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17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 1/17 ARQUEOLOGIA AULA 2 Prof.ª Ana Luíza Berredo 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 2/17 CONVERSA INICIAL Arqueologia é uma ciência que estuda a cultura material e o contexto envolvido na produção desses objetos. Nesse sentido, é necessário estudar a origem dessa disciplina que teve como ambiente a Europa do século XVIII, período das revoluções, com os colecionistas que acumulavam os objetos encontrados em sítios antigos identificados como parte de uma arqueologia clássica referente a Grécia e Roma, além da arqueologia egípcia. Posteriormente, surge a arqueologia norte- americana e depois a implementação dos métodos arqueológicos que foram trazidos para solo brasileiro. O objetivo desta aula é apresentar as origens da arqueologia e as principais escolas teóricas que auxiliaram as pesquisas nesse campo do saber. TEMA 1 – ORIGEM A origem dos estudos da arqueologia remete a um momento da vida pelo qual muitos de nós já passamos: a vontade de colecionar objetos. É comum que esse seja um movimento infanto-juvenil em que nos apegamos a determinados objetos, os selecionamos com base em um prisma (gosto, cor, tamanho) e os guardamos montando nossa coleção. O chamado “colecionismo” foi a primeira forma de se pensar arqueologia, que foi registrada por autores como Bruce Trigger (2004), em História do pensamento arqueológico, e Nuno Bicho (2012) em Manual da arqueologia pré-histórica, que produziram os materiais didáticos que baseiam as principais discussões sobre a história da arqueologia e suas origens. Por isso, são utilizados como referência para mostrar como esse campo de estudo foi se desenvolvendo à medida que as pesquisas e teorias foram avançando. 1.1 RELAÇÃO ENTRE ARQUEOLOGIA E BURGUESIA 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 3/17 De acordo com Pereira (2017), apoiado em Trigger (2004), há uma relação entre a emergência da arqueologia e a burguesia europeia. O surgimento da burguesia, que remete ao final da Idade Média e sua ascensão na Idade Moderna, exigiu que os burgueses buscassem algo para se legitimar, já que esse período histórico foi da Era dos Grandes Reis e Rainhas, que tinham um cabedal numeroso de objetos para lhes representar. Nesse sentido, a legitimação da burguesia se deu por meio da busca por objetos e símbolos que essa categoria pudesse utilizar como forma de mostrar prestígio perante a nobreza europeia. Para contextualizar, ao analisarmos a pesquisa de Norbert Elias (1987), em A sociedade de corte, sobre a corte francesa de Luís XIV, o Rei-Sol, é possível identificar por meio da narrativa do autor os aparatos materiais sustentados pela nobreza que incluíam tipos de habitação, peças de roupas com tecidos de seda, adornos para serem colocados no corpo, tronos, camas, tapeçarias, entre outros objetos que se tornaram símbolos de uma cultura material que remete a um modo de vida do nobre europeu. Desse modo, os objetos identificavam as pessoas e suas classes sociais. Figura 1 - Rei Louis XIV retratado com indumentária luxuosa 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 4/17 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 5/17 Créditos: Everett Collection/Shutterstock. Nota: O Rei Louis XIV retratado com indumentária luxuosa que remete à nobreza, com a cores branca e azul, além da peruca volumosa e, acima desta, um dossel de seda vermelho com detalhes dourados. Os objetos em destaque nas mãos do monarca são o cetro na mão direita e a espada disposta na cintura, bem como a coroa disposta em cima de um móvel, todos símbolos do poder de um rei absolutista. A burguesia almejava ter o mesmo reconhecimento que a nobreza e, por isso, buscou no período histórico clássico, mais especificamente o greco-romano, a fonte para obter esse reconhecimento e possível construção de suas identidades. Inspirados pela estética, artes, padrões e formas da Antiguidade, os burgueses queriam ser representados por símbolos surgidos antes da formação da nobreza europeia, o que acarretou no início da fase do colecionismo (Pereira, 2017). 