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Capítulo 4 Processos e Máquinas Termodinâmicas Thermodynamics - H.B. Callen (1960) 4.1 Processos Quase-estáticos Apesar do fato da termodinâmica ser fundamentalmente um estudo de estados de equilíbrio, freqüentemente ela é usada como base de induções relativa a processos. Isto é feito, essencialmente, através do estudo dos dois estados de equilíbrio nos quais o processo inicia e termina. Examinamos agora com detalhes a relação exata que pode ser estabelecida entre a teoria termodinâmica e os processos físicos reais. A equação fundamental de um sistema simples pode ser considerada como uma equação que define uma superfície num espaço de configuração termodinâmica. As coordenadas neste espaço são os parâmetros extensivos U,V,N1,N2, ,Nr e S. Então, a equação fundamental S SU,V,N1,N2, ,Nr define uma superfície semelhante àquela mostrada esquematicamente na Fig. 4.1. Devemos observar que a superfície da Fig. 4.1 obedece às exigências de que as derivadas S/U ...Xj... 1/T sejam positivas, e que U seja uma função unívoca de S, ,Xj, Por definição, cada ponto no espaço de configuração representa um estado de equilíbrio; a representação de um estado de não-equilíbrio exigiria um espaço com muito mais dimensões. A equação fundamental de um sistema composto também pode ser representada por uma superfície num espaço de configuração termodinâmica, cuja dimensionalidade é correspondentemente maior. Para um sistema composto formado de dois subsistemas simples uma possível escolha dos eixos coordenados seria S,U1,V1,N1 1,U2,V2,N12, Porém, a escolha mais conveniente é S,U1,V1,N1 1,U,V,N1,onde U U1 U2, e, da mesma maneira, para V,N1,... Uma seção apropriada do espaço de configuração termodinâmica de um sistema composto é esboçada na Fig. 4.2. Considere uma curva arbitrária indo de um estado inicial para um estado final na hipersuperfície que Capítulo 4: Processos e Máquinas Termodinâmicas 1 representa a equação fundamental de um sistema no espaço de configuração. Esta curva, mostrada na Fig. 4.3, é conhecida como curva quase-estática ou processo quase-estático. Um processo quase-estático é definido como uma sucessão de estados de equilíbrio. Devemos enfatizar que um processo quase-estático é um conceito idealizado, bastante diferente de um processo físico real, uma vez que um processo real sempre envolve estados intermediários de não-equilíbrio, não tendo representação no espaço de configuração termodinâmica. Além disso, um processo quase-estático, diferente de um real processo, não envolve considerações de taxas, velocidades ou tempos. O processo quase-estático é simplesmente uma sucessão ordenada de estados (de equilíbrio), enquanto que um processo real é uma sucessão temporal de estados (de equilíbrio e não-equilíbrio). Embora nenhum processo real seja idêntico a um processo quase-estático, é possível idealizar processos reais que tenham conexão com os processos quase-estáticos. Em particular, é possível levar um sistema por uma sucessão de estados que coincidem, em qualquer número de pontos desejado, com uma determinada curva quase-estática. Assim, considere um sistema inicialmente no estado A da Fig. 4.3. Existem processos reais que levam o sistema deste estado inicial para o estado final H, através de uma sucessão de estados intermediários de não-equilíbrio. Ao longo de tal processo, o sistema “desaparece” no ponto A e, em seguida, reaparece no ponto H; os estados intermediários não têm representação no espaço de configuração termodinâmica. O processo real que descrevemos é uma aproximação insatisfatória do processo quase-estático. Uma aproximação muito melhor pode ser obtida, procedendo-se em vários passos. Partimos inicialmente com o sistema no Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 2 estado A, e preparamos um processo real que termine no estado de equilíbrio B. O sistema desaparece no ponto A e, em seguida, reaparece no ponto B. Então, preparamos um outro processo real que siga de modo semelhante de B para C, e daí, por outro processo real, de C para D e, assim por diante, até H. Por esta sucessão de processos reais obtém-se uma aproximação da curva quase-estática melhor do que no nosso processo original, que ia diretamente de A para H. É claro que, tomando-se os pontos A,B,C,arbitrariamente próximos um do outro ao longo da curva quase-estática, podemos imaginar um processo real que se aproxime arbitrariamente de uma determinada curva quase-estática. As diferenciais dS, dU etc dos capítulos anteriores referem-se às mudanças ao longo de uma curva quase-estática. Estas diferenciais podem ser interpretadas em termos de processos reais apenas quando os processos reais particulares aproximam-se de uma curva quase-estática. Num processo quase-estático, o aumento da entropia é determinado pela relação dS đQ/T. Num processo físico real a entropia pode aumentar até mesmo quando o sistema estiver adiabaticamente fechado (đQ 0) e, em quaquer caso, dS đQ/T. Considere um sistema que é levado ao longo da curva quase-estática da Fig. 4.3. Os vínculos do sistema serão removidos passo a passo, cada um permitindo que o sistema vá para um novo estado sobre a curva. Em princípio, estes vínculos deveriam ser removidos de forma infinitamente lenta. Na prática, a taxa na qual eles podem ser removidos é caracterizada pelo tempo de relaxação do sistema. Para um dado sistema, com um determinado tempo de relaxação , os processos que ocorrem em tempos curtos comparados com não são quase-estáticos, enquanto que os processos que ocorrem em tempos longos comparados com são aproximadamente quase-estáticos. Para esses processos lentos, podemos escrever, aproximadamente, que dS đQ/T. Como exemplo do conceito de tempo de relaxação, considere um cilindro com gás dotado de um pistão. Suponha que o cilindro e as paredes do pistão sejam adiabáticas. Se o pistão for empurrado quase-estaticamente, o aumento da entropia é zero. Mas, se o pistão for empurrado rapidamente, induzindo todos os tipos de fluxos hidrodinâmicos complicados no gás, o aumento da entropia é positivo, apesar do fato de que đQ 0. Podemos estimar o tempo de relaxaçao deste sistema da seguinte maneira. Sabemos que um movimento rápido do pistão tende a comprimir o gás próximo a ele. Para que o processo seja quase-estático, esta compressão deve-se propagar em todo o volume do gás antes que ocorra uma outra compressão. O tempo necessário para que uma compressão localizada distribua-se uniformemente pelo gás deve ser da ordem de L/c, onde L é uma dimensão média do sistema e c é a velocidade de som no gás. Consequentemente, o tempo de