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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO A INFLUÊNCIA DA TEORIA DA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES DEFENDIDA POR MONTESQUIEU NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 RAFAELA BERGER DE SOUZA BATSCHAUER Itajaí [SC], outubro de 2006 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO A INFLUÊNCIA DA TEORIA DA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES DEFENDIDA POR MONTESQUIEU NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 RAFAELA BERGER DE SOUZA BATSCHAUER Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor MSc. Emerson de Morais Granado Itajaí [SC], outubro de 2006 AGRADECIMENTOS A Deus que é o autor e consumador de todas as coisas, por ter me permitido a conclusão do curso de Direito. Aos meus Pais Rute Berger de Souza e Cláudio Henrique de Souza, por terem priorizado a minha educação e pelo incentivo que sempre me depositaram. Ao meu marido Clayton Luiz Batschauer, pelo carinho e pelo auxílio em todas as horas. Aos meus irmãos Dayany Berger de Souza da Silva, Keroline Berger de Souza e Cláudio Henrique de Souza Filho, pelo apoio que sempre me concederam. Ao Ministério Público da Comarca de Itajaí, por ter me recebido como estagiária, e porque através desse órgão conheci a realidade de se operar o Direito. Ao meu orientador, Emerson, pela ajuda na elaboração do presente trabalho. DEDICATÓRIA Ao meu marido Clayton Luiz Batschauer, por todo esforço empreendido para que eu realizasse esse sonho, pelo seu amor e companheirismo. Aos meus Pais Rute Berger de Souza e Cláudio Henrique de Souza, pelo amor que sempre me concederam e pelas lições de vida que me propiciaram até hoje. É pouco o que lhes dedico ante ao muito que lhes tirei durante esses cinco anos. "Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder contenha o poder”. (Montesquieu) TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí [SC], outubro de 2006 Rafaela Berger de Souza Batschauer Graduanda PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Rafaela Berger de Souza Batschauer, sob o título A Influência da Teoria da Tripartição dos Poderes Defendida por Montesquieu na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foi submetida em 31 de outubro de 2006 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: MSc. Emerson de Morais Granado (Presidente), Clóvis Demarchi (Membro) e Eduardo Campos (Membro), e aprovada com a nota 9,8 (nove vírgula oito). Itajaí [SC], outubro de 2006 MSc. Emerson de Morais Granado Orientador e Presidente da Banca MSc. Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Estado “[...] é um conjunto de indivíduos (povo), estabelecidos num determinado território fixo de maneira permanente e que obedecem a um governo soberano”1. Estado Federal “[...] é, por definição, aquele onde estão asseguradas, pela Constituição, autonomia política-administrativa às partes descentralizadas (Estados-Membros, Províncias, Territórios etc.)”2. Estado Unitário “[...] é o caracterizado pela centralização política, onde existe um único pólo constitucionalmente capacitado a produzir, com autonomia, normas jurídicas, admitindo a existência de entidades descentralizadas, sem que possuam autonomia, agindo por delegação do órgão central, chamando para si o monopólio da capacidade política”3. Governo Soberano “[...] é o elemento condutor do Estado, que detém e exerce o poder absoluto de autodeterminação emanado do Povo. Não há nem pode haver Estado independente sem Soberania, isto é, sem esse poder absoluto, indivisível e incontratável de organizar-se e de conduzir-se a vontade livre de seu Povo e de 1 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 10. 2 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 122. 3ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2005. p. 244/245. viii fazer cumprir as suas decisões inclusive pela força, se necessário”4. Poder Executivo “[...] tem por objeto a administração da coisa pública. Nesse sentido, ela se realiza por meio de atos e decisões produzidos com a finalidade de dar cumprimento ao estabelecido nas leis. A função executiva materializa-se pelos chamados atos administrativos”5. Poder Judiciário “[...] se destina a conservação e a tutela do ordenamento jurídico mediante o proferimento de decisões individuais e concretas, dedutíveis das normas gerais, declarando a conformidade ou a não-conformidade dos fatos com estas e determinando as eventuais conseqüências jurídicas”6. Poder Legislativo “[...] tem por finalidade a formação de regras genéricas e abstratas, que devem ser compulsoriamente observadas não só pelos indivíduos como também pelos órgãos estatais. A lei é o ato tipicamente produzido pela função legislativa”7. Povo “[...] é o somatório de todos os cidadãos do Estado presentes no território pátrio e no exterior (soma de todos os nacionais, independente de sua exata localização espacial-temporal)”8. Território “[...] é o limite espacial dentro do qual o Estado exerce de modo efetivo e exclusivo o poder de império sobre pessoas e bens”9. 4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 60. 5ARAUJO, L. A. D.; NUNES JÚNIOR, V. S.. Curso de direito constitucional. p. 300. 6PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional. Coimbra: Coimbra, 1989. p. 248. 7ARAUJO, L. A. D.; NUNES JÚNIOR, V. S.. Curso de direito constitucional p. 300. 8 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 116. ix SUMÁRIO RESUMO........................................................................................... XI INTRODUÇÃO ................................................................................... 2 CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 4 A EVOLUÇÃO DO ESTADO.............................................................. 4 1.1 ORIGEM DO ESTADO .....................................................................................4 1.2 CONCEITODO ESTADO.................................................................................8 1.3 ELEMENTOS DO ESTADO............................................................................10 1.3.1 POVO.............................................................................................................11 1.3.2 TERRITÓRIO ...................................................................................................13 1.3.3 GOVERNO SOBERANO.....................................................................................15 1.4 AS FORMAS DO ESTADO ............................................................................20 1.5 ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E SUAS FUNÇÕES ......................................26 CAPÍTULO 2 .................................................................................... 29 DIVISÃO DAS FUNÇÕES DO PODER NO ORDENAMENTO BRASILEIRO.................................................................................... 29 2.1 PODER LEGISLATIVO...................................................................................29 2.1.1 A ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO DAS FUNÇÕES DO PODER LEGISLATIVO NA UNIÃO ....29 2.1.2 A ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO DAS FUNÇÕES DO PODER LEGISLATIVO NOS ESTADOS- MEMBROS...............................................................................................................31 2.1.3 A ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO DAS FUNÇÕES DO PODER LEGISLATIVO NO DISTRITO FEDERAL ................................................................................................................33 2.1.4 A ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO DAS FUNÇÕES DO PODER LEGISLATIVO NOS MUNICÍPIOS.............................................................................................................34 2.2 PODER EXECUTIVO......................................................................................37 2.2.1 A ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO DAS FUNÇÕES DO PODER EXECUTIVO NA UNIÃO.......37 2.2.2 A ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO DAS FUNÇÕES DO PODER EXECUTIVO NOS ESTADOS- MEMBROS...............................................................................................................40 2.2.3 A ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO DAS FUNÇÕES DO PODER EXECUTIVO NO DISTRITO FEDERAL..... ...........................................................................................................40 2.2.4 A ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO DAS FUNÇÕES DO PODER EXECUTIVO NOS MUNICÍPIOS. .............................................................................................................41 2.3 PODER JUDICIÁRIO......................................................................................44 2.3.1 A ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO DAS FUNÇÕES DO PODER JUDICIÁRIO NA UNIÃO.......44 2.3.2 A ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO DAS FUNÇÕES DO PODER JUDICIÁRIO NOS ESTADOS- MEMBROS...............................................................................................................46 9 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 98. x CAPÍTULO 3 .................................................................................... 