1.2 ARQUEOLOGIA COMO CIÊNCIA A arqueologia em seu início esteve ligada à História e à Antropologia e somente foi compreendida enquanto ciência anos depois, quando foi possível realizar pesquisas utilizando metodologias próprias que a fez se distanciar dessas disciplinas para que fosse possível trilhar caminhos próprios. Para Bicho (2012), a definição da arqueologia enquanto ciência se deu por meio da definição do ser humano no tempo, quando foi constatado que existiram povos sem escrita que estavam ligados aos primeiros grupamentos humanos, como os caçadores-coletores-pescadores, identificados dentro do campo da “pré-história” . Pereira (2017), apoiado em Bicho (2012), ressalta ainda que o outro aspecto para a definição da arqueologia foi o surgimento da escrita, da agricultura e da sedentarização, do período do Homo sapiens: “A elaboração de técnicas de estudo arqueológicos – como as seriações temporais e de materiais, as tipologias de peças e a construção de padrões de cultura, deram o tom científico à arqueologia” (Pereira, 2017, p. 35). A criação de escolas teóricas faz parte da cientificidade atribuída aos campos de estudos, conforme nos elucida Reis (2002), apoiado em Almeida e Pinto (1986): Teoria é um agregado de ideias no corpo de uma ciência contendo uma ou diversas hipóteses como partes integrantes; condiciona ou propicia a observação dos fenômenos, além de suas partes [1] 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 6/17 hipotéticas, um aparato que permite sua verificação, confirmação ou impossibilidade […] uma teoria não é necessariamente uma explicação do domínio dos feitos aos quais se refere, porém constitui um instrumento de ordenação, conceituação e previsão (Reis, 2002, p. 177) A arqueologia, como qualquer outra ciência, também é pautada por escolas teóricas que foram responsáveis pelo desenvolvimento desse campo de estudos: histórico-culturalismo, processualismo e pós-processualismo. No entanto, antes de nos aprofundarmos na teoria, é necessário entender o que foi o colecionismo. TEMA 2 – COLECIONISMO A primeira forma de se pensar a arqueologia foi por intermédio do colecionismo, que consiste na coleção de objetos que eram selecionados e acumulados, sendo utilizados nas coleções que originaram os museus de história natural. Segundo Trigger (2004) e Bahn (1996), esse tipo de coleta e formação de coleções é característico do antiquarianismo do século XVIII. Figura 2 – Coleção de vasos de cerâmica originárias da cultura grega Créditos: Shipfactory/Shutterstock. 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 7/17 2.1 ANTIQUARIANISMO Partindo da leitura de Soltys (2010), o antiquarianismo surge para atender a uma ordem cronológica da classificação dos objetos dentro da arqueologia e também para relacioná-los com a história da criação dos museus, em que o arqueólogo buscava envolver um público-alvo e inserir ideologias por meio de propostas teóricas e metodológicas que foram somadas a um interesse pelo passado, surgindo um tipo de arqueologia denominada evolucionista. De acordo com Soltys (2010), o antiquarianismo levou a uma nova forma de ver os artefatos arqueológicos que teve início na Inglaterra do século XVI, “quando foi fundada a Sociedade dos Antiquários, uma associação londrina para a preservação e o estudo das antiguidades nacionais. Eles fizeram pouquíssimas tentativas de escavação, de forma deliberada e a cronologia não era uma preocupação” (Soltys, 2010, p. 14). Trigger (2004) informa que, por causa da dependência dos escritos, os antiquários achavam improvável saber sobre períodos anteriores e continuaram acreditando que a datação do mundo estava em torno de 3500 anosa. C., época aproximada do surgimento da escrita. Nesse sentido, o antiquarianismo foi responsável por reunir os objetos dentro de salas, reduzindo e miniaturalizando a cultura dos povos (Soltys, 2010, p. 16). 