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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” (ESPECIALIZAÇÃO) A DISTÂNCIA PROCESSAMENTO E CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL - PCQ TOXINFECÇÕES ALIMENTARES Luís Roberto Batista Universidade Federal de Lavras - UFLA Lavras – MG 2014 Ficha Catalográfica preparada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da UFLA Governo Federal Presidente da República: Dilma Vana Rousseff Ministro da Educação: José Henrique Paim Fernandes Universidade Federal de Lavras Reitor: José Roberto Soares Scolforo Vice-Reitora: Édila Vilela Resende von Pinho Pró-Reitora de Pós-Graduação: Alcides Moino Júnior Pró-Reitor Adjunto Lato Sensu: Daniel Carvalho de Rezende Centro de Educação a Distância Coordenador Geral: Ronei Ximenes Martins Coordenador Pedagógico: Warlley Ferreira Sahb Coordenador de Projetos: Daniel Carvalho de Rezende Coordenadora de Apoio Técnico: Fernanda Barbosa Ferrari Coordenador de Tecnologia da Informação: André Pimenta Freire Coordenador(a) de Curso: Processamento e Controle de Qualidade de Produtos de Origem Animal (PCQ): Profª Luiz Ronaldo de Abreu SUMÁRIO 1 - INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 6 2 - TOXINFECÇÕES ALIMENTARES................................................................................. 9 2.1 ASPECTOS GERAIS ............................................................................................. 10 2.2 DADOS SOBRE Toxinfecções Alimentares ........................................................ 12 2.2.1 Tipos de Toxinfecções Alimentares ........................................................ 13 2.2.2 Toxinfecções Alimentares por Bactérias ................................................. 18 3- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 128 TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 6 1 - INTRODUÇÃO TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 7 A busca pela qualidade é uma constante nas indústrias de processamento de alimentos. O conceito de qualidade possui diversas definições, mas no que diz respeito aos produtos e/ou serviços vendidos no mercado, as definições mais empregadas são: "satisfação das necessidades dos clientes", "relação custo/benefício", "adequação ao uso", "valor agregado, que produtos similares não possuem"; "fazer certo à primeira vez"; "produtos e/ou serviços com efetividade". Enfim, o termo é geralmente empregado para significar "excelência" de um produto ou serviço. Em particular, na produção de alimentos, além destes conceitos também deve ser levado em conta a produção de alimentos seguros. Neste contexto, o emprego de sistemas de qualidade, em especial das boas práticas de fabricação e do sistema de análise de perigos e pontos críticos de controle ganha destaque. As Boas Práticas de Fabricação (BPF) São um conjunto de regras, princípios e procedimentos que devem ser adotadas pelas indústrias de alimentos, desde o recebimento da matéria-prima até o produto final. Abordam pontos como o controle dos processos, produtos, higiene pessoal, sanitização e o controle integrado de pragas, visando garantir a qualidade do produto e a segurança do consumidor. Deste modo, nesta abordaremos a importância da higienização para alcançar esses objetivos. A higiene de todas as etapas do processamento na indústria são fundamentais para a segurança e qualidade dos alimentos. Um bom programa de higienização ajuda na preservação da pureza, da palatabilidade e qualidade microbiológica dos alimentos, prevenindo a ocorrência de doenças transmitidas por alimentos e prolongando a vida de prateleira dos alimentos. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 8 Para que isso seja alcançado devemos ter um cuidado especial com a qualidade da água empregada na indústria. Uma higienização eficiente das instalações e equipamentos depende da qualidade da água que está sendo aplicada nesses processos. Após entender como as boas práticas de fabricação contribuem para a obtenção de qualidade na indústria de alimentos será discutido o sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controlo (APPCC) que é um sistema de gestão de segurança alimentar. O sistema baseia-se em analisar as diversas etapas da produção de alimentos, analisando os perigos potenciais à saúde dos consumidores, determinando medidas preventivas para controlar esses perigos através de pontos críticos de controle. Esse sistema visa garantir a inocuidade dos processos de produção, manipulação, transporte, distribuição e consumo dos alimentos. Atualmente, as boas práticas de fabricação e a implantação do sistema APPCC são exigências nas indústrias que processam produtos de origem animal. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 9 2 - TOXINFECÇÕES ALIMENTARES TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 10 2.1 ASPECTOS GERAIS Os alimentos podem servir como veículos de agentes patogênicos ao homem, ou como substrato para microrganismos que poderão elaborar substâncias nocivas, que trarão prejuízos quando ingeridas. As bactérias patogênicas se encontram com frequência em alimentos contaminados, sendo indesejáveis sob o aspecto de saúde pública. As substâncias químicas (pesticidas, metais pesados e outras) também não devem ser esquecidas, assim como as toxinas presentes nos tecidos que provocam efeito deletério no organismo. A incidência das Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) são influenciada por diversos fatores nomeadamente por alterações ambientais, industrialização, mudanças de hábitos, urbanização, estilo de vida, comércio internacional, alongamento da cadeia alimentar, conhecimentos, atitudes e comportamentos dos manipuladores de alimento, seja profissionais ou doméstico, e pela própria informação do consumidor (Leal et al, 2014). As contaminação de alimentos podem dar origem a surtos, definidos por episódios nos quais duas ou mais pessoas apresentam, em um mesmo período de tempo, sinais e sintomas semelhantes após a ingestão de um determinado alimento de mesma origem considerado contaminado por evidência clínica, epidemiológica e/ou laboratorial (Marchi,2011). No Quadro 1 são citadas algumas destas contaminações que podem provocar intoxicações leves ou mesmo levar um indivíduo à morte. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 11 Q U A D R O 1 : T ip os d e co nt am in aç õe s qu e po de m o co rr er e m a lim en to s. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 12 Analisando os dados apresentados podemos, portanto classificar as doenças de origem alimentar em três grupos: · Intoxicações químicas: doenças ocasionadas pela ingestão de alimentos contaminados por metais, agrotóxicos e substâncias raticidas e inseticidas; · Intoxicações naturais: ocorrem por confusão na escolha de produtos semelhantes às espéciestóxicas de plantas e cogumelos, ou contaminações naturais de peixes, moluscos e mexilhões com substâncias tóxicas; · toxinfecções alimentares: são doenças transmitidas pela ingestão de alimentos contaminados por bactérias, fungos, vírus e protozoários. 2.2 DADOS SOBRE Toxinfecções Alimentares De acordo com os estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças de origem alimentar mais comuns são as toxinfecções alimentares, entre as quais mais de 60% dos casos decorrem de técnicas inadequadas na manipulação, processamento e contaminação dos alimentos servidos em restaurantes. Está amplamente comprovado (Panetta, 1998) que a maioria dos casos de toxinfecções alimentares (ou sejam, doenças humanas transmitidas pela ingestão de alimentos contaminados) é devida à contaminação dos alimentos através dos manipuladores, os quais podem estar eliminando microrganismos patogênicos sem, contudo, apresentarem sintomas da doença, comprometendo os alimentos por hábitos inadequados de higiene (manipulação dos alimentos com mãos não higienizadas, hábitos precários de higiene pessoal, etc.). No Brasil, foram documentados mais de 400 surtos relacionados com o consumo de alimentos em 2011, sendo as regiões mais criticamente TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 13 impactadas a Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A classe de alimentos mais frequentemente envolvida em surtos alimentares são ovos e alimentos a base de ovos, e como consequência deste cenário, a maior incidência por agente etiológico dá-se pela Salmonella sp. É importante frisar que um terço dos surtos de intoxicação alimentar é decorrente de refeições dentro de casa, o que mostra, mais uma vez que a nossa segurança e a da nossa família está, literalmente, em nossas mãos 2.2.1 Tipos de Toxinfecções Alimentares Nos Quadros 2, 3, 4 e 5 estão sumarizados tipos de toxinfecções alimentares transmitidas por alimentos por bactérias, vírus, fungos e protozoários respectivamente. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 14 Q U A D R O 2 : T ox in fe cç õe s ba ct er ia na s tr an sm iti da s po r a lim en to s. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 15 Q U A D R O 3 : D oe nç as tr an sm iti da s pe lo s ví ru s at ra vé s de a lim en to s co nt am in ad os . TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 16 Q U A D R O 4 : M ic ot ox in as p ro du zi da s po r f un go s no s al im en to s. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 17 Q U A D R O 5 : D oe nç as tr an sm iti da s po r p ar as ita s at ra vé s do s al im en to s. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 18 2.2.2 Toxinfecções Alimentares por Bactérias Dos microrganismos envolvidos em processos de deterioração, também existem inúmeras espécies patogênicas, que podem contaminar os alimentos e, em algumas situações, encontrar neles um substrato adequado para a sua proliferação; nestas condições, também sob o aspecto de saúde pública os alimentos são de primordial importância. No grupo de “doenças de origem alimentar”, fica implícito que o alimento contaminado se constitui no mais importante veículo do agente patogênico, usualmente servindo de substrato para a multiplicação do microrganismo responsável pelo processo patológico. Também neste caso, a via oral é a principal ou única via de penetração do patógeno no organismo humano. As doenças de origem alimentar podem ser divididas em duas grandes categorias: As infecções causadas pela ingestão de células viáveis do microrganismo patogênico, as quais, uma vez no interior do organismo, colonizam órgãos ou tecidos específicos, com a consequente reação dos mesmos à sua presença, desenvolvimento, multiplicação ou toxinas porventura elaboradas. Dois tipos básicos de processos infecciosos são conhecidos: o primeiro deles é provocada por microrganismos denominados invasivos, que, após a etapa de colonização, penetram e invadem os tecidos, originando um quadro clínico característico. Exemplos típicos são dados por Shigella spp, Salmonella spp, Yersinia enterocolítica, Campylobacter jejuni. O segundo tipo é causado por microrganismos toxigênicos, no qual o quadro clínico é provocado pela formação de toxinas, liberadas quando o TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 19 microrganismo multiplica-se, esporula ou sofre lise. Como exemplo podem ser mencionados os processos patogênicos provocados por Escherichia coli, Vibrio cholerae, Vibrio parahaemolyticus e Clostridium perfringens. · As intoxicações (toxinoses), provocadas pela ingestão de quantidades variáveis de toxinas, formadas em decorrência da intensa proliferação do microrganismo patogênico no alimento. Embora as bactérias elaboradoras das toxinas também sejam usualmente ingeridas, a expressão da patogenicidade não envolve uma etapa infecciosa “in vivo”. Consequentemente, a produção de doses efetivas de toxina, capaz de afetar os seres humanos, depende fundamentalmente da contaminação do alimento pelo agente patogênico, seguida de sua multiplicação e produção de toxinas. Exemplos clássicos deste processo são as intoxicações causadas por Clostridium botulinum, Staphylococcus aureus e cepas específicos de Bacillus cereus. Um dos aspectos mais importantes relacionado com problemas de intoxicações ou infecções de origem alimentar refere-se ao número de células que devem ser ingeridas ou estar presentes no alimento, de forma a se expressar um quadro clínico de infecção ou intoxicação, respectivamente. A este respeito e com base fundamentalmente em estudos conduzidos por voluntários humanos, demonstrou-se que estes números, denominados dose mínima de infecção, no caso da necessária ingestão de células viáveis, são extremamente variáveis dependendo principalmente da espécie ou cepa de bactéria patogênica. Os dados contidos na tabela 1 exprimem melhor esta afirmação. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 20 TABELA 1 Doses de infecção para várias bactérias enteropatogênicas (Bryan, 1979) BACTERIA DOSE DE INFECÇÃO (UFC)* Shigella dysenteriae 10-200 Shigella flexneri 102-104 Vibrio cholerae 108 Vibrio parahaemolyticus 106-108 Salmonella typhi 104 Salmonella anatum 105-107 Salmonella derby 107 Salmonella pullorum 109 Escherichia coli 106-108 Clostridium perfringens 109-1010 Yersinia enterocolítica 109 * UFC = unidades formadoras de colônias. Os microrganismos patogênicos indicadores higiênico-sanitários quando se desenvolvem podem colocar em risco a saúde do consumidor, seja pelo desenvolvimento no trato gastrointestinal ou outra partes do organismo humano (infecção alimentar) ou pela produção de toxinas no próprio alimentos (intoxicação alimentar), sendo a toxina a responsável pelos danos há saúde humana. A presença destes microrganismos indicam falhas de higienização ou de controle de qualidade durante a produção. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 21 As bactérias patogênicas serão descritas aqui como as que apresentam capacidade comprovada para causar doenças ou injurias em humanos (Pirosfski and Casadevall, 2012). A Patogenicidade é definida como a capacidade do microrganismo em provocar a doença, e virulência é o grau da patogenicidade. As principais bactérias associadas a surtos de intoxicação alimentar tendo como vetores os produtos hortícolassão, Salmonella spp, Escherichia coli O157H7, Staphylococcus aureus, Listeria monocytogenes, Clostridium botulinum, Shigella spp. As figuras 2, 3, 4 e 5 abaixo mostram o comportamento de alguns destes microrganismos em meios de cultura diferenciadores, dando um direcionamento para estas espécies patogênicas. Estes microrganismos patogênicos, endo tempo suficiente em uma temperatura apropriada, alguns podem se desenvolver sobre os produtos hortícolas e exceder populações de 107 (UFC – Unidades Formadoras de Colônia), resultando em um elevado risco de infecção para os consumidores. Este tipo de surto envolvendo produtos vegetais tem aumentado consideravelmente nos últimos anos. Vários meios de cultura seletivos são recomendados para o isolamento e contagem destes microrganismos. A) Clostridium botulinum (Intoxicação – toxinose - Botulínica) HISTÓRICO Desde épocas remotas, relatam-se casos de indivíduos que apresentavam sintomas característicos do hoje denominado botulismo, após ingestão de alimentos mal conservados. Pode-se supor, com base nos conhecimentos atuais, que alguns alimentos devem realmente ter sido os responsáveis pelo surgimento da doença entre nossos antepassados. É possível imaginar que um salmão conservado em um barril de salmoura demasiado diluída para ser completamente bacteriostática, bem como TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 22 arenques mal defumados no Mar Báltico ou trutas mal enlatadas na Escandinávia ou outros tantos alimentos marinhos mal conservados, tenham sido os primeiros agentes veiculadores dessa doença, uma vez que a pesca era o principal meio de subsistência e comércio dos povos da antiguidade. São poucos os conhecimentos referentes a essa patologia anterior ao século XIX. Tem-se conhecimento, mas sem bases realmente fundamentadas em relação ao botulismo, que o imperador Leão VI, de Bizâncio (886-911) proibiu a elaboração de embutidos de carne devido à disseminação de toxinfecções alimentares. O que não se sabe ao certo é se esta lei tinha algo a ver com tabus ou teologias ou realmente com a disseminação de doenças de caráter grave. Qualquer que fosse a razão, é certo que a proibição era séria. O "criminoso" tinha suas propriedades confiscadas após o açoite, em desonra, e era exilado por toda a vida. Em 1793, em Wurttemburg, Alemanha, treze pessoas adoeceram, das quais seis morreram. Duas explicações foram dadas: o médico oficial da cidade atribuiu os casos à intoxicação por beladona, enquanto outras pessoas acreditavam na hipótese da doença e mortes terem sido causadas pela ingestão de salsichas, preparadas com sangue de cervo, denominado de "Blunzen o Shweinsmagen". Foi o início do estudo de intoxicações causadas por embutidos, cujo maior pesquisador por Justino Kerner (1786 - 1862). Justino Kerner era médico e poeta, tendo estudado Medicina e Literatura na Universidade da Turíngia. Foi nomeado médico oficial do distrito de Wurttemburg, onde se destacou como um grande mestre da poesia e pesquisador do botulismo, áreas pouco correlatas, mas desenvolvidas com grande competência. Recolheu dados sobre 230 casos do que denominou botulismo, uma vez que estavam geralmente associados à ingestão de TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 23 salsichas ("botulus", em latim). A doença era também conhecida como "Doença de Kerner", dado sua dedicação às pesquisas. Observou-se que as salsichas eram veículos da doença apenas sob algumas situações. As que apresentavam pequenas bolsas de ar sob o envoltório, constituído de tripa animal, e as maiores, nas quais o envoltório era de intestino grosso, eram as que mais se tornavam venenosas. Isso sugeriu desde o início que o agente seria um organismo vivo anaeróbio facultativo ou estrito, o que foi comprovado posteriormente. Muitos anos depois do trabalho de Kerner, em 1896, houve outro caso que marcou o estudo do botulismo. Em Ellezeller, pequena cidade belga da província de Hainaut, 23 músicos, de um total de 35, ficaram