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EstudosdePsicologia 1997,Vo114,n°2,33 -46 I Fenomenologia,psicoterapiaepsicologiahumanista * AdrianoHolanda PontifíciaUniversidadeCatólicadeCampinas o textointroduzasidéiasbásicasdaFenomenologiacomofundamentofilosóficoeepistemológico paraapráticadapsicoterapiae, maisespecificamente,dapsicologiahumanista.Partedagênese históricadasidéiasfenomenológicasemBrentano,passandoàelaboraçãodaFenomenologiano pensamentodeHusserl,apresentandoseusprincipaisconceitos.Nestecontexto,estabeleceum paraleloentreo métodofenomenológicoe suasaplicaçõesnocampodapsicoterapia.Porfim, elaboraumquadrogeraldainfluênciadaFenomenologiaedoExistencialismonachamada"Psi- cologiaHumanista",destacandoosprincipaisexpoentesdestemovimento. Palavras-Chave:Fenomenologia,PsicologiaHumanista,Psicoterapia,Consciência,Intencionalidade. Abstract Fenomenology,PsychoterapyandHumanistPsychology ThetextmakesanintroductiontothebasicideasofthePhenomenologylikeaphilosophicaland epistemologicalfoundationtothepracticeofpsychotherapyandmostspecifficaly,ofthehumanis- ticpsychology.ItbeginsbythehistoricalgenesisofthephenomenologicalideasinBrentano,and continuesbytheelaborationofPhenomenologyinthethinkingofHusserl,presentingitsmains concepts.lnthisway,itstablishesaparallelbetweenthephenomenologicalmethodanditsapplica- tiontopsychotherapy.Finally,itmakesagenericpictureoftheinfluenceofPhenomenologyand Existentialismtothe"HumanisticPsychology",detachingtheprincipaisnamesofthismovement. Keywords:Phenomenology,HumanisticPsychology,Psychotherapy,Conscience,Intentionality. A Fenomenologiarepresentaum marco nahistóriadaFilosofia,podendosercomparada aautênticas"revoluçõesparadigmáticas"como asocrática,acartesianaeakantiana.Suapene- traçãonoâmbitodaPsicologiaédefundamen- tal importânciaparaseentenderatotalidadeda relaçãopsicoterapêuticaedapsicopatologia. A importânciadaFenomenologiaseca- racterizapeloresgatedasubjetividadenaFilo- sofia e nas demais ciências humanas. O compromissodeHusserlcomopensamentode DescartestornaaFenomenologiaumacorrente *Psicólogo,PsicoterapeutacomFormaçãoemFacilitador naAbordagemCentradanaPessoae Gestalt-Terapiade Grupos,MestreemPsicologiaClínicapelaUniversidade de Brasília (UnB), Doutorandoem Psicologiapela PontifíciaUniversidadeCatólicade Campinas(Puc- Campinas). Endereçoparacorrespondência:SQN309.blocóB, apto 214, CEP 70755-020,Brasília, DF, FONE: (061) 983.4126. I. Figueiredo,1991. depensamentoimprescindívelparaa própria compreensãodaculturaedaevoluçãodonosso século. Husserleraumprofundoadmiradorda filosofiade Descartes.Todavia,considerava queDescartesnãohaviaaprofundadosuficien- tementesuainvestigaçãoepistemológica.1Seu "compromisso"comDescartesconsisteno seuprojetodetornaraFilosofiauma"ciência rigorosa",semelhanteà idéiacartesiana.Em complementoa isto,podemoscitaro próprio Husserl,quandoescreveque: "Comefeito,nenhumfilósofo do passadoteveumainfluênciatão decisivasobreo sentidodafenome- nologiacomoo maiorpensadorda França,RenéDescartes.É a eleque eladevevenerarcomoseuverdadei- ro patriarca.Foi de ummodomuito direto,diga-seexpressamente,queo AdrianoHolanda estudodasmeditaçõescartesianasin- terveiona novaconfiguraçãodafe- nomenologianascentee lhe deu a formadesentidoqueagoratemeque quaselhepermitechamar-seumnovo cartesianismo,umcartesianismodo , I XX,,2secuo . n I Pararealizarseuprojeto,HusserJpartede Descartesparacriticá-Ionoestabelecimentode um subjetivismosOlipsista3caracterizadopor umaconsciênciadefinidora,masqueesquece osobjetoseasrelaçõesqueestaconsciênciaes- tabelececomo mundo. O projetodeHusserJédetornaraFiloso- fiao fundamentobásicodetodoconhecimento, ou mais especificamente,fazer da Filosofia uma"ciênciade rigor", tomandopor baseas matemáticas."[A] Fenomenologiasepreocupa essencialmentecom o rigor epistemológico, promovendoa radicalizaçãodoprojetodeaná- lisecríticadosfundamentosedascondiçõesde possibilidadedoconhecimento".4 Alémdisso,aFenomenologia,comomé- todo,possibilitouo adventodeumafortecor- rente de pensamentoeuropéia,cujo legado aindaestáparaseravaliado:oExistencialismo,5 com todassuasconotaçõese diversificações. Estaabordagemdepensamentoémuitobemre- presentadaemnossoséculopor figurascomo Martin Heidegger,Jean-PaulSartre,Karl Jas- 34 pers,GabrielMareei,MartinBubere Emma- nuelLévinas,apenasparacitaralguns. Fenomenologia: gênesee evoluçãohistórica O queentendemoshojecomoFenome- nologiadiz respeitoaumacorrentedepensa- mento cujas raízes estão calcadas na preocupação:preocupaçãocomosrumosda ciênciaecomacolocaçãodoserhumanonesta situação. Fenomenologiaéumafilosofia,seaen- tendemosdemaneiraoriginal.Todavia,antes desecaracterizarcomoummodoespecíficode pensamento,antesdeseconstituirnumaforma sistemáticadeseacessararealidade,aFenome- nologiaéummétodo,umametodologiadepes- quisadessamesmarealidade,e comotal implicaumaespecíficavisãodemundo. Originalmente,diríamosqueaFenome- nologiaéumretorno,um"recomeçoradical", umaretomadadosentidoexatodovocábulo gregophainómenon,quesignifica"aquiloque vemàluz",que"semostra",éamanifestação daquiloqueseesconde.Historicamente,ophai- nómenoneraparaosastrônomosgregos,arefe- rênciaaoseventoscelestes. A expressão"Fenomenologia"àqualnos referimosnãoé aquelautilizadapor Hegel quandoescrevesuaobraA Fenomenologiado 2. Husserl,1992:9. 