2.2 ARQUEOLOGIA EVOLUCIONISTA De acordo com Trigger (2004, p. 92), a teoria evolucionista dizia que o corpo humano e sua cultura tornaram-se mais complexos com o passar do tempo, levando os arqueólogos a colocar os sítios em ordem cronológica, com vistas a identificar estágios de desenvolvimento. O tom evolucionista dessas classificações foi muito influenciado pelos estudos de Charles Darwin (1859), vinculado a um evolucionismo social muito presente em discussões científicas do século XIX. No entanto, Baco, Faccio e Luz (2009) destacam que essa é uma concepção antropológica preconceituosa de progresso humano, uma vez que não levaram em consideração as particularidades culturais regionalmente estabelecidas nos assentamentos de diferentes sociedades. A nova área de estudos buscava novos indícios que comprovassem a antiguidade do ser humano e suas origens, culminando com o crescimento do nacionalismo, o surgimento dos museus e a necessidade de definir e classificar culturas e povos. De acordo com Soltys (2010, p. 14), o 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 8/17 surgimento de uma arqueologia nacionalista levou ao desenvolvimento da primeira escola teórica, a Arqueologia Histórico Cultural. TEMA 3 – HISTÓRICO-CULTURALISMO As influências provenientes do evolucionismo cultural afetaram o modo como foram feitos o enquadramento dos achados arqueológicos nos esquemas e etapas formalizados pelo evolucionismo. Além disso, havia uma preocupação dos arqueólogos no estudo da distribuição geográfica dos artefatos e suas relações com grupos históricos, enfocando principalmente no estudo das sequências regionais dos artefatos (Reis, 2002, p. 177). De acordo com Pereira (2017, p. 76), o ponto central do histórico-culturalismo é a definição de padrões de cultura em regiões geograficamente determinadas, levando-se em conta que processos de migração e de difusão da tecnologia teriam contribuído para o desenvolvimento dos povos por meio da observação de formas cerâmicas, tipos de pontas de flechas e padrões de pinturas rupestres, por exemplo. Quadro 1 – Migração e difusão Migração Difusão Corresponde ao movimento de povos e trânsito da cultura material do grupo e entre grupos. Ocorre quando um grupo aprendia com outro grupo a elaborar ou utilizar um aspecto da cultura material. Fonte: Pereira, 2017, p. 76. 3.1 HISTÓRICO CULTURALISMO COMO CIÊNCIA De acordo com Pereira (2017), os três principais fatores que originaram a escola histórico- culturalista foram: o aprofundamento da percepção da diferenciação entre grupos humanos, o que refutou o evolucionismo; o desenvolvimento de métodos de escavação mais profissionais e a introdução da arqueologia nas universidades da Europa e dos Estados-Unidos. Na Europa, a arqueologia surge vinculada à História, Artes e Literatura, em que os primeiros estudos se deram com os grupos pré-romanos, greco-romanos, pré-históricos e com a possibilidade de consulta a fontes escritas, escavações arqueológicas e dados bibliográficos produzidos. Nos Estados Unidos da América (EUA), a arqueologia está ligada à figura de Franz Boas (1858-1942), tido 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 9/17 como o fundador da antropologia desse país, que criou o campo científico dessa disciplina apoiado no chamado Four Fields: Antropologia Cultural; Bioantropologia; Linguística e Arqueologia. A ideia era explicar a origem dos povos do continente americano com o estudo dos grupos ainda vivos no continente e também perpetuar a necessidade de vinculação entre a arqueologia e a antropologia com ciências-irmãs (Pereira, 2017, p. 76). 3.2 PRINCIPAIS AUTORES DO HISTÓRICO CULTURALISMO Partindo das reflexões de Trigger (2004), apesar de estar vinculado a preceitos nacionalistas de unidade cultural, o histórico-culturalismo resultou em um significativo aperfeiçoamento de métodos arqueológicos, como a seriação, a estratigrafia, a classificação e o aumento da compreensão do modo como se vivia no passado. Os principais autores dessa escola teórica foram sintetizados no Quadro 2 a seguir. Quadro 2 – Principais autores dessa escola teórica Gordon Childe (1892-1957) Grahame Clarck (1907-1995) Propôs a sistematização da arqueologia como ciência, alargamento das técnicas de escavação e compreensão do registro arqueológico. O autor afirmava que era possível determinar uma ordenação à cultura material dentro das sociedades passadas, possibilitando a determinação das “culturas arqueológicas”. Além