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Medo Odontológico: Conceito e Influências sobre o Comportamento do Paciente Medo Odontológico: Conceito e Influências sobre o Comportamento do Paciente Medo Odontológico: Definições e Prevalência Apesar dos grandes avanços tecnológicos ocorridos na odontologia nas últimas décadas, o medo em relação ao tratamento odontológico continua prevalente entre os pacientes, sendo apontado como um fenômeno universal, presente em países de culturas diversas espalhados pelo mundo. Os números com a estimativa da parcela da população acometida pelo medo odontológico variam muito entre os autores. Há autores que afirmam que até 75% dos adultos tem algum nível de medo odontológico, mas, de maneira geral, considera-se que este número esteja por volta de 30% da população adulta (Armfield, 2013). Existe também uma grande variação na terminologia utilizada para se referir a este fenômeno. Termos geralmente utilizados como sinônimos nas publicações são: ansiedade odontológica, ansiedade ao tratamento odontológico, medo odontológico, medo de dentista, estresse odontológico, fobia odontológica ou odontofobia (Abrahamsson, 2002). Há autores que preferem fazer uma distinção entre medo e ansiedade, afirmando que a diferença entre eles estaria na intensidade do sentimento. Lopes (2004) oferece uma definição mais detalhada para a ansiedade e o medo, considerando a ansiedade como sendo a antecipação apreensiva de perigo futuro acompanhada por sentimentos de disforia ou sintomas somáticos de tensão. Em contraste, o medo é considerado como sendo uma emoção básica, distinta da ansiedade e associado a uma resposta súbita de “luta ou fuga” frente a um perigo imediato, no qual o corpo se prepara para uma resolução da situação (Lopes, et al., 2004). McNeil (2014) propõe que não faz sentido considerar o medo e a ansiedade como fenômeno binário em que o paciente tem um ou tem o outro. Este autor conceitua o medo e a ansiedade relacionados ao tratamento odontológico como fenômenos de natureza dimensional que coexistem em um continuum que tem em um dos extremos as pessoas que não sentem nenhum medo ou ansiedade e no outro extremo o paciente que possui um medo ou ansiedade tão altos que seus sintomas se encaixam nos critérios para diagnóstico de fobia ou outro transtorno. Entre esses extremos existe uma gama de manifestações de medo e ansiedade considerados "normais" e que não acarretam prejuízos aos seus portadores até situações em que, pela sua magnitude, o medo ou ansiedade provocam prejuízos à saúde bucal, saúde geral e qualidade de vida de seu portador (como veremos em seguida) No presente texto o termo medo odontológico será utilizado com este significado amplo e multidimensional atribuído por McNeil. O medo odontológico é, portanto, uma resposta dos pacientes odontológicos às tensões do tratamento e, por este motivo, é mais específica que a ansiedade geral. Este medo indesejável e anormal de visitar o dentista para tratamento preventivo ou curativo pode ter consequências fisiológicas, cognitivas e comportamentais (Kritsidima, 2010). Em contraste com outros medos, o medo odontológico é único na medida em que até indivíduos normalmente corajosos demonstram reações de apreensão e estresse durante as consultas. Isto porque os esquemas cognitivos envolvidos são centrados no perigo e danos e uma vez ativados induzem pensamentos relacionados à antecipação de perigos físicos e psicossociais, com uma probabilidade superestimada de resultados negativos e subestimada em relação à capacidade do individuo de lidar com tal situação (Crego 2014). Etiologia do Medo Odontológico Diversos autores tem buscado explicar as causas e mecanismos implicados no surgimento e manutenção do medo odontológico. É importante compreender que todo comportamento humano é multideterminado e provavelmente nenhum destes mecanismos atua de maneira isolada. Os principais mecanismos descritos são (McNeil, 2014): 1. Condicionamento Medo Odontológico: Conceito e Influências sobre o Comportamento do Paciente Uma das maneiras mais diretas de um paciente desenvolver o medo odontológico e por meio de experiências prévias traumáticas ou dolorosas. Quando, o paciente passa por experiências ruins de tratamento odontológico, ocorre o emparelhamento dos estímulos incondicionados (dor, desconforto) com os estímulos presentes no consultório (estímulos neutros) e o paciente passa então a apresentar comportamentos de ansiedade (resposta condicionada) ao se deparar com estes estímulos, agora condicionados. O medo odontológico também pode ser aprendido e/ou perpetuado pelo condicionamento operante, no qual comportamentos de medo e ansiedade (choro, tremedeira, evitação, etc.) são reforçados positiva ou negativamente. A teoria do aprendizado por 2 fatores de Mowrer (1939) se aplica muito bem nesta situação onde o medo pode ser condicionado inicialmente por emparelhamento e mantido por reforçamento negativo, o que explica a alta frequência de comportamentos de fuga e esquiva. 2. Aprendizado Social. Alguns pacientes apresentam medo odontológico mesmo sem terem nenhuma experiência prévia com o tratamento odontológico. Provavelmente seus receios e ansiedade foram transmitidos socialmente por meio de condicionamento vicariante (Bandura,) ou compartilhamento direto de informações. Por este mecanismo o paciente "aprende" que o tratamento odontológico é doloroso e estressante observando a experiência de outras pessoas ou ouvindo o relato dos pais, amigos, ou ainda por meio de como o tratamento e a profissão odontológica é retratada pela mídia (sádico e insensível). 