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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” (ESPECIALIZAÇÃO) A DISTÂNCIA PROCESSAMENTO E CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL - PCQ Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite Luiz Ronaldo de Abreu Universidade Federal de Lavras - UFLA Lavras – MG 2014 Ficha Catalográfica preparada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da UFLA Palavras-chave: leite; físico-química; qualidade; processamento. Governo Federal Presidente da República: Dilma Vana Rousseff Ministro da Educação: José Henrique Paim Fernandes Universidade Federal de Lavras Reitor: José Roberto Soares Scolforo Vice-Reitora: Édila Vilela Resende von Pinho Pró-Reitora de Pós-Graduação: Alcides Moino Júnior Pró-Reitor Adjunto Lato sensu: Daniel Carvalho de Rezende Centro de Educação a Distância Coordenador Geral: Ronei Ximenes Martins Coordenador Pedagógico: Warley Ferreira Sahb Coordenador de Projetos: Daniel Carvalho de Rezende Coordenadora de Apoio Técnico: Fernanda Barbosa Ferrari Coordenador de Tecnologia da Informação: André Pimenta Freire Coordenador(a) de Curso: Processamento e Controle de Qualidade de Produtos de Oriegem Animal (PCQ): Luiz Ronaldo de Abreu SUMÁRIO 1 - INTRODUÇÃO ................................................................................. 1 2 – COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO LEITE .............................................. 5 2.2 DESCRIÇÃO DOS MACROCONSTITUINTES ......................... 8 2.2.1 ÁGUA ..................................................................................... 8 2.2.2 LACTOSE .............................................................................. 8 2.2.3 PROTEÍNAS ....................................................................... 15 2.2.3.1 CASEÍNA .......................................................................... 17 2.3.3 LIPÍDEOS ........................................................................ 27 2.3.4 VITAMINAS E MINERAIS .................................................... 30 3 - DEFINIÇÃO DO LEITE .................................................................. 32 3.1 SOB PONTO DE VISTA FISIOLÓGICO ............................................. 33 3.2 SOB PONTO DE VISTA FÍSICO-QUÍMICO ........................................ 33 3.3 SOB PONTO DE VISTA HIGIÊNICO ................................................. 34 3.4 ANÁLISE DOS CONCEITOS .......................................................... 34 3.4.1 Produto íntegro ................................................................... 34 3.4.2 Ordenha total ...................................................................... 36 3.4.3 Ordenha sem interrupção .................................................... 37 3.4.4 Bom estado de saúde ......................................................... 37 3.4.5 Bem alimentada .................................................................. 38 3.4.6 Sem sofrer cansaço ............................................................ 39 3.4.7 Sem colostro ....................................................................... 39 3.4.8 Recolhido e manipulado em condições higiênicas .............. 40 4 - PRODUÇÃO HIGIÊNICA DO LEITE.............................................. 41 4.1 OBJETIVOS DA OBTENÇÃO HIGIÊNICA .......................................... 42 MÉTODO DE LAVAGEM .................................................................. 45 A ORDENHA .................................................................................... 45 O TRANSPORTE ............................................................................. 46 4.2 CUIDADOS GERAIS .............................................................. 46 5 - CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUALIDADE DO LEITE ............... 49 5.1 COMPOSIÇÃO QUÍMICA .............................................................. 53 5.2 CONTAGEM TOTAL DE BACTÉRIAS ............................................... 55 5.3 RESFRIAMENTO DO LEITE ........................................................... 59 5.4 COLETA DE LEITE A GRANEL ....................................................... 62 5.5 CONTAGEM DE CÉLULAS SOMÁTICAS ........................................... 62 6 - TRATAMENTOS DO LEITE .......................................................... 66 6.1 FILTRAÇÃO ............................................................................... 67 6.2 RESFRIAMENTO ........................................................................ 67 6.3. HOMOGENEIZAÇÃO DO LEITE ............................................ 67 6.4 PASTEURIZAÇÃO ....................................................................... 73 6.4.1 Introdução e definição ......................................................... 73 6.5 PASTEURIZAÇÃO DO LEITE ......................................................... 74 7 – TERMIZAÇÃO DO LEITE ............................................................. 84 7.1 O QUE É TERMIZAÇÃO? ....................................................... 85 7.2 QUAL O SEU OBJETIVO? .................................................. 85 7.3 EM QUE CONDIÇÕES DEVE SER UTILIZADA? ................................. 86 7.4 QUAL TIPO DE LEITE? ................................................................ 86 7.5 QUAL TIPO DE EQUIPAMENTO? ................................................... 87 7.6 QUAL O PADRÃO ENZIMÁTICO? ................................................... 87 7.7 QUAL O TRATAMENTO COMPLEMENTAR? ..................................... 87 9 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................... 125 Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 1 1 - INTRODUÇÃO Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 2 Segundo o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal - RIISPOA, em seu Artigo 475: “Entende-se por leite, sem outra especificação, o produto oriundo da ordenha completa, ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas. O leite de outros animais deve denominar-se segundo a espécie de que proceda”. O leite tem sido utilizado como alimento pelos humanos desde os tempos pré-históricos, sendo obtido de cabra, búfala, ovelha e da vaca, dentre outras. O leite e o mel são os únicos produtos cuja função na natureza é exclusivamente a de servir como alimento. É lógico assumir, portanto, que o leite é um produto de alto valor nutritivo. Possui também uma complexidade muito grande, com mais de 100.000 espécies moleculares diferentes. Todas as espécies de mamíferos, do ser humano às baleias, produzem leite com o objetivo de nutrir o recém-nascido. Há muitos séculos o homem primitivo aprendeu a domesticar animais, primeiramente para a obtenção de carne e logo em seguida descobriu as vantagens da utilização de seu leite. Para grande parte da população humana, o leite é um importante alimento como tal e uma importante matéria-prima na elaboração de produtos diversos. Acredita-se que a domesticação de animais tenha acontecido entre 10.000 e 6.000 a.C., na Mesopotâmia, região compreendida entre os rios Tigres e Eufrates. Nas cercanias de UR foi encontrado um alto relevo, datado de aproximadamente 3.500 anos a.C. mostrando vacas sendo ordenhadas com o leite recolhido em vasilhame feitode barro. Quando os descobridores chegaram à América não encontraram no Novo Continente o gado bovino. Os primeiros dessa espécie foram introduzidos no Brasil em 1534, por Martin Afonso de Souza, depois nova remessa foi trazida por Tomé de Souza em 1550; Duarte da Costa trouxe algumas cabeças para Pernambuco e Garcia D’Ávila para a Bahia, tendo esses rebanhos se espalhado pelas capitanias do Nordeste e daí para o centro do país. Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 3 Garcia Rodrigues obteve em 1703 uma autorização para iniciar uma criação de gado bovino em uma localidade denominada Borda da Mata localizada hoje nas proximidades de Barbacena no estado de Minas Gerais. Um importante político de Barbacena, Coronel Carlos de Sá Fortes, proprietário de cinco fazendas e cento e vinte e nove escravos, trouxe para a região dois touros holandeses, o primeiro em 1852 o touro Patuá e depois, em 1858, o touro Trigo. Esses touros deram início à criação de gado leiteiro da raça holandesa nessa localidade da Mantiqueira na região dos Campos das Vertentes de Minas Gerais. O gado holandês foi introduzido no estado de São Paulo em 1889, em Guratinguetá, no Vale do Paraíba, por Rafael Brotero que importou alguns reprodutores da Europa. Embora já existissem no Brasil fábricas de laticínios rudimentares desde o início da criação do gado bovino, é creditado ao Dr. Antônio Pereira de Sá Fortes, neto do Coronel Carlos de Sá Fortes, a montagem da primeira fábrica de laticínios mecanizada do país, após esse médico ter passado um longo período de tempo na Europa, onde adquiriu equipamentos e contratou técnicos os quais mais tarde montaram suas próprias fábricas nas regiões de Palmira (hoje Santos Dumont) e Lima Duarte no Estado das Alterosas. Com o desenvolvimento das criações nas províncias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Paraná e Piauí, após a segunda metade do século XIX, a pecuária tomou um grande impulso. No início do século vinte surgiram as primeiras fábricas de leite condensado, em Araras no estado de São Paulo, em Caxambú, Oliveira, Taubaté e Itanhandú, todas elas dando mais tarde lugar a estabelecimentos mais modernos. Hoje, o leite representa, sem a menor sombra de dúvidas, um dos produtos mais importantes da agropecuária brasileira, com um importante e cada vez mais tecnificado parque fabril. Maiores produções de leite, crescente processo de industrialização e diversificação de produtos, mercado interno com maior poder de compra, fazem com que Brasil possa almejar maior inserção no mercado internacional de lácteos. Para acompanhar essa evolução e pretensão, todos aqueles que atuam nos diversos setores da cadeia do Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 4 leite têm necessariamente que ter um objetivo dos mais importantes, qual seja: A BUSCA INCESSANTE PELA MELHORIA DA QUALIDADE DO LEITE PRODUZIDO NO BRASIL. Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 5 2 – COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO LEITE Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 6 2.1 COMPOSIÇÃO E ESTRUTURA A função do leite na natureza é a de nutrir e fornecer proteção imunológica para o mamífero na primeira fase de sua vida. O leite tem sido alimento para o ser humano desde épocas remotas; desde o leite humano, de cabra, búfala, ovelha até o leite de vaca, hoje o mais consumido e processado em todo o mundo. É interessante observar que o leite e o mel são os únicos produtos cuja única função na natureza é a de servir como alimento. Sabidamente o leite possui um alto valor nutritivo, constituindo-se de um alimento complexo, com mais de 100.000 espécies moleculares já identificadas. Existe um grande número de fatores que afetam a composição do leite, tais como: espécie, raça, indivíduo, estágio de lactação, ordem de parição, manejo, alimentação, estações do ano, variações geográficas, primeira e segunda ordenha, estado de saúde da vaca, sistema de ingestão de água, dentre outros. Levando em consideração esses fatores de variação, a composição química do leite pode ser expressa somente em valores aproximados. O leite pode ser fracionado em seus macroconstituintes, conforme Figura 1. LEITE ÁGUA GORDURA SÓLIDOS TOTAIS SÓLIDOS DESENGORDURADOS LACTOSE PROTEÍNAS MINERAIS OUTROS FIGURA 1 - Distribuição dos constituintes do leite Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 7 Composição aproximada do leite de vaca: Água: aproximadamente 88,2% Sólidos totais (E.S.T): aproximadamente 11,8% Gordura: 3.5 % (Variando de 2.4% - 5.5%) – mínimo legal de 3,0%* Sólidos desengordurados: 8.8% de (7.9% - 10.0%): - mínimo legal de 8,4%* Lactose: 4.9% Proteínas 3.25% - mínimo legal de 2,9* Caseína: 78% - 81% do total de proteínas Proteínas solúveis (-lactoglobulina e -lactoalbumina, etc.): 19% - 22% Minerais: 0.75% - Ca, P, citrato, Mg, K, Na, Zn, Cl, Fe, Cu, sulfato, bicarbonato, dentre outros *: Conforme a Instrução Normativa 51, para leite de rebanho e de conjunto O leite possui também outras substâncias que, embora estejam presentes em pequenas quantidades, são muito importantes, dentre outras, merecem destaque: Ácidos 0.14-0.18%: citrato, formato, acetato, lactato, oxalato Enzimas: peroxidase, fosfatase alcalina catalase, phosphatase ácida, lipase, xantina oxidase Gases - oxigênio, nitrogênio Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 8 Vitaminas - A, C, D, thiamine, riboflavin, outras 2.2 DESCRIÇÃO DOS MACROCONSTITUINTES O conhecimento da estrutura, concentração, variação na concentração e interações entre os constituintes do leite é importante para o bom entendimento do leite como alimento de alto valor nutricional, como matéria-prima na elaboração dos diversos produtos lácteos, o leite como ingrediente na elaboração de produtos não lácteos, além de imprescindível nos processos de detecção de fraudes. 2.2.1 ÁGUA A água é o constituinte que entra em maior concentração na formação do leite, fazendo desse um produto líquido. Pode apresentar- se de diversas associações e formas: água livre, de constituição, de hidratação. Possui diversas funções, algumas benéficas e outras maléficas, sendo que esse julgamento deve ser considerado em relação ao destino do leite, ou seja, a água pode ser benéfica em muitos casos como, por exemplo: manter os outros constituintes dispersos, na fabricação de queijo, leites fermentados, etc., ou causar problemas como no transporte, no desenvolvimento microbiano e atuação de enzimas, etc. 2.2.2 LACTOSE A lactose, açúcar característico do leite, embora tenham outros em concentrações muito pequenas, é descrita e caracterizada pela IUPAC – International Union of Pure Applied Chemistry: - β-D-galactopyranosyl-(1→4)-D-glucose - Fórmula molecular: C12H22O11 - Massa molar: 342,30 g/Mol - Densidade: 1,525 g/cm2 Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 9 A lactose pode ser também descrita como: 4-O-β-D- galactopyranosyl-D-glucose. Quimicamente a lactose é um dissacarídeo, formado por galactose e glicose, sendo esses monossacarídeos unidos por uma ligação glicosídica -4, ou seja, entre o carbono 1 da galactose e o carbono 4 da glicose, em uma configuração característica, que confere a esse açúcarpropriedades particulares, que irão ter influência tanto sob o aspecto nutricional quanto no industrial. A fórmula molecular da lactose está apresentada na figura 2. FIGURA 2 - Fórmula molecular da lactose Algumas características da lactose: - Nomes: 4-O--D-galactopiranosil-D-glicopiranose, β-D galactopyranosyl-(1→4)-D- glucose ) [IUPAC], - Estado físico: em solução. Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 10 - Vantagem evolutiva: 50% da pressão osmótica (2 vezes o valor calórico na mesma pressão). Isso é fundamental no processo fisiológico de formação e excreção do leite pela fêmea mamífera. - Responsável por 50 % da DPC (depressão do ponto de congelamento) e potencial osmótica, tornando esta semelhante ao potencial osmótico do sangue, o que é necessário para a formação do leite pela glândula mamária. - Sintetizada no complexo de Golgi, saindo da célula secretora por meio de vesícula secretora, sendo que a água é “arrastada” osmoticamente pela lactose até o lúmen os alvéolos. - Auxilia no diagnóstico de infecção no úbere, por meio da relação Cloro/lactose, ou seja, quando há aumento nessa relação é indício da presença de infecção (mastite). A lactose é o constituinte sólido de maior concentração do leite, estando em torno de 4,9%, podendo essa concentração apresentar variação, principalmente em decorrência da mastite, doença que causa diminuição significativa na concentração desse açúcar. O teor de lactose varia de produto para produto, como nos exemplos: PRODUTO Lactose (%) Leite integral 4,9 Leite desnatado 5,0 Leite condensado 11 Leite em pó integral 36 Leite em pó desnatado 50 Soro lácteo em pó 70 Soro líquido 4,8 - 5,1 Deve-se ter em mente que existe uma variação dentro de um mesmo produto e que os dados acima apresentados são valores médios. Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 11 IMPORTÂNCIA DA LACTOSE - FISIOLÓGICA Juntamente com os sais minerais, contribui para o potencial osmótico necessário para a formação do leite. Entre o leite, que se encontra dentro do lúmen dos alvéolos e o sangue que circunda esses alvéolos não pode haver diferença de potencial osmótico, ou seja, os dois meios devem ser isoosmóticos, sendo que a lactose contribui com 50% do potencial osmótico do leite, os cloretos com 38% e os outros constituintes com 12%. Esse equilíbrio é perturbado no caso de mastite, havendo um aumento nos cloretos e como consequência diminuição da lactose, para restabelecer o equilíbrio osmótico. NUTRICIONAL - Nutricionalmente a lactose apresenta as seguintes funções: - Fonte de energia: 3,96 cal/g - Fonte de galactose, carboidrato importante na formação cerebral de crianças, pois participa da formação de algumas moléculas importantes para esse fim. O leite é a única fonte alimentícia como fonte significativa de galactose. - Torna a musculatura intestinal mais rígida e saudável. - Facilita absorção de cálcio e fósforo e vitamina D. - Aumenta a permeabilidade da membrana e a produção. - Diminui o pH intestinal, por servir de substrato para a fermentação lática. - Serve como substrato para fermentação láctica, por bactérias benéficas (probióticos), contribuindo para a saúde do trato digestório. Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 12 INDUSTRIAL A lactose é utilizada como ingrediente por um grande número de indústrias, na produção de diversos produtos , destacando-se: Farmacêuticos Produtos fermentados Alimentos infantis Alimentos dietéticos Produtos lácteos Adoçantes Refrigerantes Chocolates Sorvetes Produtos de Panificação Farinhas Massa alimentícias Snacks Alimentos enlatados diversos Geleias Sucos de frutas Licores Produtos cárneos Temperos Sobremesas diversas Mostarda Molhos Maionese Etc. Essas indústrias utilizam a lactose em diversas formas: com o leite, soro lácteo fuido, leite e soro concentrados ou desidratados e lactose purificada, seja bruta ou refinada. PROBLEMAS NUTRICIONAIS DA LACTOSE Embora a lactose possua diversas aplicações, ela também causa alguns problemas nutricionais, como a intolerância à lactose (insuficiência na produção de lactase) e galactosemia. INTOLERÂNCIA À LACTOSE (insuficiência na produção de lactase) A intolerância está relacionada com a incapacidade do organismo de produzir, ou com produção insuficiente de lactase (E.C. 3.2.1.108), enzima que cliva a ligação β-14da lactose, gerando glicose e galactase livres, para posterior absorção. Quando não há produção de lactase, ou essa produção é insuficiente, a lactose se acumula no intestino (não há absorção do dissacarídeo lactose), chegando então ao intestino grosso Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 13 onde acontecem dois problemas: a própria lactose retém água e parte é fermentada produzindo ácido lático, o qual possui maior capacidade de retenção de água que a molécula íntegra de lacose. Esse acúmulo de água no intestino grosso, além de outros problemas, causa diarreia, sendo sua intensidade influenciada principalmente pela quantidade ingerida e na deficiência na produção de lactase. - Tipos de deficiência na produção de lactse: A deficiência na produção de lactase (E.C. 3.2.1.108) pode ser classificada como se segue: Congênita - Geneticamente controlada - Não ligada ao sexo - Evento recessivo - Muito rara, com ocorrência de um para cada trinta e cinco nascimentos, nesse caso o recém-nascido não possui os genes responsáveis pela síntese da lactase. Ontogenética A mais frequente, o indivíduo simplesmente deixa de produzir a lactase após o desmame, ou tem sua produção diminuída. Secundária Nesse caso, a pessoa produz normalmente a lactase, mas devido a alguns fatos como, por exemplo: má nutrição infantil, fibrose cística, colite ulcerativa, afta tropical, giardia, cirurgia com remoção de parte do intestino, dentre outros, o indivíduo tem a produção de lactase diminuída, ficando então intolerante a lactose. - Testes de intolerância Para diagnosticar o grau de produção de lactase, existe um teste padrão, embora devido ao rigor do mesmo (alta exposição a lactose) a validade desse teste está sendo questionada. O teste consiste medir a glicose sanguínea do indivíduo e em Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 14 seguida oferecer ao mesmo 50 gramas de lactose em uma solução a 20% e após 20 minutos proceder novamente a mesma medição. Se o pico de glicose subir menos que 20 a 25mg/dl, o indivíduo é diagnosticado como intolerante (insuficiência na produção de lactase). Outro teste consiste em medir o hidrogênio da respiração. Se esse for maior que 20 ppm, o diagnóstico será o mesmo. Alternativas Para aquelas pessoas que manifestam a intolerância, principalmente ainda na fase muito jovem, recomenda-se: - Substituto de leite (forma muito radical e não recomendada antes de tentar outros métodos). - Fazer uso do leite hidrolizado - Não fazer o desmame da criança de forma abrupta - Introduzir o leite de vaca de forma gradativa junto com o desmame - Para pessoas que ficaram muito tempo sem tomar leite, recomenda-se sua introdução gradativa, muitas vezes a pessoa retoma sua produção de lactase. O leite hidrolizado é uma alternativa que vem sendo utilizada de forma crescente. Esse leite pode ser produzido de algumas formas, uma forma comum é a que se segue:Leite hidrolizado Leite Pasteurização (80oC por 1 minuto) Resfriamento (37oC) Adição da enzima (1 gota por litro) Descanso (2 horas) Aquecimento (utilizar até 24 horas). Esse leite existe também na forma UAT (UHT – longa vida) Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 15 Microrganismos produtores de lactase: Leveduras: Fungos filamentosos: - Kluyveromyces fragilis - Aspergillus niger - Kluyveromyces lactis - Aspergillus oryzae - Candida pseudotropicalis Bactérias: Similares ao Bacillus stearothermophilus Streptococcus thermophillus Formas isoméricas da Lactose A lactose é obtida na forma de dois isômeros: -Lactose mono- -Lactose anidra OBTENÇÃO DA LACTOSE Abaixo estão descrito dois métodos para a obtenção da lactose: Matéria-prima: soro proveniente da fabricação de queijo e o proveniente da obtenção da caseína, sendo o primeiro, de longe o mais utilizado. SORO SORO Defecação Concentração Concentração Coagulação e remoção proteína Cristalização Concentração Centrifugação Cristalização Lavagem Recuperação dos cristais Dessecação Lavagem Refinação Dissolução e recristalização -Lactose mono- hidratada, sendo a -Lactose anidra conseguida em temperaturas acima de 93,5ºC, com solução alcoólica. 2.2.3 PROTEÍNAS Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 16 Quimicamente, proteínas são polímeros macromoleculares de alto peso, cujas unidades básicas são os aminoácidos, os quais estão ligados entre si por ligações peptídicas, formadas por unidades de aminoácidos, unidos entre si por ligações peptídicas. O conteúdo proteico do leite varia entre 2,65 e 4,25%, sendo que a legislação brasileira estabelece o mínimo de 2,9% para os leites de rebanho e de conjunto. Em média as proteínas do leite podem ser classificadas em: caseína (em torno de 80%), proteínas solúveis (em torno de20%) e nitrogênio não proteico que corresponde a cerca de 6% do total do nitrogênio do leite. A concentração média das proteínas do leite podem ser visualizada na Tabela 1 . TABELA 1 Concentração das proteínas do leite. gramas/ litro % da proteína total Proteína total 33 100 Caseína total 26 79.5 alfa s1 10 30.6 alfa s2 2.6 8.0 Beta 9.3 28.4 Kapa 3.3 10.1 Proteínas totais do soro 6.3 19.3 alfa lactalbumina 1.2 3.7 beta lactoglobulina 3.2 9.8 BSA 0.4 1.2 Imunoglobulinas 0.7 2.1 Proteose peptone 0.8 2.4 Fonte: adaptado de Bobbio e Bobbio Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 17 FIGURA 3 Partição esquemática das proteínas do leite 2.2.3.1 CASEÍNA A caseína é a proteína mais importante do leite, principalmente no que se refere à fabricação de queijos. Na realidade não existe apenas uma caseína, existem moléculas denominada para-caseínas”, que se agrupam e formam uma estrutura globular, conhecida como micela de caseína. As principais frações que se associam para formar a micela de caseína são: alfa-s1, alfa-s2, beta e kapa caseínas. Existe também a gama caseína, entretanto ela é derivada da -caseína pela enzima plamina, sendo um peptídeo solúvel e, portanto, não fazendo Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 18 parte da micela de caseína. Para manter a solubilidade da caseína no leite, ela se encontra na forma de micela, onde cada fração constitui uma submicela estabilizadas por grupos fosfatos os quais estão esterificados a resíduos de serina. Esses grupamentos fosfato unem as frações proteicas (submicelas), por meio de pontes de cálcio, mantendo a integridade da micela. alfa(s1)-caseína: Possui duas regiões hidrofóbicas, separadas por uma região hidrofílica. É uma caseína muito sensível ao cálcio (precipita facilmente) e como consequência é muito facilmente precipitada quando da coagulação do leite para a elaboração de queijos. alfa(s2)-caseína: Tem suas cargas negativas concentradas nas proximidades do N- terminal a as positivas nas do C-terminal. Pode também ser precipitada com baixas concentrações de cálcio. beta -caseína: Essa caseína possui duas regiões bem distintas. Na região próxima ao N-terminal é muito hidrofílica, sendo muito hidrofóbica na região C-terminal. É consequentemente uma proteína muito anfipática. Ela é menos sensível ao cálcio e a temperaturas próximas de 4C sai totalmente ou parcialmente da micela, retornando à sua posição original quando o leite é novamente aquecido e mantido a temperaturas mais altas por um certo período de tempo. kapa-casein: É uma caseína muito resistente ao cálcio, não precipitando na presença deste. Ela tem a função principal de proteger as caseínas internas da micela contra a ação do cálcio que se encontra solúvel no leite. Entretanto, quando de adiciona enzimas (coalho) ao leite, este rompe a ligação entre os aminoácidos Phe105-Met106 eliminando a proteção contra o cálcio, permitindo que este combine com as outras caseínas, formando uma rede, a qual aprisiona a água, lactose, gordura etc., transformando o leite líquido em uma coalhada. Esse tipo de coagulação do leite é utilizado para a elaboração da maioria dos tipos de queijos conhecidos. Micelas de Caseína Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 19 No leite, as caseínas relacionam-se entre si e com os íons ou sais (especialmente fosfato de cálcio), para formar complexos micelares volumosos, com diâmetro de 20 a 300 nm. A estrutura micelar vem sendo estudada há tempos e vários modelos já foram propostos. Esses modelos recaem basicamente em duas categorias. A primeira é um conceito de “capa-núcleo” em que subunidades de s1 e -caseínas formariam núcleos termodinamicamente estáveis em roseta cobertos por camadas periféricas de -caseína. O segundo modelo é representado por uma estrutura aberta composta de subunidades de tamanho uniforme, contendo s1 e -caseínas no centro e -caseína na periferia. Ambos os modelos permitem a associação das subunidades através de ligações de cálcio ou fosfato de cálcio coloidal. O conhecimento da estrutura da micela de caseína é de grande importância para a tecnologia