relaxação do sistema para processos de compressão é da ordem de V1/3/c. 4.2 Processos Reversíveis e Irreversíveis Uma segunda classificação importante dos processos é sugerida pelo princípio básico dos valores extremos. Vamos supor que um sistema fechado esteja num estado A e que a remoção de um vínculo dê inicio a um processo espontâneo que termine num estado B. O simples fato de se supor que o processo continua implica que a entropia no estado B é maior do que no estado A. Por outro lado, se desejarmos inverter o processo, trazendo o sistema novamente para o estado A, é impossível fazê-lo simplesmente pela manipulação dos vínculos do sistema fechado. De fato, se tal processo inverso Capítulo 4: Processos e Máquinas Termodinâmicas 3 fosse possível, este envolveria uma diminuição da entropia, violando o princípio básico da entropia máxima e contrariando a experiência. Por isto diz-se que um processo físico real, como aquele que vai de A para B, é um processo irreversível. Embora todos os processos reais sejam irreversíveis e acompanhados por um aumento positivo da entropia, podemos considerar o caso limite no qual o aumento da entropia torna-se arbitrariamente pequeno. O tipo idealizado de processo no qual o aumento da entropia se anula é chamadode processo reversível. Num sistema, um processo reversível inicia-se com a remoção de um vínculo, e os vínculos restantes permitem que ele passe através de uma curva de entropia constante no espaço de configuração termodinâmica. Um sistema em qualquer estado desta curva está em equilíbrio e não encontra nenhum estado disponível de entropia maior. Assim, um processo reversível constitui-se numa sucessão de estados de equilíbrio e, consequentemente, coincide com uma curva quase-estática como aquela mostrada na Fig. 4.4. Todo processo reversível coincide com um processo quase-estático. O inverso desta afirmação não é verdadeiro. É possível que processos quase-estáticos não sejam coincidentes com uma curva de entropia constante, ou seja, que não sejam processos reversíveis. A curva quase-estática da Fig. 4.3 é deste tipo. O fato de que um sistema tenha uma entropia menor num estado A do que num estado B sugere que o sistema fechado não vá espontaneamente de B para A, sob qualquer acomodação de seus vínculos internos. Contudo, é possível reconduzir o sistema do estado B para o estado A se este for acoplado adequadamente a outro sistema, isto é, se a restrição de fechamento for removida. Vamos denotar a diferença de entropia do estado B em relação ao estado A por S. Agora, suponha que se acople este sistema a um segundo sistema e distribuímos os vínculos de forma que algum processo seja permitido no segundo sistema e que tal processo esteja necessariamente associado com o retorno do sistema primário ao seu estado inicial. Este processo acoplado ocorrerá se a entropia total do sistema como um todo aumentar. Isto é, o processo ocorrerá se o aumento da entropia do sistema secundário puder, pelo menos, compensar a diminuição da entropia do sistema primário. Um processo é irreversível se estiver associado com um aumento da entropia; todos os processos reais estão nesta categoria. Para inverter um processo irreversível e diminuir a entropia de um Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 4 sistema, deve haver um aumento correspondente (ou maior) da entropia em algum sistema acoplado. Logo, o aumento da entropia fornece uma medida quantitativa da irreversibilidadede de um processo físico. 4.3 Fonte de Trabalho Reversível e Reservatórios A tendência de um sistema seguir espontaneamente para o equilíbrio pode ser aproveitada de tal modo que o sistema forneça trabalho para algum agente externo. Esta capacidade de fornecer trabalho é explorada com finalidades úteis em muitas aplicações de engenharia. O movimento espontâneo de um pistão, de uma região de alta pressão para uma de baixa pressão dentro de um cilindro, fornece a força motiva para uma máquina mecânica. Da mesma forma, a tendência do calor fluir do interior quente de uma caldeira a vapor para a atmosfera ambiente fria impele uma locomotiva a vapor. Algumas das predições mais significativas da termodinâmica relacionam-se com a maneira na qual um sistema pode agir como uma máquina termodinâmica e fornecer trabalho a um agente externo. São para estas considerações que voltamos agora nossa atenção. Uma questão imediata que surge, quando consideramos máquinas termodinâmicas é: “Qual é o significado de ‘agentes externos’ para os quais o trabalho será fornecido?” Estes agentes externos são, na verdade, sistemas termodinâmicos. Porém, como eles são introduzidos apenas como receptores do trabalho fornecido, é desejável idealizar e simplificar suas propriedades termodinâmicas tanto quanto possível. Definimos especificamente vários tipos úteis de sistemas. Primeiro, e o mais evidentemente útil, é a fonte de trabalho reversível. Uma fonte de trabalho reversível é definida como um sistema fechado por uma parede adiabática impermeável e caracterizado por tempos de relaxação suficientemente curtos, tal que todos os processos de interesse dentro deste sistema sejam basicamente quase-estáticos. Como a relação entre o fluxo de calor quase-estático e a variação da entropia é đQ TdS, a parede adiabática assegura um valor constante da entropia. Quando acoplado a outro sistema, uma fonte de trabalho reversível atua como uma fonte quase-estática ou sumidouro de trabalho. Do ponto de vista termodinâmico, todos os sistemas considerados na mecânica são fontes de trabalho reversíveis. Um peso suspenso por uma corda através de uma polia pode receber ou fornecer trabalho, e đQ dS 0; é um modelo de uma fonte de trabalho reversível. Uma fonte de calor reversível é definida como um sistema fechado por uma parede rígida impermeável e caracterizado por tempos de relaxação suficientemente curtos, tal que todos os processos de interesse dentro deste sistema são basicamente quase-estáticos. O único fluxo de energia permitido para dentro ou para fora de uma fonte de calor reversível é na forma de calor, de maneira que dU đQ TdS. A fonte de calor reversível age como uma fonte quase-estática ou um sumidouro de calor. Fontes de trabalho ou de calor reversíveis que são muito grandes são conhecidas como reservatórios; em particular, uma fonte de trabalho reversível muito grande é um reservatório de volume, e uma fonte de calor reversível muito grande é um reservatório de calor. A característica útil de um reservatório de calor é que ele permanece numa temperatura fixa e constante, independente da quantidade de calor transferida ou retirada. A derivada T/UV,N1,N2,...que descreve a variação da temperatura causada pela entrada de uma quantidade unitária de calor, é uma Capítulo 4: Processos e Máquinas Termodinâmicas 5 função homogênea inversa de primeira ordem dos parâmetros extensivos e, portanto, se anula para um sistema infinitamente grande. Consequentemente, um reservatório de calor é útil como um dispositivo controlador de temperatura; quando em contato com um sistema através de uma parede diatérmica, o reservatório de calor manterá este sistema numa temperatura constante, independente de qualquer manipulação dos parâmetros extensivos X0,X1..., Xk, . . . do sistema. Da mesma forma, a pressão de um reservatório de volume é constante. Na prática, a atmosfera faz freqüentemente tanto o papel de um reservatório de calor, como de volume. Assim, reações químicas realizadas em recipientes abertos começam e terminam, necessariamente, em estados com temperatura e pressão determinados pela atmosfera ambiente. 