48 UMA ANÁLISE DA PROPOSTA DE MONTESQUIEU APLICADA AO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO..................................... 48 3.1 ASPECTOS HISTÓRICOS ......................................................... 48 3.2.1 Os Poderes .................................................................................................53 3.2.2 PODER EXECUTIVO...................................................................................60 3.2.3 PODER LEGISLATIVO................................................................................61 3.2.4 PODER JUDICIÁRIO...................................................................................65 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 68 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 72 RESUMO A presente monografia trata da influência de Montesquieu na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, dando ênfase à questão da separação das funções do Poder. O presente trabalho é composto de três capítulos, que se destacam pelos seguintes conteúdos e objetivos específicos: no primeiro capítulo, para melhor compreensão do tema, fez-se uma abordagem prévia sobre a origem, conceito, elementos, formas, organização e funções do Estado; no segundo capítulo abordou-se sobre as três funções do poder aplicadas nos entes federativos brasileiros; no terceiro capítulo faz-se uma análise da proposta de Montesquieu aplicada no ordenamento jurídico brasileiro, os aspectos históricos, e a abordagem do Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto o estudo da “Influência da Teoria da Tripartição dos Poderes defendida por Montesquieu na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988”, enfatizando a Divisão das Funções do Poder em Executivo, Legislativo e Judiciário. O seu objetivo é aprofundar os conhecimentos a respeito da Divisão das Funções do Poder, bem como do sistema adotado pela legislação brasileira para executá-los, além de efetuar uma abordagem sobre o Estado, sua origem, conceito, elementos, formas, organização e funções. Para tanto, o presente trabalho foi dividido em três capítulos, nos quais serão abordados de forma sintetizada os temas, com embasamento na doutrina pátria, sem a pretensão de esgotar o tema, o que seria inviável no âmbito do estudo proposto. Principia–se a monografia, no Capítulo 1, tratando do Estado, iniciando com sua origem, conceito, elementos, formas, organização, finalizando-se com suas funções. No Capítulo 2, será abordado ‘A Divisão das Funções do Poder no Ordenamento Brasileiro’, dando início ao assunto com a organização e divisão das funções do Poder Legislativo na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios, a organização e divisão das funções do Poder Executivo na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios, finalizando com a Divisão das Funções do Poder Judiciário na União e nos Estados- Membros. No Capítulo 3, finalizar-se-á o trabalho com uma análise da Proposta de Montesquieu aplicada ao Ordenamento Jurídico Brasileiro, os aspectos históricos, e a abordagem sobre o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. 3 O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o tema em apreço. Como desafio e fundamento dos referidos objetivos investigatórios, a autora deste trabalho enfrentou dois problemas e respectivas hipóteses, abaixo destacados, que serviram de ânimo para a efetivação da pesquisa relatada nesta Monografia. Primeiro problema: a tripartição do Poder foi realmente identificada pela primeira vez por Montesquieu? Hipótese: conclui-se que a teoria da tripartição das funções do Poder teve realmente início com Montesquieu. Segundo problema: a teoria da tripartição do Poder influenciou a organização dos Poderes, quando da elaboração da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988? Hipótese: o constituinte, criador da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, adotou a teoria da tripartição dos Poderes na organização destes, no sistema brasileiro. Para realizar a pesquisa e a monografia adotou-se o método indutivo, que consiste em "pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção geral"10. A investigação foi realizada mediante o uso da técnica da pesquisabibliográfica, histórica e contemporânea, utilizando-se, sempre que possível, de fontes primárias. 10 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. p. 103. 4 CAPÍTULO 1 A EVOLUÇÃO DO ESTADO O tema a ser abordado na presente monografia trata da Influência de Montesquieu nas Constituições da República Federativa do Brasil, tendo como objeto de análise, a proposta de Montesquieu aplicada no ordenamento jurídico brasileiro. No intuito de apresentar uma seqüência lógica para melhor compreensão do tema, necessário se faz uma abordagem prévia sobre o Estado, envolvendo sua origem e sua formalização organizacional através de sua constitucionalização. 1.1 ORIGEM DO ESTADO O termo ‘Estado’ foi utilizado pela primeira vez na literatura científica “O príncipe” de Maquiavel, mas enfocada numa forma que leva a conclusão de que não tenha sido ele o criador da palavra com tal significado, sendo esta comum a sua época. A palavra ‘Estado’, segundo Friede11, resultou da evolução dos termos ‘polis’ utilizado na Grécia e, ‘civitas’ empregado em Roma, durante a Idade Média, mas tendo sido introduzida no mundo jurídico, por Maquiavel. A respeito da origem do Estado, declina Dallari12 que: A denominação Estado (do latim status = estar firme), significando situação permanente de convivência e ligada à sociedade política, aparece pela primeira vez em “O Príncipe” de Maquiavel, escrito 11 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 116. 12 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 51/ 52. 5 em 1513, passando a ser usada pelos italianos sempre ligada ao nome de uma cidade independente, como, por exemplo stato di firenze. Durante os séculos XVI e XVII a expressão foi sendo admitida em escritos franceses, ingleses e alemães. Na Espanha, até o século XVIII, aplicava-se também a denominação de estados a grandes propriedades rurais de domínio particular, cujos proprietários tinham poder jurisdicional. De qualquer forma é certo que o nome Estado, indicando uma sociedade política, só aparece no século XVI, e este é um dos argumentos para alguns autores que não admitem a existência do século XVII. Para eles, entretanto, sua tese não se reduz a uma questão de nome, sendo mais importante o argumento de que o nome Estado só pode ser aplicado como propriedade à sociedade política dotada de certas características bem definidas. A maioria dos autores, no entanto, admitindo que a sociedade ora denominada Estado é, na sua essência, igual a que existiu anteriormente, embora, como nomes diversos, dá essa designação a todas as sociedades políticas que, com autoridade superior, fixaram as regras de convivência de seus membros. São inúmeras as teorias existentes sob o ponto de vista da época do aparecimento do Estado, porém, Dallari13 as reduz em três posições fundamentais, quais sejam: a) Para muitos autores, o Estado, assim como a própria sociedade, existiu sempre, pois desde que o homem vive sobre a Terra acha-se integrado numa organização social, dotada de poder e com autoridade para determinar o comportamento de todo o grupo. Entre os que adotam essa posição destacam-se Eduardo Meyer, historiador das sociedades antigas, e Wilhelm Koppers, etnólogo, ambos afirmando que o Estado é um elemento universal na organização social humana. Meyer define mesmo o Estado como o princípio organizador e unificador em toda organização social da Humanidade, considerando-o, por isso, onipresente na sociedade humana. b) Uma segunda ordem de autores admite que a sociedade humana existiu sem o Estado durante um certo período. Depois, por motivos diversos, [...], este foi constituído para atender às necessidades ou às conveniências dos grupos sociais. Segundo esses autores, que, no seu conjunto, representam ampla maioria, 13 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. p. 52/53. 