disso, dizia que o contexto em que o objeto foi encontrado possibilitaria inferir dados sobre o grupo (Trigger, 2004). Afirmava que a cultura era um sistema adaptativo no qual seria necessário reconstruir tanto a história quanto os sistemas econômicos, políticos, simbólicos e religiosos do grupo que se estudava (Pereira, 2017). Fonte: Trigger, 2004; Pereira, 2017. O histórico-culturalismo trouxe muitas inovações para o campo de pesquisa arqueológico, porém mostrou um maior interesse pelas peças acumuladas do que pelo conhecimento dos grupos que as criaram, considerando que a cultura material seria o reflexo passivo da sociedade ou do grupo estruturado. No século XX, a arqueologia sofre algumas mudanças e anda em direção a uma ciência com maior apreço às metodologias e um aprofundamento interpretativo. TEMA 4 – PROCESSUALISMO O desenvolvimento de uma arqueologia mais científica, com a aplicação de metodologias robustas para a verificação de dados e hipóteses cientificamente formuladas, influenciou o 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 10/17 surgimento do processualismo, também conhecido como “Nova Arqueologia”. O processualismo surge em solo estadunidense após a Segunda Guerra Mundial e tem como um dos primeiros pesquisadores Joseph Caldwell (1959), que estabeleceu uma perspectiva neoevolucionista em que a percepção do registro arqueológico seria decorrente de um processo cultural. Além disso, essa escola baseia-se na teoria geral dos sistemas e no positivismo lógico, pois os pesquisadores identificaram que os sistemas integrados como economia e política eram os fatores que movimentavam a sociedade (Reis, 2002; Pereira, 2017). 4.1 PRINCIPAIS AUTORES DO PROCESSUALISMO Lewis Binford foi um dos principais pesquisadores da escola processualista e afirmava que “o registro arqueológico seria as padronizações da cultura por sua funcionalidade” (Binford, 1983). Nesse sentido, o autor buscou mostrar que os aspectos tecnológicos é que fazem a cultura material modificar-se e ter usos sociais, pois o que realmente importaria seria a funcionalidade de um objeto e não sua estética. Binford advoga que a arqueologia deixe de lado o tom histórico e assuma a cientificidade da antropologia com métodos, modelos e interpretações realizadas por meio da análise do grupo e não por deduções do pesquisador. Michel Schiffer é outro autor que se tornou referência do processualismo, uma vez que afirma a necessidade de se conhecer os contextos sistêmicos e arqueológicos para entender como ocorre a cultura em funcionamento. Schiffer (1972) apresenta um modelo de circulação no qual a história de vida ou os processos sistêmicos correlatos a um objeto podem ser percebidos. Por contexto sistêmico, leia-se a formação do Registro Arqueológico que seria decorrente de cinco passos: aquisição do material, manufatura, uso, manutenção e descarte, que acarretaria um sistema comportamental (Pereira, 2017, p. 85). Schiffer (1995, p. 14-16) também propôs a Teoria do Médio Alcance, que tinha como objetivo produzir um aporte teórico que possibilitava o material arqueológico ser ligado tanto ao seu passado (em perspectiva dinâmica) quanto ao seu presente (visto sob uma forma dinâmica no registroarqueológico). Para o autor, existiriam os transformadores C e N que modificariam a cultura material de acordo com fatores culturais e naturais. Os transformadores C corresponderiam às leis que relacionam variáveis de um sistema cultural em existência a variáveis que descrevem a deposição ou não 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 11/17 deposição cultural de seus elementos. Já os transformadores N corresponderiam a processos naturais como erosão, chuva, intemperismo, responsáveis por transformar ou alterar a forma da cultura material de maneira natural (Pereira, 2017). 