doentes após uma refeição de presunto cru e cerveja. Voltavam do enterro de um integrante do grupo quando fizeram a fatídica refeição. Dos doentes, três morreram e dez ficaram em estado grave, todos com sinais progressivos de paralisia neuromuscular. O caso chamou a atenção de Emile Pierre Marie Van Ermengen, graduado em Lovaine e pós-graduado em Londres, Edimburgo, Paris, Viena e Berlim, onde trabalhou com Koch, um dos grandes nomes da Bacteriologia. Estudou o caso dos músicos detalhadamente, conseguindo reproduzir a doença em várias espécies animais. Desenvolveu meios de cultivo e adaptou-os às condições de crescimento do microorganismo, o qual denominou Bacillus botulinum . Percebeu a produção de toxinas a partir destes microorganismos, as quais administradas via oral e perenteral a cobaias, mesmo em pequenas doses, causavam a sua morte. Notou que algumas espécies animais eram imunes à toxina, como as galinhas, e que este produto bacteriológico era inativado se submetido à ebulição por trinta minutos a 80º C ou uma hora a 70º C. Van Ermengen postulou então os detalhes básicos sobre o botulismo: TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 24 (1) trata-se de uma intoxicação e não de uma infecção; (2) a toxina é produzida por uma bactéria específica; (3) ingerida a toxina com os alimentos ela não é inativada pelos processos digestivos normais; (4) é relativamente resistente aos agentes químicos, porém sensível ao calor; (5) não é produzida em alimentos cuja concentração de sal é suficientemente alta; (6) nem todas as espécies animais são suscetíveis à doença. Como resultado dos trabalhos desses dois cientistas, foram sendo descobertas outras fontes da doença botulínica, bem como toxinas sorologicamente distintas, mas causadores de intoxicações semelhantes. Em 1904, um surto de botulismo em Darmstodt (Alemanha), doze pessoas morreram após ingerirem uma salada em feijão em conserva. Este surto foi estudado por Landmann, que isolou agente semelhante ao de Ermengen. Em 1919, Burke, estudado os agentes isolados por ambos, descobriu que pertenciam a grupos diferentes. Daí em diante, novas descobertas foram sendo feitas, chegando-se ao que hoje conhecemos sobre o agente do botulismo, que passou a ser designado como Clostridium botulinum. Um resumo sobre estes acontecimentos históricos relacionados ao isolamento e caracterização do Clostridium botulinum são apresentados na Tabela 2. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 25 TABELA 2 Isolamentos históricos de Costridium botulinum Autor Data Episódio 1735 1o Caso de botulismo Emile Pierre Marie Van Ermengen 1895 Isolamento - Tipo A - presunto 23 casos/3 óbitos (Bélgica) Landman 1904 Isolamento - Tipo B - Salada de feijão 11 óbitos (Alemanha) Bengston 1922 Isolamento - Tipo C - Larvas de moscas Lucilia caesar USA Seddon 1922 Isolou de ossos de bovinos com paralisia bulbar (Austrália) Theiler 1927 Isolamento - Tipo D - Ossos de cadáveres em putrefação (África do Sul) Kurochin 1937 Isolamento - Tipo E - 3 surtos carne de foca salgada (Área do Mar Cáspio) Möeller & Scheibel 1958 Isolamento - Tipo F - Surto patê de fígado caseiro (Ilha de Langeland - Dinamarca) Gimenez & Ciccarelli 1966 Isolamento - Tipo G - Solo (Mendoza - Argentina) TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 26 Entre 1899 e 1973, o Center for Disease Control documentou 688 epidemias distintas de botulismo de origem alimentar, envolvendo cerca de 1800 pessoas, com uma taxa de mortalidade de 55%. Nos anos 30, o número de casos relatados sofreuum aumento considerável, provavelmente devido ao maior consumo de enlatados e conservas domésticas. Determinou-se que as maiores fontes de contaminação são os legumes (57%), produtos de peixe (15%), frutas conservadas (12%) e condimentos, incluindo o mel (8%). O primeiro nome dado ao microrganismo isolado foi Bacillus botulinus. Em 1917 o nome foi mudado para Clostridium. O primeiro surto constatado no Brasil ocorreu em Porto Alegre e foi descrito por Pereira-Filho (1958). TIPOS DE BOTULISMO A - BOTULISMO DE FERIDA Rara forma de botulismo. Ocorre quando o microrganismo infecta um ferimento, produz toxina que cai na circulação sanguínea. Alimentos não estão envolvidos neste tipo de botulismo.Dá-se pela penetração do Clostridium botulinum por lacerações na pele. Este tipo de contaminação por ferida também acontece com o Clostridium tetani causador do tétano que não é transmitido por alimentos. Alguns casos de infecção de feridas pelo Clostridium botulinum podem passar desapercebidas. Mesmo infectadas por cepas toxigênicas, o indivíduo pode não apresentar qualquer sintoma. Pode-se, inclusive, confundir o agente infeccioso com o Clostridium sporogenes, contaminante frequente de feridas, mas não toxigênico. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 27 B – BOTULISMO INFANTIL Diagnosticado em 1976. Caracteriza-se por haver ingestão não somente das toxinas botulínicas, mas também de formas vegetativas e esporos do Clostridium botulinum que passarão a produzir "in vivo" suas toxinas. Inicialmente acreditou-se impossível este tipo de infecção, mas Burke et al, em 1921, assinalou ser possível, uma vez que explicaria as recaídas sofridas por pacientes em franca melhora. Acredita-se que em condições normais, o microorganismo não seria capaz de sobreviver à competição com a microbiota bacteriana intestinal. Resulta da germinação de esporos seguida de crescimento de microrganismos e produção de toxina no trato gastrointestinal. Afeta a criança até 12 meses de idade. Em casos de diminuição do peristaltismo como consequência da toxina, já seria mais fácil a colonização do intestino pelo Clostridium botulinum e posterior produção de mais toxina. O Botulismo Infantil enquadra-se neste tipo de infecção e é a forma que melhor a representa. Ocorre a ingestão de esporos de Clostridium botulinum pela criança, os esporos germinam no intestino (microbiota intestinal não está bem desenvolvida) e produzem a toxina. A criança apresenta ,sono excessivo, pouco controle da cabeça, reflexos lentos e fraqueza generalizada. Acontece a falência respiratória e consequentemente a morte. C - BOTULISMO CLÁSSICO OU INTOXICAÇÃO (TOXINOSE) ALIMENTAR Sabe-se que a toxina botulínica é a mais potente das secreções bacterianas e, portanto, mesmo quantidades pequenas podem causar manifestações clínicas. O alimento tóxico, ao chegar ao estômago e às porções iniciais do intestino delgado, tem a absorção da toxina iniciada. Acredita-se que apenas cerca de 1% da toxina ingerida é absorvida e que da parte restante TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 28 muita toxina seja desnaturada por enzimas proteolíticas. A porção absorvida, provavelmente a de peso molecular menor em relação à porção total ingerida, segue pelos linfáticos intestinais e chega ao canal toráxico e daí à corrente sangüínea. A linfa intestinal contém 15 vezes mais toxina do que o sangue circulante, reforçando a idéia de que seja despejada no canal toráxico e não encaminhada pelo sistema-porta do fígado, como se acreditava anteriormente. Atingindo as sinapses nervosas, atuam então na inibição da transmissão dos impulsos neuro-musculares por ação sobre a acetilcolina, provocando então os distúrbios característicos da doença. A toxina que atinge a porção final do intestino delgado e o cólon tende a ser absorvida lentamente, o que provavelmente explica o início retardado da doença e a longa duração dos sintomas em muitos pacientes portadores do botulismo clínico. Inicia-se 18 a 36 horas após a ingestão do alimento contendo a toxina, podendo-se ter variações onde o período de incubação dura até 8 dias. A taxa de mortalidade, tende a ser maior nos casos onde o período de incubação for menor, uma vez que provavelmente a redução deste tempo está associada a uma ingestão de maior quantidade da toxina ou de um tipo mais potente. Há, entretanto, divergências sobre essa proporcionalidade, uma vez que a ingestão da toxina B tende a revelar sintomas em poucas horas, mas como uma taxa de mortalidade considerada pequena. Nas intoxicações do tipo B e E, a náusea e o vômito costumam ser os principais sintomas, sendo que a regurgitação do alimento responsável tende a diminuir o índice de absorção da toxina e, portanto, a gravidade dos sintomas. Nos casos de intoxicação pelo tipo A, os sintomas gastrointestinais são menos frequentes. Acredita-se, mas sem provas ainda, que estes sintomas gastrointestinais sejam provocados pelas alterações que as bactérias causam TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 29 no alimento e não pela própria toxina, uma vez que o botulismo por ferida não os apresenta. Intoxicações por bactérias como Salmonellas, Shiguelas e Estafilococos possuem sintomatologia semelhante ao botulismo, podendo gerar confusão de diagnóstico. O mesmo se dá com relação à "miastenia gravis", síndrome de Guillian-Barré, acidentes cérebro-vasculares, polineurite diftérica, síndrome de Eaton-Lambert, assim como intoxicações por álcool metílico, compostos