6 não houve concomitância na formação do Estado em diferentes lugares, uma vez que este foi aparecendo de acordo com as condições concretas de cada lugar. c) A terceira posição é a que já foi referida: a dos autores que só admitem como Estado a sociedade política dotada de certas características muito bem definidas. Justificando seu ponto de vista, um dos adeptos dessa tese, Karl Schmidt, diz que o conceito de Estado não é um conceito geral válido para todos os tempos, mas é um conceito histórico concreto, que surge quando nascem a idéia e a prática da soberania, o que só ocorreu no século XVII. Outro defensor desse ponto de vista, Balladore Pallieri, indica mesmo, com absoluta precisão, o ano do nascimento do Estado, escrevendo que “a data oficial em que o mundo ocidental se apresenta organizado em Estados é a de 1648, ano em que foi assinada a paz de Westifália”. Entre os autores brasileiros adeptos dessa teoria salienta-se Ataliba Nogueira, que, mencionando a pluralidade de autonomias existentes no mundo medieval, sobretudo o feudalismo, as autonomias existentes no mundo medieval, sobretudo o feudalismo, as autonomias comunais e as corporações, ressaltada que a luta entre elas foi um dos principais fatores determinantes da constituição do Estado, o qual, “com todas as suas características, já se apresenta por ocasião da paz de Westifália”. Ainda, tratando das teorias do Estado, Carvalho14 dispõe que as teorias religiosas defendem que o Estado foi fundado por Deus, sendo que esta teoria se refere mais à origem e à legalidade do governo do que propriamente sua justificação. Carvalho15 menciona, ainda que: Pela teoria do divino providencial, exposta por De Maistre (1753- 1821) e De Bonald (1754-1840), e que serviu para justificar a restauração da monarquia em França, do poder de Deus e do Papa contra o liberalismo da revolução de 1789, assevera-se que o Estado, obra de Deus existe pela graça da providência divina. Todo o poder e toda a autoridade emanam de Deus, não por uma manifestação sobrenatural de sua vontade mas pela direção 14CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do Estado e da constituição direito constitucional positivo. 13. ed. rev. atual. e ampl., Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 49. 15CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional p. 49. 7 providencial dos acontecimento e da vontade dos homens aos quais cabe a organização dos governos e o estabelecimento das leis. Já as teorias contratuais defendem que o Estado tornou-se uma organização resultante do pacto inicial realizado, de forma livre e espontânea, pelas pessoas que abandonaram o chamado ‘estado de natureza’, formando uma sociedade política e não uma comunidade 16. A ‘teoria da violência e da força’, Segundo Carvalho17, fundamentadas em Gumplowicz (1938-1909) e Oppenheimer (1864-1943), além de Leon Duguit, sustenta ser o Estado resultado de um agrupamento humano estabelecido num território, onde os mais fortes dominam os mais fracos, aplicando-se a força material, dentro de um dualismo de governantes, encontrando o grupo mais forte, limite apenas na solidariedade social. Já a ‘teoria familiar’ defende a família foi o primeiro agrupamento de pessoas que fez às vezes do Estado, primeiramente administrada sobre o comando matriarcal e posteriormente sobre o domínio patriarcal. Segundo Carvalho18, esta teoria procurou justificar o direito divino dos reis e o absolutismo monárquico. Comentando sobre a ‘teorianatural’, ainda, Carvalho 19, assim menciona: A teoria natural justifica o Estado pela sua própria existência. Esta teoria baseia-se na simples constatação empírica da existência do Estado. Sempre que haja uma associação de homens que não tenha nenhuma outra superior a ela, ou seja, associação que se basta a si mesma, que não derive de outra e que vise a fins gerais, aí existe o Estado que se legitima pela sua continuidade histórica e permanência do fenômeno em si mesmo. 16CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 49. 17CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 54. 18CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 55. 19CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 55. 8 Dallari20 ao examinar as principais teorias que procuram explicar a formação originária do Estado, chegou a uma primeira classificação, com dois grandes grupos, a saber: a) Teorias que afirmam a formação natural ou espontânea do Estado, não havendo entre elas uma coincidência quanto à causa, mas tendo todas em comum a afirmação de que o Estado se formou naturalmente, não por um ato puramente voluntário. b) Teorias que sustentam a formação contratual dos Estados, apresentando em comum, apesar de também divergirem entre si quanto às causas, a crença em que foi a vontade de alguns homens, ou então de todos os homens, que levou à criação do Estado. De maneira geral, os adeptos a formação contratual da sociedade é que defendem a tese da criação contratualista do Estado. Conclui-se que o Estado surgiu para dar proteção e prestar serviços às pessoas que viviam em agrupamento. 1.2 CONCEITO DO ESTADO Estado pode ser conceituado como um conjunto de indivíduos (povo), estabelecidos num determinado território fixo de maneira permanente e que obedecem a um governo soberano21. Friede22 afirma que por Estado, entende-se a associação ou um grupo de pessoas fixado sobre determinado território dotado de poder soberano. Define ser um agrupamento e pessoas em território definido, politicamente organizado, guardando a idéia de Nação. Daí é que nasce a construção do conceito sintético de Nação política e juridicamente organizada para definir o termo Estado. 20 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. 2003. p. 54. 21 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 10. 22 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado.p. 115. 9 O sociólogo alemão Max Weber apud Bester23 definiu Estado como o detentor do monopólio da força legítima para a manifestação da ordem vigente, do monopólio da Justiça (punição), da cobrança de tributos fiscais, de cunhar moeda etc. Já Groppali24 entende ser o Estado “(...) pessoa jurídica soberana, constituída de um povo organizado sobre um território sob o comando de um poder supremo, para fins de defesa, ordem, bem-estar e progresso social”. Para Azambuja25, Estado é “(...) a organização político- jurídica de uma sociedade para realizar o bem público, com governo próprio e território determinado”. Dallari 26 vê o Estado como “(...) a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. Pablo Lucas Verdú apud Carvalho27 entende por Estado “(...) a sociedade territorial juridicamente organizada, com poder soberano que busca o bem-estar geral”. Bester28 o define como uma instituição com poderes para organizar a sociedade em um determinado território, coercitivamente, para disciplinar o convívio social humano por meio do direito, por meio de normas jurídicas obrigatórias acompanhadas de sanções. Friede29 comenta que a acepção do termo Estado pode ser demasiadamente amplo, se for levado em consideração as correntes formadas em vários campos do conhecimento que o estudam. A corrente sociológica 23 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional fundamento teóricos. vol. I. São Paulo: Manole, 2005. p. 10-11. 24GROPPALI, Alexandre. Doutrina do Estado. Trad. Paulo Edmar de Souza Queiroz. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 303. 25AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. Porto Alegre: Globo, 1980. p. 6. 26DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. p. 100/101. 27CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 31. 28 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional fundamento teóricos. p. 11. 29 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 116. 10 entende ser o Estado um fenômeno social onde existe uma integração de forças/estratos sociais. A corrente filosófica entende ser o Estado é uma entidade geradora do Direito Positivo. A corrente jurídica entende que o Estado é considerado como uma Nação politicamente organizada, onde a organização é sua palavra chave, pressupondo, para tal, governantes e governados. A respeito do conceito de Estado, Meirelles30 dispõe que: O conceito de Estado varia segundo o ângulo a que é considerado. Do ponto de vista sociológico, é corporação territorial dotada de um poder de mando originário (Jellinek); sob o aspecto político, é comunidade de homens, fixada sobre um território, com potestade superior de ação, de mando e de coerção (Malberg); sob o prisma constitucional, é pessoa jurídica territorial soberana (Biscaretti di Ruffia); na conceituação do nosso Código Civil, é pessoa jurídica de Direito Público Interno (art. 41,I). Como ente personalizado, o Estado tanto pode atuar no campo do Direito Público como no do Direito Privado, mantendo sempre sua única personalidade de Direito Público, pois a teoria da dupla personalidade do Estado acha-se definitivamente superada. De uma forma geral, conforme aborda Friede31, o Estado é definido conceitualmente como a “(...) organização político-administrativo-jurídica do grupo social que ocupa um território fixo, possui um povo e está submetido a uma soberania”. 1.3 ELEMENTOS DO ESTADO Para ser considerado Estado necessita a sociedade política reunir três elementos básicos: povo, território e um governo soberano. 