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EDUCAÇÃO E COMPLEXIDADE Edgar Morin Trechos do livro : Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios / Edgar Morin, de Maria da Conceição de Almeida e Edgard de Assis Carvalho (2002). OS DESAFIOS DO SÉCULO XX Os próprios desenvolvimentos do século XX e da nossa era planetária fizeram com que nos defrontássemos cada vez mais amiúde e, de modo inelutável, com os desafios da complexidade. Nossa formação escolar e, mais ainda, a universitária, nos ensina a separar os objetos de seu contexto, as disciplinas umas das outras para não ter que relacioná-las. Essa separação e fragmentação das disciplinas é incapaz de captar “o que está tecido em conjunto”, isto é, o complexo, segundo o sentido original do termo. A tradição do pensamento que forma o ideário das escolas elementares ordena que se reduza o complexo ao simples, que se separe o que está ligado, que se unifique o que é múltiplo, que se elimine tudo aquilo que traz desordens ou contradições para nosso entendimento. O pensamento que recorta e isola permite a especialistas e experts terem grandes desempenhos em seus compartimentos e, assim, cooperar eficazmente nos setores não complexos do conhecimento, especialmente aqueles concernentes ao funcionamento das máquinas artificiais. A inteligência que só sabe separar rompe o caráter complexo do mundo em fragmentos desunidos, fraciona os problemas e unidimensionaliza o multidimensional. A inteligência cega se torna, assim, inconsciente e irresponsável, incapaz de encarar o contexto e complexo planetários. A REFORMA DO PENSAMENTO A atitude de contextualizar e globalizar é uma qualidade fundamental do espírito humano que o ensino parcelado atrofia e que, ao contrário disso, deve ser sempre desenvolvida. O conhecimento torna-se pertinente quando é capaz de situar toda a informação em seu contexto e, se possível, no conjunto global no qual se insere. Pode-se dizer ainda que o conhecimento progride, principalmente, não por sofisticação, formalização e abstração, mas pela capacidade de conceituar e globalizar. Daí decorre a necessidade de uma cultura geral e diversificada que seja capaz de estimular o emprego total da inteligência geral, ou melhor dizendo, do espírito vivo. ARTICULAR AS DISCIPLINAS São as redes complexas de inter, poli e transdisciplinaridade que operaram e desempenharam um papel fecundo na história das ciências. Para que serviriam todos os conhecimentos parcelares se não os confrontássemos uns com os outros, a fim de formar uma configuração capaz de responder às nossas expectativas, necessidades e interrogações cognitivas? A ANTIGA E A NOVA TRANSDISCIPLINARIDADE Sabemos cada vez mais que as disciplinas se fecham e não se comunicam umas com as outras. Os fenômenos são cada vez mais fragmentados, e não se consegue conceber a sua unidade. É por isso que se diz cada vez mais: “Façamos interdisciplinaridade”. O verdadeiro problema não consiste no “fazer transdisciplinar”; mas “que transdisciplinar é preciso fazer?” Trata-se de estabelecer uma comunicação com base num pensamento complexo. POR UMA REFORMA DE PENSAMENTO Um conhecimento só é pertinente na medida em que se situe num contexto. Pode-se deduzir daí que é primordial aprender a contextualizar e melhor que isso, globalizar, isto é, a saber situar um conhecimento num conjunto organizado. O DESAFIO DA COMPLEXIDADE O desafio da complexidade reside no duplo desafio da religação e da incerteza. É preciso religar o que era considerado como separado. Ao mesmo tempo, é preciso aprender a fazer com que as certezas interajam com a incerteza. O desafio da complexidade se intensifica no mundo contemporâneo já que nos encontramos numa época de mundialização, que prefiro chamar de era planetária. Os problemas mundiais agem sobre os processos locais que retroagem por sua vez sobre os processos mundiais. OS TRÊS PRINCÍPIOS DA REAPRENDIZAGEM PELA RELIGAÇÃO A religação implica num problema de reaprendizagem do pensamento que, por sua vez, implica na entrada em ação de três princípios: O circuito recursivo ou autoprodutivo A dialógica Hologramático 1 O circuito recursivo ou autoprodutivo que rompe com a causalidade linear é o primeiro princípio. Nós mesmos somos, aliás, os efeitos e os produtos de um processo de reprodução. A causalidade é representada de agora em diante por uma espiral. Ela não é mais linear. 2 O princípio dialógico é necessário para afrontar realidades profundas que, justamente, unem verdades aparentemente contraditórias. 3 Denominei hologramático o terceiro princípio, em referência ao ponto do holograma que contém a quase totalidade. A sociedade, entendida com um todo, também se encontra presente em nosso interior, porque somos portadores de sua linguagem e de sua cultura A APRENDIZAGEM DA RELIGAÇÃO A missão primordial do ensino implica muito mais em aprender a religar do que aprender a separar, o que, aliás, foi feito até o presente. Simultaneamente é preciso aprender a problematizar. Creio que nesse momento religar e problematizar caminham juntos. A necessidade de uma Reforma de pensamento é muitíssimo importante para indicar que hoje o problema da educação e da pesquisa encontram- se reduzidos a termos meramente quantitativos: “maior quantidade de créditos”, “mais professores”, “mais informática”. Mascara-se, com isso, a dificuldade-chave que revela o fracasso de todas as reformas sucessivas do ensino: não se pode reformar a instituição sem ter previamente reformado os espíritos e as mentes, mas não se pode reformá-los se as instituições não forem previamente reformadas. Não há resposta propriamente lógica para esta contradição, mas a vida é sempre capaz de trazer soluções a problemas logicamente insolúveis. Certamente, será preciso muito tempo, debates, combates, esforços para dar forma à revolução que começa a se efetuar aqui e ali na desordem. Poder-se-ia acreditar que não há nenhuma relação entre este problema e a política de um governo. Mas o desafio da complexidade do mundo contemporâneo é um problema-chave do pensamento e da ação política.