organo-fosforados, beladona, atropina, monóxido de carbono e etc. O tratamento pode ter sucesso se aplicado à tempo. A dificuldade respiratória pode ser sanada com intubação, traqueostomia ou ventilação mecânica, conforme o grau de comprometimento. O uso de antitoxinas é eficaz em cerca de 85% dos casos, utilizando-se geralmente uma forma trivalente (A,B e E). É necessária a administração no menor tempo possível, sendo que sua ação visa evitar o progresso dos sintomas, uma vez que os distúrbios neurológicos já existentes não são revertidos. Utiliza-se também a "guanidina", tida como passível de aumentar a liberação da acetilcolina nas terminações nervosas, melhorando a condutividade dos impulsos, o que, entretanto, é um método de eficiência ainda discutido. O tratamento, portanto, visa três pontos principais: neutralização da toxina circulante o mais rapidamente possível, eliminação da toxina ainda não absorvida no trato gastrointestinal e controle da paralisia progressiva, especialmente a nível respiratório. RESUMO ESQUEMÁTICO DA AÇÃO DA TOXINA Toxina botulínica (neurotoxina) - não atuam as enzimas digestivas na destruição, ela é então absorvida pela corrente sanguínea vai afetar a habilidade dos nervos de estimular os músculos→(normalmente a contração TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 30 muscular ocorre quando o impulso nervoso passa ao longo da fibra nervosa e chega a junção neuromuscular estimulando a acetilcolina que é responsável pelo início da contração muscular)→neurotoxina + ligação à fibra nervosa (próxima a junção neuromuscular) →impede que a fibra secrete acetilcolina→músculo não pode contrair-se e ocorre a paralisia. CARACTERÍSTICAS: · Bacilo gram-positivo, esporógeno, anaeróbico; · Suas células medem 0,3-0,7 X 3,4-7,5 mm e são móveis com flagelos peritríquios; · Pertence à família Bacillaceae; · Seus esporos são ovais, subterminais e deformam o esporângio (Figura 1 e 2); · Podem ser sacarolíticos, proteolíticos, não possuir nenhuma destas características ou possuir as duas. FIGURA 1 Clostridium botulinumTOXINFECÇÕES ALIMENTARES 31 FORMAÇÃO DE ESPOROS: ETAPA 0 A célula encontra-se na etapa final de crescimento exponencial e contém dois cromossomos ETAPA 1 O DNA celular torna-se mais denso e ocupa o centro da célula. Começa uma importante troca intracelular de proteínas. ETAPA 2 Forma-se um septo perto do pólo celular causando uma inveginação de membrana citoplasmática. O DNA é segregado em dois compartimentos (o esporo e a célula mãe). ETAPA 3 O citoplasma do esporo em formação se separa limitado por 2 membranas devido ao crescimento da membrana citoplasmática ao redor do protoplasto A membrana mais interna se transformará na membrana citoplasmática do esporo em germinação. ETAPA 4 Começa a se formar o córtex para o depósito de um peptidioglicano esporoespecífico entre a membrana interna e externa.O esporo aparece como um corpo refratário começa a acumular cálcio e sintetizar ácido dipicolínico. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 32 FIGURA 2 Estrutura do esporo bacteriano GERMINAÇÃO DOS ESPOROS A germinação dos esporos que leva a formação das células vegetativas consiste de três fases sequenciais: 1. Ativação: É um processo reversível que condiciona aoesporo germinação em um ambiente adequado. Envolve a desnaturação reversível de algumas proteínas. 2. Germinação:É um processo irreversível em que participam enzimas que contém o esporo. Nesta etapa tem atividade metabólica, e perdem-se as características do esporo como refrataridade e resistência a agentes físicos e químicos. 3. Crescimento: Tem uma alta atividade biossintética com síntese de proteínas, RNA mensageiro e componentes estruturais como em uma célula vegetativa. Desenvolve-se a parede celular. Forma-se a célula vegetativa. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 33 HABITAT Os esporos são encontrados em solos virgens e cultivados, sedimentos marinhos, no fundo dos lagos e de águas costeiras e também são encontrados no trato intestinal dos peixes e animais terrestres. TOXINAS Com base na especificidade antigênica de suas toxinas foram identificados sete tipos: A, B, C, D, E, F e G, sendo o tipo G incluído em uma espécie nova C. argentinense (Suen et al., 1988). Clostridium argentinense é um microrganismo que foi inicialmente identificado como Clostridium botulinum tipo G, por sua capacidade para produzir toxina botulínica, visto que esta toxina produzida não se enquadrava em nenhum dos grupos de toxinas botulínicas conhecidas (A, B, C, D, E y F). Posteriormente, foi verificado que o microorganismo apresentava características diferentes do Clostridium botulinum, sendo então identificado como uma espécie diferente. Entretanto encontrada em alimentos e nem isolada dos mesmos. Algumas cepas de Clostridium butyricum têm capacidade para produzir toxina botulínica tipo E, e são responsáveis por algumas intoxicações sofridas, sobretudo em crianças. Entretanto, esta capacidade toxigênica é atribuída , principalmente em recém nascidos, devido a sua capacidade de acumular elevadas concentrações de ácido butírico e acético em alguns alimentos. Clostridium baratii é outro microrganismo implicado em casos de botulismo em adultos e produz a toxina tipo F. Não obstante, para que chegue a produzir um quadro de botulismo é necessária uma colonização previa do intestino, com produção posterior da toxina. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 34 Inicialmente, foram divididos em dois grupos: proteolítico e não- proteolítico, baseando-se em sua capacidade de hidrolizar proteínas, tais como caseína e albumina. Hoje, são divididos em três grupos básicos. Grupo I - Cepas proteolíticas, compreendendo todas as espécies do tipo A e formas proteolíticas dos tipos B e F. Formam colônias de 3 a8 mm de diâmetro com centro elevado, opaco e margem irregular. As cepas muito toxigênicas tendem a formar colônias mais lisas. Grupo II - Cepas não-proteolíticas do tipo B e F e todas do tipo E. Formam colônias de 1 a3 mm de diâmetro, levemente irregulares, com margens lobadas, translúcidas e semi-opacas, com superfície sem brilho. Grupo III - Cepas não-proteolíticas dos grupos C1, C2 e D. Formam colônias circulares, levemente irregulares, elevadas, translúcidas, cinza esbranquiçadas. Pode-se ainda distinguir um Grupo IV, formado por cepas proteolíticas, mas não sacarolíticas do grupo G. A tabela 3 mostra esta divisão baseando-se em suas semelhanças metabólicas e sorológicas. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 35 TABELA 3 Principais características para os grupos metabólicos de C. botulinum Grupos Características I II III IV Toxinas Produzidas ABF BEF C1C2D G Proteólise + - - + Lipólise + + + - Ferm. da Glicose + + + - Ferm. da Manose - + + - Tem. Mín. de Cres. 10-12oC 3,3oC 3,3oC 12oC Inibido em NaCl (%) 10 5 5 >3 Ácidos Graxos Voláteis AiBBiVPP AB AB AiBBiVPA Ácidos graxos: A = acético P = propiônico B = burítico iV = isovalérico PA = fenilacético PP = fenilpropiônico (hidrocenâmico) FONTE: ICMSF, 1998. A Tabela 4 descreve os tipos de toxinas, principais vítimas, veículos e locais de maior incidência das mesmas. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 36 TABELA 4 Enfermidades e tipos toxigênicos de Clostridium botulinum Tipos Toxigênico s Espécie Afetada Veículos Mais Freqüentes Incidência Geográfica Máxima A Homem (também botulismo de feridas e infantil); galinhas. Hortaliças, frutas, carne e pescado, enlatados caseiros. Oeste dos Estados Unidos e ex- URSS B Homem (também botulismo de feridas e infantil), cavalo e gado bovino. Carnes temperadas, especialmente de porco. América do Norte e ex- URSS, Europa. Ca Aves selvagens. Vegetais em decomposição, larvas de moscas. América do Norte, América do Sul, África do Sul e Austrália. Cb Gado bovino, cavalos, ovinos. Alimentos tóxicos, forragens, carcaças em decomposição, fígado de porco. Austrália, África do Sul, Europa, América do Norte D Gado bovino. Carcaça em Austrália, TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 37 decomposição. África do Sul. E Homem, peixes. Prod. Marinhos e derivados de pesca. Norte do Japão, Norte da Europa, América do Norte, Suécia, Dinamarca, Antiga Rússia. F Homem Produtos cárnicos Estados Unidos, Dinamarca e Sul da Escócia. G (C. argentinens e) Desconhecido, homem? Terra Argentina. FONTE: ICMF (1998). A Tabela 5 mostra as condições para a produção da toxina botulínica. TABELA 5 Condições para a produção da toxina botulínica Fatores Condições Para Germinação dos Esporos e Produção de Toxina Temperatura Ótima = 35oC (37oC) Mínima para germinação = 15oC (em geral) Tipos A e B - crescem à 10oC Tipo E - pode crescer à 3,3oC (também B e F não proteolítico) TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 38 Umidade aw Salinidade Osmofilia pH O2 Tempo de Produção 45oC- não cresce ³ 30% permite a produção de toxina Ótima = 0,990 Mínima - Tipos A e B (0,93-0,94), Tipo E (0,975) NaCl £ 8% - permite a produção de toxina Açúcar ³ 50% - impede a produção de toxina 5,5-9,0 - permite a produção