do leite; 80 a 90% desta proteína encontra-se na forma de partículas coloidais aproximadamente esféricas, medindo de 50 a 200 nm de diâmetro de peso equivalente a 107 109 daltons. O termo micela tem sido usado para designar as partículas dispersas do leite, formadas de uma mistura complexa de proteínas. As micelas são formadas de subunidades de tamanho uniforme (~ 10-20 nm de diâmetro) contendo de 25 a 30 monômeros de caseína com um peso médio de partícula de 6x105 daltons. As estruturas exatas das subunidades e das micelas de caseína ainda não foram determinadas, apenas alguns modelos têm sido sugeridos por diversos autores. Um dos modelos mais aceitos e estudados é representado por uma estrutura aberta composta de subunidades de tamanho uniforme contendo s1 , s2, e caseína no centro e -caseína na periferia. A k-caseína ocupa nestas submicelas uma posição muito especial, predominantemente nas superfícies. Esta fração ao contrário das demais e, em particular, da S-caseína é insensível ao cálcio. Esta propriedade confere uma atividade de coloide protetor. A ação protetora se deve fundamentalmente a que, porções desta k-caseína, conhecidas com o nome de glicomacropeptídeos, penetra na base aquosa do leite formando, pelo seu caráter hidrolítico uma capa de hidratação. O resto da k-caseína é sensível ao cálcio e se encontra da mesma forma que as demais frações, unidas a este. A capa de hidratação aloja cargas elétricas de mesmo sinal, o quefaz com que as micelas de caseína se afastem umas das outras. Desta forma, é impedida a precipitação da caseína. Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 20 É provável que a k-caseína funcione comum "nó" de uma rede tridimensional formada pelas alfas e betas caseínas, enquanto o cálcio, com a precipitação do fosfato inorgânico (coloidal) constituam os elementos de ligação entre as diversas moléculas de caseína. A interação entre as várias subunidades micelares deve envolver o grupo carboxílico dos aminoácidos e os íons cálcio e fosfato inorgânico, uma vez que o esterfosfoserina (fosfato orgânico) não é quantitativamente suficiente para causar a aglomeração do fosfocaseinato de cálcio existente no leite. Cerca de 10-20% da caseína permanece solúvel não fazendo parte das micelas. A quantidade e a composição da fração solúvel de caseína irá depender de fatores como temperatura, concentração de íons, cálcio e pH. À temperatura abaixo de 8o C, - caseína, em particular, e pequenas quantidades do complexo -s1 -caseína se dissocia da micela e passa para o soro. Aquecendo-se o leite esses componentes retornam às micelas, porém não se sabe se readquirem a mesma estrutura anterior. Da mesma forma a remoção de cálcio do sistema por agentes quelantes ou diálise verifica-se a dissociação das micelas em subunidades, que voltam a se reestruturarem pela adição de cálcio. A desfosforilação da caseína torna o sistema instável, apesar da ação estabilizadora da k-caseína, dificultando a sua coagulação em presença de cálcio. FIGURA 4 Modelo sugerido para a micela de caseína. Fonte: Adaptado de (http://www.foodsci.uoguelph.ca/dairyedu/chem.html) Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 21 O fosfocaseínato é sensível às modificações do pH do meio, seja pela adição de ácido ou acidificação natural (fermentação lática) , ou pela basificação, quando há formação do caseinato do alcali adicionado. A um determinado pH observa-se um equilíbrio entre as cargas positivas e negativas da proteína; neste caso, diz-se que a caseína está no seu ponto isoelétrico (pH = 4,6). A adição de ácidos até pH 4,6 , aumenta a atividade de cálcio(redução de cargas negativas), resultando associações intermicelares e subsequente precipitação. O ácido, além de reduzir as cargas negativas, promove a desidratação das micelas, devido a grande afinidade de seus íons pela água. Neste caso, o fosfocaseinato de cálcio é desmineralizado devido a perda de cálcio que migra para o ácido adicionado, obtendo-se então a "caseína isoelétrica" ou "ácida". A ação específica da renina sobre a k-caseína destrói a função estabilizadora das micelas promovendo associações hidrofóbicas intermicelares e formação do coágulo. Em termos de composição centesimal, a micela de caseína contém 93% de proteína; 2,8% de cálcio; 2,3% de fosfato orgânico; 2,9% de fosfato inorgânico; 0,4% de citrato, além de níveis baixos de Mg . Na e K. Em média contém caseínas s1 , e e nas proporções de 3:2:1 (ou s1 , s2, , e -caseínas em uma relação média de 3:1:3:1 ). Cerca de 10 a 20 % da caseína permanece solúvel, não fazendo parte das micelas. A quantidade e a composição da fração solúvel de caseína irá depender de fatores como temperatura, concentração de íons, cálcio e pH. À temperatura abaixo de 8C, -caseína, em particular, e pequenas quantidades do complexo de -s1 caseína se dissocia da micela e passa para o soro. Aquecendo-se o leite, esses componentes retornam às micelas, porém não se sabe se readquirem a mesma estrutura anterior. Da mesma forma, na remoção de cálcio do sistema por agentes quelantes ou diálise verifica-se a dissociação das micelas em suas subunidades, que voltam a se reestruturar pela adição de cálcio. A desfosforilação das caseínas s1 reprimem a interação estabilizadora da -caseína, tornando a micela instável. A adição de ácido, pH 4,6, aumenta a atividade de cálcio, resultando associações intermicelares e subsequente precipitação. A ação da renina sobre a - caseína destrói a função estabilizadora das micelas, promovendo associações hidrofóbicas intermicelares e formação de coágulo. As micelas de caseína contém, em média, caseínas s1, e nas proporções de 3:2:1, respectivamente. Mas, no entanto, nem todas as micelas têm a mesma composição; micelas menores, por exemplo, têm Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 22 concentração mais elevada de -caseína. Em média, as micelas contêm: proteína 93 %, cálcio 2,8%; fósforo orgânico 2,3 %; fósforo inorgânico 2,9 %; citrato 0,4 %; além de níveis baixos de Mg, Na e K. Estabilidade da micela de caseína As micelas resistem muito bem a temperaturas superiores a 100C e fortes tratamentos de homogeneização, mas podem desestabilizar com ligeiras variações na composição do soro. Efeitos da temperatura Durante o armazenamento do leite a baixas temperaturas (4 a 7C), as micelas se dissociam parcialmente em submicelas e liberam até 50 % da -caseína em 24 horas. Como já foi comentado anteriormente, ao reaquecermos o leite a -caseína volta a se associar lentamente às micelas. Se aumentarmos a temperatura, há uma diminuição contínua da caseína solúvel constituída principalmente por -caseína, sendo esta a causa pela qual o emprego do leite resfriado para a fabricação de queijos causa perdas de caseína solúvel, e consequentemente leva a um rendimento menor. Coagulação da caseína O leite é um produto líquido, em função das cargas negativas que se encontram na superfície da micela, na região hidrofílica da k- caseína. Como cargas de mesmo nome se repelem, essas cargas negativas mantêm as micelas separadas uma das outras, deixando a água em sua forma livre. Esse sistema é desequilibrado fazendo com que essa repulsão entre as caseínas desapareçam, levando à aglomeração entre elas, criando uma malha protéica a qual aprisiona a água. A água então, passando de sua forma livre para a aprisionada, perde sua mobilidade e como consequência o leite deixa de ser líquido passando para a forma de gel, denominada coalhada. Existem dois tipos principais de coagulação do leite, a coagulação por meio ácido e a coagulação enzimática. a) Coagulação ácida Essa coagulação ocorre quando o leite é acidificado, quer seja naturalmente pela fermentação da lactose por microrganismos ou por adição direta de ácido. O ácido em contato com a água do leite dissocia gerando sua forma iônica mais os íons hidrogênio (cátions) os Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 23 quais neutralizam as cargas negativas da k-caseína. Quando o pH atinge 4,6, na temperatura de 20ºC, atinge-se o “ponto isoelétrico” da caseína, significando que o número de cargas positivas (H+ ) igualam- se ao número de cargas negativas. Como consequência dessa neutralização das cargas negativas, não existe mais a força de repulsão e uma micela tem oportunidade de aproximarem uma das outras e através de pontes de hidrogênio ocorre a união entre elas, formando uma rede (caseína unidas por pontes de hidrogênio). Dessa forma, a água perde sua mobilidade e o leite deixa então de ser líquido transformando-se em um gel (coalhada). Esse tipo de coagulação é indesejável no caso do leite de consumo, pois azeda o leite, mas é indispensável na elaboração de alguns produtos, como por exemplo, o iogurte. A coalhada obtida dessa forma é friável, de pouca firmeza, pois no processo de acidificação, além dos íons hidrogênio, há a formação do lactato, o qual combina com o cálcio, desestruturando as micelas de caseína. Lactose Acido lático Lactato + H+C++ Lactado de cálcio b) Coagulação enzimática Essa coagulação acontece em função da adição ao leite de enzimas específicas, que clivam a k-caseína, que possui 169 aminoácidos, na posição 105-106 (entre a fenilalanina e metionina) liberando sua parte hidrofílica. Com a saída dessa fração (do aminácido 106 ao 189), as micelas perdem a capacidade de repulsão havendo oportunidade de aproximação uma das outras. Como conseqüuência as micelas são unidas por pontes de cálcio, formando uma rede proteica aprisionando a água, formando então uma coalhada. As pontes de cálcio acontecem quando um grupamento seril-fosfato de uma micela se liga a uma valência do cálcio e a outra valência desse cátion se liga ao grupamento seril-fosfato da outra micela. Esse tipo de coagulação é utilizado para fabricar a maioria dos Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 24 tipos de queijo conhecidos. A coalhada obtida enzimaticamente é mais firme que a obtida por acidificação. A estabilidade da micela depende da proporção de -caseína e teor de cálcio iônico presente. Considera- se que a coagulação não se dá até que haja mais de 85% da -caseína da micela hidrolizada pela enzima. 