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Fundamentos da Arqueologia e Pré-história no Brasil Introdução à Arqueologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Ms. Elisabete Guilherme Revisão Textual: Profa. Esp. Kelciane da Rocha Campos 5 Leia atentamente o conteúdo desta unidade, que lhe introduzirá nos estudos da arqueologia como ciência e disciplina. Você também encontrará nesta unidade uma atividade composta por questões de múltipla escolha, relacionadas com o conteúdo estudado. Além disso, terá a oportunidade de trocar conhecimentos e debater questões no fórum de discussão. É extremante importante que você consulte os materiais complementares, pois são ricos em informações, possibilitando-lhe o aprofundamento de seus estudos sobre este assunto. · Apresentar o nascimento da Arqueologia como ciência histórica; · Estabelecer sua distinção com relação a outras ciências históricas; · Mencionar as ferramentas e o conteúdo estudado pela Arqueologia; · Apresentar os principais nomes da Arqueologia. Fundamentos da Arqueologia e Pré-história no Brasil · O surgimento da arqueologia como história · Definição e evolução histórica da arqueologia · A especificidade da arqueologia e suas ferramentas 6 Unidade: Introdução à Arqueologia Contextualização “A arqueologia é uma forma de história e não uma simples disciplina auxiliar. Os dados arqueológicos são documentos históricos por direito próprio e não meras con�rmações de textos escritos. Exatamente como qualquer outro historiador, um arqueólogo estuda e procura reconstruir o processo pelo qual se criou o mundo em que vivemos – e nós próprios, na medida em que somos criaturas do nosso tempo e do nosso ambiente social.” “A arqueologia é uma forma de história e não uma simples disciplina auxiliar. Os dados arqueológicos são documentos históricos por direito próprio e não meras confirmações de textos escritos. Exatamente como qualquer outro historiador, um arqueólogo estuda e procura reconstruir o processo pelo qual se criou o mundo em que vivemos – e nós próprios, na medida em que somos criaturas do nosso tempo e do nosso ambiente social.” Gordon CHILDE Esse trecho do arqueólogo Gordon Childe ilustra bem a definição do trabalho da arqueologia. Leia com atenção os textos, pesquise e avalie seus conhecimentos sobre os estudos arqueológicos. Considere a importância que esses estudos têm para o conhecimento do passado da humanidade e quais impactos geram para o estabelecimento de estratégias futuras. 7 O surgimento da arqueologia como história Conhecer o passado sempre foi um dos principais desejos humanos. O desejo de desvendar os caminhos percorridos por outros homens e mulheres em outras épocas teve, desde muito cedo, vários adeptos. O hábito de procurar e colecionar objetos do passado, assim como ferramentas do homem que os produziu, deu origem aos “gabinetes de curiosidades”, que mais tarde serão organizados como museus. A arqueologia será considerada uma tentativa do homem de encontrar objetos do passado da humanidade que permitam identificar seus autores, a cultura que os produziu, assim como sua organização e relações sociais, políticas e econômicas. A bem sucedida série de filmes de aventura do arqueólogo Indiana Jones despertaram a curiosidade e o interesse por essa profissão. Mas por trás da imagem atraente, muitas vezes sexy e inspiradora de filmes, romances e livros os mais variados, o arqueólogo tem um trabalho árduo, sério e distante das peripécias das telas (FUNARI, 2012). Assim como outras ciências, a arqueologia tem um histórico de nascimento por volta do século XIX, no bojo do imperialismo, como “subproduto da expansão das potências coloniais europeias e dos Estados Unidos, que procuravam enriquecer explorando outros territórios” (FUNARI, 2012, p. 10). Definição e evolução histórica da arqueologia A arqueologia pode ser interpretada como a ciência que estuda os artefatos, as “coisas”, os objetos que foram produzidos pelo trabalho humano. O trabalho da arqueologia, e do arqueólogo, é, então, procurar tais artefatos por meio de técnicas de escavação e restauro. A origem grega da palavra arqueologia (archaios – passado/antigo e logos – ciência/estudo) pode ser apontada como um dos motivos que levaram a tal concepção do trabalho arqueológico, uma vez que também as