de toxina Anaerobiose - permite a produção de toxina 2-4 dias (12 horas)A toxina do Clostridium botulinum é uma das substâncias mais tóxicas dentre todas as que existem de modo natural. Os cálculos da quantidade de toxina do tipo A necessária para causar a morte no homem varia entre 0,1 e 1,0 mg. A ação da toxina foi estudada amplamente, passando-se anos até que seus efeitos fossem totalmente identificados e seu foco de ação estabelecido. Purkhaver, em 1877, definiu que a ação paralítica oriunda da toxina se devia à TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 39 ação sobre os nervos periféricos, não havendo comprometimento em nível de sistema nervoso central. Van Ermengem em 1897 afirmou que "a síndrome do botulismo consistia essencialmente em um grupo de fenômenos neuroparalíticos, alterações da secreção do trato gastrointestinal e paralisia motora simétrica, completa ou parcial, causada, provavelmente, por lesão da medula oblonga, especialmente dos núcleos de vários nervos cerebrais e dos pontos anteriores da corda espinhal". Dickson e Shevky em 1923 estudaram a ação da toxina sobre o sistema nervoso autônomo e voluntário, concluindo que não existia nenhum efeito nas fibras nervosas sensoriais e nem nas células musculares e sim, provavelmente, pelo efeito da toxina sobre as terminações das fibras motoras. Edmunds e Long , em 1923, também afirmaram tratar-se de uma "paralisia parcial das terminações dos nervos motores que vão aos músculos voluntários". Quando da purificação das toxinas tipo A e B, associada aos avanços no estudo da fisiologia humana, Guyton e MacDonald, em 1947, já tiveram uma idéia mais clara sobre seus mecanismos de ação. Determinaram que a toxina não atuava diretamente sobre o músculo ou sobre o tronco nervoso e sim causava um retardo ou uma inibição na condução do impulso nervoso. Existiam ainda algumas controvérsias, mas sabia-se que as toxinas botulínicas bloqueavam a liberação dos neurotransmissores colinérgicos através do Ca++ intercelular, particularmente nas funções neuromusculares, o que resultava em uma paralisia progressiva das pernas, músculos respiratórios e nervos motores intracranianos. Não se sabia ao certo se a toxina chegava a inibir ou alterar a produção da acetilcolina ou apenas sua ação sobre as células nervosas. Torda e Wolff, em 1947, sugeriram que a toxina inibiria a acetilcolinesterase, enzima participante da síntese da acetilcolina, o que, entretanto, não foi comprovado. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 40 As pesquisas mais recentes demonstraram que Guyton e MacDonald tinham razão. O músculo envenenado pela toxina não responde a neostigmina, um inibidor da colinesterase, porém contrai-se se exposto à ação da acetilcolina, comprovando que a toxina inibe a ação da acetilcolina na placa motora terminal. Esta é a prova de que não há ação direta da toxina sobre o músculo, uma vez que mesmo em presença da toxina botulínica, há resposta se o músculo for estimulado diretamente por ação da acetilcolina. Fisiologicamente, a acetilcolina é armazenada nas vesículas sinápticas em feixes denominados "quanta", sendo está liberada em ondas de 100 a 200 quando um impulso elétrico percorre o axoplasma. A acetilcolina liberada se combina com um ponto receptor da placa terminal do músculo, produzindo a contração. Seu excesso é inativado pela ação da acetilcolinesterase. Com base nos conhecimentos atuais, pode-se dizer que a toxina botulínica age em três etapas: 1. Fixação da toxina por meio do fragmento H aos receptores na membrana pré-sináptica, processo este que não requer energia ou íons Ca++. Esta fase é reversível se administrado um soro antibotulínico específico. 2. Internalização da toxina nas vesículas do neurônio pré-sináptico, com gasto de energia. Ocorre provavelmente por um processo de reorganização da membrana celular neuronal. É uma etapa irreversível. 3. Etapa lítica caracterizada por paralisia. Produz-se danos à estrutura da membrana citoplasmática e bloqueio da secreção da acetilcolina. SINTOMAS · Período de Incubação: 4 horas - 4 dias, média 12-36 horas; TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 41 · Sintomas gerais: náuseas, vômitos, diarréias, prisão de ventre, fadiga, cefaléia; · Sintomas Neurológicos: visão dupla, paralisia dos músculos da face, cabeça e faringe, perda dos reflexos e estímulos luminosos, dificuldade para falar e deglutir, morte por asfixia (paralisia respiratória); · Duração da doença: 3-6 dias (processo toxicológico), a recuperação pode levar alguns meses; · Letalidade: geralmente alta (depende do tipo e da disponibilidade do soro). DIAGNÓSTICO O teste laboratorial habitual nos casos suspeitos é a análise do soro, das fezes do conteúdo gástrico e/ou do alimento à procura da toxina botulínica e a análise das fezes e/ou do alimento à procura do C.botulinum. Entre os pacientes com evidência clínica de botulismo, a toxina é detectada no soro a partir de 1/3,a toxina é encontrada nas fezes a partir de 1/3 e o microorganismo é recuperado nas fezes a partir de 60%. A eletromiografia utilizando estimulação repetitiva em 40 hertz ou mais é útil para diferenciar o botulismo de outras síndromes neurológicas. CONTROLE E PREVENÇÃO DO BOTULISMO: · tratamento térmico adequado de alimentos (enlatados), assegurando a destruição total de esporos; · uso de métodos químicos e físicos (redução de Aa, acidificação) que inibem totalmente o desenvolvimento de bactérias; · descartar os produtos envasados estufados; TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 42 · não provar alimentos suspeitos; · alimentos após cozimento e mantidos por algum tempo no ambiente, devem ser reaquecidos adequadamente; · ferver alimentos suspeitos por ³ 15 minutos; · evitar o consumo de alimentos crus que foram congelados, descongelados e mantidos no ambiente; · alimentos ácidos preservados devem ter pH £ 4,5; · minimizar a contaminação dos alimentos por Clostridium botulinum através de procedimentos higiênicos adequados no processamento. B) Staphylococcus aureus (Toxinose estafilocócica) Staphylococcus aureus pertence a um grupo de microrganismos Gram- positivos, não formadores de esporos. A doença é causada pela ingestão da enterotoxina termorresistentes formada quando certas cepas de Staphylococcus aureus crescem nos alimentos. A toxina é denominada enterotoxina por causar gastroenterite ou inflamação das mucosas gástricas ou intestinal. . A quantidade necessária para desencadear a intoxicação em um adulto é de 1 micrograma, que corresponde à quantidade encontrada no alimento quando a contaminação por Staphylococcus aureus atinge 100.000 células por grama. HISTÓRICO: A denominação Staphylococcus (que significa cachos parecidos com os de uva) foi mencionada pela primeira vez pelo escocês Sir Alexander Ogston TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 43 que, em uma série de artigos clássicos publicados entre 1879 e 1882 descreveu a presença deste organismo em abcessos (pus) humanos e demonstrou que produzia uma enfermidade piógena quando injetado em ratos. Dois anos depois Rosenbach descreveu seu crescimento em cultivo puro e criou o gênero Staphycoccus e a espécie S. aureus para o “coco” que formava colônias de cor laranja (ICMF, 1998). A primeira associação à intoxicação alimentária provavelmente foi feita por Vauglian & Sternberg que em 1884 descreveram um surto em Michigan que acreditavam ter sido causada por consumo de queijo. Trinta anos mais tarde Barber em 1914 demonstrou claramente a intoxicação alimentar estafilocócica pelo consumo de leite guardado sem refrigeração, procedente de vaca com mastite. Em 1930,Dack et al. demonstraram que o filtrado estéril de um cultivo causou os sintomas típicos da intoxicação em voluntários. CARACTERÍSTICAS: Cocos, gram-positivos, catalase positivos dividem-se em mais de um plano para formarem cachos de uva (Figura 3). TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 44 FIGURA 3 Staphylococcus aureus (forma de cacho de uva) TAXONOMIA: A taxonomia dos estafilococos tem sido modificada nos últimos 20 anos e na edição do Bergey’s Manual de 1986 eram citadas apenas 19 espécies. O Quadro 6 mostra algumas destas espécies retiradas do Manual de Bergey de 1994. QUADRO 6 Espécies de Staphylococcus segundo Manual de Bergey (1994) 1. S. arlettae 2. S. aureus - subsp. - anaeroblus coagulase + - subsp. - aureus Tnase + 3. S. auricularis 15. S. hemoly 16. S. hominis 17. S. hyicus - Tnase + Coagulase V TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 45 4. S. capitis - subsp. – capitis - subsp. – ureolyticus 5. S. caprae 6. S. carnosus 7. S. caseolyticus 8. S. cromogenes 9. S. cohnil - subsp. – cohnil - subsp. - urealyticus 10. S. delphini - coagulase + 11. S. epidermidis 12. S. equarom 13. S. felis 14. S. gallinarum 18. S. intermedium - coagulase + Tnase + 19. S. kloosi 20. S. lentus 21. S. lugdumensis 22. S. saccharolyticus 23. S. saprophyticus 24.S. schielferi -subsp.-scluri Tnase + -subsp.