30 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 60. 31 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. 2005. p. 116. 11 1.3.1 Povo O primeiro elemento constitutivo de um Estado é o povo, pois ele é quem dará o suporte para sua existência. Neste norte esclarece Dallari32 que, “É unânime a aceitação de necessidade de elemento pessoal para a constituição e a existência do Estado, uma vez que sem ele não é possível haver Estado e é para ele que o Estado se forma. (...)”. Carvalho33 elucida que O elemento humano constitutivo do Estado, que consiste numa comunidade de pessoas, é o povo. O grupo humano ou a coletividade de pessoas obtém unidade, coesão e identidade com a formação do Estado, mediante vínculos étnicos, geográficos, religiosos, lingüísticos ou simplesmente políticos, que os unem. O povo é, assim, o sujeito e o destinatário do poder político que se institucionaliza. Ele só existe dentro da organização política. Uma vez eliminado o Estado, desaparece o povo como tal. Nesse contexto pode-se dizer que o povo é o componente humano do Estado. Para Friede34 o conceito de povo está relacionado como o somatório de todos os cidadãos do Estado presentes no território pátrio e no exterior (soma de todos os nacionais, independente de sua exata localização espacial-temporal). Ainda, conceituando povo, Dallari35 explica quese deve entender o povo como (...) o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com 32 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. p. 85. 33CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 59. 34 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 116. 35 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. p. 99/100. 12 este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano. Essa participação e este exercício podem ser subordinados, por motivos de ordem prática, ao entendimento de certas condições objetivas, que assegurem a plena aptidão do indivíduo. Todos os que se integram no Estado, através da vinculação jurídica permanente, fixada no momento jurídico da unificação e da constituição do Estado, adquirem a condição de cidadãos, podendo-se, assim, conceituar o povo como o conjunto dos cidadãos do Estado. Dessa forma, o indivíduo, que no momento mesmo de se nascimento atende aos requisitos fixados pelo Estado para considerar-se integrado nele, é, desde logo, cidadão. Mas, como já foi assinalado, o Estado pode estabelecer determinadas condições objetivas, cujo atendimento é pressuposto para que o cidadão adquira o direito de participar da formação da vontade do Estado e do exercício da soberania. Só os que atendem àqueles requisitos e, conseqüentemente, adquirem estes direitos, é que obtêm a condição de cidadãos ativos. Nesse sentido, entende Friede36 que O elemento povo pode ser considerado, conforme já assinalamos, como o simples somatório de nacionais no Brasil e no exterior. Entre os nacionais, podemos fazer referência aos cidadãos, isto é, àqueles que estão no gozo dos direitos políticos, e a outras categorias, incluindo aqui aqueles que tenham perdido temporariamente os direitos políticos, como os condenados criminalmente, e os que não os exercem (ainda que de maneira transitória) por algum motivo (menores, interditados etc). Cunha37 diverge dos demais doutrinadores em seu conceito de povo, afirmando ser este o conjunto de todas as pessoas que compõe a sociedade, adultos e crianças, capazes e incapazes, nacionais e estrangeiros, cidadãos e não-cidadãos, cidadãos ativos e não-ativos, pessoas no gozo de seus direitos políticos e pessoas deles privadas. 36 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 120. 37 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Fundamentos de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 42. 13 1.3.2 Território O território, segundo elemento constitutivo do Estado, pode ser entendido como o elemento material que lhe define as fronteiras dentre as quais exerce o seu poder de competência. Ele constitui a base física do Estado. A propósito, ensina Silva38 que o “(...) território é o limite espacial dentro do qual o Estado exerce de modo efetivo e exclusivo o poder de império sobre pessoas e bens”. No entendimento de Friede39: O território abrange, de forma simplória, algumas partes componentes, tais como: o solo, o subsolo, o espaço aéreo, o mar territorial, a plataforma submarina, navios e aeronaves de guerra (em qualquer lugar do planeta, incluindo o território estatal estrangeiro), navios mercantes e aviões comerciais (no espaço livre, ou seja, nas áreas internacionais não pertencentes a nenhum Estado soberano) e, para alguns autores – apesar da existência de inúmeras controvérsias –, as sedes das representações diplomáticas no exterior (embaixadas). Groppali40 assevera que o território é elemento constitutivo do Estado, assim como o corpo o é para a vida do homem. Conceituando território, Ranelletti41 propõe uma terceira posição, cuja base é a afirmação de que o território é o espaço dentro do qual o Estado exerce seu poder de império sobre tudo que se encontre nele, tanto pessoas como coisas. Dallari42 comenta que 38 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 98. 39 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 116. 40GROPPALI, Alexandre. Doutrina do Estado. p. 118. 41 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. p. 88. 42 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. p. 86/87. 14 Com raríssimas exceções, os autores concordam em reconhecer o território como indispensável para a existência do Estado, embora o considerem de maneiras diferentes. Enquanto para muitos ele é elemento constitutivo essencial do Estado, sendo um dos elementos materiais indispensáveis, outros o aceitam como condição necessária exterior ao Estado, chegando, como Burdeau, à conclusão de que ele, conquanto necessário, é apenas o quadro natural, dentro do qual os governantes exercem suas funções. Bem diversa é a concepção de Kelsen, que, também considerando a delimitação territorial uma necessidade, diz que assim é porque tal delimitação é que torna possível a vigência simultânea de muitas ordens estatais. O território não chega a ser, portanto, um componente do Estado, mas é o espaço ao qual se circunscreve a validade da ordem jurídica estatal, pois, embora a eficácia de suas normas possa ir além dos limites territoriais, sua validade como ordem jurídica estatal depende de um espaço certo, ocupado com exclusividade. Ainda, sintetizando os aspectos fundamentais que têm sido objeto de considerações teóricas, Dallari43 estabelece algumas condições de caráter geral, sobre as quais se pode dizer que praticamente não há divergência, quais sejam: a) Não existe Estado sem território. No momento mesmo de sua constituição o Estado integra num conjunto indissociável, entre outros elementos, um território, de que não pode ser privado sob pena de não sr mais Estado. A perda temporária do território, entretanto, não desnatura o Estado, que continua a existir enquanto não se tornar definitiva a impossibilidade de se reintegrar o território com os demais elementos. O mesmo se dá com as perdas parciais de território, não havendo qualquer regra quanto ao mínimo de extensão territorial. b) O território estabelece a delimitação da ação soberana do Estado. Dentro dos limites territoriais a ordem jurídica do Estado é a mais eficaz, por ser a única dotada de soberania, dependendo dela admitir a aplicação, dentro do âmbito territorial, de normas jurídicas provindas do exterior. Por outro lado, há casos em que certas normas jurídicas do Estado, visando diretamente à situação pessoal dos indivíduos, atuam além dos limites territoriais, embora 43 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado.. p. 89/90. 15 sem a possibilidade de concretizar qualquer providência externa sem a permissão de outra soberania. c) Além de ser elemento constitutivo necessário, o território, sendo o âmbito da ação soberana do Estado, é o objeto de direitos deste, considerando no seu conjunto. Assim é que, caso haja interesse do povo, o Estado pode até alienar uma parte do território, como pode também, em circunstâncias especiais, usar o território sem qualquer limitação, até mesmo em prejuízo dos direitos de particulares sobre porções determinadas. Por sua vez, Doanati apud Carvalho44, afirma que o território não deve ser entendido como elemento constitutivo do Estado, pois, segundo ele, assim como não se concebe considerar parte integrante de um indivíduo uma porção de solo porque estalhe é necessária para seu apoio, da mesma forma é absurdo dizer que o território representa para o Estado elemento constitutivo, ao invés de condição exterior. 