3.HusserlassinalanassuasConferênciasdeParis (1992)queo egocartesianorealiza"umfilosofarseriamentesolipsista". "Solipsismo"advémdesolus-ipse,e designaumaconsciênciaquesefechasobresi mesma. 4. Figueiredo,1991:172. 5. IstopodeserilustradoporumepisódioocorridocomSartre.ContaSimonedeBeauvoirqueemcertaocasião, estavam,juntamentecomRaymondAron numbareesteteriasedirigidoaSartredizendo:"'Comovê,meucaro,sevocêé11m fenomenologista,écapazdefalardestecoquetelefazerfilosofia dele'.Narra deBeauvoirqueSartreempalideceudeemoção diantedoqueouviu.Era issooqueeleprocuravaháváriosanos: 'descreverosobjetoscomoosviaetocava'edisso 'extrair' filosofia" (Penha,1996:20). Fenomenologia,psicoterapiaepsicologiahumanista Espirito;masrefere-seàmetodologiaidealiza- dapelofilósofoalemãoEdmundHusserl.6 A figuradeHusserlécentraldentrodesta consideração,podendoser consideradoum marconafilosofiadoséculoXX. Suasidéiasfo- ramdeterminantesdiretasdospensamentosde filósofos como Sartre,Heidegger,Merleau- Pontyeoutros. A históriadeHusserlé marcadapor si- tuaçõesdeconsiderávelrelevância.De origem judaica,foi proibidodepublicarduranteo pe- ríododegovernodo III Reich;suasobrasso- menteforampublicadasintegralmenteem1950 nacidadede Haia, naHolandae, segundoal- gunsautores,graçasaosesforçosdealunosseus que conseguiram,clandestinamente,evitar a queimadeseusmanuscritosenviando-ospara foradaAlemanha. A gênesedaFenomenologia,contudo,se dáatravésdafiguradeFranzBrentano,alemão nascidoemMarienberg.Em 1874,publicasua obracapital:PsicologiadoPontode VistaEm- pirico, fatoesteimportantedevidoà posterior influênciaqueterásobreHusserlo pensamento 35 destefilósofo.Brentano"foi representantede uma psicologiadescritivaa qual chamoude 'psicologiadosatos',queconsideraoessencial dasmanifestaçõesanímicas(atos)emsuarela- çãocomoobjetivoaoqualestãoencaminhadas (intencionalidade)".7Foi sacerdotecatólico, tendoseordenadoem1864,mesmoanodeseu doutoramentoem Filosofia. Entrou em con- frontocoma Igrejapornãoaceitaro dogmada infalibilidadepapal,tendoporistoseretiradode suacátedraem1873eseconvertidoaoprotestan- tismoem1879.Dentreseusdiscípulosdestacam- seChristianvon Ehrenfels,8EdmundHusserle OswaldKülpe,sendoqueFreudtomoualgumas liçõescomele(maisespecificamenteduranteos anosde1874-1876).9O fundamentaldapsicolo- giabrentanianaéqueaexperiênciasebaseiana percepçãointerior,ao contráriodo quepropu- nhamossistemaspsicológicosprimevosaoapon- tarparaaintrospecção(observaçãointerior).Comistoreagecontraaanálisedosconteúdosdaconsci- ênciaconformeapsicologiaexperimentaldeWi- lhelmWundte contraa orientaçãonaturalista tomadadeempréstimoàfisicaeàfisiologia. 6. O termo"Fenomenologia"refere-se"à descriçãodoqueapareceouà ciênciaquetemcomotarefaouprojetoesta descrição"(Abbagnano.1992:531).O termoéantigo.tendosidousadoporLambertnoseuNovoÓrganum(1764),quea consideravao estudodasfontesdoerro.Já Kantadotao termoparadesignar"apartedateoriadomovimentoqueconsiderao movimentoou o repousoda matériasomenteem relaçãocom as modalidadesem que aparecemao sentidoexterno" (Abbagnano,1992:531-532).Hegeltambémutilizao termocomotítulodeumadesuasobrascapitais,A Fenomenologiado Espírito.Nestesentido,apalavraPhaenomenologieéusadaporHegelparadesignar"a totalidadedosfenômenosdamentena consciência.nahistóriae nopensamento.(...)"Husserlempregoua palavra,deinício,parareferir-seà "psicologiadescritiva"dos fenômenosdaconsciência(...).Paranós,afenomenologiaéumprocedimentoempírico.quesósemantémpelofatoda"comunicaçãoda partedospacientes"(Jaspers.1987:71).Oub'osautoresfizeramusodotermo,comoporexemploHamiltonquea entendeucomo psicologiadescritiva;ouE.vonHartmannqueaassociouà"FenomenologiadaConsciênciaMoral".Todavia.anoçãoquepermanece maisvivaéjustamenteautilizadaporHusserlbaseadaemsuasInvestigaçõesLógicas. 7.Bonin. 1991:68. 8. Importantepersonalidadeda Psicologia. Foi precursorda chamadaGestalt-Theorieou a Psicologia da Gestalt, int1uenciandodiretamenteasfigurasdeKõhler,Koftka e Wertheimer. 9.A propósito,existeumasériedesemelhançasentreHusserleFreud:ambosnasceramnaMorávia,Freudem1856eHusserl em 1859;estudaramemViena,namesmaépoca,emboranãoexistaminformaçõesdequetenhamseencontrado,Freudse doutorouem1881eHusserlem1882.Ambospublicaramsuasobrascapitaisnoanode1900(FreudcomA Interpretaçãodos Sonhose Husserl com suas InvestigaçõesLógicas). Ainda sobrea correlaçãoentreFreud e Husserl.assinalaBucher (1983:34):"...curiosamente,ambosospensadoresiniciamassuaspesquisascomumainovaçãometodológicapelaqualse destacamde todasas escolase autoresprecedentes.e quemereceserchamadade corteepistemológico,com todasas implicaçõesquetemessanoção,derevolução,senãode'subversão'dasidéiasvigentesatéaÍ..". AdrianoHolanda HusserlnasceunacidadedeProstnitz,na Morávia,em1859;entreosanosde1876a1878 freqüentaesegraduaemMatemáticapelaUni- versidadedeLeipzig.BaseadonaobradeBren- tano,Husserldesenvolvegrandepartedesuas