2.2.3.2 PROTEÍNAS SOLÚVEIS As proteínas solúveis (muitas vezes denominadas proteínas do soro) representam cerca de 20% das proteínas do leite. São proteínas globulares desnaturáveis pelo calor e por ácidos. Incluindo-se ainda os produtos da proteólise das caseínas. As duas principais proteínas do soro -lactalbumina e -lactoglobulina perfazem 70-80% das proteínas solúveis totais, (Tabela 1). Além dessas são encontradas a soralbumina (albumina do soro bovino), as imunoglobulinas, proteose- peptonas, lactoferrina, transferrina e enzimas. As proteínas solúveis contêm altas concentrações de aminoácidos sulfurados e composição aminoacídica superior à da caseína no teor de aminoácidos essenciais e com excedente em relação à proteína padrão da FAO; são de grande interesse como fonte proteica. TABELA 2 Características das proteínas do soro Proteína Proteína (%) Peso Molecular Ponto Isoelétrico -lactoglobulina 55-65 18.300 5,13 - 5,14 -lactalbumina 15-25 14.200 4,20 - 4,50 Imunoglobulina 10-15 80.000 - 900.000 5,50 - 8,30 Albumina Soro Bovino 5-6 66.300 4,70 - 4,90 Caseínas Solúveis 1-2 15.000 4,60 - 5,10 Fração PP * 10 < 4.100 - Proteínas Menores <0,5 30.000 - 100.000 - * Fração PP - fração proteose-peptona Fonte: Adaptado de Harper, (1984), Eigel et al., (1984), Fox (2003) -Lactoglobulina A designação beta é derivada do fato de aparecer como segunda banda no perfil de ultracentrifugação do soro de leite. Sofre desnaturação térmica pelo aquecimento por 30 minutos a temperaturas Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 25 superiores a 60C. A 95C verifica-se completa desnaturação, sofrendo extensa transformação conformacional com exposição de grupos nucleofílicos (-SH:-NH+3) altamente reativos e de áreas hidrofóbicas. Seu alto teor no soro de leite bovino inviabiliza a adição deste “in natura” em alimento infantil, pois é considerado seu principal componente alergênico. -Lactalbumina A designição alfa deriva do fato de ser a primeira banda do perfil de ultracentrifugação. Sua propriedade mais característica é a tendência de formar associações em pH abaixo de seu ponto isoelétrico. No pH natural do leite, pH 6,6 e acima, a -lactalbumina aparece como monômero. Essa proteína é dos componentes responsáveis pela síntese de lactose pelas células secretoras da glândula mamária. O leite de todos os mamíferos, em que a lactose é o principal açúcar, contém -lactalbumina. Na sua ausência, a enzima galactosil transferase transfere galactose preferencialmente da UDP-galactose para N-acetilglicosaminil-glicoproteína, mesmo na presença de glicose, uma vez que a transferência da galactose para a glicose é muito lenta (Km=1400mM). Na presença de -lactalbumina, a transferência da galactose para a glicose é rápida (Km=5mM) tornando-se a glicose o substrato de preferência desta enzima. A reação de síntese na presença de -lactalbumina é: Soralbumina Bovina (BSA) Essa proteína tem sido isolada na forma cristalina a partir do soro de leite; parece ser idêntica à proteína encontrada no soro sanguíneo e passa para o leite através do sistema vascular, possivelmente por vias similares às das imunoglobulinas do soro. É o maior componente do soro sanguíneo bovino e corresponde a cerca 1,2% do nitrogênio proteico do leite, mas no início da lactação ou em um quadro de infecção mamária, este teor pode aparecer aumentado. Pouco se conhece a respeito do seu comportamento no leite e produtos lácteos e de sua possível influência nas propriedades desses. Imunoglobulinas O termo é aplicado para uma família de glicoproteínas de elevado peso molecular, com propriedades físicas, químicas e imunológicas semelhantes. Ocorrem no soro sanguíneo e em outros fluídos do Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 26 organismo. No colostro (primeira secreção das glândulas mamárias após parição) bovino servem para transferir imunidade passiva aos bezerros, protegendo-os contra doenças até que seu próprio sistema imunológico seja ativado. São, entre as soroproteínas, as mais termolábeis. Existem três classes gerais de imunoglobulina: IgG (G1 e G2), IgA e IgM. Proteose-Peptona Compreende quatro componentes principais: 3, 5, 8 “slow”, 8 “fast”. O componente 3 possui um alto teor de carboidrato e é, provavelmente, derivado de um constituinte da membrana do glóbulo de gordura. Os demais componentes são oriundos da hidrólise da - caseína. Lactoferrina É uma metaloproteína que liga muito fortemente dois átomos de ferro por mole de proteína. Quando dissolvida em água produz uma coloração vermelho-salmão e livre de ferro apresenta-se incolor. A lactoferrina é uma proteína básica com ponto isoelétrico (pI) ao redor de pH 8,0. Com o conteúdo normal de ferro essa proteína é bastante resistente à desnaturação térmica e química e à ação enzimática. A função da lactoferrina é semelhante à da transferrina do soro sangüíneo, isto é, fixa o ferro na forma de quelato. Essa proteína exerce no leite uma ação bacteriostática contra microrganismos patógenos que dependem de ferro livre. Fosfatase Alcalina Essa enzima se encontra em complexos lipoproteicos distribuídos nas membranas dos glóbulos e na fase aquosa. É usada como enzima de referência (indicador) na monitoração do processo de pasteurização do leite (71,5C, 16 seg.). Detecção de atividade no leite pasteurizado pode indicar leite não pasteurizado ou contaminado com leite cru. Contudo, em alguns produtos lácteos processados e estocados em temperaturas superiores a 5C pode-se encontrar atividade, a qual pode ser atribuída à sua regeneração. Peroxidase A lactoperoxidase representa 0,5 a 1,0% das proteínas de soro de leite. Catalisa a decomposição de peróxido de hidrogênio (H2O2) na Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 27 presença de um doador de hidrogênio ou de um componente oxidável. É também utilizada como indicador de tratamento térmico do leite, pois é desnaturada em temperaturas acima daquelas de pasteurização. Dessa forma, um leite pasteurizado deve apresentar como padrão enzimático: fosfatase alcalina negativa e peroxidase positiva. Caso o leite apresente peroxidase negativa é sinal que ele foi superaquecido (acima das temperaturasde pasteurização). 2.3.3 LIPÍDEOS A fração lipídica do leite é comumente denominada gordura, em função de seu estado sólido a temperatura ambiente. Fisiologicamente serve com fonte de energia e pelo seu teor em vitamina A e D, e sua ação, é importante no crescimento e desenvolvimento dos mamíferos jovens, sobretudo durante o período em que a alimentação é exclusivamente ou predominante láctea. A gordura do leite é formada por aproximadamente 98% de triacilgliceróis, sendo os 2% restantes formados por diacilgliceróis, monoacilgliceroise ácidos graxos livres e outros componentes que entram em baixas proporções. O leite de vaca contém em média 35g de gorduras por litro, sendo que esse constituinte é o que mais varia em concentração no leite. O conteúdo de gordura do leite possui grande importância econômica, sendo que seu teor é um dos importantes fatores determinantes do pagamento do leite pela qualidade. Os lipídeos se encontram no leite principalmente na forma de triacilgliceróis (glicerol esterificado com três ácidos graxos). Os principais ácidos graxos do leite são: De cadeia média e longa C14 – mirístico - 11% C16 – palmítico - 26% C18 – esteárico - 10% C18:1 – oleico - 20% De cadeia curta (11%) Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 28 C4 – butírico C6 – caproico C8 – caprílico C10 – cáprico O ácido butírico é característico da gordura do leite de ruminantes, particularmente de vaca, sendo responsável pelo aroma rançoso quando é hidrolizado do glicerol, pela ação de lipases. Ácidos graxos saturados (sem dupla ligação), como o mirístico, palmítico e esteárico, correspondem a aproximadamente dois terços dos ácidos graxos do leite. Ácidos graxos insaturados (com duplas ligação), como o oleico, linoleico, linoleico e palmitoleico sendo o ácido oleico (C18:1) o mais abundante ácido graxo insaturado do leite. Na natureza a forma cis é o isômero geométrico quase que unicamente encontrado, entretanto, devido biohidrogenação que ocorre no rúmen leva ao aparecimento de isômeros trans no leite de ruminantes, que podem perfazer um total de aproximadamente 5% de todas