pesquisas mais antigas, talvez, tenham dado ênfase ao estudo dos restos materiais de uma atividade exercida pelo homem no passado (FUNARI, 2012, p. 13). Por outro lado, não parece ser possível tratar somente das coisas, sem considerar o homem que a produziu e a usou. Daí a necessidade de ampliação dos campos de atuação da disciplina. Os esforços no sentido de compreender os estudos arqueológicos atuais têm origens muito antigas. Alguns autores, como Robrahn-González (1999/2000), propõem dividir em quatro os períodos para estudar a evolução no campo de estudo da arqueologia: período especulativo (1492-1840); período descritivo-classificatório (1840-1914); período histórico- classificatório (1914-1960); e período moderno (1960-2000). Este último período pode ser estendido até os dias atuais. 8 Unidade: Introdução à Arqueologia Período especulativo (1492-1840) Nessa fase, a preocupação se voltava, inicialmente, para a coleta de materiais considerados exóticos. Os colecionadores reuniam o material recolhido em viagens pelo mundo e os guardavam nos “gabinetes de curiosidades”. A partir do século XV, os contatos com a Ásia Central, a Mesopotâmia e a Pérsia irão revelar construções desconhecidas pelos europeus: os templos indianos, as ruínas de antigas cidades e as porcelanas chinesas e japonesas (ROBRAHN- GONZÁLEZ, 1999-2000). As grandes navegações nos séculos seguintes colocarão em contato povos completamente diferentes daqueles conhecidos até então. Os traços dos habitantes das Américas despertaram vários questionamentos, inclusive sobre sua pertença ou não à espécie humana. As expedições estrangeiras irão, pouco a pouco, revelar as sociedades dos Astecas e depois dos Maias. Essas descobertas causam desconforto entre os europeus. E no século XX, as pesquisas que se voltaram para a busca da antiguidade do homem americano ganharão vulto. O século XVIII verá a preocupação da Europa em conhecer suas próprias origens e as pesquisas se voltam para grandes monumentos como o Stonehenge, na Inglaterra. Fonte: Bernard Gagnon/Wikimedia Commons Continuam as escavações em sítios já conhecidos, como Pompéia e Herculano na Itália. Embora haja um reconhecido aumento no volume de pesquisas em solo europeu, segue o interesse pelas pesquisas arqueológicas em sítios tradicionais como o Egito. Tal curiosidade é alimentada por significativas e importantes descobertas, como a da Pedra da Roseta no Egito . Fonte: Hans Hillewaert/Wikimedia Commons 9 Você já ouviu falar da Pedra da Roseta? Não?! Faça uma pesquisa para descobrir sobre o significado dessa pedra encontrada pelo exército de Napoleão Bonaparte em 1799. Confira qual o seu conteúdo, dimensões e origem... Ainda com uma característica especulativa, a arqueologia terá sua primeira publicação no formato de jornal anual e essa será, em 1770, a primeira publicação sistemática sobre as pesquisas arqueológicas. Na mesma época, será organizado o British Museu, com o objetivo de abrigar cerca de 80 mil peças colecionadas por Hans Sloane. O final do século XVIII e o início do XIX foram influenciados pelo movimento do Iluminismo, e com a arqueologia não poderia ser diferente. Segundo Robrahn-González (1999-2000): A arqueologia fornecia um excelente suporte à ideia do progresso humano, e os artefatos em pedra que até então tinham sido coletados, de forma dispersa, passaram a ser relacionados a sociedades europeias antigas e anteriores ao conhecimento do ferro. Iniciou-se, assim, um sistemáticointeresse em antiguidades como fonte de dados sobre a condição humana. De qualquer forma, o foco das atenções continuou sendo dado ao artefato, com raras informações sobre o contexto em que foram encontrados. No Brasil, as crônicas do descobrimento sempre deram destaque aos indígenas e sua diversidade, tanto física quanto cultural ou moral. Como características da predominância do olhar especulativo desse período, Robrahn- González (1999-2000) destaca, entre outras: a pobreza dos dados arqueológicos em si, a falta de uma tradição e a profunda aceitação teológica dos fenômenos naturais e culturais do passado. As deficiências no estudo e na aplicação de técnicas de pesquisa não podiam classificar a arqueologia como ciência, mas os primeiros passos tinham sido dados. Período descritivo-classificatório (1840-1914) Esse período irá marcar uma mudança de atitude e de visão da maioria dos escritores e estudiosos em arqueologia. O foco dos estudos passa a ser a descrição de materiais, especialmente as obras arquitetônicas e os monumentos. O objetivo é tornar a arqueologia uma disciplina sistemática e científica, e as pesquisas começam a receber financiamentos (ROBRAHN- GONZÁLEZ, 1999-2000). Embora o início do século XIX marque a descoberta de antigas ocupações no Novo e Velho Mundos, a inspiração bíblica continua sendo a principal fonte para a procura de civilizações perdidas no Egito e no Oriente Próximo. 