idéias.Em 1882,Husserlobtémseudoutora- mentonaUniversidadedeVienacoma tese "Sobreo CálculodasVariações".No anose- guinte,emBerlim,toma-seassistentedeumex- professorseu,Weirtrass.Em1884,Husserlre- tomaa Vienae se filia ao pensamentode Brentano.Dois anosdepoisrenunciaà sua ascendênciajudaica,convertendo-seaoLutera- nis01o,casandonoanoseguintecomMalvine Steinschneider.Posteriormentetoma-selivre- docentepelaUniversidadedeHalle.Começaai suavidaintelectualrealmenteprodutiva. Noanode1891publicaoprimeirovolume dasuaFilosofia daAritmética,obraqueficou inacabada.Entreosanosde1900-1901,publica umadesuasobrascapitais:InvestigaçõesLógi- cas. Crescesua consideração,tantoque,em 1906,énomeadoprofessordaUniversidadede Gõttingen.Seuscursossempreforamfontede questionamentoe dedesenvolvimentodesuas idéias.No anode1907,duranteseucursosobre "A Idéiada Fenomenologia",surge-lhea pri- meiraidéiaexplícitasobrearedução. Seguem-sesuaspublicaçõesmaisfunda- mentais:em 1910,A Filosofia comoCiência Rigorosa;trêsanosmaistardeéavezdeIdéias para umaFenomenologiaPura epara umaFi- losofiaFenomenológica,emquepropõeuma investigaçãodaconsciênciae deseusobjetos. No ano de 1914,in'ompea PrimeiraGrande Guerrae,noanoseguinte,seuantigodiscípulo, Heidegger,ocupaacadeiradelivre-docentena 36 UniversidadedeFreiburg.No anode1929publi- caLógicaFormal e Transcendental;em 1931, reunidassuasconferênciassobreafilosofiacar- tesiana,épublicada,naFrança,asMeditations Cartésiennes;eem1936éavezdeA Crisedas CiênciasEuropéiaseaFenomenologiaTrans- cendental.Após muitasdificuldades,Husserl vemafalecerem1938,deixandomuitainfluên- ciasobretudonospensamentosdeMartinHei- degger, Max Scheler, lean-Paul Sartre e MauriceMerleau-Ponty. Fenomenologia:tentativadedefinição DefinirclaramenteoquevemaseraFe- nomenologiatalvezsejatarefademasiadoár- dua.Na realidade,o próprioconceitode definiçãocarregaumaconotaçãode algo estáticoqueignoraaprópriaessênciadotermo. O problemada Fenomenologiaé um problemadefundamentaçãoda ciência. Husserlestabeleceuparasiatarefaderepensar osfundamentos.EugenFink,umeminenteconhe- cedordopensamentohusserliano,apontaafe- nomenologiacomoum "recomeçoradical", umaretomadadabuscadasraizes.Constitui-se numatentativadesuperaçãodadicotomiasu- jeit%bjeto,atravésdaapreensãodasrelações dohomemcomo mundo.10 A Fenomenologiasurgecomoumacríti- ca,nosentidooriginaldotermo,11comouma tentativadepôremcriseoconhecimentovigen- te.Assim,surgecomocríticaàpsicologiaposi- tivista,objetiva,experimentalque,comoas demaisciências,buscavaoconhecimentoabso- lutoignorandoasubjetividade. IO.Relaçõesdohomemcomo Umwelt(mundoambiente),Mitwelt(mundohumano)e o Eigenwelt(mundopróprio). 11.Sobrea questãoda"crítica"umacitaçãoservedeesclarecimento:"O termo'crítica' (..) foi aquiencaradonosentido origináriode umainterrogaçãosobreas condiçõesde possibilidadee os limitesde algo(..). Nessesentido,a críticase caracteriza,nãopelameraobjeçãopessoaloupelaapreciaçãoquedestacaasqualidadeseosdefeitosdeumaobraoudeuma posição,masporumabuscadejimdamentos,istoé,porcertomododereflexãoque.ultrapassandoa experiênciaimediata. rumaparao ser,encontrandoaí a origemdaprimeira"(Frayze-Pereira.1984:I. Grifos nossos). Fenomenologia,psicoterapiaepsicologiahumanista Ao proporisto,a ciênciaconstróiuma imagemdehomemquenãocondizcomsuarea- lidade.O homemnãoéumacoisaentreascoi- sas,ecomotalnãopodeassimserconsiderado. O mundoéumobjetointencionalcomreferên- ciaaumsujeitopensante,oqueinvalidaaobje- tividadeabsoluta. A Fenomenologiaseopõetambémaona- turalismo,queassinalaocomportamentocomo umamerarelaçãocausaeefeito;eaoidealis- mo de Kant e Hegel,quepropunhao homem comoumconjuntoconceptualorganizado. No prefáciode seulivro Phénoménolo- giedeIaPerception,o filósofofrancêsMaurice Merleau-Ponty- principalpersonagemdaFeno- menologiapós-husserliana- propõeaquestão: "O queéafenomenologia?(.) É o estudodasessências...Mas afe- nomenologiaé tambémumafilosofia querecolocaasessênciasnaexistên- ciaenãopensaquesejapossívelcom- preenderohomemeomundodeoutra forma quenão seja a partir de sua facticidade.É umafilosofia transcen- dental,quepõe em suspensopara compreenderasafirmaçõesdaatitu- denatural.maséaindaumafilosofia para a qualo mundoestásempreaí. antesdareflexão.como umapresen- . I . , I ,,/2çamalenave... A Fenomenologiaéumesforço,umaten- tativade clarificaçãoda realidadehumana.É umaaberturaàexperiência,àvivênciaintegral domundo.É abuscadofenômeno,daquiloque 37 1 surgeporsi só,daquiloqueaparece,quesere- vela. Fenomenologiaé ir às coisas mesmas, descobri-Iastaisquaisseapresentamaosmeus sentidos,taisquaiseuaspercebo.Mas éumir em buscaaliadoà minhaprópriaexperiência subjetivaconcreta.É umolharever,nãoapenas umacolocaçãodiantedealgo.