4.4 Processos de Trabalho Máximo Um sistema, num estado particular A, pode ser acoplado a uma fonte de trabalho reversível e a uma fonte de calor reversível, e, então, ser levado por algum processo a um particular estado final B. Neste processo, o calor geralmente é transferido para uma fonte, ou de uma fonte, de calor reversível e o trabalho é transferido para uma fonte, ou de uma fonte, de trabalho reversível. A quantidade de trabalho transferido é de grande interesse, uma vez que pode ser utilizado. De fato, freqüentemente desejamos encontrar um processo particular, que inicia e termina em determinados estados A e B, transferindo a máxima quantidade possível de trabalho para a fonte de trabalho reversível. Veremos que tal processo é reversível. Isto é, de todos os processos que ocorrem entre um dado estado inicial e um dado estado final de um sistema, o fluxo de calor para uma fonte de calor reversível associada é mínimo e o fluxo de trabalho para uma fonte de trabalho reversível associada é máximo para processos reversíveis. Os fluxos de calor e de trabalho são os mesmos para todos os processos reversíveis entre os dois estados dados. Considere um sistema composto fechado que consiste numa fonte de trabalho reversível, numa fonte de calor reversível, e num subsistema de natureza geral e não especificada. O subsistema sofre algum processo que o leva do estado inicial A para o estado final B. Se a energia interna do subsistema no estado B for menor do que a energia no estado A, a diferença de energia será distribuída entre a fonte de calor reversívele a fonte de trabalho reversível. A fração desta energia que vai para a fonte de trabalho reversível é maximizada; simultaneamente, a fração restante que vai para a fonte de calor reversível é minimizada. Como sabemos, a entropia total do sistema composto aumenta necessariamente em qualquer processo real, mas um processo reversível corresponde ao caso limite idealizado, no qual o aumento da entropia total é nulo. Consequentemente, o aumento da entropia que ocorre em qualquer processo real irreversível é maior do que aquele que ocorre num processo reversível. A entropia muda nas várias partes do sistema, tanto em processos irreversíveis, como em reversíveis, como é indicado na Tabela 4.1. Ao final do processo, a entropia da fonte de calor reversível será menor se o processo for reversível do que se for irreversível. Assim, a energia final da fonte de calor reversível também é menor se o processo for reversível, pois a energia interna e a entropia da fonte de calor reversível estão conectadas pela relação dU TdS, com T positivo. Assim, mostramos que a energia fornecida à fonte de calor reversível é menor num processo reversível, e segue-se então que neste processo o trabalho fornecido é maior. A quantidade real de trabalho fornecido num processo reversível pode ser calculada, considerando-se as mudanças da energia associada com as mudanças da entropia relacionadas na Tabela 4.1. A Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 6 mudança da energia do subsistema é UB UA, como mostrado na Tabela 4.2. Tabela 4.1 – Mudanças da Entropia em Processos Reversíveis e Irreversíveis Processos Irreversíveis Processos Reversíveis Sistema total S 0 S 0 Subsistema SB SA SB SA Fonte de Trabalho Reversível 0 0 Fonte de Trabalho Irreversível S SB SA SB SA Seja Q o calor transferido à fonte de calor reversível. Seja TCSC a temperatura da fonte de calor reversível; a temperatura é, efetivamente, uma função apenas da entropia, pois o volume e os números de mols da fonte de calor reversível são constantes. Finalmente, considere que a entropia da fonte de calor reversível seja inicialmente S0C, de forma que seu valor final é S0c SB SA . A transferência de calor para a fonte de calor reversível é Qc S0c S0cSBSA TcSc dSc (4.1) O trabalho transferido para a fonte de trabalho reversível é igual à energia retirada do subsistema, menos a transferência de calor para a fonte de calor reversível, como mostrado na Tabela 4.2. Tabela 4.2 – Mudanças da Energia em Processos Reversíveis Sistema total 0 Subsistema UB UA Fonte de Calor Reversível Qc S0c S0cSBSA TcSc dSc Fonte de Trabalho Reversível WRWS Qc UB UA Desta tabela encontramos que WRWS S0c S0cSBSA TcSc dSc UB UA (4.2) Para dados estados A e B, e para uma determinada fonte de calor reversível [descrita por TCSC], esta equação resulta no trabalho máximo que pode ser extraído do sistema. Pode acontecer, para determinados estados A e B e uma dada fonte de trabalho reversível, que o Capítulo 4: Processos e Máquinas Termodinâmicas 7 trabalho fornecido WRWS seja negativo. Então, é necessário realizar trabalho sobre o sistema para que o processo ocorra. Nossa demonstração de que o trabalho fornecido é algebricamente máximo implica que, neste caso, o valor absoluto do trabalho realizado sobre o sistema é mínimo. A diferença entre o trabalho realizado num processo irreversível e o trabalho realizado num processo reversível é chamada de trabalho dissipativo. 