10 Unidade: Introdução à Arqueologia Fonte: Adaptado de Franco Júnior, Hilário; Andrade Filho, Ruy de O. Atlas história geral. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2000. p. 4 Tais expectativas acabam sendo atendidas com grandes descobertas na Mesopotâmia, assim como as esculturas assírias e a cidade bíblica de Nínive, e a finalização dos trabalhos para decifrar os códigos da escrita cuneiforme. É ainda nesse período que o banqueiro alemão Heinrich Schliemann, inspirado na Ilíada de Homero, identificou a cidade de Tróia no oeste da atual Turquia. Esse período irá sofrer uma série de influência sobre o estudo da arqueologia e a sua consolidação como disciplina. Com o auxílio da geologia, a arqueologia ganhará bases para as escavações, e as descobertas irão apontar para um passado remoto da humanidade. O resultado das pesquisas abala os pressupostos bíblicos acerca das origens do homem. Existe a possibilidade de uma pré-história, os estudiosos começam a descobrir a antiguidade da Humanidade. Assim como aconteceu com a sociologia e a antropologia, também a arqueologia será impactada pela obra de Charles Darwin e o conceito das “Três Idades”* ganhará suporte para ser desenvolvido e usado para datar os artefatos. Essa divisão ganhará ajustes, mas será difícil atribuí-la a continentes como o africano ou o americano. Na esteira dos estudos de Darwin, também a sociologia vê a possibilidade de, partindo do mesmo pressuposto (a evolução das espécies, sobrevivendo a que melhor se adapte ao meio), dividir as sociedades em três estados: o selvagem, o bárbaro e o civilizado. Tal esquema generalizante foi combatido por várias correntes sociológicas. *As “Três Idades” foram divididas em Idade da Pedra, Idade do Bronze e Idade do Ferro em 1848, por sugestão do dinamarquês C.J. Thomsen. Mais tarde, a Idade da Pedra foi dividida em Paleolítico (ou Idade da Pedra Lascada) e Neolítico (ou Idade da Pedra Polida). Atualmente, a Idade do Ferro é conhecida também como Idade dos Metais. 11 Os movimentos nacionalistas que se fortalecem na Europa sustentam as pesquisas por uma origem comum entre os vários povos de uma nação. Na busca por unidade, a Alemanha, por exemplo, procura sua ancestralidade nos povos germânicos e nórdicos ou eslavos. Em todas as regiões do mundo, em especial nas Américas, surgem centros de pesquisa e sítios arqueológicos na busca pelas origens comuns. Como resultado desse crescente interesse pelos estudos arqueológicos, Robrahn-González (1999-2000) afirma que: De um modo geral, essa fase descritivo- classificatória constituiu o berço da arqueologia sistemática, resultando em sua definição formal enquanto disciplina. Deu-se início à era das descrições e classificações criteriosas, ao desenvolvimento da tipologia, ao mapeamento geográfico dos achados, bem como à realização de grande quantidade de pesquisas de campo. No início do século XX a arqueologia começou a ser lecionada em universidades, dando treinamento a novos profissionais. A aliançada arqueologia com a antropologia começou ainda no final dessa fase, e foi fundamental para o desenvolvimento conceitual da disciplina [...]