as duplas ligações. Esses ácidos são representados pelos ácidos linoleico conjugado (CLA), os quais possuem comprovadas propriedades terapêuticas e dietéticas. A distribuição dos ácidos graxos nas posições do glicerol, embora possa acontecer em centenas de combinações diferentes não acontece de forma aleatória. O tipo e a posição do ácido graxo esterificado ao glicerol são importantes para determinar as propriedades físicas desse lipídeo. Em geral, na posição SN1 e SN2 do glicerol, estão esterificados ácidos graxos de cadeia longa, ao passo que na posição SN3 estão esterificados na maioria das vezes ácidos graxos de cadeia curta ou insaturada. Por exemplo: C4 - 97% estão esterificados na posição SN3 C6 - 84% estão esterificados também na posição SN3 C18 - 58% estão esterificados na posição SN1 As pequenas concentrações de monoacilgliceróis, diacilgliceróis e ácidos graxos livres em leite fresco, podem ser devidas a lipólise que Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 29 acontece no leite ou pode ser devido a uma síntese incompleta. Outras classes de lipídeos incluem os fosfolipídeos (0,8%), que estão associados principalmente com as membranas dos glóbulos de gordura e o colesterol (0,3%). Características físicas dos lipídeos do leite Podem-se resumir as características físicas dos lipídeos do leite da seguinte maneira: - densidade a 15°C: 0,930 - índice refratométrico (589 nm): 1.462 o qual diminui com o aumento de temperatura - solubilidade de água em gordura: 0.14% (p/p) a 20°C aumentando com a elevação da temperatura. - condutividade térmica: cerca de 0.17 J.m-1.s-1.K-1 a 20°C - calor específico a 40°C: cerca de 2.1kJ.kg-1K - condutividade elétrica: <10(-12) ohm(-1) cm(-1) - constante dielétrica: cerca de 3.1 - ponto de fusão: situa-se na faixa de 37 ºC a 40ºC - ponto de solidificação: entre 28ºC e 33ºC. O glóbulo de gordura Mais de 95% do total dos lipídeos do leite estão na forma de um glóbulo, o qual varia em tamanho de 0,1M a 15M de diâmetro. A gordura é dessa forma envolvida por uma fina membrana de espessura entre 8nm e 10nm. Essa membrana do glóbulo de gordura tem sua origem na parte apical da membrana da célula epitelial lactígena (célula secretora) e sendo de origem celular é formada basicamente de proteínas e fosfolipídeos. Essa membrana evita que os glóbulos se floculem com facilidade e protege a gordura em seu interior contra o ataque de enzimas lipolíticas. O leite quando em repouso, principalmente quando refrigerado, permite a ascensão de uma camada de gordura, associada a outros constituintes, principalmente proteínas solúveis, a qual é conhecida como nata. Isso acontece mais facilmente com o leite resfriado, pois a IgM, uma imunoglobulina do leite forma um complexo com Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 30 lipoproteínas, complexo este conhecido como crioglobulina ou crioproteína o qual precipita sobre a membrana do glóbulo facilitando sua floculação (ajuntamento de glóbulos), formando uma camada de nata bem visível entre 20 a 30 minutos em leite refrigerado. A homogeneização do leite, evita a formação da nata, por diminuir o diâmetro desses glóbulos, e promove também a inclusão de proteínas na membrana, aumentando consequentemente sua densidade. 2.3.4 VITAMINAS E MINERAIS Vitaminas Vitaminas são substâncias essenciais para muitos processos que ocorrem nos organismos vivos. O leite possui em quantidades consideráveis as vitaminas lipossolúveis A , D, E, e K. A Vitamina A é derivada do retinol e -caroteno. O leite integral é importante fonte dessa vitamina e como o consumo de leite desnatado vem aumentando consideravelmente faz-se necessário criar mecanismos de incentivo à adição de vitamina A a esse leite. O leite é também uma importante fonte de vitaminas hidrossolúveis, como as vitaminas B1 (tiamina), B2 (riboflavina), B6 (piridoxina), B12 (cianocobalamina), niacina e ácido pantotênico. Existem ainda pequenas quantidades de vitamina C (ácido ascórbico) no leite cru, mas essa é termolábil sendo parte destruída pela pasteurização e esterilização. O conteúdo de vitaminas em leite fresco é dado a seguir: TABELA - 3 Conteúdo médio de vitaminas do leite de vaca. Vitamina Quantidade por litro A (ug RE) 400 D (IU) 40 E (ug) 1000 K (ug) 50 B1 (ug) 450 B2 (ug) 1750 Niacin (ug) 900 B6 (ug) 500 Pantothenic acid (ug) 3500 Biotin (ug) 35 Folic acid (ug) 55 B12 (ug) 4.5 C (mg) 20 Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 31 Minerais Todos os 22 minerais considerados essenciais à dieta do ser humano estão presentes no leite. Estes estão incluídos em três grupos de sais: 1 Sódio (Na), Potássio (K) e cloro (Cl): estes íons livres estão inversamente correlacionados com a lactose para manter o equilíbrio osmótico entre o sangue da vaca e o seu leite, equilíbrio este necessário fisiologicamente para a produção de leite. 2 Cálcio (Ca), Magnésio (Mg), fósforo inorgânico [P(i)], e Citratos: este grupo consiste de 2/3 do Ca do leite, 1/3 do Mg, 1/2 do P(i), e menos de 1/10 de citrato coloidal (não solúvel) que está presente na micela de caseína. 3 Sais solúveis de Ca, Mg, citrato, Ca++, e HPO4 2-: estes sais são muito pH dependentes e contribuem para o equilíbrio ácido-básico geral do leite. O conteúdo de minerais do leite fresco pode ser observado na Tabela 4 TABELA 4 Conteúdede alguns minerais do leite de vaca. Mineral Conteúdo por litro Sódio (mg) 350-900 Potássio (mg) 1100-1700 Cloro (mg) 900-1100 Cálcio (mg) 1100-1300 Magnésio (mg) 90-140 Fósforo (mg) 900-1000 Ferro (g) 300-600 Zinco (g) 2000-6000 Cobre (g) 100-600 Manganês (g) 20-50 Iodo (g) 260 Flúor (g) 30-220 Selênio (g) 5-67 Cobalto (g) 0.5-1.3 Molibdênio (g) 18-120 Níquel (g) 0-50 Vanádio (g) tr-310 Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 32 3 - DEFINIÇÃO DO LEITE Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 33 Sendo o leite um produto de alta complexidade, fica difícil estabelecer uma definição única e precisa. Várias definições já foram criadas e publicadas nos mais diversos meios de difusão de conhecimentos, entretanto, pode-se de maneira geral fazer a definição do leite tomando como base alguns pontos de vista baseados sobretudo nos interesses daqueles que tentam. Dessa forma, os químicos, fisiologistas, nutricionistas, zootecnistas, sanitaristas etc., tendem a definir o leite de acordo com seus campos de atuação. Todavia, de uma maneira geral e didaticamente apropriada, o leite pode ser definido segundo três pontos de vistas, que atendem à maior parte da área laticinista e daquelas áreas correlatas. 3.1 SOB PONTO DE VISTA FISIOLÓGICO Sob o ponto de vista fisiológico o leite pode ser definido como: “Leite é o produto de secreção das glândulas mamárias das fêmeas mamíferas, logo após o parto, com a finalidade de alimentar o recém-nascido na primeira fase de sua vida”. Fica claro nessa definição a função biológica do leite. A natureza fez com que a composição química do leite fosse variável entre as várias espécies, para atender as exigências nutricionais dos recém- nascidos de cada uma. Dessa forma, o leite da própria espécie e particularmente o da própria mãe ainda é o melhor alimento para a cria. No caso particular do ser humano, o leite materno e o da própria mãe em particular é o melhor alimento, sendo capaz de nutrir, sozinho, uma criança normal até os seis meses de vida, exceção se faz quando a criança nasce com peso abaixo do normal ou a mãe fica de algum modo impedida de amamentar. O leite materno possui todos os elementos de forma balanceada e em quantidade suficiente, além de possuir com exclusividade alguns elementos muito importantes para o desenvolvimento do recém- nascido, como taurino, lactulose, alguns oligossacarídeos dentre outros. O ato de amamentar cria também um vínculo entre o filho e a mãe, que hoje se acredita ter influência importante no comportamento emocional durante toda a vida do indivíduo. 3.2 SOB PONTO DE VISTA FÍSICO-QUÍMICO “Leite é uma emulsão natural perfeita, na qual os glóbulos de gordura estão mantidos em suspensão, em um líquido salino açucarado, graças à presença de substâncias proteicas e minerais em estado coloidal”. Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 34 3.3 SOB PONTO DE VISTA HIGIÊNICO Embora as definições acima sejam importantes, o entendimento da definição do leite sob o ponto de vista higiênico é extremamente importante, pois na mesma estão embutidos todos os conceitos de qualidade do leite. Essa definição foi criada no primeiro Congresso Mundial de Laticínios, que aconteceu na Suíça em 1917. Baseando-se nos aspectos higiênicos o leite pode ser definido como se segue. “Leite é o produto íntegro da ordenha total e sem interrupção de uma fêmea leiteira em bom estado de saúde, bem alimentada e sem sofrer cansaço, isento de colostro, recolhido e manipulado em condições higiênicas”. Mais importante do que memorizar a definição acima, é entender os vários conceitos embutidos nela. Segue abaixo uma descrição de cada um dos conceitos contidos na definição que, se entendidos de maneira global, proporcionam um entendimento fácil de todos os aspectos envolvidos no que se refere à qualidade do leite. 