É participação, envolvimento. Assimsendo,a Fenomenologiatoma-se ummododeexistir,desecolocarnomundo,de fazerpartedestemundo.Nestecontexto,temos o serhumanotambémcomoum fenômeno.O maiscomplexo(talvez),maso maiscompleto também. A Fenomenologiaresta,pois,ummétodo deevidenciação,umaformaderenovaçãodos problemasfilosóficos,maso quetemoscomo primordialnaFenomenologiaéoseucaráterde contínuareflexãocrítica,dere-pensaromundo earealidade,poisafinal,o sersomentesecom- pletanoseudevir,noseucrescer.13 Elementospara umaFenomenologia Um dosaspectoscentraisdaFenomeno- logiaéaprópriaabordagemdoquesejao fenô- meno.O fenômeno,ou melhor,aquiloqueserevela,queaparece,nãopodee nãodeveser consideradoindependentementedasexperiên- ciasconcretasdecadaindivíduo. Na realidade,o esforçodaFenomenolo- giaresidenatarefadeir àscoisasmesmas("zur Sacheselbst"),ouseja,apreenderomundotalqual esteseapresentaparanósenquantofenômeno. O objetonestaconcepçãoé sempreum objeto-para-uma-consciência,emquenãose 12.Merleau-Ponty.1976:1. 13.EstaconcepçãoficamaisclaracomHeidegger.quandoesteassinalaque.fundamentalmente.o sujeitoeo mundonãosão entidadesseparadasouestáticas.sendoqueo sujeitosomentesedeixaapreenderporsuainserçãono mundo.o quelevaà concepçãodeque"...0 indivíduo...sempreseencontraemtransição.emevolução:é umseremergentenuncafixado,nunca estabelecido.masmodeladordomundoatravésdeinteraçàesconstantes:sempreemdevir.o seudesenvolvimentoémarcado pelatramahistóricadasuatemporalidade.atravésdaqualeletemqueelaboraro sentidopessoaldasuaexistência"(Bucher. 1989:30). AdrianoHolanda podedesvincularaconsciênciadoobjetoevice- versa.A análisefenomenológicanoscolocadi- antedabuscadosdadosqueprecedemarefle- xão científica,caracterizadabasicamentepela concepçãoapriorísticadarealidade.Essabusca é assinaladapelatarefaprimeirade"ir àscoisas mesmas"e,assim,desvinculadodepreconceitos, atingiro pontomaisessencialdoobjeto. Valeapenarefletirsobreumaspectoque nosatingesobremaneiracomopessoashuma- nas,e maisparticularmente,queé sumamente importanteparao trabalhodepsicoterapeutas: trata-sedaextremadificuldadedepermanecer diantedascoisas,semo risco de misturar-se comelas;posturadeobservadornão-interven- cionista,quesecolocaàdistânciaeassimcapta commaisprecisãoa realidade.14 A estaposturadá-seo nomederedução fenomenológica,queéumaproposiçãodeHus- serlparaquesefaçaumareduçãoentre"a exis- tênciadetodavivênciaeaprópriasubjetividade do euvivenciar'.15É istoquepermitepôrem evidênciao ser-no-mundo.O fenômenoé um dadoabsoluto,edeveservistocomotal,como umaexpressãode umaessênciaquesubjaza ele.Parasecompreendero fenômenoépreci- sorenunciaratudooqueéparticulardosujei- to,demodoquelhesejapermitidoumamaior liberdadenacompreensãodarealidadedeste fenômeno. A "reduçãofenomenológica"implica umaabstraçãodasidéiaspré-estabelecidasem prol de um contatodiretocomo observadoe com o vivido. Destamaneira,semelementos perturbadores,a apreensãodo mundosurge maisclarae límpida. 38 SegundoHusserl,é precisorealizara épochéfenomenológica,ouseja,pôro mundo entreparênteses,suspendertodoequalquerjui- zodarealidade.Nãoafirmaroumesmonegar algo,16masantes,deixar-seabandonaràcom- preensãodestarealidade,queassimestaríamos voltandoàscoisasmesmas. "Quandoprocedoassim,(..), eunãonegoeste"mundo", comose fosse umsofista;eunão colocosua existênciaemdúvida,comosefosse um cético;maseu opero a époché "jenomenológica"quemeimpedede todojulgamentosobre a existência espácio-temporal.Em consequência. todasas ciênciasquese reportama estemundo natural - (..)- eu aspo- nhofora decircuito.nãofaço absolu- tamentenenhumusodesuavalidade; nãofaço minhasnenhumadassuas proposições,fossemmesmode uma evidênciaperfeita; não acolho ne- nhuma.nenhumamedáfundamen- t " 17os.... A reduçãofenomenológicaevidenciaa colocaçãodoser-no-mundo,o posicionamento doseremsituação,emfunçãodaqualestesujei- tonãoépurosujeito,nemomundopuroobjeto. Ambos se correlacionam,permanecendoum emfunçãodooutro. Reduçãoé uma buscado significado, umaprocurapelosubjacente,emdetrimentodo simplesaparente.A conseqüênciadaépochééa intuiçãodasessências("Wessensschau").Afi- 14.Ribeiro.1985. 15.Ribeiro, 1985:46. 16.Husserlpartedoegosolipsista(umeu-pensante.fechadoemsuaracionalidade,emsuaconsciênciaindividualdefinidora. umego-cogito)deDescartesparadeterminarurnanovarelaçãodoegoenquantoumego-cogito-cogitatum.quedesignaque. atravésdaconsciênciaintencional.seestabeleceumaligaçãointrinsecaentreo sujeitoe o objeto.Destafeita.a relação sujeito-objetosedefineemsi própria,e nãomaisemseuselementos.Istopermite.paraa Psicologia.urnaretomadado ser humanonumaperspectivadeumdevirheraclítico(Holanda.1993). 17.Husserl,1985:102-103. Fenomenologia,psicoterapiaepsicologiahumanista nal,Fenomenologianãoéapenasdescriçãodo fenômeno,doaparente.Istoseriarealizarum simplesfenomenismo.Masantes,fazerfeno- menologiaérealmenteseembrenharpordentro darealidade,paradesvendaroqueestáporde- trásdestarealidade. ParaMerleau-Ponty,aPsicologiafeno- menológicaé a pesquisadasessênciasoudo sentido,equequandolevadaaosseuslimites,a psicologiaeidéticasetornaanalítico-existen- cial.Umapsicologiaeidéticadevesituarosujei- tocomopresençanomundo.A reduçãoéama- neiradeseacessarofenômenotalqualeleé. "Areduçãonãoéumaabstração relativamenteao mundoeaosujeito, masumamudançade atitude- da naturalparaafenomenológica- que nospermitevisualizá-loscomofenô- meno,ou comoconstituintesde uma totalidade,noseiodaqualo mundoeo sujeitorevelam-se,reciprocamente, . ifi - .. 