1.3.3 Governo Soberano O governo soberano ou simplesmente soberania como também conhecido, destaca-se como o terceiro elemento constitutivo do Estado, diferenciando de Nação, que se caracteriza pelo agrupamento de um povo num território, com um governo, mas que sofre influências de outros povos. Conforme Dallari45: No combate a burguesia contra a monarquia absoluta, que teve seu ponto alto na Revolução Francesa, a idéia da soberania popular iria exercer grande influência, caminhando no sentido de soberania nacional, concebendo-se a nação como o próprio povo numa ordem. No começo do século XIX ganha corpo a noção de soberania como expressão de poder político, sobretudo porque interessava às grandes potências, empenhadas em conquistar territoriais, sustentar sua imunidade a qualquer limitação jurídica. Entretanto, a partir da metade do século, vai surgir na Alemanha a 44CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 64. 45 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. p. 78/79. 16 teoria da personalidade jurídica do Estado, que acabará sendo apontado como o verdadeiro titular da soberania. E já no século XX, aperfeiçoada a doutrina jurídica do Estado, a soberania passa a ser indicada como uma de suas notas características, colocando-se entre os temas fundamentais do direito político, desenvolvendo-se uma completa teoria jurídica da soberania. Essa construção teórica teve um desenvolvimento gradativo, sendo necessário a fixação de várias posições, correspondentes a diversas épocas ou a diferentes pontos de vista, para se apreender o seu conjunto. Para Friede46, o conceito de soberania pode ser traduzido por intermédio de duas classes gramaticais, quais sejam: Soberania em termos objetivos se traduz através de um conceito extremamente complexo. Trata-se de uma expressão que pode ser traduzida simultaneamente por intermédio de duas diferentes classes gramaticais, ou seja, a classe substantiva e a adjetiva. No sentido material (substantivo) é o poder que tem o Estado de se organizar jurídica e politicamente e de fazer valer no seu território a universalidade de suas decisões. No aspecto adjetivo, por sua vez, a soberania se exterioriza conceitualmente como a qualidade suprema do poder, inerente ao Estado, como Nação política e juridicamente organizada. Dallari47, numa concepção puramente jurídica, conceitua soberania como: [...] o poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas, vale dizer, sobre a eficácia do direito. Como fica evidente, embora continuando a ser uma expressão de poder, a soberania é o poder jurídico utilizado para fins jurídicos. Partindo do pressuposto de que todos os atos dos Estados são passíveis de enquadramento jurídico, tem-se como soberano o poder que decide qual a regra jurídica aplicável em cada caso, podendo, inclusive, negar a juridicidade da norma. Segundo essa concepção não há Estados mais fortes ou mais fracos, uma vez que para todos a noção de direito é a mesma. A grande vantagem dessa conceituação jurídica é que mesmo os atos praticados pelo 46 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 117. 47 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. p. 80. 17 Estados mais fortes podem ser qualificados como antijurídicos, permitindo e favorecendo a reação de todos os demais Estados. Maluf 48conceitua soberania como “(...) uma autoridade superior, que não pode ser limitada por nenhum outro poder”. A soberania é o pressuposto fundamental do Estado. É o poder de império, de dominação, que gera um colorário de direitos e obrigações, sendo o poder máximo do Estado, efetuando-se em sua organização política, social e jurídica 49. Miguel Reale50 descreve o conceito de soberania como: [...] o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência. Assim, pois, a soberania jamais é a simples expressão de um poder de fato, embora não seja integralmente submetida ao direito, encontrando seus limites na exigência de jamais contrariar os fins éticos de convivência, compreendidos dentro na noção de bem comum. Dentro desses limites o poder soberano tem a faculdade de utilizar a coação para impor suas decisões. Na concepção de Meirelles51: Governo soberano, é o elemento condutor do Estado, que detém e exerce o poder absoluto de autodeterminação emanado do Povo. Não há nem pode haver Estado independente sem Soberania, isto é, sem esse poder absoluto, indivisível e incontratável de organizar-se e de conduzir-se a vontade livre de seu Povo e de fazer cumprir as suas decisões inclusive pela força, se necessário. Dallari52 analisando os vários conceitos de soberania menciona que: 48 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 19. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1988. p. 116. 49 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 117. 50 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria Geral do Estado. p. 80/81. 51 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 60. 18 [...]. Entre os autores há quem se refira a ela como um poder do Estado, enquanto outros preferem concebê-la como qualidade do poder do Estado, sendo diferente a posição de Kelsen, que, segundo sua concepção normativa, entende a soberania como expressão da unidade de uma ordem. Para Heller e Reale ela é uma qualidade essencial do Estado, enquanto Jellinek prefere qualificá-la como nota essencial do poder de Estado. Ranelletti faz uma distinção entre soberania, como o significado de poder de império, hipótese em que é elemento essencial do Estado, e soberania com o sentido de qualidade do Estado, admitindo que esta última possa faltar sem que se desnature o Estado, o que, aliás, coincide com a observação de Jellinek de que o Estado Medieval não apresentava essa qualidade. É o conceito de soberania uma das bases da idéia de Estado Moderno, destacando-se na importância para que este fosse definido, exercendo grande influência prática nos últimos séculos, sendo ainda uma característica fundamental do Estado53. Friede54 ensina que o conceito de soberania está intrinsecamente relacionado ao conceito de Estado perfeito, sendo o poder absoluto em um território, o que leva a criar, no Direito Internacional, o conceito de não-intervenção entre Estados soberanos. É o direito de criar o seu próprio governo, instituições e a própria Constituição. Segundo Bodin55, "(...) a soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República, expressão esta que se usa tanto em relação aos particulares quanto em relação aos que manipulam todos os negócios de estado de uma República”. Dallari56 acentua que: 52 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. p. 79. 53 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. p. 74/75. 54 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 117. 55 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. p. 77. 56 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. p. 84. 19 De fato, porém, apesar do progresso verificado, a soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: comosinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes dos Estados que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio povo, não serem mais submissos a qualquer potência estrangeira; ou como expressão de poder jurídico mais alto, significando que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder de decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica. É obvio que a afirmação de soberania, no sentido de independência, se apóia no poder de fato que tenha o Estado, de fazer prevalecer sua vontade dentro de seus limites jurisdicionais. A conceituação jurídica de soberania, no entanto, considera irrelevante, em princípio, o potencial de força material, uma vez que se baseia na igualdade jurídica dos Estados e pressupõe o respeito recíproco, como regra de convivência. Neste caso, a prevalência da vontade de um Estado mais forte, nos limites da jurisdição de um mais fraco, é sempre um ato irregular, antijurídico, configurando uma violação de soberania, passível de sanções jurídicas. E mesmo que tais sanções não possam ser aplicadas imediatamente, por deficiência dos meios materiais, o caráter antijurídico de violação permanece, podendo servir de base a futuras reivindicações bem como à obtenção de solidariedade de outros Estados. Carvalho57 assinala que a soberania é una, indivisível, inalienável e imprescritível, considerando ser uma porque não existe no mesmo Estado, mais de uma autoridade soberana. Indivisível porque o poder soberano não se divide, não impedindo, entretanto, uma repartição de competências, segundo a clássica divisão do poder em Legislativo, Executivo e Judiciário, sendo que poder soberano é uno e indivisível, onde o que se divide são suas tarefas. É inalienável porque não se transfere a outrem, haja vista que o corpo social que a detém desapareceria no caso de sua alienação. Imprescritível porque o poder soberano é vocacionado para existir permanentemente, inexiste prazo certo para sua duração. 57CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 75. 