4.5 Máquinas Termodinâmicas A transferência de calor e de trabalho num processo reversível é mostrada na Fig. 4.6 com mais detalhes do que foi mostrada na Fig. 4.5. A energia transferida do sistema U é feita parcialmente na forma de trabalho W e parcialmente na forma de calor Q. O trabalho W é transferido diretamente para a fonte de trabalho reversível. Mas o calor Q é transferido só parcialmente para o reservatório de calor Qc e, o restante, transformado em trabalho, que será transferido para a fonte de trabalho reversível W . Vamos calcular a fração de calor Q que é transformado em trabalho W e fornecido à fonte de trabalho reversível. Para isto, considere uma variação infinitesimal no processo e que a temperatura do sistema seja T. Então, o fluxo de calor đQ que sai do sistema é TdS. O calor đQc que entra na fonte de calor reversível é TdSc Tc, e a parte deste trabalho đW que é transferido para a fonte de trabalho reversível é dado por đW đQ đQc TdS TcdS 1 TcT đQ (4.3) (4.4) (4.5) A fração do calor retirado que pode ser transformado em trabalho é chamada de eficiência de uma máquina termodinâmica e. Então, e đW đQ 1 Tc T (4.6) A fração do calor retirado do subsistema que pode ser fornecida como trabalho é igual à diferença das temperaturas do subsistema e da fonte de calor reversível, dividida pela temperatura do subsistema. Para que uma fração positiva do calor retirado seja fornecida à fonte de trabalho reversível, é obviamente necessário que Tc seja menor do que T. Se Tc fosse maior do que T, a eficiência seria negativa, đW seria negativo, e o trabalho teria que ser retirado da fonte de trabalho reversível. Mais tarde discutiremos este caso; ele corresponde a um refrigerador ao invés de uma máquina. Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 8 Para um sistema numa determinada temperatura T, a eficiência da máquina termodinâmica aumenta à medida que Tc diminui. Isto é, quanto menor for a temperatura da fonte de calor reversível, maior é a eficiência da máquina, e a eficiência máxima possível, e 1, ocorre se a temperatura da fonte de calor reversível for igual a zero. O princípio básico da máquina termodinâmica é bastante intuitivo. Uma certa quantidade de calor đQ é retirado do subsistema, diminuindo sua entropia por uma quantidade đQ/T. Em algum lugar a entropia deve aumentar pelo menos deste valor. Para isto, uma parte do calor retirado deve ser transferido para uma fonte de calor reversível. Se a temperatura da fonte de calor reversível for muito baixa, podemos obter um aumento muito grande da entropia fornecendo uma pequena quantidade de calor, e o restante do calor retirado ficará disponível para a realização de trabalho. Quanto menor for a temperatura da fonte de calor reversível, menor é a quantidade de calor que será sacrificada para satisfazer a condição de que a entropia total deve aumentar, e, portanto, maior é a quantidade de trabalho que podemos liberar. Embora nossa discussão tenha sido muito geral, encontramos uma fórmula específica e quantitativa para a eficiência máxima de uma máquina termodinâmica. Não estamos interessados em processos particulares ou métodos específicos para a conversão, em trabalho, do calor retirado de um sistema. Existem muitos desses processos; o mais representativo, chamado de ciclo de Carnot, será descrito na seção 4.7. Mas a beleza de nossos resultados está na ampla generalidade – para qualquer processo reversível a eficiência é determinada através da equação 4.6 e para qualquer processo irreversível a eficiência é menor do que este valor. Problemas – Seção 4.5 4.5-1 Dispõe-se de um barril com água fervente e outro com gelo. Cada um possui paredes rígidas e impermeáveis, mas diatérmicas. Qual a quantidade de calor que deve ser retirado do barril quente para cada Joule de trabalho realizado? Quantos gramas de gelo devem ser fundidos? (Cada 80 cal fornecidas ao barril frio funde 1 grama de gelo.) 4.5-2 Dispõe-se de um poço artesiano à temperatura de 55°F num dia de verão marcando uma temperatura de 80°F. Uma máquina termodinâmica, que opere entre estes reservatórios, é usada para elevar a água do poço. Se forem elevadas 50 Ib de água a 20 ft, qual a quantidade de calor que deve ser fornecidaao poço? 4.5-3 Se a máquina do problema 4.5-2 atinge apenas 30% da eficiência ideal, qual é a solução daquele problema? 4.5-4 Uma locomotiva, pesando 100 toneladas, pode subir uma estrada de ferro com inclinação de um ângulo com uma velocidade de 50 mph. A locomotiva queima 1 tonelada de carvão por hora, mantendo a temperatura da caldeira a 100°C. A temperatura do ar é 70°F. Considerando que a locomotiva opere com 25% da eficiência termodinâmica, qual é o valor do ângulo ? O calor equivalente da queima do carvão é 14.000 Btu/lb. 4.6 Problema Ilustrativo Para ilustrar uma aplicação da teoria da eficiência da máquina termodinâmica, consideramos o seguinte problema. Dois corpos idênticos têm equações de estado U NCT, onde C é uma constante. Os valores de N e C são os mesmos para os dois sistemas. As temperaturas iniciais são T1 e T2, e serão usados como fonte de trabalho para levá-los a uma mesma temperatura final Tf. Qual é a faixa das possíveis temperaturas finais? Qual temperatura final corresponde à quantidade máxima de trabalho fornecido, e qual é esta quantidade máxima de trabalho? Capítulo 4: Processos e Máquinas Termodinâmicas 9 O processo imaginado é a retirada de calor do corpo de temperatura mais elevada, transferindo parte deste calor para o corpo de temperatura mais baixa, e liberando o restante como trabalho disponível. O corpo 1 é o análogo do subsistema da seção 4.5, e o corpo 2, da fonte de calor reversível. O primeiro fato óbvio é que num processo completamente irreversível, no qual nenhum trabalho é fornecido, a temperatura final será a maior. Se retiramos trabalho, a energia final, e consequentemente a temperatura final, será mais baixa. Então, a temperatura final mais elevada corresponde ao caso no qual os dois corpos são simplesmente colocados em contato térmico, não havendo fornecimento de trabalho, e atingindo a temperatura Tf T1 T2 /2. A menor temperatura final que pode ser alcançada, corresponde ao fornecimento da maior quantidade possível de trabalho e está associada com um processo reversível. Num processo reversível, extraimos uma quantidade infinitesimal de calor do corpo quente e parte dela é transferida para o corpo frio e o restante é fornecido como trabalho. A eficiência é dada pela Eq. 4.5. No próximo passo infinitesimal, porém, verificamos que a temperatura de cada corpo foi alterada pela transferência de calor ocorrida no primeiro passo infinitesimal. Não podemos aplicar a Eq. 4.5, pura e simplesmente, ao processo total, mas devemos seguí-lo, passo a passo, levando em conta o fato de que a eficiência muda continuamente. Vamos supor que em alguma etapa do processo, o corpo mais quente tenha atingido a temperatura T1 e o corpo mais frio, a temperatura T2. Retiramos uma quantidade de calor đ Q1, diminuindo a entropia por dS1 đQ1/T1 e a temperatura, por dT1 đQ1/NC. Simultaneamente, transferimos uma quantidade de calor dQ2 para o corpo mais frio, aumentando a entropia por dS2 đQ2/T2 e a temperatura, por dT2 đQ2/NC. A exigência de que a entropia total permaneça inalterada é representada por đQ1 T1 đQ2 T2 0 (4.7) ou