18 comoslgmlcaçoes . A Fenomenologiavisapoisbuscara es- sênciamesmadascoisas,e paraa efetivação destatarefa,procuradescreveraexperiênciatal qualelasurgeetalqualelaseprocessa.A redu- çãopõeemevidênciao ser-no-mundo,19o ser quesecolocaemsituação,emfunçãodoqualo sujeitonãoépuramentesujeito,nemo objetoé puroobjeto,poisháumaintrínsecacorrelação entreambos,vistoaconsciênciafenomenológi- caserumaconsciênciaintencional. A intencionalidadedaconsciênciaéuma dastesesemprestadasporHusserlaBrentano,e significaquetodaconsciênciaé nãosomente consciência,mastambémconsciênciadealgu- macoisa,assinalandoassimumarelaçãocomo 18.Forghieri,1993:15. 19.Ribeiro,1985. 20.Levinas,1989. 21.Bucher,1983:34. 39 objeto.Em suma,a intencionalidadeapresenta- secomoaprópriaessênciadaconsciência.20 A consciênciaéconsciênciaativa;cabea eladarsentidoàscoisas,ouseja,éaconsciência queatribuisignificadosno mundo.Perceba-se aquiquenãoestamosdiscutindoo caráterda existênciadascoisas(comocolocadoanterior- menteporHusserl),mastãosomenteo sentido queestascoisasassumemparao eusubjetivo pensante.Estatalvezsejaacaracterísticapráti- camaisfundamentaldafenomenologiahusser- liana.Ao mesmotempoquea consciênciaé ativa,elanãoocorrenovazio;portanto,écons- ciênciaintencional.Além disso,sóéconsciên- cia quandovoltada-para-um-objeto;e este somentetemsentidodeobjeto,quandoéobje- to-para-uma-consciência. O projetodeHusserlparaafilosofiacon- sisteem: "..fundar- efundamentar-, pelaanáliseintencional,assignifica- çõesvividasdaspessoas,bemcomo osconceitosconstituídos.Para reali- zaresteprojeto,a razãoespeculativa deveriaseguirdois caminhos,com- plementares:por umaanáliseregres- siva, voltar-separa si mesmapara refazeragênesedesuasintencionali- dades,a partir de sua arqueologia pré-teóricaepré-objetiva;por uma redução constitutiva,ascenderao mundoda consciênciapura e das suasunidadestranscendentais.Po- rém,nosdoiscaminhosoobjetivoé o mesmo:apreender,possuir e ex- plicar intelectualmenteossentidos d ,I: .. 21queo muno nosoJerece. AdrianoHolanda Um derradeiroconceito,queé capital paraaPsicologia,éodecampofenomenológi- co.Umacitaçãotalvezesclareçaesteconceito: "...todo comportamento,sem exceção,estáinteiramenteemfunção docampofenomenológico,ondeoor- ganismoatua.O campofenomenoló- gico consiste na totalidade de experiênciasdas quais apessoa toma consciênciano momentoda ação. Essatomadadeconsciênciapodeva- riar deumnívelmaisbaixoaummais elevado,emborasepresumaquenun- capossachegarasercompletamente . ." 22inconsciente. Estemodelodepensamentoacarretaim- portantesconseqüênciasparaa nossacompre- ensãodaPsicologiacomoumtodo.Umadelasé queconvémassinalarumasignificativadistin- çãoentreo "pré-conceito"e o "conceito".O "pré-conceito"é produtodeumaantecipação, daante-visãodeumapossibilidade,ouseja,é umapriori.Já oconceitoéfrutodarelaçãodosujeitocomsuarealidadevivencial,éumpro- dutoaposteriori. Comrelaçãoà reduçãofenomenológi- ca,podemosobservarque,alémdadificulda- denaturaldenosmantermosnumapostura distanciadadenossosvalores,háaindaapos- sibilidadedeumoutroerro,atotalabstenção departicipação,ouseja,odistanciamentoin- discriminadodarelaçãocomomundoeareali- dade.Ouseja,reduçãonãosignificaabstenção derelaçãoouanulaçãodevaloresou idéias, mastãosomentesuspensãotemporáriadestes valoresouidéiasnointuitodeaproximarosu- jeitopensantedaefetivarealidadedoobjeto,e 40 nãodaconcepçãosupostadeste.Estaéareal tarefadafenomenologia. Atitude FenomenológicaePsicoterapia "À fenomenologia compete apresentardemaneiraviva,analisar emsuasrelaçõesdeparentesco,deli- mitar,distinguirdaformamaispreci- sa possívele designarcom termos fixos osestadospsíquicosqueospa- cientesrealmentevivenciam.Visto quenãosepodeperceberdiretamen- teumfenômenopsíquicode outrem, assimcomosepercebeumfenômeno fisico, só sepoderátratarde repre- sentação,empatiae compreensão,a quepoderemoschegar,segundoo caso,pelo meiode levantamentode umasériede caracterese símbolos sensivelmenteperceptíveis,por uma. . d . - ." 23especle eexposlçaosugestiva. Estacolocaçãode Jaspersserve-nosde introduçãoàquestãodaaplicaçãodaFenome- nologiaà situaçãoespecíficada psicoterapia. Umaanálisefenomenológicanosposiciona,na qualidadedepsicoterapeutas,diantedapessoa doclientequevematénósembuscadeauxílio, deesclarecimento. SegundoBucher,24a Fenomenologia auxilianacompreensãodosprocessosde inte- raçãopsicoterapêuticapelaanálisedaintersub- jetividadeedacolocaçãodo ser-no-mundo. A Fenomenologia,aplicadaàPsicologia, podeserentendidacomoumapostura,umaati- tudequenosabretodoumlequedepossibilida- desparaplenificaroencontrocomofenômeno. 22.Snygg& Combs.apudRibeiro.1985:51. 23.Jaspers.1987:71. 