3.4 ANÁLISE DOS CONCEITOS 3.4.1 Produto íntegro Entende-se por produto íntegro aquele no qual não foi adicionada nenhuma substância estranha e do qual não foi removido nenhum de seus constituintes. Infelizmente, muitas pessoas, de forma fraudulenta e ilegal, adicionam certas substâncias ao leite, sendo as mais frequentemente utilizadas a água, conservantes, neutralizantes e reconstituintes da densidade e crioscopia. Água A água, embora seja um constituinte natural do leite, é muitas vezes adicionada ao mesmo, de forma fraudulenta, com o objetivo principal de aumentar seu volume. Dessa forma um produtor que adiciona 20 litros de água em 100 litros de leite, passará a vender aos laticínios 120 litros de leite. Isso ocasiona dois problemas principais, o primeiro é a diminuição do valor nutricional do leite e isso é particularmente importante quando esse for comercializado na forma fluida (pasteurizado, esterilizado), visto que o valor nutricional do leite está exclusivamente relacionado aos seus sólidos, totais e Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 35 desengordurado. O segundo problema relacionado à aguagem do leite se refere à diminuição do seu rendimento industrial, sendo esse rendimento diretamente dependente do conteúdo de sólidos do leite. Secundariamente, a adição de água ao leite dilui sua acidez, proporcionalmente à quantidade adicionada. Além disso, a água adicionada pode estar contaminada, o que causa problemas na qualidade microbiológica do leite. Nunca é desnecessário salientar que essa prática é proibida, é uma fraude e deve ser combatida. Conservantes Conservantes ou inibidores podem ser definidos como qualquer substância adicionada ao leite com o objetivo de matar os microrganismos ou diminuir seu desenvolvimento. Como o maior problema responsável pela rejeição de leite na recepção dos laticínios é a acidez elevada, a adição de substâncias bactericidas ou bacteriostáticas faz com que a desclassificação do leite seja diminuída ou eliminada, pois não havendo microrganismos no leite a fermentação não acontece. A adição de conservante ao leite é proibida por lei, entretanto mais importante que o aspecto legal é o fato de que os conservantes podem ser danosos à saúde. Além disso, a presença dessas substâncias é um indicativo de que o produtor não dispensou os cuidados necessários para a produção de um leite de boa qualidade, tendo que lançar mão de métodos ilícitos e inescrupulosos para que seu produto seja aceito pelos laticínios. É importante ficar claro para o leitor que o objetivo da inclusão desse tópico é única e exclusivamente para informar que é fraude, é ilegal, é inescrupulosa a adição de quaisquer substâncias ao leite com a finalidade de mascarar defeitos, impedir sua acidificação ou tentar ludibriar a indústria com um produto de baixa qualidade. Exemplos de conservantes não serão aqui citados, para evitar que algum leitor menos atento possa concluir que esse material está preconizando a adição de tais substâncias ao leite. Muito antes pelo contrário, esse material tem o objetivo de enfatizar que essa fraude existe e todos aqueles que trabalham na área devem ficar atentos para Lactose Ácido Lático Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 36 combater tal prática. Neutralizantes Neutralizantes são substâncias alcalinas que combinam com o ácido lático formando sal mais água, diminuindo com isso a acidez do leite. Esses produtos não matam nem impedem o desenvolvimento microbiano, mas sim agem eliminando o produto de sua fermentação. É utilizado, também de forma fraudulenta, para corrigir defeitos do leite, nesse caso, a acidificação. O desenvolvimentoexcessivo de microrganismos no leite leva a um aumento da acidez, que é facilmente detectada na plataforma dos laticínios, sendo esse teste, inclusive, feito em todo o leite recebido. Dessa forma, para ludibriar esse teste, alguns produtores adicionam, de forma inescrupulosa, substâncias redutoras da acidez do leite. Embora a acidez seja a causa mais evidente e facilmente detectável da fermentação do leite, o seu abaixamento, pela adição de neutralizantes, de forma alguma consegue corrigir ou melhorar a qualidade do leite, visto que durante o processo fermentativo vários componentes do leite são degradados ou modificados e vários produtos, além do ácido lático, são formados, diminuindo em muito a qualidade do leite, tanto nutricional como sua aptidão para elaboração de produtos e consequentemente a qualidade desses. Reconstituintes da densidade e crioscopia A densidade e a crioscopia são técnicas analíticas utilizadas para verificar a integridade do leite, principalmente com relação à adicionada água. Entretanto, alguns produtores, com o objetivo de mascarar os resultados, adicionam juntamente com a água certas substâncias que possuem o poder de influenciar essas análises no sentido oposto ao da água. Assim, a adição de água, juntamente com essas substâncias pode, dependendo da quantidade de ambas, produzir um “leite” com densidade e crioscopia normais. 3.4.2 Ordenha total O termo “ordenha total” significa que se devem esgotar por completo os quatro quartos da vaca, evitando o leite residual. Evidentemente quando a ordenha é feita com o bezerro ao pé, ele faz essa função. O leite residual causa sérios danos para a qualidade do leite, uma vez que após a ordenha o canal do teto fica dilatado, permitindo a entrada de microrganismos para a cisterna do teto. Com a presença de grande quantidade de leite residual haverá um aumento muito grande do número de microrganismos, o que irá comprometer a Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 37 qualidade do leite da ordenha seguinte, mesmo que sejam desprezados os três primeiros jatos. Além disso, sabe-se que o teor de gordura do leite no final da ordenha é muito maior e caso esse não seja incorporado, o leite ordenhado possuirá consequentemente menor teor de gordura. Outro problema causado pelo leite residual diz respeito ao aparecimento de mamite. O leite que não foi retirado acumula-se com o da ordenha seguinte, aumentando o volume de leite no úbere e por consequência a pressão dentro do úbere. Isso facilita a formação de lesões que, com a presença de grande número de microrganismos, aumenta a possibilidade do aparecimento de infecção. No caso específico da ordenha mecânica, é importante salientar que após a retirada das teteiras, é recomendável fazer o “repasse” manualmente para retirar o leite que a ordenhadeira não conseguiu. 3.4.3 Ordenha sem interrupção O processo de “descida” do leite durante a ordenha é controlado por um hormônio denominado “ocitocina” que é produzido pela glândula hipófise e controlado por estímulo condicionado (massagem no úbere, pelo ambiente da ordenha, barulho da ordenhadeira, presença do bezerro, etc.). A liberação desse hormônio acontece em um período que varia de 6 a 8 minutos. A ordenha deve então ser realizada dentro desse período de tempo, caso contrário, ela ocorrerá quando a vaca já não mais estiver liberando a ocitocina, tendo consequentemente interrompido a descida do leite. Com isso a possibilidade de haver leite residual é muito grande, ocasionando todos aqueles problemas já citados no item anterior. Face a isso, fica claro que a ordenha deve ser conduzida de forma contínua, sem interrupção, para que o processo não seja demorado. Um outro ponto importante a ser considerado é que a interrupção na ordenha causa um stress no animal, com produção do hormônio adrenalina pela glândula suprarrenal. A ocitocina e a adrenalina são antagônicos, ou seja, com a produção de adrenalina cessa a produção de ocitocina e por via de consequência a decida do leite, levando à retenção de leite no úbere. 3.4.4 Bom estado de saúde O estado de saúde reflete: Na quantidade de leite produzida Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 38 A produção de leite exige uma quantidade de energia muito grande. Quando a vaca está acometida de uma doença, ela consome menos alimento, tem seu metabolismo modificado e desvia parte de suas energias para o combate à enfermidade. Com isso certamente a produção de leite será diminuída. Na qualidade desse leite Diz o ditado que “o leite é o espelho da vaca”. Qualquer alteração na saúde da vaca reflete diretamente na qualidade do seu leite. Leite sadio só de vaca sadia. Existem, inclusive, algumas doenças da vaca que podem ser diagnosticas através da análise de seu leite. Além disso, muitas doenças do gado leiteiro podem ser transmitidas ao homem através do leite. ALGUMAS DOENÇAS TRANSMITIDAS PELO LEITE Tuberculose Brucelose Leptospirose Toxoplasmose Escarlatina Difteria Yersiniose Salmonelose Listeriose Intoxicação estafilacócica Campilobacteriose Febre Q Hepatite A Gastroenterites Aftosa 3.4.5 Bem alimentada A alimentação da vaca influencia a produção de leite em dois aspectos: na qualidade de leite produzida; na qualidade desse leite. Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 39 Sabe-se que para a vaca leiteira expressar todo seu potencial genético na forma de produção de leite, faz-se necessário que ela receba ração em quantidade suficiente, devendo essa ser apropriadamente balanceada para o nível de produção do animal. Além disso, a alimentação tem influência direta na qualidade do leite produzido. Alguns alimentos modificam a composição química do leite e outros podem alterar seu sabor e seu aroma. 