 20%.
1Pesquisadora da EMBRAPA–CNPSA
Ciclo biológico
O ciclo de vida do I. suis pode ser dividido em
três fases distintas: esporogonia, excistação e
desenvolvimento endógeno.
A esporulação (esporogonia) é o processo pelo
qual o oocisto não-infectante (imaturo), ao ser
eliminado com as fezes, passa a ser infectante
sob certas condições de temperatura, oxigenação
e umidade.
A excistação ocorre imediatamente após a
ingestão dos oocistos infectantes. A passagem
pelo estômago altera a parede do oocisto e,
posteriormente, permite que os sais biliares e enz-
imas digestivas ativem os esporozoitos, deixando-
os livres no lumem intestinal. Os esporozoitos
penetram nos enterócitos e iniciam a etapa de
desenvolvimento endógeno. Nessa fase, o
parasito se multiplica dentro das células – a princí-
pio, assexuadamente e, em seguida, formando
gametas feminino e masculino.
Da união desses gametas, forma-se o oocisto
(Figura 1).
Isso ocorre mais no jejuno e íleo, mas, em altas
infecções, pode atingir o ceco e o cólon. Em
leitões infectados experimentalmente, observou-
se maior pico de eliminação de oocistos entre 5o
e 6o dias pós-infecção.
Suínos e Aves
OOCISTO
NÃO ESPORULADO
(IMATURO)
CICLO
FORA
DO
LEITÃO
MACROGAMETA FECUNDAÇÃO
MICROGAMETA
MERONTE
TIPO 2
MERONTE TIPO 1
PENETRAÇÃO
CICLO
DENTRO
DO
LEITÃO
REPRODUÇÃO
ASSEXUADA
(MEROGONIA)
ESPOROZOITO
ESPOROZOITO
EXCISTAÇÃO
INGESTÃO
OOCISTO
ESPORULADO
(MADURO)
ESPORULAÇÃO
REPRODUÇÃO
ASSEXUADA
(GAMETOGOMIA)
ELIMINAÇÃO COM
 AS FEZES
Figura 1: Ciclo biológico do Isospora suis – representação esquemática
2
Figura 2: Leitões infectados com Isospora suis. A
seta 1 indica as fezes diarréicas. A seta 2 indica
leitão mais afetado, com perda de peso
Fonte de contaminação
Segundo algumas publicações, haveria um au-
mento de excreção de oocistos nos períodos pré
e pós-parto, levando a pensar que as porcas
seriam a maior fonte de coccidiose neonatal para
os leitões. Essa teoria é bastante discutida, uma
vez que a Eimeria sp., cujos oocistos são transmi-
tidos pelas porcas, não tem causado doença em
leitões. Já o I. suis – agente causal da coccidiose
neonatal – raramente é encontrado nas fezes das
porcas.
Outra publicação considerou o suíno transporta-
do uma fonte de infecção. Demonstrou que os
oocistos da isosporose suína podem permanecer
viáveis após serem mantidos por 26 dias à tem-
peratura de congelamento. No solo, continuam
viáveis por 15 meses, com temperaturas variando
de 40 a 45oC.
Uma outra fonte de infecção seria a leit-
egada anterior – através de instalações mal-
higienizadas, permitindo que os oocistos per-
maneçam viáveis. A temperatura mantida no
escamoteador (de 32 a 35oC) favorece a esporu-
lação rápida dos oocistos (em 12 a 16 horas).
Nos meses quentes, a esporulação pode se dar
à temperatura ambiente (em torno dos 30oC). A
25oC, a esporulação ocorre em 40 horas. A oxi-
genação e a umidade são fatores que favorecem
a esporulação.
Patogenia
A diarréia característca da coccidiose começa
com fezes aquosas e fétidas – às vezes com odor
Figura 3: Hipotrofia de vilosidades do intestino de
leitão infectado por Isospora suis.
Figura 4: Forma intermediária (imatura) de
Isospora suis presente em célula do epitélio da
vilosidade intestina de leitão infectado (seta)
rançoso ou azedo. Após três a quatro dias, segue-
se a produção de fezes amolecidas ou pastosas
ou até a ocorrência de tenesmo. Infecções ex-
perimentais demonstraram que ocorre, a princípio,
uma diarréia pastosa (de três a cinco dias pós-
inoculação). Dois dias mais tarde, essa diarréia
torna-se fluida, ficando mais evidente depois de
seis a 10 dias. Poucos animais, porém, apre-
sentam diarréia após 14 dias da inoculação. Não
foi observada diarréia sanguinolenta. Os leitões
afetados apresentam-se desidratados, com pelos
arrepiados e com definhamento, resultando em se
movimentar. A mortalidade é variável, podendo
chegar a 20%.
Além da diarréia, outros sinais clínicos são a
perda de peso, a inapetência e o retardo no
crescimento.