24.Bucher.1989.Numaperspectivadafenomenologiaheideggeriana. - -- Fenomenologia,psicoterapiaepsicologiahumanista Umareflexãosucintasobrenossadificuldade emnospostarsemmisturas,semamálgamas, diantedascoisas,numaposiçãodeobservador queparticipa,masnãointerfere,éumaproposi- çãodaFenomenologiaparaaPsicoterapia. Na específicasituaçãodepsicoterapia, temosumasituaçãonaqualonossocampofe- nomenológicointeragecomo campofenome- nológicodeoutrem,partilhamosexperiências semelhantesesentimentosmútuos,masnãopo- demostrocarsimplesmentedeposiçãoumcom o outro.Nãosendopossívelestatroca,então nãopodemosafirmarnadaparaesteoutro,pois istoseriatãosomenteumaprojeçãominhano campofenomenaldooutro. Mas,senospostarmosnumaatitudede escutaativa,deespera,deobservaçãoatenta,no sentidodepermitiroacessodofenômenoànos- saconsciência,eisqueestesurge,poiso fenô- meno aparece, reveIa-se. Uma atitude interpretativa,umaconsciênciaapriorística, somenteserviriamparacriarobstáculosànossa consciência. Essatarefarealiza-sepormeiodaredu- çãofenomenológica,nosentidodemeencon- trarcomoclientenele,comeleeatravésdele,25 comofenômeno.Significa abrir-mepara perceber-lheaessência,descobrir-lheatota- lidade. Umaatitudefenomenológicadiferera- dicalmentedeumaatitudefenomenista.Fazer fenomenologiaé embrenhar-senumquestio- namentocontínuo,ininterrupto.Fazerfenome- nismoéficarnocampodassimplesdescrições dasaparências.Encarara emoçãodo cliente comoumameraexpressãosintomáticaécolo- car-senoplanodosimplesfenomenismo;inse- ri-Iadentrodatotalidadedesuaexistênciaé ') 41 assumirumaposturacríticafenomenológica. Eisumexemplo: "Estoupensando,especifica- mente,emcertostrabalhosdecorpo oucomo corpo,emqueogestaltista podereduzir-seaumsimplesfenome- nista,istoé,lidarcomoqueacontece, comas aparênciasde umaemoção, por exemplo,semcolocarestefenô- menodentrode um ser maior,sem perceberosentidoexistencialdaque- la emoçãocomorestantedatotalida- de do cliente.Trata-sede umaação sobrea aparênciada aparência.As- simcomoafenomenologia,aaçãopsi- coterapêutica não pode ser uma simplesdescriçãodo quese vê,mas umainterrogaçãodotodoqueapare- " 26ce.... Emsuma,seprestarmosatençãoaocli- ente,estesenosrevela,nãoapenasempartes, masnasuatotalidade.Aspartessãoobjetodas ciências.O terapeutaqueassumeumapostura fenomenológicatoma-seumverdadeirofacili- tadordaemergênciadoserdeseucliente,um facilitadordofenômeno-cliente,poissabeque ninguémmelhordoqueelemesmoparainter- pretarasuaprópriarealidade)7A Fenomeno- logiaéavalorizaçãodoencontro,dopresente, domomentoemqueesteocorre,doaqui-e-agora. O primordialdeumaatitudefenomeno- lógicaénãoencararo clientecomoumobjeto ("odoente"quevemaser"tratado"),masuma pessoa,nomesmonívelexistencialdoterapeu- ta.Estavalorizaçãodoencontro,do"estarjun- to"nopresente,éo quedeterminaadiferença entrearelaçãomédica(unidirecional,caracteri- 25.Ribeiro.1985. 26.Ribeiro,1985:45. 27.EstaéumaposiçãoexplicitamentedefendidaporCarlRogersepelospsicólogoshumanistasemgeral.bemcomopela vertenteexistencialdepsicoterapia. AdrianoHo1anda zadapelousodeagentesintermediários,fisicos oubioquímicos,quesão"aplicados"aum"pa- ciente"quesesubmeteaotratamento)earela- ção psicoterápica(quese caracterizapela relaçãodireta,cujomeioéopróprio"ambiente humano",nacondiçãododiálogo,dia-Iogos, humano).28 A InfluênciadaFenomenologiasobrea PsicologiaHumanista Talvezumaboamaneiradeseentendera importânciadaFenomenologiaparaaPsicolo- giaemgeral,eparaaPsicologiaHumanistaem particular, seja com base no estudos que Keen29elabora.Parao autor,a PsicologiaFe- nomenológicapodeserencaradasobquatroas- pectos:I) Comoumafontedehipóteses;2)um veículopara o humanismo;3) um novopara- digmae,4) umarespostaà crise. Como"fontedehipóteses",aFenomeno- logiasurgecomoumametodologiaalternativaà ciêncianatural,principalmenteno quetangea questõestaiscomointuições,sensaçõesouou- trosprocessosquenãosãocomumenteincluí- dosnalistadequestionamentoscientíficos,mas quesão"fenomenológicosnumsentidoinfor- maleassistemático". Em umnívelmaisespecífico,aFenome- nologia- cujapreocupaçãobásicaéaexperiên- cia- surgecomoumametodologiaimportante, dadoque: "As reduçõesfenomenológi- cas, variaçõesimagináriase inter- pretaçõestêmsido sempreo capital degirodecientistas,masestesnãoas 42 explicitaram de forma detalhada comoprocedimentosmetodológicos. No nívelmaissimplesde contribui- ção,afen'omenologiapodefornecer umadescriçãoclara e algumrigor metodológicoaesteestágiocrucial,e tãonegligenciado,doprocessocien- tifi " 30 llCO . Podemosobservarumcrescentedesen- volvimentodaspesquisasqualitativasemPsi- cologia,envolvendodiversasmetodologias, nasquaisincluem-seapesquisafenomenológi- ca31e a análisefenomenológica.Estecresci- mentoé louvável por apresentar-sena "perspectivadeumrefinamentometodológico e naconseqÜenteoportunidadedeconsiderar manifestaçõesouexpressõeshumanasesociais antesinacessíveisparaestudosistemático",32 Visaaobtençãodeumcritério"empírico,ope- racional,rigorosoehumanodeciência".O ob- jetivocentraldeumapesquisanestadireçãoé dedarcontadedimensõesdovividohumano nãomensuráveispelametodologiaquantitativa tradicional. As formasde investigaçãodohumano são,essencialmente,modosdeserhumanos, comoacultura,apoesia,oteatroetc,33Parase realizarumapesquisanestesentido,faz-semis- terautilizaçãodeummétododedescriçãoede análisedeprocessosquesejacompatívelcoma tradiçãodaPsicologiaHumanista,afimdevalori- zaraspectosdaintersubjetividadehumana. A investigaçãodohumanotemdedar contadaoriginalidadedestehumano:O queé própriodohumanonãosedeixacaptarpelos métodosdaciência.34As investigaçõesdas 28.Bucher.1989. 