NC dT1 T1 NC dT 2 T2 0 (4.8) Integrando sobre todo o processo, e lembrando que T1 vai de T1 a Tf enquanto que T2 vai de T2 a Tf: T1 Tf dT1 T1 T2 Tf dT2 T2 (4.9) de onde se obtém ln Tf T1 ln TfT2 (4.10) ou Tf T1T2 (4.11) Esta é a menor temperatura final que pode ser alcançada. Devemos ainda encontrar o trabalho fornecido. A maneira mais direta para obtê-lo é observar que a energia total final é Uf 2NCTf, enquanto que a energia inicial era Ui NCT1 T2 . A diferença é o trabalho fornecido, ou Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 10 W NC T1 T2 2 T1T2 (4.12) Seria instrutivo que o leitor confirme este resultado, integrando o trabalho fornecido em cada passo infinitesimal do processo total. O problema ilustrativo que estudamos com detalhe, por si, tem pouca importância. O princípio da eficiência de máquina termodinâmica tem sua real aplicação na concepção de turbinas a vapor, motores a gasolina etc. E, claro, estes nunca têm a eficiência de uma máquina termodinâmica ideal. Devido ao atrito interno e porque elas não podem ser operadas tão lentamente para serem verdadeiramente quase-estáticas, essas máquinas raramente atingem mais do que 30% ou 40% da eficiência termodinâmica. Entretanto, o limite superior da eficiência, fixado através de princípios termodinâmicos básicos, é um fator extremamente importante na concepção de projetos. Problemas - Seção 4.6 4.6-1 No problema ilustrativo no texto o calor é retirado quase-estaticamente do corpo mais quente e introduzido quase-estaticamente no corpo mais frio, não havendo fornecimento de trabalho. Calcule o aumento irreversível da entropia total. 4.6-2 Se NC 2 cal/K para cada um dos corpos no problema ilustrativo e se T1 100°C e T2 0°C, qual é o trabalho máximo fornecido pelo sistema? 4.6-3 Um sistema mantido a volume constante tem uma “capacidade térmica a volume constante” Cv Ncv, que é independente da temperatura. O sistema está inicialmente a uma temperatura T1 e dispõe-se de um reservatório de calor a uma temperatura mais baixa T0. Mostre que o trabalho máximo recuperável, quando o sistema é esfriado até a temperatura do reservatório, vale W Cv T1 T0 1 T0T dT Cv T1 T0 T0 ln T1 T0 4.6-4 Se a temperatura da atmosfera é de 5oC num dia de inverno e se dispomos de 1 kg de água a 90oC, qual é a quantidade de trabalho que pode ser obtida? Considere que o volume da água seja constante, e suponha que o calor específico a volume constante seja 18 cal/mol K e seja independente da temperatura. 4.6-5 Um corpo, com a equação de estado U NCT, é aquecido da temperatura T1 até a temperatura T2 por uma série de reservatórios com temperaturas indo desde T1 até T2. O corpo retorna ao seu estado inicial pelo contato com um único reservatório à temperatura T1. Calcule a variação da entropia do corpo e dos reservatórios. Qual é a variação total da entropia do sistema total? Se o aquecimento inicial fosse feito pelo contato do corpo com um único reservatório à temperatura T2, qual seriam as várias mudanças da entropia? 4.6-6 Cada um dos três corpos idênticos tem uma equação de estado U NCT, com NC 2 cal/K. Suas temperaturas iniciais são 200 K, 250 K e 540 K. Qual é a quantidade máxima de trabalho que pode ser extraída num processo em que esses três corpos são levados à mesma temperatura final? 4.6-7 Cada de dois corpos tem uma capacidade térmica a volume constante dada por Cv Ncv A 2BT onde A 2 cal/K e B 0,5 102 cal/K2. Se os corpos estão inicialmente a temperaturas de 200 K e 400 K e dispusermos de uma fonte de trabalho reversível, quais são as temperaturas finais comuns máxima e mínima à qual os dois corpos podem ser levados? Qual a quantidade máximo de trabalho que pode ser transferido para fonte de trabalho reversível? Considere que cada corpo seja mantido a volume constante. (Resposta: Tmin 292K) 4.6-8 A capacitada térmica de um sistema mantido a volume constante, para o intervalo de temperatura entre 0°C e 100°C, pode ser escrita como Cv Ncv A 2BT com A 1/300 cal/K e B 104 cal/K2. Dispõe-se de um reservatório de calor a 0°C e uma fonte de trabalho reversível. Qual é a quantidade máxima de trabalho que pode ser transferido para a fonte de trabalho reversível quando o sistema for esfriado de 100°C até a temperatura do reservatório? Capítulo 4: Processos e Máquinas Termodinâmicas 11 4.6-9 Um sistema tem uma capacidade térmica (a volume constante) dada por Cv AT2 onde A 0,01 cal/K3. O sistema está inicialmente a 200 K, e dispõe-se de um reservatório térmico a 100 K. Qual é a quantidade máxima de trabalho que podeser obtido quando o sistema for esfriado até a temperatura do reservatório? 4.7 Refrigeradores e bombas de calor A utilidade de uma máquina é fornecer trabalho, que é obtido a partir do calor extraído de um sistema de alta temperatura e transferindo parte deste calor para um sistema de baixa temperatura. Suponha que se opere esta máquina na ordem inversa: o calor é extraído do sistema de baixa temperatura, o trabalho é fornecido por um agente externo e a soma destas energias é transferida como calor para o sistema quente. Vamos admitir que ambos os sistemas, quente e frio, sejam fontes reversíveis de calor. Esta operação pode ser útil de duas maneiras. Se o objetivo for esfriar ainda mais o sistema frio, o dispositivo é chamado de refrigerador. Se o objeito for aquecer ainda mais o sistema quente, o dispositivo é chamado de bomba de calor. Basicamente, máquinas, refrigeradores e bombas de calor são aparelhos idênticos, operados com propósitos diferentes, mas sujeitos aos mesmos princípios básicos. Considere primeiro o refrigerador. O sistema frio do qual o calor é extraído é o “interior” do refrigerador. O sistema quente para o qual calor é transferido é o “exterior” do refrigerador; normalmente é a atmosfera ambiente. O trabalho que deve ser fornecido pelo agente externo é o produto que, lamentavelmente, compramos da companhia de eletricidade. É claro, que gostaríamos que este trabalho, pelo qual pagamos, fosse o menor possível. Queremos minimizar o trabalho absorvido, ou, em termos algébricos, queremos maximizar o trabalho (intrinsecamente negativo) fornecido. Novamente, identificamos que a melhor operação é obtida por um processo reversível. Embora a análise da seção 4.6 se aplique ao refrigerador, a eficiência da máquina ali obtida não é uma medida interessante do desempenho do refrigerador. Em vez disto, estamos interessados no número de calorias extraídas do sistema frio para cada caloria de trabalho adquirida da companhia de eletricidade. O coeficiente de desempenho do refrigerador, r, é definido como a relação entre a quantidade de calor extraído pelo trabalho