A diarréia é a manifestação clínica comum
a diferentes doenças causadas por bactérias
(E. coli, Salmonella sp. etc.), vírus (Enterovírus,
Rotavírus, Adenovírus etc.) e diversos proto-
zoários, entre os quais o I. suis. No caso
3
de infecção por I. suis, a diarréia é causada
pela destruição das células do epitélio intestinal
(Figura 2).
Ocorre redução da altura das vilosidades (Figu-
ra 3) e posterior fusão dessas vilosidades, além
de enterite necrótica e de um aumento do número
de criptas intestinais. Nos casos de coccidiose –
sozinha ou associada a outros agentes como Ro-
tavírus, Enterovírus, Adenovírus e E. coli – foram
observados também focos de necrose superficial
da mucosa e presença de formas imaturas no
citoplasma dfas células epiteliais (Figura 4).
A severidade das lesões microscópicas de-
pende da quantidade de oocistos ingerida pelo
animal. Os leitões de cinco a 20 dias de idade
são os que apresentam sinais clínicos da doença.
A manifestações clínicas são mais precoces em
leitões que ingerem altas doses de oocistos
esporulados.
As lesões intestinais são mais severas quando
ocorre infecção mista de I. suis com E. coli.
Imunidade
Os resultados de estudos de imunidade, desen-
volvidos em suínos infectados natural e artificial-
mente, demonstraram uma boa resposta imune
às doses de desafio, mesmo nos animais tratados
com imunosupressores. A duração desse estado
imune não foi determinada. Outras pesquisas
indicam uma baixa prevalência de isosporose em
suínos adultos, em comparação com a doença
clínica em leitões. Isso sugere que leitões
suscetíveis expostos ao I. suis tornam-se imunes,
resultando em baixa prevalência da doença nos
animais adultos. Suínos infectados com I. suis
tornam-se resistentes e, em nova infecção, não
excretam ou excretam muito poucos oocistos, não
desenvolvendo sinais clínicos da doença. Assim,
leitões recém-nascidos (dois dias)desenvovem
doença mais severa que os de duas a quatro
semanas de idade.
Imuno-supressores, como os corticosteróides,
não inibem essa resistência, indicando uma boa
imunidade desenvolvida.
A larga incidência e as perdas clínicas resul-
tantes da doença na produção de suínos estimu-
lam a busca de possíveis medidas de imunização.
Diagnóstico
O diagnóstico da isosporose deve se basear
na história clínica, sinais clínicos, morfologia dos
oocistos das fezes, lesões macro e microscópicas
e na presença de formas endógenas do parasito
em esfregaços da mucosa e cortes histológicoscorados.
O exame de fezes tem valor limitado no diag-
nóstico da doença, pois as lesões causadas na
mucosa intestinal, com a consequente diarréia,
ocorrem antes da presença dos oocistos nas
fezes. Em infecções maciças, os leitões podem
morrer antes do aparecimento dos oocistos. Um
infecção severa de formas assexuadas poderia
causar uma grande destruição da mucosa intesti-
nal, impedindo que os estágios sexuados comple-
tassem seu ciclo evolutivo. Essa destruição de
mucosa é que levaria o animal à morte antes da
formação dos oocistos. Maior número de oocistos
foi liberado por leitões que receberam menores
doses infectantes.
Esfregaços por aposição (impressão) ou o
material obtido por escarificação da mucosa são
métodos práticos, rápidos e de baixo custo que
podem ser utilizados. Nesses esfregaços, serão
identificadas as formas sexuadas e assexuadas,
evidenciadas por coloração de Giensa ou Wright.
Essas formas endógenas são visualizadas com
maior intensidade no jejuno e íleo.
A doença deve ser diferenciada de infecções
por E. coli, Clostridium perfrigens tipo C, vírus
TGE, Rotavírus e Strongyloides ransoni.
Tratamento e controle
medicamentoso
Muitos tratamentos anticoccidia foram tentados
no controle da doença, sem sucesso.
Alguns pesquisadores têm recomendado o uso
de drogas anticoccidianas nas porcas, prevenindo
a passagem dos oocistos nas fezes. É citado o
uso do decoquinato para as porcas, por período
de duas semanas antes do parto e nas primeiras
duas semanas da lactação. Os resultados foram
variados de um rebanho para outro e muitos
produtores não têm visto vantagem nessa prática.
Para alguns autores, o uso do decoquinato só
seria útil quando comporvado que as porcas
estariam sendo a maior fonte de contaminação
por oocistos de I. suis.
4
Figura 5: Leitões com desenvolvimento compro-
metido (refugo) por infecção por Isospora suis, em
comparação com leitão não-infectado (seta).
Por outro lado, Lindsay e colaboradores afir-
mavam, em 1984, que como as porcas pare-
ciam não ser a fonte de infecção, podia ser
desnecessária a prática de administrar-lhes coc-
cidiostáticos para prevenir a coccidiose neonatal.