29.Keen. 1979. 30.Keen. 1979:98. 31.Amatuzzi, 1992,1994.1995,1996;Chaves,Macedo& Mendonça,1996. 32.Gomes.1989. 33.Amatuzzi. 1994. 34.Amatuzzi. 1994. Fenomeno1ogia.psicoterapiae psicologiahumanista ciênciashumanassãodotiposujeito-sujeito,ou subjetividade-subjetividade,oumelhordizen- do,relacionais,comoassinalaBubercomseu EueTu.É abuscadesignificados.Ao contrário daciênciatradicional,emvezde fatos,temos fenômenos.Fatossomentesãoobtidosporabs- tração.Fenômenossãovividos. Nestesentido,faz-senecessárioumapsi- cologiafenomenológica,cujo fundamentoé a valorizaçãodasubjetividadeconscienteesuas inter-relações.A psicologiafenomenológica, tendocomopreocupaçãoaexperiênciaconsci- ente,diferedo métodointrospectivopelofato desteúltimoestarinteressadonoselementos mentais,ou seja,por tratar-sedeummétodo reducionista,não se atendo,pois, à relação entreo objetodo estímuloeo significadoda experiência.35 A psicologiafenomenológicaconstitui- senumconjuntodeprocedimentosparaa ex- ploraçãodaconsciênciaimediataedaexperiên- cia."Husserlreconhecea necessidadedeuma psicologia.masqueépossívelsomenteatravés dedescriçãodaexperiênciaimediataenquanto manifestana consciênciaemsuapureza.Por pureza,Husserlrefere-seà suspensãodequal- querpressuposiçãoteórica ou experimental comopontoinicialdeanálise".36Assim,apsi- cologiafenomenológicaédescritiva,eidéticae empírica,alémdeintencionaletranscendental: "É eidética,porqueé umare- flexão emqueas generalidadese as tipicalidades do dado psicológico (experiência)aparecemsema inter- ferência dospensamentose valores momentâneos.É empírica.porqueiden- tifica essênciaspré-existentes.Éin- 35.Gomes.1985. 36.Gomes.1985:137. 37.Gomes.1985:137. 38.Keen. 1979:101. 11 43 tencional,porquerevelaa consciên- cia, queconstituia organizaçãoda .. ." 37 experlenClQ . Comoum"veículoparaohumanismo",a Fenomenologiacolocaemseucentrodeaten- çãoaconsciência.Ao focalizaraexperiênciado indivíduo,aPsicologiaatuafenomenológicae humanisticamente.É relevante,contudo,o fato dequeohumanismocarecedemétodo,deuma teoriacoerenteedeumaestritafundamentação dedados.Alémdisso,afinalidadedohumanis- mo (compreensão)diferedos fins científicos (previsãoe controle).A Fenomenologiapode serumexcelenteveículodecomunicaçãoentre oHumanismoeaCiênciatradicional,aopossi- bilitarrevelar,deformaorganizadaemetódica, o mundoprivadodo indíviduo. "fA Psicologia Fenomenoló- gicaJ emseusmomentosmaisambi- ciosos,aspiraa estabelecerumnovo paradigmapara a psicologia. Este novoparadigmaenvolveráumamo- dificaçãoquantoa quaisfatose teo- rias são importantes:queperguntas formular, quais respostasconside- rar comotais e,emgeral, quais osob- .. d .. ." 38jetlvos a ClenClQ . Por fim,apropostahusserlianaeaFeno- menologiaprocuramresponderàcrisedevalo- reserigidanopensamentomoderno- herdeiro edevedordametafísicadicotômica.A antigase- paraçãosujeit%bjeto,oumesmoaherançamani- queísta,sãoexemplosdestacriseatual. Umapsicologiafenomenológicaprocura revelaroserhumanoparasi próprio,fazendo-o AdrianoHolanda observar-see aosdemais,refletirsobresi pró- prioesobresuasobservações."Mais explicita- mente,oobjetivodapsicologiafenomenológica érevelarànossacompreensãoexplícitaaquilo quejá compreendíamosimplicitamente(..) nossacompreensãodiária, vivida,denósmes- mos,nãoéabordadapor nossasteoriaspsico- lógicas".39 Diantedistotudo,percebe-sequeas in- tuiçõesdeHusserlpossuemramificaçõespro- fundas dentro do âmbito do pensamento psicológico.Talvez a principal ramificação, oriundadiretamentedafilosofia,sejaadiscipli- nadesenvolvidaporseudiscípuloesucessorna Alemanha,MartinHeidegger. Heideggerprocurouestabelecerumaon- tologiacombasenométodohusserliano,eter- minapor criara Daseinanalytik,ou Analítica Existencial,cujaobradereferênciacapitalé o Sere Tempo,de 1927. "As idéias de Heidegger conheceramrapidamenteaplicações emestudospsicopatológicosenapsi- quiatria,nosquaisse tentourevelar metamorfosesparticulares desta estruturaontológicaedosseusdetermi- nantes.Trabalhossobreespacialidade, historicidade,disposição afetiva,per- cepção do desenrolar temporal, so- nhoseoutrasdimensõesdaexistência e suas mutaçõesemestadospsicopa- tológicosforam publicados emvários 44 países(Minkowskie Bachelardna França; Binswanger,Strauss, Gebsat- tele outrosnaAlemanha;Buytendijke VandenBerg na Holanda... ".40 I 1 De todosessesnomes,talvezo demaior expressãoepenetraçãonocampopsicoterápico sejaodeLudwigBinswangerque,combaseno prismaheideggeriano,propõeumaescolapró- priadepensamentopsicoterápico,queseintitu- IaDaseinanalyseouAnáliseExistencial.