absorvido. Para adaptar a análise da seção 4.5 ao refrigerador, denotamos o subsistema daquela seção pelo sobrescrito h (em lugar da ausência de um sobrescrito). A temperatura Th deste sistema é maior do que Tc, mas đQh será considerado agora como uma quantidade positiva e đQc como uma quantidade negativa. A Eq. (4.5) mostra que o trabalho fornecido đW é negativo, como esperado. A energia đQc é extraída do sistema frio, a energia đ W é retirada da fonte de trabalho reversível, e a energia đQh đQc đW é transferirada para o sistema quente. A condição de reversibilidade requer que đQc Tc đQh Th 0 (4.13) ou đQc Tc đQc đW Th 0 (4.14) Logo, o coeficiente de desempenho de refrigerador é r đQ c đW Tc Th Tc (4.15) Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 12 Se as temperaturas dos dois sistemas forem iguais, o coeficiente de desempenho de refrigerador torna-se infinito: não é necessário realizar trabalho para transferir calor de um sistema para o outro. O coeficiente de desempenho fica progressivamente menor, quando a temperatura Tc do refrigerador diminui em relação a Th. E se a temperatura do refrigerador chegar a zero, o coeficiente de desempenho também torna-se nulo (supondo-se Th fixo). Então, é necessário uma grande quantidade de trabalho para extrair pequenas quantidades de calor de um sistema próximo de Tc 0. Agora vamos voltar nossa atenção para a bomba de calor. Neste caso, estamos interessados em aquecer um sistema morno, extraindo calor de um sistema frio e trabalho de uma fonte de trabalho reversível. Na prática, o sistema morno pode ser o interior de uma casa no inverno, o sistema frio é o ar livre e a fonte de trabalho reversível é novamente a companhia de eletricidade. De fato, aquecemos nossa casa removendo a porta do refrigerador e empurrando-o até uma janela aberta. O interior do refrigerador fica exposto ao ar livre, e o refrigerador ainda tenta (com pouco sucesso) esfriar o enorme ambiente ao ar livre. O calor extraído deste enorme reservatório, junto com a energia comprada da companhia de eletricidade, é tranferido diretamente para o quarto, através das serpentinas na parte de traseira do refrigerador. Apesar do fato de que um refrigerador doméstico comum não tenha a capacidade para aquecer efetivamente deste modo, com exceção de quartos pequenos, o princípio é correto, e na prática estão comercialmente disponíveis bombas de calor para fins industrial e doméstico. O coeficiente de desempenho de um aquecedor r é a ração entre o calor fornecido ao sistema quente e trabalho extraído da fonte de trabalho reversível. r đQ h đW Th Th Tc (4.16) Problemas – Seção 4.7 4.7-1 As temperaturas mais baixas que foram obtidas são da ordem de 0,001 K. Se o custo financeiro do trabalho é 2.5¢/kWh, qual seria o custo mínimo de extração de 1 cal de calor de um sistema a 0.001 K? (O “sistema” morno é o meio ambiente.) 4.7-2 Uma casa deve ser mantida a 70°F e a temperatura externa é de 50°F. Um maneira de aquecer a casa é comprar trabalho da companhia de eletricidade e convertê-lo diretamente em calor: Esto é o método usado pelos aquecedores elétricos comuns. Alternativamente, o trabalho comprado pode ser usado para operar uma bomba de calor. Qual é a relação dos custos se a bomba de calor operar com o coeficiente de desempenho termodinâmico ideal? 4.7-3 Um refrigerador doméstico é mantido a uma temperatura de 35°F. Toda vez que a porta é aberta, material morno é transferido para dentro, numa média de 50 kcal, mas produzindo apenas uma pequena variação da temperatura do refrigerador. A porta é aberta quinze vezes por dia, e o refrigerador opera a 15% do coeficiente de desempenho ideal . O valor do trabalho é 2.5¢/kWh. Qual é a conta mensal para manter este refrigerador? 4.7-4 O calor é extraído de um banho de hélio líquido a uma temperatura de 4,2 K. O reservatório de alta temperatura é um banho de nitrogênio líquido que está a uma temperatura de 77,3 K. Quantas calorias de calor são introduzidas no banho de nitrogênio para cada caloria extraída do banho de hélio? 4.7-5 Considere que um corpo particular tem a equação de estado U NCT, com NC 2 cal/K e que esta equação de estado é válida para o intervalo de temperatura indo de 0,5 K até a temperatura ambiente. Quanto trabalho deve ser gasto para esfriar este corpo da temperatura ambiente (300 K) para 0,5 K,, usando o meio ambiente como reservatório quente? 4.8 O Ciclo de Carnot Capítulo 4: Processos e Máquinas Termodinâmicas 13 Vimos que, num processo no qual o calor é extraído de um sistema quente, parte dele é transferido para o sistema frio e o restante pode ser transformado em trabalho, sendo este máximo quando o processo for reversível. Vamos descrever o ciclo de Carnot, que é um procedimento específico por meio do qual essas transferências reversíveis de calor e trabalho podem ser realizadas. Para realizar este processo, vamos introduzir um “sistema auxiliar”, além das duas fontes de calor reversível e da fonte de trabalho reversível. O sistema auxiliar é, de fato, um dispositivo, e no final do processo é deixado exatamente no mesmo estado inicial. É esta natureza cíclica do processo no sistema auxiliar que é refletida no nome “ciclo” de Carnot. Em general, o sistema auxiliar pode ser um sistema magnético, um sistema elétrico, ou qualquer outro tipo de sistema termodinâmico. Consideramos uma forma representativa do ciclo de Carnot, na qual o sistema auxiliar é um gás contido num cilindro com um pistão móvel. Além disso, vamos supor temporariamente que os sistemas quente e frio sejam não somente fontes de calor reversíveis, mas reservatórios térmicos. Esta limitação apenas nos permite considerar transferências finitas de calor e trabalho ao invésde transferências infinitesimais. Voltaremos mais tarde a considerar ciclos de Carnot infinitesimais entre fontes de calor reversíveis, que não sejam reservatórios. O ciclo é realizado em quatro etapas e as variações da temperatura e da entropia do sistema auxiliar são plotadas na Fig. 4.7 para cada uma destas etapas. 1. O sistema auxiliar, inicialmente na mesma temperatura Th do reservatório quente, é colocado em contato com este reservatório e com a fonte de trabalho reversível e é forçado a expandir-se isotermicamente. Neste processo, um fluxo de calor ocorre do reservatório quente para o sistema auxiliar, e a transferência de trabalho PdV ocorre do sistema auxiliar para a fonte reversível do trabalho. Esta é a etapa isotérmica A B representada na Fig. 4.7. 