-schielferi Tnase + 25. S. sciuri 26. S. simulans 27. S. warneri 28. S. xilosus TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 46 Outras espécies e subespécies citadas após a edição de 1994. (Atualizado em 12-2004). · Staphylococcus aerogenes · Staphylococcus carnosus subsp. utilis · Staphylococcus cohnii subsp. urealyticum · Staphylococcus condimenti · Staphylococcus equorum subsp. linens · Staphylococcus fleurettii · Staphylococcus haemolyticus · Staphylococcus hominis subsp. hominis · Staphylococcus hominis subsp. novobiosepticus · Staphylococcus hyicus subsp. chromogenes · Staphylococcus lactis · Staphylococcus lutrae · Staphylococcus muscae · Staphylococcus nepalensis · Staphylococcus pasteuri · Staphylococcus piscifermentans · Staphylococcus pulvereri · Staphylococcus pyogenes albus · Staphylococcus schleiferi subsp. coagulans · Staphylococcus sciuri subsp. carnaticus · Staphylococcus sciuri subsp. lentus · Staphylococcus sciuri subsp. sciuri · Staphylococcus staphylolyticus TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 47 · Staphylococcus succinus subsp. casei · Staphylococcus succinus subsp. succinus · Staphylococcus vitulinus. As provas mais frequentes para diferenciar S. aureus de outros estafilococos são as de coagulase e termonuclease. Entretanto, nenhuma destas provas é absolutamente específica uma vez que outras espécies de estafilococos podem produzir quantidades pequenas de coagulase, e por isso se recomenda a utilização de outros dispositivos de identificação bioquímica como o sistema API Staph-Ident e prova do fator de agregação para determinar os produtores eficazes de coagulase . Baseando-se na capacidade de coagulação do plasma, os Staphylococcus sp tradicionalmente, são divididos em duas categorias: coagulase positivos e coagulase negativos, que é uma propriedade considerada como importante marcador de patogenicidade dos estafilococos (Trabulsi et al., 1999). Segundo a Resolução RDC nº 12 do Ministério da Saúde (ANVISA) a enumeração de estafilococos coagulase positiva tem por objetivo substituir a determinação de Staphylococcus aureus. A determinação da capacidade de produção de termonuclease e quando necessária, a de toxina estafilocócica das cepas isoladas podem ser realizadas a fim de se obter dados de interesse à saúde pública. Embora não haja um padrão para contagem de Staphylococcus aureus para o leite, é importante esclarecer que este microrganismo está principalmente envolvido em infecções intramamárias de fêmeas em lactação, sendo o principal agente causador de mastite em bovinos, o qual é capaz de produzir uma grande variedade de toxinas extracelulares e de fatores de virulência que estão relacionados à sua patogenicidade, além de apresentar uma grande resistência aos antimicrobianos existentes. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 48 HABITAT E DISTRIBUIÇÃO NA NATUREZA E NOS ALIMENTOS: Encontrado nas mucosas e na pele da maioria dos animais de sangue quente. A distribuição pode ser esquematizada como a seguir: TOXINAS S. aureus produz um grande número de substâncias associadas com a infecciosidade e com a enfermidade. Variam desde componentes da parede celular, por exemplo, ácido teicoicos, até uma ampla gama de exoenzimas que incluem a estafiloquinase, hialuronadases, fosfatases, coagulases, catalases, proteases, nucleases e lipases, leucocidinas e hemolisinas e por último as interotoxinas que causam a intoxicação alimentar. As toxinas têm um peso molecular baixo (26.000-34.000), são proteínas de cadeias simples, que incluem uma cadeia polipeptídica que contém Consumidores Pele, garganta, intestino saliva, nariz, mãos Furúnculos ou abcessos septicemia,mastite bovina Portadores ou Doentes Enterotoxina Multiplicação Nº alto acima de 105/g ManipuladoresALIMENTOS Carne e derivados Aves, leite e derivados Bolos recheados, etc. HOMEM OU ANIMAIS (reservatório natural) INFECTADOS C/ SINTOMAS (Doentes) INFECTADOS S/ SINTOMAS (Portadores) ALIMENTOS INTOXICAÇÃO TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 49 quantidades relativamente grandes de lisina, tirosina e ácido aspártico e glutâmico e que se caracterizam por conter dois resíduos de hemicistina e um ou dois resíduos de triptofano. Atualmente são conhecidos seis tipos antigênicos de enterotoxinas estafilocócicas (SEA, SEB, SEC1, SEC2, SEC3, SED e SEE). A Tabela 6 mostra as características destas toxinas. TABELA 6 Características de toxinas estafilocócicas Tipo Peso Molecular Aminoácidos Terminais Cepas Tipo Referênci as A B C D E 27.800-34.700 30.000-35.300 ±34.000 ±30.000 29.750-30.030 Serina Ácido Glutânico- Serina e Treonina Ácido Glutâmico e Glicina - Serina e Treonina 196E – ATCC/3565 243-ATC/4458 137-ATCC 19095 494-ATCC 23235 FRI-326 Casman, 1960 Bergdoll et al., 1959 Bergdoll, et al., 1965 Casman et al., 1967 Bergdoll et al., 1971 TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 50 CARACTERÍSTICAS DE CRESCIMENTO E PRODUÇÃO DE TOXINA: TABELA 7 Limites de crescimento e produção de toxina estafilocócica Crescimento Produção de Toxina Fator Ótimo Escala Ótimo Escala Temperatura (oC) pH Atividade de Água (Aa) Eh Atmosfera 37 6-7 0,98 +200 mv Aeróbica 7-48 4-10 0,83 - > 0,99 < -200 mv - > + 200 mv Anaeróbica- Aeróbica 40-45 7-8 0,98 - Aeróbica (5- 20% de O2) 10-48 4,5-9,6 0,87 - > 0,99 - Anaeró bica-Aeróbi ca FONTE: ICMSF (1998). TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 51 A quantidade de toxina que causa enfermidade vai depender do peso e da sensibilidade individual, mas geralmente 0,1-1mg/Kg causa enfermidade em uma pessoa. SINTOMAS DA DOENÇA: · período de incubação: média de 1 a 6 horas; · sintomas: náuseas, vômitos, diarréias, dores abdominais e em alguns casos salivação intensa, sudorese e desidratação; · em casos mais severos, podem ocorrer calafrios, dores de cabeça, dores musculares e alterações da pressão arterial e da pulsação · outras infecções: processos supurativos, superficiais ou profundos; · duração: 24 horas, sendo a intoxicação raramente fatal. A recuperação demora cerca de dois dias DIAGNÓSTICO O diagnóstico médico é difícil, pois os sintomas são semelhantes aos causados por várias outras doenças. O diagnóstico é baseado na história do paciente e em dados laboratoriais sobre a ocorrência de Staphylococcus aureus no alimento suspeito. Entretanto, essas pistas normalmente não são suficientes para o diagnóstico adequado porque as enterotoxinas que causam a intoxicação são resistentes ao calor, e alimentos negativos para o microrganismo podem ser positivos para as enterotoxinas. A maneira mais correta de confirmar o diagnóstico é demonstrar a presença da toxina TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 52 estafilocócica no alimento incriminado. Não existe teste laboratorial sensível o suficiente para detectar a presença das enterotoxinas no sangue ou nas fezes dos doentes. PREVENÇÃO Sendo o homem e os animais os principais reservatórios do Staphylococcus aureus, a manipulação dos alimentos deve ser observada e adotadas rigorosas medidas de higiene durante o preparo dos mesmos. Quando o microrganismo chega ao alimento, o controle é relativamente sensível, se a temperatura de refrigeração é adequada e não se rompe a cadeia do frio, o microrganismo não será capaz de formar toxina. Ao contrário se as condições permitem a toxina chegará facilmente ao consumidor. Também este microrganismo é um freqüente causador de infecções no úbere do gado bovino (mastite), que nem sempre é diagnosticada. Diversos microrganismos podem ser considerados agentes etiológicos da mastite, tais como bactérias, leveduras, fungos filamentosos, vírus e algas. Dentre os agentes etiológicos, as bactérias merecem seu destaque, representando 80 a 90% dos casos e os mais comumente relatados são Staphylococcus aureus, Staphylococcus sp., Streptococcus agalactiae, Streptococcus dysgalactiae e Streptococcus uberis, Corynebacterium sp., Escherichia coli, Salmonella sp., Nocardia sp., entre outros. Animais com essa infecção produzem leite com elevada contaminação por Staphylococcus aureus, sendo necessário que o leite seja pasteurizado o mais rápido possível para que não haja tempo para produção das enterotoxinas TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 53 termorresistentes. Deve-se evitar o consumo de leite cru, assim como de produtos lácteos produzidos com leite não pasteurizado. C) Bacillus cereus Distribui-se amplamente no meio ambiente, tanto em sua forma de esporos como de células vegetativas. Contamina facilmente alimentos como grãos, cereais, vegetais, condimentos, etc, e também animais, como produtos cárneos e lácteos. Consequentemente, os alimentos podem ser importantes veículos desse microrganismo. HISTÓRICO: · 1887: descrito pela primeira vez (Frankland e Frankland); · 1950-1955: confirmação definitiva por Hauge (toxinfecção alimentar por molho de baunilha) com diarréia aquosa, 8-16 horas sintomas; · 1971: descrito um surto caracterizado por náusea e vômitos, 1-5 horas depois da ingestão de arroz cozido. CARACTERÍSTICAS Encontrado no solo, é esporogênico, aeróbio, capaz de crescer em condições de anaerobiose