4.2 CRÍTICAS O processualismo trouxe muitas inovações do ponto de vista da aplicação metodológica na arqueologia e se firmou enquanto ciência com aporte teórico, dados robustos a serem analisados e hipóteses a serem testadas. No entanto, ignora aspectos ideacionais e simbólicos, empreendendo uma visão estática da cultura material. As pesquisas dos autores processualistas tentaram criar leis gerais em que a cultura material fosse uma resposta adaptativa do grupo ao meio, reduzindo a participação e o gosto do indivíduo criador dos objetos. Conforme nos elucida Tânia Andrade Lima (2011, p. 16), “essa perspectiva reduziu o indivíduo a um autômato controlado pelo sistema”. A Nova Arqueologia foi questionada e constatou-se a importância de reinserir o indivíduo e suas ações nos estudos da cultura material, sendo necessário trazer a agência humana de volta à relação com a materialidade, de modo que fosse realizado um foco analítico no sujeito (Pereira, 2017). TEMA 5 – PÓS-PROCESSUALISMO O pós-processualismo surge no início da década de 1980 em virtude de um descontentamento com o processualismo. Cabe destacar que tal insatisfação não estava ligada ao campo metodológico, mas ao distanciamento em relação às teorias sociais vigente na época, o que acarretou críticas ao funcionalismo de Lewis Binford, que postulava que a criação dos objetos era feita em decorrência da sua funcionalidade em um grupo, deixando de lado os aspectos estéticos ou rituais. Nesse sentido, havia a necessidade de reinserção dos indivíduos como agentes transformadores da sociedade e o estudo dos aspectos ideacionais como pinturas rupestres e sistemas religiosos, por exemplo. 5.1 PRINCIPAIS AUTORES DO PÓS-PROCESSUALISMO Ian Hodder (1995) é o principal autor dessa escola teórica e pretendeu refletir sobre como, por que, e em que sentidos, os indivíduos utilizaram a cultura material para expressar suas formas de 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 12/17 pensar as ideias e seus conceitos sobre o mundo e, sobretudo, como isso pode ser lido na atualidade tanto pelo viés político como pelo social em que muitas pesquisas estão inseridas. Para isso, Hodder se inspirou no estruturalismo de Levi-Strauss (1958), no pós-estruturalismo de Pierre Bourdieu (1972) e Michel Foucault (1969) e na teoria de agência de Anthony Giddens (1986), e que o foco do estudo são os indivíduos, vistos como sujeitos ativos na sociedade. De acordo com Pereira (2017), apoiado em Michael Shanks e Ian Hodder (1998): O material arqueológico deveria não apenas ser considerado e interpretado como aspecto do comportamento pretérito, mas também ser inserido em uma pauta política e social em que passaria a ter uma função legitimadora ou de empoderamento de determinados grupos excluídos do registro arqueológico (Pereira, 2017, p. 90) Essa reflexão faria parte do que os pesquisadores chamam de “arqueologia contextual”, em que o contexto social influenciaria a confecção e interpretação da cultura material. 5.2 ARQUEOLOGIA: PESQUISA SOCIAL E POLÍTICA A arqueologia pós-processual dá ênfase à dimensão dos significados simbólicos presentes em diferentes contextos culturais e propõe a reflexão de que os arqueólogos desenvolvem suas pesquisas com base em sua classe social, ideologia, cultura e gênero, os quais podem ser fatores utilizados como ponto de partida para as perguntas formuladas às evidências arqueológicas (Reis, 2002). A cultura material não tem sentido por si mesma, como defende o histórico-culturalismo, mas encontra sua significância de interpretação na relação que o arqueólogo estabelece com o passado que é interpretado conforme as pautas políticas da atualidade. Assim, não existe uma “reconstrução” do passado, mas a interpretação e a elaboração de uma leitura deste. O passado é lido e interpretado e não reconstituído (Pereira, 2017, p. 59) A arqueologia pós-processualista advoga que essa área de estudos pode ser utilizada como ferramenta para sensibilização da população sobre os desafios e compromissos políticos com a preservação da memória e pluralidade cultural. Nesse sentido, é fundamental estabelecer um diálogo com outras ciências como a história, a antropologia, a sociologia, a biologia, a geologia etc., possibilitando construções teóricas e práticas a respeito dos problemas e das questões do presente (Pereira, 2017). 