3.4.6 Sem sofrer cansaço É de conhecimento geral que durante a ordenha a vaca deve estar descansada, tranquila, sendo que em muitas propriedades existe inclusive na sala de ordenha música ambiente. Como já comentado do item “c” uma vaca cansada, agitada, estressada, lança na corrente sanguínea uma quantidade muito elevada de adrenalina. Como a adrenalina é antagônica à ocitocina, que é o hormônio responsável pela decida do leite, isso levará à retenção de leite no úbere, ocasionando todos aqueles problemas mencionados no item “c”. Junta- se a isso o fato de que a vaca cansada, libera além da adrenalina, outros metabólitos no sangue que passarão para o leite diminuindo sua qualidade. Aqueles que trabalham com iogurte sabem muito bem que quando esse produto é elaborado com leite de vacas cansadas, estressada, o processo de fermentação é prolongado, pois esses metabólitos prejudicam o desenvolvimento e a atuação do fermento. 3.4.7 Sem colostro O colostro é, sabidamente, de fundamental importância para o recém-nascido. Entretanto, devido à diferença de composição, sua presença no leite, tanto de consumo quanto industrial, diminui sobremaneira sua qualidade. TABELA 5 Comparação da composição do colostro com a do leite normal Componentes Colostro Leite normal Sólidos Totais (%) 23,90 12,90 Gordura (%) 6,70 4,00 Proteína (%) 14,00 3,10 Lactose (%) 2,70 5,00 Cinza (%) 1,11 0,74 Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 40 A quantidade excessiva de proteínas solúveis do colostro modifica a composição do leite normal, causando sabores desagradáveis ao leite de consumo e amargo nos produtos lácteos, principalmente queijos. Além disso, o colostro possui um aspecto viscoso, amarelado, que torna o leite de consumo repugnante. A presença do colostro em leites de indústria, causa sérios problemas no processamento,uma vez que ele possui muitas substâncias antimicrobianas que dificultam a atuação do fermento lático nas fabricações de queijos e iogurte. 3.4.8 Recolhido e manipulado em condições higiênicas O termo “recolhido e manipulado em condições higiênicas” é também conhecido com produção ou obtenção higiênica do leite. Embora esteja embutido dentro da definição do leite, esse item, devido a sua grande importância e facilidade de leitura, será aqui tratado separadamente. Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 41 4 - PRODUÇÃO HIGIÊNICA DO LEITE Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 42 A produção higiênica, também denominada obtenção higiênica, abrange todos os cuidados necessários na produção de um leite de boa qualidade. 4.1 OBJETIVOS DA OBTENÇÃO HIGIÊNICA Produção de leite limpo: Leite limpo é aquele que não possui substâncias grosseiras estranhas ao produto, como pedaços de silagem, feno, isento de poeira, carrapatos etc. Com baixa contagem bacteriana: A produção de leite com a menor contagem microbiana possível é fator determinante na sua qualidade, uma vez que são os microrganismos os principais responsáveis pela sua deterioração. Microrganismos do leite: Os microrganismos do leite podem ser classificados sob diversas formas: Patogênicos: São aqueles capazes de causar doenças a quem vier a consumir leite, caso esse leite possuo microrganismos viáveis. Fermentativos: São microrganismos que fermentam componentes do leite (principalmente a lactose) causando deteriorações. Saprófitas: São microrganismos incidentais que estão presentes no leite por acaso, não causando doenças nem deteriorando o leite. Finalidades: Quanto à finalidade os microrganismos que normalmente estão presentes, ou são propositadamente adicionados ao leite, podem ser classificados em: Úteis: São aqueles adicionados ao leite para promoverem fermentações Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 43 desejáveis. Como exemplo pode-se citar aqueles adicionados via fermento lático na produção de queijos leites fermentados, etc. Prejudiciais: Os microrganismos prejudiciais são aqueles que produzem fermentação indesejável ou são patogênicos. Sem importância: São os que não causam doenças e nem fermentam o leite de forma indesejável, podem ser denominados saprófitas. É importante ter em mente que um microrganismos pode ser útil para um certo fim e prejudicial a outro. Quando da elaboração do iogurte, é necessário a utilização de microrganismos para fermentar o leite, entretanto esses mesmos microrganismos são prejudiciais quando se considera o leite de consumo. Origem: Os microrganismos podem chegar ao leite de diversas formas, provenientes dos mais diversos lugares. Contaminação endógena: É aquela que tem origem de dentro do úbere da vaca, ou seja, o leite quando sai do teto da vaca já sai com microrganismos, nesse caso diz-se que é uma contaminação endógena. Contaminação exógena: A contaminação exógena é aquela que acontece após o leite sair do teto da vaca. Várias são as fontes da contaminação exógena. Origem da contaminação exógena: do animal do ambiente do homem do utensílio do vasilhame da água Para se obter um leite limpo e higiênico é necessário que levemos em consideração os seguintes itens: Prestar especial atenção às fêmeas: Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 44 Em estado de magreza extrema ou visivelmente esgotadas. Excessivamente infestadas por endo ou ectoparasitos. Suspeita ou declaradamente tuberculosas. Suspeita ou declaradamente brucélicas. Em estado febril. Com diarreia ou corrimento vaginal. Recém paridas. Com inflamação no úbere. Quando se diz “afastar as fêmeas” não se pretende querer eliminá-las, mas sim tomar cuidados especiais com as mesmas. Os ordenhadores: Devem apresentar perfeita saúde e ter hábitos higiênicos. Usar roupas limpas durante a ordenha. Não fumar, cuspir ou escarrar no local de trabalho. Ter mãos e braços limpos na hora da ordenha e unhas aparadas. Os ordenhadores são peças fundamentais na produção de leite, pois são eles que irão ter contato direto com os animais, com o vasilhame e equipamentos e terá a responsabilidade de manipular o leite. Local da ordenha O local da ordenha não necessita ser “luxuoso”, entretanto alguns requisitos não necessários para se produzir leite de boa qualidade, tais como: Arejado, sem ventos fortes . Seco e limpo, em nível elevado, ensolarado e com ligeiro declive. Isolado de currais, pocilga e aviários. Ser coberto, “cercado lateralmente a meia altura”, Piso firme. Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 45 De uso exclusivo da ordenha, Mantido limpo. Vasilhame É indispensável cuidados com o vasilhame, pois o leite terá contato direto com o mesmo, sendo que na prática observa-se ser esse um ponto de grande importância na produção de leite de boa qualidade. O vasilhame deve ser: De uso exclusivo da ordenha; feito de alumínio, ferro estanhado, aço inoxidável ou plástico; possuir formato próprio, sem ângulos vivos. Quando a ordenha é manual, recomenda-se o uso de balde de boca estreita (3/4 fechada). Alguns trabalhos têm demonstrado sua eficiência, sendo que uma redução na contagem total tem sido observada. Abaixo estão apresentados os dados médios coletados em alguns deles. Boca Larga - 87.380 ufc/ml Boca Estreita - 29.262 ufc/ml MÉTODO DE LAVAGEM Embora existam várias recomendações sobre os métodos de limpeza e sanitização de equipamento, eles seguem uma linha geral na seguinte ordem: Água morna Água quente mais detergente Enxaguar Esterilizar (Vapor, cloro ou outro sanitizante de comprovada eficiência); Guardar em local limpo A ORDENHA No caso da ordenha manual recomendam-se os seguintes cuidados que devem ser observados: Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 46 O animal deve estar com o úbere limpo e sem pelos longos. Prender a cauda da vaca. Ordenhar em diagonal. Feita a fundo e contínua. Coar o leite. Resfriar o leite. Primeiros jatos em caneca telada. Anotar a produção. O TRANSPORTE Embora o sistema de transporte de leite no Brasil está sofrendo grandes transformações, pela implantação do sistema de coleta a granel, deve-se observar no caso do transporte em latões que: Seja feito mais o rápido possível. Deve-se evitar que os raios solares incidam sobre os latões. Quando possível os latões devem estar completamente cheios. Se possível, à baixa temperatura. Obs. A coleta de leite à granel está gradativamente sendo implantada no Brasil, o que tem trazido muitos benefícios para a melhoria da qualidade do leite. 4.2 CUIDADOS GERAIS Alguns cuidados gerais devem ser tomados, os quais, embora não acarretando gastos econômicos, contribuem para a produção de leite de boa qualidade. Os cuidados gerais a serem tomados são: Evitar espirros de urina e fezes. Evitar mosquitos, carrapatos, pelos. Evitar poeira no estábulo. Limpeza periódica do curral. Físico-Química, Qualidade e Processamento do Leite 47 Latões em estrado de madeira. Manter os latões à sombra e verificar periodicamente a limpeza. Afastar os latões defeituosos ou reformá-los. Não usar os latões para outros fins. Não arear o vasilhame. Limpar o úbere antes da ordenha. Evitar grande número de transvase.
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