20 1.4 AS FORMAS DO ESTADO Carvalho58 entende por forma de Estado a maneira em que o Estado organiza o povo e o território e estrutura o seu poder a outros poderes de igual natureza, que a ele ficarão coordenados ou subordinados. Sobre forma de Estado, Silva59 dispõe: O modo de exercício do poder político em função do território dá origem ao conceito de forma de Estado. Se existe unidade de poder sobre o território, pessoas e bens, tem-se Estado unitário. Se, ao contrário, o poder se reparte, se divide, no espaço territorial (divisão espacial de poder), gerando uma multiplicidade de órgãos governamentais, distribuídas regionalmente, encontramo-nos diante de uma forma de Estado composto, denominado Estado Federal ou Federação de Estados. As formas de Estado, na concepção de Araujo60, são definidas a partir do critério territorial, tendo como referência a existência e o conteúdo do regime de descentralização político-administrativa de cada Estado, indicando, por este modo, a existência de um Estado Unitário ou Federal. Segundo Carvalho61, “A forma de Estado leva em consideração a composição geral do Estado, a estrutura do poder, sua unidade, distribuição e competência no território do Estado”. Friede62 menciona que nos dias atuais o Estado pode ser entendido, do ponto de vista de sua organização interna, como um Estado Unitário, um Estado Federal ou um Estado Confederal. Para Araujo63 “(...) as formas de Estado referem-se à projeção do poder dentro da esfera territorial, tomando como critério a existência, 58CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 81. 59 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 98/99. 60ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2005. p. 243. 61CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 81. 62 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 122. 21 a intensidade e o conteúdo de descentralização político-administrativa de cada um”. Carvalho64 aponta que: Consoante se atenda à ocorrência de um único poder político ou a uma pluralidade de poderes políticos, unidade ou pluralidade de ordenamentos jurídicos originário (Constituições), no âmbito territorial do Estado, os Estados classificam-se em Estados simples ou unitários, e Estados compostos ou complexos. Araujo65 acrescenta que o Estado, quanto a sua forma, pode ser classificado em Federal ou Unitário. O Estado Unitário possui um só poder para todo o seu território, já o federal se descentraliza. Para Friede66 “O Estado Unitário Centralizado é caracterizado e definido como o Estado onde inexiste, em sua organização interna, qualquer tipo de repartição”. Afirma Araujo67 que o Estado Unitário é o caracterizado pela centralização política, onde existe um único pólo constitucionalmente capacitado a produzir, com autonomia, normas jurídicas, admitindo a existência de entidades descentralizadas, sem que possuam autonomia, agindo por delegação do órgão central, chamando para si o monopólio da capacidade política. Carvalho68, analisando o Estado Unitário, comenta que esta forma de Estado é impossível de ocorrer no mundo contemporâneo, pois em virtude da complexidade da própria sociedade política, esta reclama um mínimo de descentralização, ainda que apenas administrativa, nas modalidades institucional ou funcional. 63ARAUJO, L. A. D.; NUNES JÚNIOR, V. S.. Curso de Direito Constitucional. p. 244. 64CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 81. 65ARAUJO, L. A. D; NUNES JÚNIOR, V. S.. Curso de direito constitucional. p. 244. 66 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 122. 67ARAUJO, L. A. D; NUNES JÚNIOR, V. S.. Curso de direito constitucional. p. 244/245. 68CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 82. 22 A esse respeito acentua Friede69 que nos dias atuais o Estado Unitário Centralizado é uma espécie em extinção, devido às múltiplas servidões próprias de um Estado que exige, para sua própria sobrevivência eficiente, várias descentralizações em todos os seus meios organizacionais e operativos. Na concepção de Carvalho70, “O Estado unitário centralizado caracteriza-se pela simplicidade de sua estrutura: nele há uma só ordem jurídica, política e administrativa”. Comentando sobre o tema, Michel Temer71 acentua que: No Estado Unitário há um único centro de irradiação legislativa que se espraia por todo um dado território. Nele não se cogita da possibilidade da divisão da ordem jurídica de acordo com uma divisão de negócios por circunscrições territoriais. Ao contrário, a ordem é uma, global, abrangente de todas as relações humanas que ocorrerem na área onde atua a soberania do Estado. Friede72 ensina que no Estado Unitário Descentralizado há efetiva repartição de atribuições entre a parte centralizada e as descentralizadas, as quais são realizadas através da outorga das normas às comunas, departamentos etc. Nesse tipo de Estado, a repartição de competências se dá, unicamente no nível administrativo. Como exemplos contemporâneos de Estados Unitários Descentralizados tem-se a França, a Itália, entre outros. Carvalho73 dispõe que o Estado unitário quando possui certa descentralização se manifesta no Estado Regional. 69 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucionale de teoria geral do Estado. p. 122. 70CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 82. 71TEMER, Michel. Território Federal nas constituições brasileiras. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975. p. 3. 72 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria ceral do Estado. p. 122. 73CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 82. 23 Araújo 74 conclui que no Estado Unitário existe uma única ordem à qual se reporta todo o ordenamento colhido pelo poder soberano do resistivo Estado. O Estado Federal é formado pela união de Estados independentes os quais abrem mão de sua soberania em favor de um governo central, geralmente denominado Governo Federal, mantendo, entretanto, certa autonomia, de acordo com os preceitos constitucionais. Nesse sentido tem se posicionado Friede75: O Estado Federal é, por definição, aquele onde estão asseguradas, pela Constituição, autonomia política-administrativa às partes descentralizadas (Estados-Membros, Províncias, Territórios etc.). É, nesse sentido, reputada, pela quase unanimidade dos autores, como a forma mais moderna de Estado. São exemplos atuais de Estados Federais, praticamente todos os Estados americanos, como, por exemplo, os Estados Unidos e o Brasil, entre outros, além de alguns estados europeus cuja unificação ocorreu tardiamente, como no caso da Alemanha. Conforme ensina Silva76, o Brasil assumiu a forma de Estado federal, em 1889, com a proclamação da República, sendo mantido nas constituições posteriores, muito embora o federalismo da Constituição de 1967 e de sua Emenda 1/69 tenha sido apenas nominal. A Constituição de 1988 manteve-a no seu art. 1º, o qual configura o Brasil como uma República Federativa. Eis o expresso termo do artigo 1º da CRFB/88, “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito”. 74ARAUJO, L. A. D; NUNES JÚNIOR, V. S. Curso de direito constitucional. p. 245. 75 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 122. 76 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 99. 24 Carvalho77 acrescenta que a federação se organiza com base numa Constituição, não havendo tratado, nem pacto que sirva de suporte jurídico para o Estado Federal, apenas uma Constituição que dá validade e serve de fundamento para os ordenamentos jurídicos locais. Para Araujo78, o Estado Federal nasce do vínculo de partes autônomas, de vontades parciais, nascendo simultaneamente uma entidade central, corporificadora do vínculo federativo, e diversas entidades representativas das vontades parcelares, sendo que todas essas entidades são dotadas de autonomia e possuem o mesmo patamar hierárquico no bojo da Federação. Para Silva79, a federação consiste na união de coletividades regionais autônomas denominada pela doutrina como Estados federados, Estados-membros ou simplesmente Estados. Nessa composição, à vezes, entram outros elementos, como os Territórios Federais e o Distrito Federal, sendo que no sistema brasileiro, destaca-se os Municípios, agora também incluídos na estrutura político-administrativa da Federação brasileira (art. 18 CRFB/88). Prescreve o caput do art. 18 da Constituição: “A organização político-administrativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos nos termos desta Constituição”. Sobre esta divisão dual das formas de Estado, esclarece Araujo80 que, embora seja a mais recorrente, não é consensual, pois apontam-se outras, como, por exemplo, o Estado Regional, que constitui uma forma intermediária entre o Unitário e o Federal, no qual se dotam de autonomia entes regionais. Ao lado dos Estados Regionais, existem ainda formas inominadas, que agrupam característicos de modelos formais conhecidos. 77CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 87. 