É uma novamaneiradeabordarapsicoterapia,emque adoençaimportamenosdoqueo indivíduoem questão.Trata-sedeummovimentoexistencial e de um esboçodo mundo,umatentativade compreendera maneirade ser do cliente.41 Binswangerdelimitauma"fenomenologiaan- tropológica"quesepreocupacomatotalidade doserhumano,nasuanormalidadeeanormali- dade,naqualidadedeumserqueseexperiencia emrelaçãocomo mundo.42 Estaescolaconhecegrandedesenvolvi- mentoapartirdostrabalhosdeMedardBosse deRollo May (alémdeStorch,Bally eRoland Khun,apenasparacitaralguns).Posteriormen- tevemasermodificadaeramificadanoutraes- cola psicoterápica,na figura do psiquiatra vienenseViktor Frankl,queapontaparauma evoluçãodaanáliseexistencialatéalcançara chamadaLogoterapia. Nesta linha maisexistencialista,temos decitarobrilhantetrabalhodeKarl Jaspers,que apontapara uma psicopatologiaexistencial. 39.Keen.1979:104. 40.Bucher,1989:29. 41.Estemovimentoexistencialempsiquiatriaepsicopatologiaéfrutodetodoumprocessodeinsatisfaçãoiniciadocomos trabalhosdeReich,Rank,Fromme Horney,quedesembocaemsignificativasmudançasnapsicoterapia(May,1967). SegundoBucher(1983:37),"apesardesuaaberturaparacomapsicanálise.Binswangerpermaneceufielàfenomenologia transcendentaldeHusserl.(...)Graçasàconcepçãodo"Dasein"deHeidegger,o conceitodeconsciênciatranscendental ligadaaumasubjetividadepura,postuladaàluzdaestruturadaintencionalidadeedo"Weltentwurf',do"projetodemundo" destaconsciência,tornava-semaisconcreto,fornecendoassimaBinswangerabaseparaumafundamentaçãofilosóficada psiquiatriaepermitindoasuaaplicaçãoàanálisedosmodosdeespacialidade.detemporalidadeeda"Selbstigung",da"auto- realização"daconsciência,noseu"projetodemundo"genuinamentepróprio". 42.Gomes.1986. . - -. - Fenomenologia,psicoterapiaepsicologiahumanista Propõeumarelaçãopessoalentremédicoepa- ciente,assinalandoa responsabilidadedopsi- quiatra,paraseucompromissopessoalnotrato comseucliente.Jaspersfoiumdosprimeirosa considerarodelíriocomoumaformadeser-no- mundo,deperceberestemundoe dedar-lhe sentido. Poroutrolado,naFrança,asidéiasexis- tencialistasde Jean-PaulSartreinfluenciam profundamenteo movimentoantipsiquiátrico preconizadoporfigurascomoDavidCoopere RonaldLaing. A Fenomenologia,propriamentedita, atingefundamentalmentea conentedita"hu- manista"depsicoterapia,quepreconizaacon- sideraçãoda totalidadedo serdo cliente,o posicionamentodoterapeutadeummodomais ativonarelação,ouseja,o terapeutacomoum existentequesecolocaemrelaçãocomo seu cliente,emcontraposiçãoa umaposturamais distanciada,maisanalíticae menosvivencial, menosintersubjetiva,alémdeoutroselementos. Diríamosque, fundamentalmente,a AbordagemCentradanaPessoaeummodelo deGestalt-Terapia43poderiamserconsidera- doscomoabordagensdecunhofenomenológi- co. Isto se deveao fato de haveraí uma consideraçãodequea fontedetodoconheci- mentoautênticoestánaexperiênciaimediatade siedeoutrem;apontamparaumaatitudetera- pêuticadesprovidadeidéiasapriorísticasefun- damentamsuasrelaçõesnomomentodoaqui- e-agora,nopresente,napresençadoterapeuta comoumserexistenteabel10àrelação,ouseja, o terapeuta,nestesentido,é muitomais"pes- soa"(comoassinalaRogers)doquepropria- menteumpapelaserdesempenhado. 45 Emboraaexpressão"aqui-e-agora"já te- nhaconotaçõespopularesdiversas,considera- mos aqui alguns aspectoscentraisa serem observados.Umarelaçãocalcadano "aqui-e- agora"envolve,antesdetudo,abertura,totali-dadee presença.Aberturaparaapossibilidade doencontroedapresençaefetivadosernarela- çãoemsuatotalidade.Combasenisto,estabele- ce-se uma relação imediata,ou seja, uma relaçãonaqualnãoseinterpõemmeiosentreo terapeutae o cliente.Estasqualidadesjá são apontadasporMartinBuber,44quandoestefala dodiálogocomorealidadeexistencial. Enfim,oqueassinalamosfoitãosomente uma pequenapartedo desenvolvimentodas idéiasfenomenológicasedesuasaplicaçõesno campodapsicologia.A Fenomenologiasurge como"a" filosofiadoséculoXX, comoumaau- têntica"revoluçãocartesiana",comoo retorno ao "pré-reflexivo",comoo resgatedasessên- ciasdarealidadequesehaviaesquecidoante- riormentepelasfilosofiaspragmáticaseobjeti- vistas,cujapreocupaçãoresidiaapenasnopro- gressodasidéiasvoltadasparao objeto,parao "ter"materialistaenãoparaaessênciaeparaa existência,parao "ser". Referências Abbagnano,N. (1992).DiccionáriodeIa Filosofia, Mexico: FondodeCulturaEconómica. Amatuzzi,M.M. (1992).O SilêncioeaPalavra,Es- tudosdePsicologia,Campinas,9(3):77-96. Amatuzzi,M.M. (1994).A InvestigaçãodoHuma- no:Umdebate,EstudosdePsicologia,Campi- nas,11(3):73-78. 43.A Gestalt-Terapiapossuiraizesfilosóficasasmaisvariadase,porvezes,conflitantes.Istonospermiteafirmarquenão existeapenasuma,masdiversas"Gestalt-Terapias",cadaumacompreendidaapartirdeumenfoqueespeciticoedeuma construçãoepistemológica.Já aAbordagemCentradanaPessoapossuiumabasemaisFundamentadanaFenomenologia, mesmoqueimplicitamente. 44.Buber.1979. '" AdrianoHolanda Amatuzzi,M.M. (1995).DescrevendoProcessos Pessoais,EstudosdePsicologia,Campinas,12 (1):65-80. Amatuzzi,M.M. (1996).ApontamentosAcercada PesquisaFenomenológica,EstudosdePsicolo- gia,13(1):5-10. Bonin,W.F. (1991).Diccionariode los Grandes Psicólogos,Mexico:FondodeCulturaEconó- mica. Boris,G.DJ.B. (1994).NoçõesBásicasdeFenome- nologia,Insight-Psicoterapia,Nov.;pp.19-25. Buber,M. (1979).EueTu,SãoPaulo:Moraes. Bucher,R.E.(1983).FenomenologiaePsicanálise, RevistaBrasiliensedePsiquiatria,3/1:33-43. Bucher,R.E. 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