e sua toxina é termolábil (Figura 4). Não é surpreendente encontrar o organismo no interior ou na superfície de praticamente todos os produtos agrícolas frescos. A característica de formar espororos garante a sobrevivência através de todas as fases de tratamento dos alimentos e assim o microrganismo se faz presente na maioria das matérias primas que são utilizadas na sua elaboração. Em circunstâncias normais a bactéria encontra-se nos alimentos em concentrações inferiores a 102 unidades por grama. Nestas quantidades, o alimento pode ser considerado inócuo. quando estas cifras são superadas, as toxinas liberadas podem desencadear TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 54 uma toxinfecção alimentar. Na enfermidade emética, se ingere o alimento com a toxina pré-formada. Esta toxina tem uma elevada estabilidade, sendo estável a processos térmicos como 121°C durante 90 minutos, a exposição de pH extremos e à ação de enzimas proteolíticas gástricas e intestinais, como a tripsina e a pepsina. A dose necessária para produzir esta toxina é variável e oscila entre 103 - 1010 UFC/g. FIGURA 4 Bacillus cereus Os limites de crescimento podem ser vistos na Tabela 8 TABELA 8 Limites de crescimento de B. cereus Fatores Mínimo Ótimo Máximo Temperatura oC pH Atividade de Água (Aa) 4 5,0 0,93 30-40 6,0-7,0 - 55 8,8 - TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 55 A enfermidade é causada pela ingestão de alimento contendo enterotoxina produzida por Bacillus cereus. Dois tipos são citados: uma toxinose que causa síndrome emética, e outra que causa síndrome diarreica. Thompson et al. (1984) estudando a alimentação de macacos, determinaram que a toxina diarreica é degradada claramente no trato intestinal. Indicaram que nas pessoas a diarreia causada por B. cereus é devida a produção de toxina no intestino depois da ingestão de grandes quantidades de células bacterianas. Também o período de incubação de 8 a 16 horas que se observa antes da aparição da diarreia, vem corroborar com esta última análise. Outros autores citam que dois tipos de doença sejam causados por dois distintos metabólitos. O tipo de diarreia da doença é causado por uma proteína de grande peso molecular, enquanto que, o de vômito, acredita-se, ser causado por uma proteína de baixo peso molecular, um peptídeo termo- estável. Os sintomas de diarreia do B. cereus devido às intoxicações alimentares mimetizam os de intoxicações alimentares por Clostridium perfringens. O tipo emético de intoxicação alimentar pelo B. cereus é caracterizado por náusea e vômito e é semelhante aos sintomas causados por intoxicações por Staphylococcus aureus. Dores abdominais e/ou diarreia podem estar associadas neste tipo. Algumas cepas de B. subtilis e B. licheniformis foram isoladas de carneiro e frango incriminados em episódios de intoxicação alimentar. Estes organismos produzem uma toxina altamente termo-estável a qual pode ser similar à toxina do tipo emético produzida pelo B. cereus. Características das Formas Clássica e Emética de B. cereus e Propriedades das Toxinas (Tabelas 9 e 10): TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 56 TABELA 9 Intoxicação alimentar causada por Bacillus cereus Variáveis Forma Clássica ou Forma Diarréica (Hauge, 1955) Segunda Forma ou Forma Emética Produção de toxina Período de incubação Sintomas da doença Duração da doença Número de B. Cereus necessário para que ocorra intoxicação alimentar Alimentos envolvidos em surtos No alimento 8-16 (média 10) Dor abdominal intensa, diarréia profusa,tenesmo retal, náusea moderada, vômito raramente. 12-24 horas ³ 106/g ou ml Pudim, sopas de verduras, molho de baunilha, purê de batatas, carnes, salsicha, vegetais, cremes, recheios, frutas secas, leite No alimento 1-6 (média 2-5) Náusea, vômito, diarréia raramente 12-24 horas ³ 106/g ou ml Arroz fervido, arroz frito, macarrão TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 57 TABELA 10 Propriedades das toxinas diarréica e emética do Bacillus cereus Propriedades Diarréica Emética Grau de purificação Natureza Peso molecular Termo-resistência pH Enzimas Produção: Em alimentos Em laboratório Temperatura ótima Fase de crescimento Atividade Biológica: Em macaco Fluido em alça ligada (coelho) Alteração da Parcial (70-90%) Protéica 50.000-70.000 Lábil: 55oC/20 minutos Instável: < 4 e > 11 Sensível a tripsina Pré-formada (às vezes) Meios complexos 23-37oC Final da exponencial Diarréia após 30 min. - 3,30 h Positivo com 150 mg Necrose com > conc. Positiva com 1 mg por via intradérmica Parcial(?) Peptídica < 5.000 Estável: 126oC/90 minutos Estável: 2-11 Resistente a tripsina Pré-formada Pasta de arroz 25-30oC Fase estacionária Emese após 1-5 horas Negativo TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 58 permeabilidade capilar Letalidade para ratos Antigenicidade Ação Detecção Laboratorial Positiva com 30 mg - veia Positiva 1. Reversão de absorção de fluidos 2. Necrosante 3. Estimula a adenil-ciclase 4. Altera a permeabilidade 1. Alç. Ligada de coelho 2. Imonudifusão 3. Hemaglutinação Negativa Sem informações Negativa Sem dados Via oral em macacos MODO DE ATUAÇÃO DE TOXINA DIARRÉICA: Toxina ---> Fixação nos receptores da mucosa intestinal ---> Estímulo da adenil-ciclase (ativação) ---> Formação e aumento do AMP cíclico (Monofosfato de Adenosina) ---> Perturbação do metabolismo hidrosalino ---> Estimula a produção de sal na vilosidade intestinal ---> Acúmulo de líquidos --->Diarreias. FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A OCORRÊNCIA DE SURTOS DE INTOXICAÇÃO ALIMENTAR PELO Bacillus cereus: · Preparo do alimento um ou mais dias antes de seu consumo; TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 59 · Conservação inadequada do alimento e a ingestão de sobras de alimentos em refeições posteriores. · Ingestão de alimentos mantidos em temperatura ambiente por longo tempo, depois de cozidos, o que permite a multiplicação dos organismos. Surtos com vômitos predominantes são mais comumente associados ao arroz cozido que permaneceu em temperatura ambiente. Uma variedade de erros na manipulação de alimentos tem sido apontada como causa de surtos com diarréia. CONDUTA MÉDICA E DIAGNÓSTICO A confirmação do B. cereus como o agente etiológico em um surto alimentar requer: 1) Isolamento das cepas do mesmo sorotipo do alimento suspeito e das fezes ou vômitos de pacientes; 2) Isolamento de uma grande quantidade do sorotipo do B. cereus no alimento (geralmente > 105 por grama do alimento incriminado) ou nas fezes ou vômitos dos pacientes ou 3) Isolamento do B. cereus de alimentos suspeitos e determinação de sua enterotoxigenicidade por testes sorológicos (toxina diarréica) ou biológicos (emética e diarréica). O rápido início dos sintomas na forma emética da doença, acompanhada de alguma evidência de intoxicação por alimento, é muitas vezes suficiente para diagnosticar esse tipo de intoxicação alimentar. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 60 ALIMENTOS ASSOCIADOS Este microorganismo tem o solo como o seu reservatório natural. Entretanto, devido à resistência de seus esporos, a bactéria pode ser isolada de uma grande variedade de pontos, estando amplamente distribuída na natureza. Por esta razão, contamina facilmente alimentos como vegetais, cereais, condimentos, carne bovina, suína e de frango, laticínios, sorvetes, pudins, carne cozida, sopas, pratos à base de vegetais e arroz cozido. Os surtos por vômitos estão mais associados a produtos à base de arroz; entretanto, outros produtos têm sido implicados em surtos como batatas, massas e queijos. Misturas com molhos, pudins, assados e saladas têm sido implicadas. Uma variedade de métodos de análise é recomendada para a recuperação, identificação e confirmação do B. cereus em alimentos. Mais recentemente, um método sorológico foi desenvolvido para identificação da enterotoxina diarréica do B. cereus para alimentos suspeitos. Estudos recentes sugerem que a toxina do vômito pode ser detectada por modelos em animal (gatos, macacos) ou possivelmente por cultura de células. LEGISLAÇÃO A legislação brasileira (RDC 12 de 02 de janeiro de 2001) estabelece limites para Bacillus cereus nos seguintes grupos de alimentos: Grupo 3: Raízes, tubérculos e similares a) branqueadas ou cozidas, inteiras ou picadas, estáveis a temperatura ambiente, refrigeradas ou congeladas, para consumo direto b) secas, desidratadas ou liofilizadas c) polpa ou purês, refrigeradas ou congeladas TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 61 Grupo 8 D: Leite em pó: a) leite em pó, instantâneo e não, exceção dos destinados à alimentação infantil e formulações farmacêuticas Grupo 8 G: Outros produtos lácteos a) pasta ou molho de base láctea pasteurizada, refrigerada, com ou sem adições, temperadas ou não, excluindo os queijos b) sobremesas lácteas pasteurizadas refrigeradas, com ou sem recheio. c) mistura (pó) para o preparo de bebidas de base láctea, que serão consumidas após emprego de calor ou não Grupo 10: Farinhas, massas alimentícias, produtos para e de