78ARAUJO, L. A. D; NUNES JÚNIOR, V. S.. Curso de direito constitucional. p. 246. 79 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 99/100. 80ARAUJO, L. A. D; NUNES JÚNIOR, V. S.. Curso de direito constitucional. p. 244. 25 Conceituando Estado Regional, Sousa81 esclarece ser um Estado Unitário, que dispõe de uma só Constituição, elaborada por uma instância em que não participam as regiões, verificando-se uma descentralização política em regiões autônomas, nos termos da Constituição e de Estatutos orgânicos regionais, outorgados ou aprovados pelos órgãos legislativos centrais. Carvalho82 acrescenta que para se esclarecer o perfil do Estado Regional, o qual se aproxima do Estado Federal, é necessário distinguir desconcentração, descentralização administrativa e descentralização política, onde existe desconcentração quando se transferem para diversos órgãos, dentro de uma mesma pessoa jurídica, competências decisórias e de serviços, mantendo tais órgãos relação hierárquica e de subordinação. Já a descentralização administrativa pode ser verificada quando existe a transferência de atividade administrativa ou, simplesmente, a transferência do exercício dela para outra pessoa, isto é, desloca-se do Estado que a desempenharia através de sua Administração Central, para outra pessoa, normalmente pessoa jurídica. A descentralização administrativa implica na criação de novas pessoas jurídicas, por lei, para além do Estado, às quais são conferidas competências administrativas. Já a descentralização política ocorre quando se confere a uma pluralidade de pessoas jurídicas de base territorial competências não só administrativas, mas também políticas (Estados-Membros, Distrito Federal e Município, no Direito Constitucional Brasileiro). Friede83, conceituando Estado Confederal, explica que: O Estado Confederal, para aqueles que defendem a sua existência, caracteriza-se basicamente pela existência de partes descentralizadas (Repúblicas, Territórios etc.) dotadas constitucionalmente de soberania, ainda que autolimitadas por decisões e livre vontade individual de cada parte integrante. Todavia, parte significativa dos autores rejeitam a idéia da existência do Estado Confederal exatamente pela impossibilidade de serem impostas limitações à soberania de cada integrante da 81SOUSA, Marcelo Rebelo de. Direito constitucional. Braga: Livraria Cruz, 1979. p. 146/147. 82CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 82. 83 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 123. 26 Confederação, uma vez que a soberania, por sua própria definição, é instrumentalizada originária, inalienável e ilimitada. Carvalho84 assevera que “A Confederação de Estados constitui uma associação de Estados soberanos que se unem para determinados fins (defesa e paz externas)”. A esse respeito, ainda, dispõe Carvalho85 que a Confederação é instituída por tratado, admitindo, em regra, o direito de cessão, sendo que os órgãos confederativos deliberam por maioria, podendo à unanimidade ser exigida para assuntos mais importantes, bem como o direito de nulificação, onde cada Estado pode opor-se às decisões do órgão central. Friede86 acentua que a antiga União das Repúblicas Socialista Soviéticas (URSS), considerada unicamente sob a ótica jurídica, consoante sua Constituição, era reconhecida, por grande parte dos estudiosos do Direito Internacional Público, como uma sinérgica Confederação que reunia 15 Repúblicas autônomas e soberanas, o que ficou evidenciado, de certa maneira, com o posterior surgimento da Comunidade de Estados Independentes (CEI). 1.5 ORGANIZAÇÃODO ESTADO E SUAS FUNÇÕES Meirelles87 explica que a organização do Estado é matéria constitucional no que se refere à divisão política do território nacional, à estruturação dos Poderes, à forma de Governo, ao modo de investidura dos governantes, aos direitos e garantias dos governados. A organização do Estado brasileiro está assim delineada na Constituição da República de 1988: Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, 84CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 86. 85CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 86. 86 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 123. 87 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 61. 27 constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. De transcendência importância é, também, o artigo 2º da CRFB/88, que dispõe: Art. 2º. São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Para Araujo88 a vontade estatal é única, e manifesta-se por suas funções, a executiva, a legislativa e a judiciária. Souza89 define a função do Estado como a atividade desenvolvida por um ou vários órgãos do poder político de modo duradouro, e em particular na sua forma, visando a persecução dos fins do Estado. Araújo90 acentua que a função legislativa pode ser definida como a de criação e inovação do ordenamento jurídico, tendo por finalidade a formulação de regras genéricas e abstratas, as quais devem ser compulsoriamente observadas pelos indivíduos e pelos órgãos estatais. A lei é o ato tipicamente produzido pela função legislativa. Carvalho91 afirma que “A função legislativa consiste na prática de atos-regra”. 88ARAUJO, L. A. D; NUNES JÚNIOR, V. S.. Curso de direito constitucional. p. 299. 89SOUSA, Marcelo Rebelo de. Direito constitucional. p. 236. 90ARAUJO, L. A. D; NUNES JÚNIOR, V. S.. Curso de direito constitucional. p. 300. 91CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 110. 28 A função executiva, no entendimento de Araújo92, tem por objetivo a administração da coisa pública, se realizando por meio de atos e decisões produzidos com a finalidade de dar cumprimento ao disposto nas leis, materializando-se pelos chamados atos administrativos. Conceituando a função administrativa, Carvalho93 comenta que ela consiste na prática de atos-condição, dos atos subjetivos e das denominadas operações materiais, sem caráter jurídico, realizadas pelos órgãos da Administração Pública, destinando assegurar o funcionamento dos seus serviços. Para Piçarra94, a função jurisdicional é a voltada para a aplicação da lei ao caso controvertido, se destina à conservação e à tutela do ordenamento jurídico mediante o proferimento de decisões individuais e concretas, dedutíveis das normas gerais, declarando a conformidade ou a não- conformidade dos fatos com estas e determinando as eventuais conseqüências jurídicas. No entendimento de Carvalho95, a função jurisdicional consiste na prática dos atos jurisdicionais, que tanto podem ser atos-condição como atos subjetivos, não os definindo seu conteúdo, mas a circunstância de provirem de um órgão dotado de imparcialidade e independência (tribunal ou juiz singular). O Estado brasileiro, tendo adotado o princípio federativo, organizou-se internamente, mediante os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), que estão estruturados através de órgãos públicos, denominados a partir do Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, cada qual desenvolvendo função específica do Poder, que serão tratados no próximo capítulo. 92ARAUJO, L. A. D; NUNES JÚNIOR, V. S. Curso de direito constitucional. p. 300. 93CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 110. 94PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional. Coimbra: Coimbra, 1989. p. 248. 95CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 110. CAPÍTULO 2 DIVISÃO DAS FUNÇÕES DO PODER NO ORDENAMENTO BRASILEIRO Conforme tratado no Capítulo anterior deste trabalho monográfico, a organização do Estado brasileiro está centrada nos Entes Federativos, tais como União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios. Os Entes federativos se auto-organizaram criando estruturas políticas, administrativas e jurisdicionais96. 2.1 PODER LEGISLATIVO 2.1.1 A organização e divisão das funções do Poder Legislativo na União Na União, o Poder Legislativo está organizado a partir do Congresso Nacional, constituído de forma bicameral. O artigo 44 da CRFB/88, assim dispõe: Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe de Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A estrutura bicameral do Congresso Nacional encontra-se dividido em duas câmaras: a Câmara Alta (Senado Federal), cujos membros representam (de forma fixa) as unidades de federação (Estados e Distrito Federal), e a Câmara Baixa (Câmara dos Deputados), cujos membros representam (de forma proporcional) o povo97. 96 O Distrito Federal e os Municípios não possuem organizações jurisdicionais próprias (nota da Autora). 97 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 217. 