Esse tratamento não beneficiaria os produtores.
Segundo esses autores, o aumento da produção
observado nas propriedades que usavam o coc-
cidiostático deve-se mais às práticas de higiene
adotadas.
A administração rotineira de produtos anticoc-
cidianos aos leitões é outra estratégia que tem
sido usada no controle da isosporose. Estudos re-
alizados com Toltrazuril em dose oral de 20 mg/kg
evidenciaram a redução dos sintomas clínicos e
mortalidade dos leitões e a interrupção do ciclo
de vida endógeno do I. suis. Cunningham (1984)
utilizou Sulfatoxipiradazina de sódio para leitões
aos três, quatro e cinco dias de idade.
O uso de Amprolium (2 cc de sol. 9,6), por
via oral, durante 14 dias – iniciando-se uma dia
antes da inoculação – em leitões com diárria
por I. suis fez desaparecer os sintomas um dia
após o início do tratamento. Outras drogas como
o Amprolium, a sulfaquinoxalina sódica, a fura-
zolidona, o dicoquinato e a monensina têm sido
utilizadas na ração das porcas ou em dosificações
estratégicas, via oral, em leitões, com resultados
variáveis. A droga Diclazuril está sendo testada
como tratamento preventivo, via oral (suspensão)
para leitões, e na ração (premix) para as porcas.
O uso de antibioticoterapia só é efetivo quando
estão envolvidos no quadro, além do I. suis,
agentes bacterianos.
A prática de campo tem mostrado que a admin-
istração de coccidiostáticos para as porcas antes
e logo depois do parto só dá resultado no controle
da isosporose quando é feito o vazio sanitário
e mantida a higiene das instalações. Em pro-
priedades em que nãoé possível manter o vazio
sanitário, havendo boas condições de higiene,
pode ser administrado coccidiostático aos leitões
em duas doses – uma aos cinco e outra aos oito
dias de idade – visando interromper o primeiro
ciclo reprodutivo do agente. Com isso, evita-
se a crescente contaminação das instalações,
prevenindo o aparecimento da isosporose clínica.
Prevenção
O tratamento da isosporose neonatal traz,
normalmente, poucos benefícios, pois quando
aparece a diarréia a destruição da mucosa intesti-
nal já ocorreu. Logo, a prevenção é a melhor
forma de controlar a doença. A maioria dos pro-
dutores está convencida, agora, de que a melhor
forma de controlar a doença é quebrando o ciclo
de vida dos coccídios o máximo possível através
de boas medidas sanitárias na maternidade e
higiene constante. Essas medidas visam diminuir
o número de organismos infectantes, podendo-se
aliar a elas o uso de coccídiostáticos.
Os desinfetantes comuns não destroem os
oocistos. É importante remover manualmente as
fezes da cela parideira no mínimo a cada 24 horas,
principalmente uma semana antes e uma semana
após o parto. Isso previne que os leitões se
tornem altamente infectados com oocistos.
Recomendações finais
Como medidas preventivas de manejo,
recomenda-se:
1. Diagnóstico adequado. É importante difer-
enciar a coccidiose de outros agentes cau-
sadores de diarréia neonatal em suínos,
porque antibióticos usados contra bactérias
não são efetivos contra I. suis.
5
2. Limitar o acesso de pessoal aos es-
camoteadores e às celas parideiras, princi-
palmente ao ocorrer diarréia, para diminuir
ou evitar a disseminação de oocistos de uma
leitegada para outra.
3. Impedir a entrada de animais (galinhas, cães
e gatos) nas instalações, prevenindo a dis-
seminação dos oocistos pelas patas desses
animais.
4. A população de moscas e roedores deve ser
controlada, prevenindo que disseminem os
oocistos mecanicamente.
5. Desinfetar a maternidade na saída do lote,
mantendo as instalações limpas entre dois
ciclos. Lavra a maternidade para remover
toda a contaminação fecla. Através de jato
de água quante, seguido de lavagem, se
obtém os melhores resultados. O uso de
cal comercial ou solução de amônia (50%
aquosa) pode auxiliar. Cuidado: não misturar
cal com amônia. Manusear estas soluções
com cuidado, pois elas podem ser perigosas.
6. Os produtores devem ser esclarecidos de
que, mesmo estando a doença clínica con-
trolada, o potencial para um futuro surto
continua presente. Em alguns casos, pode
haver ocorrência da doença clínica moderada
na primeira leitegada, após a execução de
higienização completa.
Conclusão
Várias drogas e esquemas de tratamento já
foram usados no controle da isosporose neonatal
suína, mas nenhuma tem sido totalmente eficiente
em todas as criações. Assim, parece que os
cuidados com o meio ambiente do leitão per-
manecem como melhor forma de prevenção da
doença.
6

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