2. O sistema auxiliar, agora em contato somente com a fonte reversível de trabalho, é expandido adiabaticamente até que sua temperatura diminua atingindo o valor daquela do reservatório frio. Ocorre mais transferência de trabalho do sistema auxiliar para a fonte reversível de trabalho. O processo adiabático quase-estático ocorre para a entropia do sistema auxiliar constante, como processo B C da Fig. 4.7. 3. O sistema auxiliar é comprimido isotermicamente, enquanto está em contato térmico com o reservatório frio e a fonte de trabalho reversível. Esta compressão continua até que a entropia do sistema auxiliar alcance seu valor inicial. Durante este processo, há transferência de trabalho da fonte de trabalho reversível para o sistema auxiliar e uma transferência de calor do sistema auxiliar para o reservatório frio. Esta é a etapa C D Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 14 na Fig. 4.7. 4. Finalmente, o sistema auxiliar é comprimido adiabaticamente e recebe trabalho da fonte de trabalho reversível. A compressão reconduz o sistema auxiliar a seu estado inicial, completando o ciclo. Novamente a entropia do sistema auxiliar é constante, de D A na Fig. 4.7. O calor retirado do primeiro reservatório no processo 1 é ThS, e o calor transferido para o segundo reservatório no processo 3 é TcS. A diferença Th Tc S é o trabalho líquido transferido para a fonte de trabalho reversível no ciclo completo. No diagrama da Fig. 4.7, o calor ThS retirado do primeiro reservatório é representado pela área delimitada pelos quatro pontos ABSBSA, o calor transferido para o segundo reservatório é representado pela área CDSASB e o trabalho líquido fornecido é representado pela área ABCD. O coeficiente de desempenho é a razão entre as áreas ABCD e ABSBSA, ou Th Tc/Th. O ciclo de Carnot pode ser representado em vários outros diagramas, como num diagrama P V, T V ou S. A representação num diagrama T V é mostrada na Fig. 4.8. A forma precisa da curva BC, representando a dependência de T com V numa expansão adiabática (isentrópica), obedeceria a equação de estado T Ts,v. Se os sistemas quente e frio forem apenas fontes de calor reversíveis, ao invés de reservatórios, o ciclo de Carnot deve ser trabalhado em passos infinitesimais. O calor retirado do sistema quente no processo 1 será então ThdS e não ThS, e de maneira similar para os outros passos. Não há diferenças nos resultados essenciais. Vários outros processos cíclicos práticos e comuns são descritos no Apêndice F. Problemas – Seção 4.8 4.8-1 Supondo que o sistema auxiliar para o ciclo de Carnot seja um gás monoatômico ideal, cuja equação fundamental encontra-se na seção 3.4, determine a forma das curvas AC e DA da Fig. 4.8. 4.8-2 Supondo que o sistema auxiliar do ciclo de Carnot seja um gás monoatômico ideal, esquematize um diagrama P V do ciclo. 4.8-3 Descreva o ciclo de Carnot operado por um refrigerador. Dê uma representação gráfica do coeficiente de desempenho do refrigerador. 4.8-4 Descreva o ciclo de Carnot operado por uma bomba de calor. Dê uma representação gráfica do coeficiente de desempenho da bomba de calor. 4.9 Mensurabilidade da Temperatura O ciclo de Carnot ilustra não só o princípio geral de processos reversíveis como processos de trabalho Capítulo 4: Processos e Máquinas Termodinâmicas 15 máximo, mas também nos fornece um método operacional para as medidas de temperatura. Devemos lembrar que a entropia foi introduzida apenas como uma função abstrata, cujos máximos determinam os estados de equilíbrio. A temperatura foi então definida em termos de uma derivado parcial desta função. É claro que esta definição não fornece um procedimento direto para uma medida operacional da temperatura e, por isso, é necessário que tal procedimento seja formulado explicitamente. A importância deste problema é evidente quando lembramos que a utilidade da termodinâmica depende da determinação empírica das equações fundamentais, para as quais o formalismo termodinâmico pode ser aplicado. A determinação empírica da equação fundamental de um determinado sistema é mais convenientemente realizada por medida empírica das equações de estado, e tais medidas requerem uma medida experimental direta da temperatura. Em nossa discussão sobre a eficiência de máquinas termodinâmicas, vimos que a eficiência de uma máquina que opera entre dois sistemas de temperaturas Th e Tc através de processos reversíveis é dada por e 1 TcTh (4.17) A eficiência de uma máquina termodinâmica é definida em termos de fluxos de calor e de trabalho e, consequentemente, pode ser medida operacionamente. Assim, um ciclo de Carnot nos proporciona um método operacional para medir a razão entre duas temperaturas. Infelizmente, os processos reais nunca são verdadeiramente processos quase-estáticos, de forma que as máquinas reais nunca têm exatamente a eficiência de uma máquina ideal. Portanto, a relação entre duas dadas temperaturas deve realmente ser determinada em termos da eficiência máxima limite de todas as máquinas reais, mas esta é uma dificuldade de ordem prática e não de princípio. A afirmação de que a razão entre as temperaturas é uma quantidade mensurável é equivalente à afirmação de que a escala de temperatura é determinada a menos de uma constante arbitária multiplicativa. A temperatura de algum sistema padrão escolhido arbitrariamente pode ser livremente especificada, e as temperaturas de todos os outros sistemas são univocamente determinadas, com valores diretamente proporcionais à temperatura escolhida do sistema padrão. A escolha de um sistema padrão, e a atribuição arbitrária de uma de temperatura definida a ele, foi discutida na seção 2.6. Lembramos que a tarefa a atribuição do número 273,16 para um sistema de gelo, água e vapor d’água em equilíbrio mútuo conduz à escala de temperatura Kelvin absoluto. Um ciclo de Carnot que opere entre este sistema e outro determina a razão entre a segunda temperatura e 273,16 K e por conseguinte determina a segunda temperatura na escala Kelvin absoluto. Geralmente, a termometria prática emprega termômetros secundários, cuja calibração segue o método do ciclo de Carnot que descrevemos. Um termômetro “prático” representativo é o termômetro de gás ideal. Vamos supor que temos um sistema que obedeça a equação de estado PV NRT (4.18) Como P,V, e N podem ser medidos, T é facilmente obtido. Consequentemente, para medir a temperatura de qualquer sistema dado, basta colocá-lo em equilíbrio térmico com uma amostra de nosso gás ideal e, então, usamos a Eq. (4.18) para calcular a temperatura. Porém, a questão crítica é: como sabíamos antecipadamente que nosso gás obedecia a Eq. (4.18), como equação de estado? Para testar a equação de estado foram necessárias medidas de P,V,N e T e as medidas da Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 