. O período seguinte irá tratar dos princípios fundamentais da arqueologia. Período histórico-classificatório (1914-1960) Devido ao avanço no campo da pesquisa arqueológica, o início do século XX marca a necessidade de classificar a grande quantidade de material coletado nas escavações, como também estabelecer sistemas cronológicos regionais e a descrição do desenvolvimento cultural de cada área. Os avanços continuaram em todas as regiões clássicas de pesquisa, mas as principais contribuições serão dadas pelos sítios na América. Inclusive com a criação de novas técnicas de escavações. Entre os estudiosos, alguns ganharam destaques por suas contribuições, como foi o caso de Gordon Childe, que desenvolveu técnicas para o estudo dos vestígios tanto na distribuição vertical (ou cronológica) como a partir de sua posição nos estratos (ou sequência estratigráfica). O enfoque horizontal preocupava-se com a distribuição espacial dos vestígios. A seriação foi considerada como o principal instrumento metodológico para ordenar os vestígios através da presença ou ausência de determinados artefatos (ou atributos)-tipo. O conceito de “tipo” foi muito importante para a arqueologia americana e, embora bastante útil, mostrou-se insuficiente devido à grande diversidade de variáveis que os materiais apresentam. Importante avanço nesse período foi a criação dos principais fundamentos para a análise das indústrias líticas e cerâmicas e para o desenvolvimento da arqueologia numa perspectiva histórico direta. Todos esses métodos tinham como objetivo “a elaboração de sínteses regionais, que procuravam ordenar os dados arqueológicos de uma determinada área em uma perspectiva temporal e espacial.” (ROBRAHN-GONZÁLEZ, 1999-2000, p. 18). A sociologia contribuiu para a criação do conceito de ecologia cultural, e tal escola também teve sua manifestação na arqueologia. Os avanços em outras áreas do saber, como a física e a química, a botânica e a biologia, foram benéficos para a arqueologia. A datação com o Carbono 14 foi fundamental para algumas discussões arqueológicas, sobretudo no que diz respeito às pesquisas no continente americano. 12 Unidade: Introdução à Arqueologia Os últimos anos desse período foram ricos em sínteses arqueológicas diversas em suas análises, mas importantes, segundo Robrahn-González (1999-2000), por terem organizado a produção de grande quantidade de dados produzidos e que permitiu aos arqueólogos formular problemas relacionados à mudança cultural, abrindo importantes campos de investigação que prepararam o advento da New Archaeology, nos anos 60. Período moderno (1960-2000) Os anos 60 marcam a insatisfação dos pesquisadores com a arqueologia tradicional e alguns arqueólogos apontam a necessidade de se lidar com uma maior diversificação de traços de uma cultura. Os questionamentos de autores como Walter W. Taylor, Gordon Willey e Phillip Phillps ajudam no surgimento, nos Estados Unidos, da denominada escola processual ou New Archaeology (ROBRAHN-GONZÁLEZ, 1999-2000), sob a liderança de Lewis Binford. A escola possuía vários conceitos e, também na Inglaterra, com David Clarke, muitos dos conceitos foram discutidos e desenvolvidos. A interdisciplinaridade foi um importante ganho para as pesquisas arqueológicas,assim como as pesquisas de campo, o incremento em métodos matemáticos de quantificação e a sofisticação de análises químicas e físicas aplicadas a vestígios arqueológicos. Após a descoberta, com o uso das técnicas e dos fundamentos da New Archaeology, de um fóssil humano no continente africano, este se tornou o centro de estudos sobre a evolução humana. Foram desenvolvidos vários temas de pesquisas, entre os quais: o estudo das práticas mortuárias, que permitiu identificar os diferentes tipos de relações entre os indivíduos e de grupos de indivíduos nas sociedades; os sistemas de organização social refletidos em padrões de residência; análises demográficas baseadas em estudos de residência; etc. Também foram criados novos campos de estudo, como o da etnoarqueologia, que acabou por reacender antigas discussões e, nesse caso, o uso da analogia (de forma direta ou indireta) enquanto instrumento de análise. As pesquisas no campo de estudo da cultura material ganham destaque e geraram questionamentos, tanto favoráveis como contrários. A New Archaeology teve alguns percalços pelo caminho, mas seu mérito em tirar o foco de uma arqueologia descritiva para uma explicativa e voltar-se para o estudo de processos humanos de desenvolvimento não pode ser negado. A década de 70 verá a ampliação das abordagens nos estudos arqueológicos. Como reação à New Archaeology, foi criada a escola denominada de Escola Pós-Processual ou de “arqueologias interpretativas”, como é chamada atualmente, fortemente influenciada pelo neomarxismo, o pós-positivismo e a hermenêutica. O período moderno será caracterizado mais pela diversidade do que pela igualdade. As variantes da escola pós-processual são a hermenêutica, a arqueologia crítica apoiada num discurso neomarxista e por fim, a arqueologia do gênero, que procura estudar o papel feminino nas sociedades do passado. 