panificação, (industrializados e embalados) e similares a) amidos, farinhas, féculas e fubá, em pó ou flocados b) massas alimentícias secas, com ou sem ovos, com ou sem recheio; massas alimentícias frescas, cruas e não fermentadas, com ou sem ovos, com ou sem recheio e cobertura, e similares, refrigeradas c) produtos semi elaborados, com ou sem recheio, com ou sem cobertura (pão de queijo, de batata e similares, pizza, pastéis), refrigerados e similares d) mistura em pó com ou sem ovos para bolos, pães, tortas, empadas, pizzas e similares. e) farelo e fibras de cereais, com ou sem mistura de farinhas, de outros produtos de cereais, com ou sem adições de outros ingredientes e similares f) cereais compactados, em barra ou outras formas, com ou sem adições TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 62 g) granola e mistura de cereais não compactados, com ou sem adições, e similares Grupo 12: Produtos a serem consumidos após adição de líquido, com emprego de calor (min. 75oc durante 20 segundos), excluindo os de base láctea e de chocolate (cacau e similares) a) misturas ou pós para preparo de sopas, caldos, purês, risotos, massas alimentícias e outras preparações para empanar, temperar, e similares b) misturas ou pós para preparo de sobremesas, excluindo gelatinas Grupo 13: Produtos a serem consumidos após adição de líquido, sem emprego de calor, excluindo os de base láctea a) mistura (pó) para o preparo de outros alimentos instantâneos Grupo 18: Produtos de confeitaria, lanchonete, padarias e similares, docese salgados - prontos para consumo a) bolos, tortas e similares, doces ou salgados, com ou sem recheio e cobertura, estáveis a temperatura ambiente; pastéis, empadas, sanduíches quentes e outros salgados b) bolos, tortas e similares, doces ou salgados, com ou sem recheio e cobertura, refrigerados ou congelados c) sanduíches frios e similares d) pães doce e salgado, com recheio e ou com cobertura e similares Grupo 20: Alimentos embalados e congelados, exceção de sobremesas a) alimentos parcialmente preparados (massas alimentícias cruas com ou sem recheio, pratos crus à base de carnes, vegetais, pescados, cereais, etc.) TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 63 b) pães, pizzas e outras massas parcialmente preparadas, condimentadas ou não, adicionada de outros ingredientes ou não e similares, incluindo os pães de queijo c) alimentos preparados, que necessitam de descongelamento e aquecimento, mas não de cocção, segundo instruções da rotulagem Grupo 22: Pratos prontos para o consumo (alimentos prontos de cozinhas, restaurantes e similares) a) a base de carnes, pescados, ovos e similares cozidos. c) sopas, caldos e molhos cozidos. d) a base de cereais, farinhas, grãos e similares; saladas mistas, temperadas ou não, com ou sem molho, exceção das adicionadas de molho de maionese e similares. e) a base de verduras, legumes, raízes, tubérculos e similares, cozidos, temperados ou não. h) doces e sobremesas tipo caseiro, não industrializados, excluídas as frutas frescas não manipuladas. i) pastas preparadas para canapés e sanduíches. Grupo 24: Produtos à base de soja a) bebida a base de extrato de soja, aromatizada ou não, desengordurada ou não, refrigerada e similares; extrato desidratado e proteína texturizada de soja, desengordurado ou não e similares. b) tofu e similares, desengordurado ou não. Grupo 25: Alimentos infantis a) produtos prontos ou instantâneos que serão consumidos após adição de líquidos, por crianças acima de 1 ano de idade, incluindo os alimentos TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 64 de transição e de seguimento, exceção dos produtos comercialmente estéreis. b) produtos prontos ou instantâneos que serão consumidos com ou sem adição de líquidos, por bebês de até 1 ano de idade, a exceção dos prematuros, incluindo as fórmulas infantis, exceto os que receberam tratamento térmico em embalagens herméticas. c) fórmulas infantis para prematuros, exceto os que receberam tratamento térmico em embalagens herméticas. Grupo 26: Alimentos para grupos populacionais específicos, incluindo as dietas enterais e excluindo os alimentos infantis a) alimentos para gestantes e nutrizes, excluídos os que serão consumidos após adição de líquidos, com emprego de calor. b) alimentos para imunosuprimidos e imunocomprometidos, excluídos os que serão consumidos após adição de líquidos, com emprego de calor. Grupo 27: Suplementos vitamínico e minerais e similares, em forma de pó, cápsulas, drágeas e similares a) suplementos alimentares (vitaminas, sais minerais, extrato de leveduras e similares, isolados ou em mistura) em pó, cápsulas, drágeas e similares. . D) Clostridium perfringens Clostridium perfringens é um microrganismo em forma de bastão, Gram- positivo, produtor de esporos, pertencente ao gênero Clostridium. Trata-se de um microrganismo anaeróbio, amplamente distribuído na natureza (solo, água, intestino do homem e de animais), cuja resistência térmica pode ser bastante TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 65 elevada, dependendo da cepa. Clostridium perfringens é capaz de produzir pelo menos treze toxinas diferentes, e de acordo com as toxinas produzidas, é classificado em cinco tipos toxigênicos diferentes, sendo o tipo A o mais freqüentemente associado a doenças veiculadas por alimentos. Clostridium perfringens pertence ao grupo dos clostrídios sulfito-redutores, ou seja, é capaz de metabolizar sais de sulfito produzindo gás sulfídrico e sulfetos, facilmente detectáveis no laboratório microbiológico. HISTÓRICO: · 1895: foi relacionado com diarréia - alimento contaminado - pudim de arroz; · 1915: Simmonds - relacionou a esporulação nas fezes com um transtorno intestinal; · 1914-1918: durante a guerra foi reconhecido o papel do C. perfringens na gangrena gasosa; · 1943: primeiros informes de C. perfringens como um dos agentes de intoxicações; · 1945: aumento dos informes de intoxicações por alimentos. CARACTERÍSTICAS: · é um bacilo anaeróbico, esporogênico; · amplamente difundido na natureza que ao crescer nos alimentos raramente produz esporos, porém o contrário ocorre quando ele se encontra no trato intestinal; · é imóvel e classificado no Grupo II da família Bacillaceae. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 66 PATOGENICIDADE: Clostridium perfringens pode causar infecção em vários órgãos e tecidos, como gangrena gasosa, infecções intra-abdominais, cutâneas e do tecido subcutâneo, e também intoxicação alimentar. Uma característica peculiar dos surtos de intoxicação alimentar por C. perfringens é que eles frequentemente envolvem um número grande de pessoas simultaneamente. Este microrganismo é classificado em 5 tipos toxigênicos: A, B, C, D e E. A enterotoxina é sintetizada durante a esporulação e liberada quando há lise. Existem estudos que indicam que a produção de toxina por C. perfringens pode ocorrer no alimento, além do trato intestinal. Dessa forma, esse microrganismo seria causador de toxinose (Jay, 1992). A intoxicação alimentar clássica é causada por uma enterotoxina produzida por Clostridium perfringens do tipo A. Essa enterotoxina é uma proteína formada durante o processo de esporulação no interior do intestino, causando interferência no transporte de água, sódio e cloretos através da mucosa intestinal. Essa intoxicação não é grave, e é muito comum em todas as partes do mundo. Há ainda uma outra forma de intoxicação alimentar, rara porém muito grave, causada por Clostridium perfringens do tipo C, denominada enteritenecrótica. A doença é causada pela ingestão de alimentos, contaminados com grandes quantidades de bactérias. Alimentos contaminados, principalmente carnes (bovina, suína, frangos), quando submetidos a um tratamento térmico insuficiente, podem conter esporos sobreviventes. Em condições inadequadas de armazenamento, os esporos, que tem características termófilas, germinam e as células vegetativas resultantes atingem números elevados, podendo causar doença no homem. TOXINFECÇÕES ALIMENTARES 67 SINTOMAS E CARACTERÍSTICAS DA INFECÇÃO: INTOXICAÇÃO ALIMENTAR CLÁSSICA · produção da enterotoxina - no intestino delgado; · período de incubação – 8-12 horas (média - 10 horas) após ingestão do alimento com número elevado de Clostridium perfringens; · a intoxicação clássica caracteriza-se por: diarréia de odor fétido, dor abdominal intensa com distensão por gases, raro náuseas, vômitos raros, dor de cabeça sem febre, desidratação e morte (casos graves); · duração da doença: 12-24 horas (até 48 horas); · número de células/g ou ml: ³ 106/g ou ml. ENTERITE NECRÓTICA · dores abdominais agudas muito intensas, diarreia sanguinolentas, algumas vezes vômitos e inflamação necrótica do intestino delgado. · Ao contrário da anterior, essa intoxicação é muito grave, mas é rara. ALIMENTOS ENVOLVIDOS E HABITAT: · tortas de carne, croquetes de carne, linguiça fresca, salsicha, frango cozido ou assado, coxinhas preparadas de galinha, torta de frango, pescado, sopas desidratadas,
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