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 13/17 O objetivo do pós-processualismo é dar visibilidade a outras culturas materiais para a criação de novas narrativas, que podem ser até mesmo em primeira pessoa, que faz parte da virada epistemológica que essa escola trouxe para a arqueologia. NA PRÁTICA A arqueologia se perpetuou no campo científico desde o século XIX e galgou espaços cada vez mais embasados e fortalecidos por escolas teóricas que proporcionaram o desenvolvimento dessa ciência no Brasil e no mundo. Na prática, o estudo das escolas teóricas contribui para entendermos a história da ciência arqueológica e de que modo se deu sua cronologia. As teorias são utilizadas para guiar as pesquisas arqueológicas e podem ser escolhidas pelo pesquisador de acordo com a que melhor se adapta ao seu objeto de estudos. Nesse sentido, assim que se escolhe o objeto de estudo dentro da arqueologia, é necessário se perguntar qual das escolas teóricas é possível vincular à pesquisa que se quer desenvolver. Cabe destacar que as teorias processualistas e pós-processualistas não se anulam, sendo possível realizar uma pesquisa predominantemente baseada em autores pós-processualistas e utilizar autores processualistas que apresentem metodologias aplicáveis à cultura material escolhida, e vice- versa. Na prática, sugerimos imaginar-se como um arqueólogo que está estudando os sepultamentos encontrados em um sambaqui. Qual(is) escola(s) teórica(s) escolheríamos para basear a análise? É interessante completar esse exercício de reflexão por meio da escrita de um pequeno texto justificando essa escolha. FINALIZANDO Nesta aula, foram apresentadas as escolas teóricas que fazem parte da história da arqueologia. A primeira forma de se entender arqueologia foi por meio do colecionismo de objetos e do antiquarianismo, no século XVIII, movimentos que fizeram parte da criação das coleções de objetos que possibilitaram o surgimento dos museus. 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 14/17 No século XIX, surgiu o histórico-culturalismo, que foi fortemente influenciado pelo evolucionismo cultural adaptado dos estudos de Charles Darwin e que tinham como objetivo definir padrões de cultura baseados na questão territorial e geográfica. De acordo com os autores dessa escola teórica, isso poderia acontecer por meio da migração e da difusão. O histórico-culturalismo representou, ainda, mesmo que incipiente, o início da Era cientificista da arqueologia. O processualismo é a escola teórica que determinou a permanência definitiva da arqueologia enquanto uma ciência que era composta por teoria e metodologias, em que foi possível realizar o levantamento de dados e testar hipóteses. Os principais expoentes desse estudo foram Lewis Binford e Michael Schiffer que, em seus estudos, propuseram que a cultura material dependia da funcionalidade dos objetos, deixando de lado o aspecto social e de ação dos indivíduos, oque lhes gerou as maiores críticas que desencadearam a formação de uma nova escola: o pós-processualismo. A inserção do sujeito na arqueologia, prezando pelo aspecto político e social, é o pilar do pós- processualismo. Essa escola teórica, que tem como principais autores Ian Hodder e Michael Shanks, aborda a necessidade de não se apagar o sujeito construtor dos objetos. Nesse sentido, mesmo que o objeto tenha sido criado com uma funcionalidade, os arqueólogos não podem afirmar o motivo que o levou à confecção de determinada cultura material, mas apenas estudar o contexto em que os objetos foram encontrados, bem como seus materiais de confecção, e propor hipóteses que pudessem explicar o modo de vida dos indivíduos do passado. De modo que os arqueólogos não podem reconstituir o passado, ele é lido e interpretado por meio das escolas teóricas escolhidas e das experiências do pesquisador. Para melhor entender a cronologia envolvendo as escolas teóricas, na Figura 3 a seguir dispomos o quadro-síntese desenvolvido por Pereira (2017). Figura 3 – Principais escolas teóricas da arqueologia 17/04/23, 20:11 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 15/17 Fonte: Pereira, 2017, p. 36. REFERÊNCIAS ALMEIDA, J. F.; PINTO, J. M. Da teoria à investigação empírica. Problemas Metodológicos Gerais. In: SILVA, A. S.; PINTO, J. M. 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