13 A ampliação do campo de atuação do arqueólogo, assim como a sua contribuição para a compreensão e resposta das demandas da sociedade atual, tem ganhado relevância nos últimos anos. E a arqueologia, em suas mais diferentes escolas de interpretação e técnicas, continua trabalhando para compreender e explicar o passado humano. A especificidade da arqueologia e suas ferramentas Até recentemente, apenas as “coisas”, os objetos criados pelo trabalho humano (os “artefatos”) eram objeto de estudo da arqueologia. Os estudiosos deviam dedicar-se ao trabalho de escavação e restauro do artefato. E dar-se por satisfeito ao encontrar algum objeto ou resto de material em algum buraco. O que se tem notado nos últimos anos, segundo Funari (2012), é que a arqueologia alargou seu campo de ação para o estudo da cultura material de qualquer época, passada ou presente. Os ecofatos e os biofatos também representam a ação do homem diante da natureza, e tal apropriação varia de grupo para grupo, de sociedade para sociedade e de tempo em tempo. O que significa dizer que a apropriação humana se dá num grupo cultural que está inserido num tempo e num espaço concretos. FUNARI (2012, p. 15) afirma que “[...] a arqueologia estuda, diretamente, a totalidade material apropriada pelas sociedades humanas, como parte de uma cultura total, material e imaterial, sem limitações de caráter cronológico.” A ampliação na compreensão do objeto de estudo da arqueologia é umas das contribuições da New Archaeology*, que não considera apenas os artefatos, mas procura estabelecer relações entre este a cultura que o gerou, bem como as transformações da sociedade em questão. *A apresentação e formulação de princípios relativos a processos culturais, visando à compreensão do comportamento humano em geral, tornou-se, em particular nos estudos da New Archaeology, uma proposta arqueólogo-antropológica que se opunha à mera tentativa de recuperação de resquícios do passado. Por ser uma disciplina acadêmica recente, embora exista há décadas, a Arqueologia foi muitas vezes tratada, apenas, como “auxiliar” das outras ciências. Ela foi classificada apenas como técnica que pode ser traduzida como a mera abertura de buracos no solo ou o abaixar-se para recolher objetos. Ao arqueólogo compete o trabalho braçal. Valendo-se das novidades trazidas pela escola norte-americana, considera-se que “a especificidade da arqueologia consiste em tratar, particularmente, da cultura material, das coisas, de tudo que, em termos materiais, se refere à vida humana, no passado e no presente” (FUNARI, 2012, p. 18). 14 Unidade: Introdução à Arqueologia Alguns arqueólogos famosos Alguns arqueólogos se tornaram famosos, sobretudo pelas marcas pessoais que imprimiram em suas pesquisas ou nas descobertas que fizeram. A atividade de pesquisador foi marcada, em seus primórdios, pela de aventureiro. Assim, os primeiros nomes que se destacam na arqueologia são daqueles que fizeram de suas buscas verdadeiras e inspiradoras aventuras. Como destaques, temos o alemão Heinrich Schliemann e o inglês Howard Carter. Com uma vasta formação intelectual, além do domínio de vários idiomas, o alemão Heinrich Schliemann* (1822- 1890) foi o primeiro arqueólogo aventureiro. Dentre as suas formações, encontra-se, inclusive, a filologia e arqueologias egípcias. Inspirado na Ilíada de Homero, visitou a Grécia e o Império Turco-Otomano em busca da lendária cidade de Tróia. Em 1870, chegou à aldeia turca de Hissarlik, acreditando ter encontrado a lendária cidade e seus tesouros. Suas aventuras foram fontes de inspiração para muitos na busca por tesouros da Antiguidade. O inglês Howard Carter (1874- 1939), embora fosse um profissional erudito como Schliemann, dava pouco interesse à vida acadêmica e dedicou-se ao estudo das antiguidades do Egito. Ganhou fama mundial ao descobrir a tumba de Tutancamon*, e o prosseguimento de suas pesquisas e de sua saga serviram para perpetuar a visão aventureira em torno do ofício (FUNARI, 2012). Outros estudiosos também se destacaram no ofício da arqueologia, embora utilizassem meios e técnicas diferentes dos de seus antecessores. O também inglês William Matthews Flinders Petrie (1853-1942) será considerado um dos pioneiros da arqueologia moderna pelas técnicas apuradas. Com o dinheiro levantado entre pessoas de posse, criou a Egyptian Exploratio Fund, com o objetivo de preservar o que ainda restava do Egito Antigo. Ele foi o primeiro a escavar cientificamente o Egito e a catalogar cuidadosamente os objetos de uso cotidiano, mesmo quando fragmentados. É considerado o pai da arqueologia bíblica, por ter dado início às modernas escavações na Palestina. Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons 15 A geração seguinte não dará continuidade à arqueologia empírica inaugurada por Petrie. Outros estudiosos, com estilos diferentes, irão dar novas contribuições à pesquisa. Mortimer Wheeler, de caráter mais conservador e aristocrático, e Vere Gordon Childe, de estilo progressista e popular. Mortimer Wheeler (1890-1976) formou-se em estudos clássicos e dedicou-se à vida acadêmica. Foi diretor do National Museum of Wales, empenhou-se e em 1937 conseguiu realizar a criação de um Instituto de Arqueologia no Museu de Londres. Deu importantes contribuições para as pesquisas das civilizações antigas na região do rio Indo e tornou-se, em 1944, diretor-geral do Archaeological Survey of India. Sua maior contribuição foi o desenvolvimento do sistema “Wheeler” de quadrículas. Escreveu para jornais e revistas e participou de programas de rádio. “Tornou-se ainda muito influente entre os pesquisadores ao afirmar que o arqueólogo “escava pessoas, não coisas””. (FUNARI, 2012, p. 20). De um canto do mundo considerado sem valor, surgiu um dos mais importantes arqueólogos do final do século XIX, início do XX. Vere Gordon Childe (1892-1957) nasceu na Austrália. Fez os estudos clássicos (grego, latime filosofia), mas logo entrou para o Partido Trabalhista da Austrália. Percorreu a Europa e depois de realizar vários estudos, tornou-se, em 1927, catedrático de arqueologia em Edimburgo, Escócia. Embora seja considerado o maior teórico dos estudos arqueológicos, Childe foi também o mais prolixo e bem sucedido divulgador da disciplina. Era de inspiração marxista e seus livros se tornaram obras de referência. Dirigiu o Instituto de Arqueologia de Londres e, em 1957, depois de voltar à Austrália, cometeu suicídio por motivos poucos claros. A técnica da pesquisa em grandes superfícies é uma contribuição do arqueólogo francês André Leroi-Gourhan (1911-1986). Sua formação, próxima à etnologia, levou a um tipo diferenciado de arqueologia, como o estudo do modo que as pessoas vivem em sociedade. Estudou russo e chinês e viveu no Japão como pesquisador. Foi curador do Museu Guimet e diretor associado do novo Museu do Homem. Professor de Lyon, depois da Sorbonne e do College de France, formou arqueólogos franceses e de muitos outros países, como o Brasil. Segundo Funari (2012): Sua visão humanista tanto da disciplina como das culturas considerava todas as sociedades e povos dignos de valor. Essa postura que valorizava o ser humano foi fundamental, por exemplo, para que, no Brasil, surgisse uma arqueologia preocupada com os vestígios indígenas, que teve na pessoa do jornalista e intelectual Paulo Duarte um de seus principais pioneiros. Como se vê, o campo de estudo da arqueologia abre muitas possibilidades, pois o homem sempre está em busca de suas origens. 16 Unidade: Introdução à Arqueologia Material Complementar Explore Para complementar os conhecimentos adquiridos nesta unidade, confira: Documentário sobre um dos sítios arqueológicos mais conhecidos da Europa: Pompéia. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=dsktvcddnTc>. Sugestões de alguns sites sobre arqueologia: • www.unicamp.br/nee/arqueologia • http://www.arqueologiasubaquatica.org.br/ • http://www.itaucultural.org.br/arqueologia/ 17 Referências FUNARI, P.P. Arqueologia. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2012. ROBRAHN-GONZÁLEZ, E. M. Arqueologia em perspectiva: 150 anos de prática e reflexão no estudo de nosso passado. In REVISTA USP, São Paulo, n. 44, p. 0-3, dezembro/fevereiro 1999- 2000. Disponível em: <http://www.usp.br/revistausp/44/02-erika.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2014. 18 Unidade: Introdução à Arqueologia Anotações