16 temperatura tiveram que ser feitas através de algum método mais fundamental que aquele predito na Eq. (4.18). Aparentemente, um método do ciclo de Carnot foi usado inicialmente para confirmar a Eq. (4.18) e, a partir daí, o gás ideal pôde ser usado como um termômetro secundáriomais conveniente. Na prática, encontramos gases reais que têm equações de estado diferentes da Eq. (4.18) e devem ser feitas correções correspondentes nos termômetros de gás. Existem também vários tipos de correções que devem ser feitas para a expansão ou contração do recipiente que contém o gás, para a absorção pelas paredes do recipiente, e para inúmeros outros efeitos não aparentes que afetam as medidas de alta precisão. As equações de estado de outros sistemas também fornecem métodos convenientes para a medida de temperatura. O álcool e o mercúrio são comumente confinados em tubos capilares, nos quais suas variações de volume são facilmente observadas, e são usadas para indicar a temperatura. A expansão de metais sólidos também é usada freqüentemente, como nas placas bimetálicas que movem os termostatos residenciais. 4.10 O Método T* para Baixas Temperaturas A baixas temperaturas, da ordem de 1 K ou menos, a medida de temperatura torna-se particularmente difícil. Vários efeitos contribuem para tornar esta região problemática. A transferência de calor envolvida nos ciclos de Carnot tornam-se extremamente pequena e de difícil medição. Todos os gases reais condensam para as fases líquidas ou sólidas, e os processos naturais tornam-se lentos, de forma que é difícil estabelecer ou manter o equilíbrio térmico. Porém, há um método de extrapolação da escala de alta temperatura na região de baixa temperatura, que é comumente chamado de método T. Devido a sua importância na física de baixas temperaturas e por causa de sua relação com a estrutura teórica da termodinâmica, descreveremos uma forma representativa do método. Vamos supor que adotamos algum sistema como termômetro, apesar do fato de que não conhecemos sua equação de estado na região de baixa temperatura. O sistema freqüentemente usado é um sal paramagnético, mas consideramos aqui um fluido compressível num cilindro com um pistão móvel. Definimos uma temperatura estrela, T, como sendo diretamente proporcional ao volume para alguma pressão particular específica, escolhendo uma constante de proporcionalidade que faz com que a temperatura estrela concorde com a temperatura verdadeira para temperatura mais baixa, na qual a temperatura verdadeira pode ser medida convenientemente com precisão. A temperatura estrela pode ser facilmente medida na faixa de baixas temperaturas e o problema é converter temperaturas estrelas para temperaturas verdadeiras. Na realidade, a temperatura estrela é introduzida apenas como uma espécie de contabilidade – serve apenas para rotular os estados para os quais queremos medir a temperatura verdadeira. Considere o diagrama T P esquematizado na Fig. 4.9. A ordenada é a escala de temperatura, medida na temperatura verdadeira acima de T0 e na temperatura estrela, abaixo de T0. As duas escalas concordam em T0, isto é, T0 T0. Tentamos encontrar a relação entre as temperaturas verdadeira e estrela abaixo de T0, ao longo da linha P 0. A linha de pressão nula é particularmente interessante, uma vez que, para líquidos e sólidos, a pressão atmosférica é desprezível (de certo modo isto logo se tornará evidente) e devido à analogia magnética com campo magnético externo nulo. Capítulo 4: Processos e Máquinas Termodinâmicas 17 Vamos supor para um momento que podemos estabelecer uma escala de entropia ao longo da linha P 0. Primeiro mostramos que esta escala de entropia permite transformar a escala T numa escala T, e então voltamos para demonstrar como escala de entropia em si pode ser estabelecida. Supondo que cohecemos a entropia molar s da nossa substância termométrica como função de T para P nulo, lembramos que du Tds Pdv (4.19) que reduz-se, ao longo da linha P 0, para du đQ Tds (4.20) ou du dT P0 đQdT P0 T ds dT P0 (4.21) A quantidade đQ/dT P0 é o calor específico, medido na escala estrela, e é uma quantidade mensurável. Adotamos a notação usual đQ dT P0 cP (4.22) e então T cP dsdT P0 (4.23) Consequentemente, conhecendo-se s como função de T, para P 0, podemos calcular T. É claro que ainda temos que mostrar que uma escala de entropia pode ser estabelecida ao longo da linha P 0. Considere um ponto representativo tal como 0,T1 na Fig. 4.9. Partindo deste estado e realizando um processo adiabático quase-estático, podemos seguir a curva marcada com s s1 ao longo da qual a entropia é constante. Portanto, a entropia no ponto 0,T1 é igual à entropia em P2,T0 . Poderíamos dizer agora de forma segura que o ponto P2,T0 está na região da escala de temperatura estabelecida e que sua entropia pode ser considerada conhecida através de meios padrões. Assim, completa-se a demonstração do estabelecimento da escala de T na região de baixa temperatura. Porém, para fazer a demonstração completamente explícita, descrevemos um método de calcular a entropia no ponto P2,T0. Para fixar a escala da entropia, consideramos que a entropia seja conhecida em algum ponto conveniente; escolhemos o ponto 0,T0 e designamos sua entropia por s0. Então, a entropia s1 no ponto P2,T0 pode ser escrita como s1 s0 0 P2 s P TT0dP (4.24) Um método de calcular o integrando seria escrever s P TT0 1 T0 Q P TT0 (4.25) Uma estimativa do calor absorvido por unidade de incremento da pressão em cada ponto ao longo da linha T T0 nos permitiria realizar a integração numérica ou integração gráfica na Eq. (4.24), calculando s1. Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 18 Um modo mais conveniente de calcular o integrando na Eq. (4.24) é baseado nas identidades, às quais nos referimos na seção 3.5. Pela identidade (3.50), a Eq. (4.24) pode ser reescrita na forma particularmente conveniente s1 s0 0 P2 v dP (4.26) Medidas do volume molar e do coeficiente de expansão térmica ao longo da linha horizontal de 0,T0 para P2,T0 na Fig. 4.9, nos fornece a integração numérica ou gráfica e, portanto, novamente determina s1. Para recapitular, a Eq. (4.24) ou (4.26) calculam s1, a entropia em qualquer ponto 0,T1. Então, tendo estabelecido uma escala de entropia ao longo da linha P 0, a Eq. (4.23) calcula a temperatura verdadeira T, em qualquer ponto ao longo desta linha. O método T é extremamente útil em física de baixa temperatura, embora as variáveis magnéticas normalmente desempenham das variáveis mecânica P,V de nossa discussão. Capítulo 4: Processos e Máquinas Termodinâmicas 19
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