30 A Câmara dos Deputados, conforme estabelece o artigo 45 da CRFB/88 compõe-se de representantes do povo, cuja escolha se dá através de eleições realizada pelo sistema proporcional98 em cada Estado e Distrito Federal. O número total de Deputados varia, sendo proporcional à população de cada Estado e do Distrito Federal, sendo estabelecido, no ano anterior às eleições, por lei complementar, a fim de que nenhum Estado-Membro e Distrito Federal, tenha menos de 8 ou mais de 70 Deputados99. Segundo Carvalho100 este critério tem sido considerado injusto, pela disparidade existente entre os Estados mais populosos e os menos populosos. O Senado Federal é composto de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário101, para mandato de oito anos. O mandato mais longo dos Senadores constitui fator de harmonia e ponderação, precaução de cuidado, afastando-se das paixões e dos interesses de curto prazo, em virtude ainda do papel conservador do Senado Federal, de modo a evitar atritos no âmbito do bicameralismo, o que irá contribuir para melhor entendimento entre o Legislativo e o Executivo102. Segundo Silva103, as competências privativas da Câmara dos Deputados, assim como as do Senado Federal, são exercidas através de Resoluções. 98 Sistema proporcional tem aplicação na eleição para Deputado Federal e Estadual e Vereadores, coligando-se os partidos para eleger seus candidatos, considerando-se eleitos aqueles que forem abrangidos pelo quociente eleitoral, ou seja, a divisão do número de votos válidos apurados pelo de lugares a serem preenchidos em cada circunscrição eleitoral. (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 1307). 99 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. art. 45. 100 CARVALHO, Kildare Gonçalves.Direito constitucional. p. 605. 101 Sistema majoritário é a representação, em dado território (circunscrição ou distrito), cabe ao candidato ou candidatos que obtiverem a maioria (absoluta ou relativa) dos votos. (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 1308). 102 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 607. 103 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Breves comentários à Constituição Federal. vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 47-50. 31 O Senado assegura a participação dos entes federados na formulação das leis, sendo requisito para a existência de uma federação e a Câmara resguarda a participação popular na criação das normas. O Congresso Nacional atua através das Casas que o compõe, agindo em conjunto ou separadamente, permitindo-se concluir que existem três formas da reunião parlamentar104. A competência do Congresso Nacional está mencionada, em parte, nos arts. 22 e 24 da CRFB/88, e especificada nos arts. 48 a 52 do mesmo diploma legal105. As competências da Câmara dos Deputados estão previstas no art. 51, e as do Senado Federal então no art. 52, ambos da CRFB/88. 2.1.2 A organização e divisão das funções do Poder Legislativo nos Estados-Membros A auto-organização dos Estados Federados revela-se por meio de Constituição Estadual própria elaborada pelo Poder Constituinte Decorrente, conforme menciona o art. 25 da CRFB/88. Também, a autonomia estadual decorre da CRFB/88, fonte matriz do Poder Constituinte Estadual, sendo que aos Estados são reservados todos os poderes que não lhes sejam vedados pela CRFB/88, a qual estabelece uma série de princípios e vedações a serem observados pelos Estados-Membros na sua organização106. O Poder Legislativo nos Estados é exercido exclusivamente pelas Assembléias Legislativas, organizada através do sistema unicameral107. 104 FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. p. 217. 105 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Fundamentos do direito constitucional. p. 359. 106 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 557. 107 ARAUJO, L. A. D; NUNES JÚNIOR, V. S. Curso de direito constitucional. p. 280. 32 O art. 27 da CRFB/88 dispõe sobre a estruturação das Assembléias Legislativas, indicando genericamente a forma de composição e o seu regime jurídico, ou seja, o número de cadeiras para Deputados Estaduais devida a cada Casa, que corresponderá ao triplo do número de Deputados Federais que aquele Ente federativo eleger e, atingindo o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze. O mandato dos Deputados Estaduais será de 04 (quatro) anos, ou seja, uma legislatura, aplicando-se a eles as mesmas regras sobre imunidades, vedações e incompatibilidades dos Deputados Federais108. Seus subsídios serão fixados por lei, de iniciativa da Assembléia Legislativa, não podendo ultrapassar 75% (setenta e cinco por cento) do estabelecido aos Deputados Federais109. O Supremo Tribunal Federal110 já se manifestou no sentido da necessidade da observância, pelos Estados-Membros, de padrões jurídicos inscritos na CRFB/88, relativos à iniciativa das leis, assim decidindo: (...) não obstante a ausência de regra explícita na Constituição de 1988, impõe-se aos Estados-Membros a observância das linhas básicas do correspondente modelo federal, particularmente as de reserva de iniciativa, na medida em que configuram elas prismas relevante do perfil do regime positivo de separação e independência dos poderes, que é princípio fundamental ao qual se vinculam compulsoriamente os ordenamentos das unidades federadas. Neste sentido, pode-se verificar que a atuação do Poder Legislativo Estadual e Distrital encontra-se vinculado a CRFB/88. 108 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual de direito constitucional. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Millennium, 2005. p. 143. 109 ARAUJO, L. A. D; NUNES JÚNIOR, V. S. Curso de direito constitucional. p. 281. 110 STF. ADIn nº 872/RS [In CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. p. 668]. 33 2.1.3 A organização e divisão das funções do Poder Legislativo no Distrito Federal No caso particular do Distrito Federal, o Poder Legislativo é exercido pela sua Câmara Legislativa Distrital111. Por expressa previsão constitucional, o Distrito Federal é um Ente federativo autônomo, com personalidade jurídica de direito público interno. A auto-organização do Distrito Federal (assim como nos Municípios), é feita por meio de Lei Orgânica, votada em duplo turno, com interstício mínimo de dez dias e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que deverá promulgá-la, obedecidos os princípios da CRFB/88. 112 Por se tratar de Estado Anômalo, com poderes peculiares de Estados e Municípios e por cediar no seu espaço territorial a Capital Federal, o Distrito Federal não poderá ser dividido em Municípios, os quais possuem autonomia parcialmente tutelada pela União, pois o art. 32, § 4º, da CRFB/88, estabelece não existir polícias civil, militar e corpo de bombeiros militar pertencentes ao Distrito Federal, pois são mantidas pela União113. Essas instituições, como já mencionado, são organizadas e mantidas diretamente pela União, a exemplo do que acontece com o Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública do Distrito Federal conforme os arts. 21, XIII, XIV e 22, XVII, ambos da CRFB/88114. Portanto, o Distrito Federal nasce com a mesma auto- organização do Município, realizada através de lei orgânica, aproxima-se do Estado-membro, por receber competências legislativas municipais e estaduais, possui os mesmos tributos do Estado e do Município, porém sofre restrições em 111 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Breves comentários à Constituição Federal. p. 1. 112 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual de direito constitucional. p. 147. 113 ARAUJO, L. A. D; NUNES JÚNIOR, V. S. Curso de direito constitucional. p. 291/292. 114 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual de direito constitucional. p. 148. 34 relação a sua competência, pois tem ainda tutela da União (art. 21, XIII e XIV, CRFB)115. 2.1.4 A organização e divisão das funções do Poder Legislativo nos Municípios A autonomia municipal, alcançada pela CRFB/88, permitiu que os Municípios, até então considerado simples entidade administrativa autônoma, passassem a ter o status de Ente federado, ao lado da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal, conforme se verifica no art. 18 da CRFB/88116. O Poder Legislativo Municipal é exercido através da Câmara Municipal117, também conhecido como Câmara de Vereadores. A Câmara de Vereadores dos Municípios brasileiros, analisada pela teoria da separação dos poderes, representa o Poder Legislativo local, com funções legislativas e de fiscalização dos atos do Prefeito e de administração dos seus serviços. Compõe-se de Vereadores, variando de nove a cinqüenta e cinco, de acordo com o número de habitantes do Município, eleitos diretamente pelos eleitores municipais, para uma legislatura de quatro anos, funcionando com períodos legislativos anuais e sessões plenárias sucessivas para realizar suas atribuições118. Nesse aspecto, é importante ressaltar inclusive, a existência de autores que entendem que o Poder Legislativo municipal, exercido pela Câmara de Vereadores, não representa um autêntico Poder Legislativo, tendo em vista que os Vereadores (originalmente, simples fiscais de posturas) não são 115 ARAUJO, L. A. D; NUNES JÚNIOR, V. S.