3. Influências Biológicas Fatores biológicos podem participar do desenvolvimento e manutenção do medo e ansiedade em alguns indivíduos e ser um fator protetor para outros. Evidências da psicologia e neurociência comportamental mostram que fatores biológicos e genéticos podem predispor os indivíduos a desenvolver certas formas de transtornos e psicopatologias. Portanto, diferenças genéticas fazem com que alguns pacientes sejam mais susceptíveis que outros a e desenvolver medos e ansiedades ao longo da vida. 4. Fatores Cognitivos Para alguns pacientes os processo cognitivos desempenham um importante papel no desenvolvimento e manutenção do medo odontológico, principalmente por concepções errôneas, pensamentos negativos, padrões mentais que incluem preocupações sobre o perigo, falta de controle e imprevisibilidade. 5. Personalidade Alguns traços de personalidade (por exemplo, pacientes neuróticos) podem predispor os indivíduos a desenvolver medo e ansiedade. 6. Fatores relacionados à dor Para muitos pacientes o medo e/ou ansiedade estão relacionados à dor, à percepção da dor ou medos relacionados à dor. Sinais, Sintomas e Consequências do Medo Odontológico O medo odontológico geralmente apresenta uma gama diversa de sinais e sintomas envolvendo desde sintomas subjetivos como o desconforto e a náusea sinais físicos observáveis como inquietude na sala de espera e aumento de tônus muscular durante o atendimento e sinais autonômicos como aumento da frequência cardíaca e respiratória, síndrome da hiperventilação, aumento da pressão arterial, palpitações, pontadas no peito, aumento da frequência urinária, diminuição da salivação, sudorese, palidez da face, tremor, fraquezas, tonturas, choro e, em casos extremos, desmaios (Ferreira et al., 2008). Medo Odontológico: Conceito e Influências sobre o Comportamento do Paciente Com frequência, os trabalhos relatam que os pacientes com medo odontológico percebem o ambiente odontológico como ameaçador sendo que, além da ameaça física do tratamento, eles se queixam de uma sensação de falta de controle e poder, que é atribuída à falta de confiança em relação ao comportamento do cirurgião-dentista ou à vergonha e ao medo de avaliação socialnegativa que é comparável, em muitos aspectos, a outras ansiedades sociais específicas como o medo de falar em público (Sghaireen, 2013). Há dois aspectos importantes no estudo do medo odontológico que o torna atípico: o primeiro é que o indivíduo mesmo com medo se sujeita a exposições regulares e repetidas ao estimulo ameaçador, ou pelo menos se espera que ele o faça. Além disso, evitar a situação temida normalmente leva a outras consequências negativas (Berggren, 2001). O medo é considerado uma das experiências mais debilitantes e agonizantes das experiências emocionais humanas e, no caso do medo de dentista, as consequências negativas causadas alcançam vários aspectos da vida do paciente (Kritsidima, 2010). O impacto negativo mais direto do medo odontológico está na deterioração da saúde oral. Levantamentos epidemiológicos vêm demonstrando que o medo odontológico está associado à baixa saúde bucal, seja medida clinicamente ou indicada por auto-avaliação. Os indivíduos com alto medo odontológico possuem mais dentes perdidos, mais superfícies cariadas, mais lesões periapicais, maior perda óssea periodontal e menos superfícies restauradas que a população em geral (Lopez 2014). Este fato é explicado pela existência de um círculo vicioso em que o medo leva a evitação do tratamento odontológico, que por sua vez resulta num aumento da complexidade do tratamento necessário e da chance de, quando finalmente o paciente procurar tratamento, ele experimentar desconforto e dor durante os procedimentos, que reforça a ansiedade e aumenta a evitação futura do tratamento (Armfield 2013). Numerosos estudos têm mostrado a associação entre o medo odontológico e visitas irregulares ao cirurgião-dentista, cancelamento e adiamento de consultas. Pacientes ansiosos normalmente só vão ao consultório em situações de dor e urgência(Humphris, 2009). Portanto, apesar de todo desenvolvimento das últimas décadas nas bases científicas e tecnológicas dos processos de trabalho odontológico, o medo ainda representa uma séria barreira à utilização dos serviços odontológicos, mesmo quando muito necessários, resultando em efeitos detrimentais à saúde bucal, podendo também levar a graves problemas de saúde como a pneumonia, infecção urinária, febre, septcemia, mediastinites, extensão intra-cranial de abcessos periapicais, osteomielites faciais, sinusites e sepsis. Além disso, autores relatam que indivíduos com medo odontológico usam mais medicamentos, tem normalmente um maior consumo de álcool e drogas ilícitas e uma alta frequência de faltas no emprego devido a doenças, resultando em prejuízos em escala global, estando associada também a problemas sociais e ocupacionais (Boman 2013). Muitos medos, particularmente os crônicos, causam perturbações e limitações no decorrer do tempo e podem interferir com o crescimento e desenvolvimento do individuo, minando o funcionamento da personalidade e aumentando a vulnerabilidade a outras psicopatologias (Locker, 2003). O impacto psicossocial do medo odontológico é bem documentado na literatura científica com efeitos cognitivos, psicológicos, comportamentais e sociais. Diversas pesquisas mostram que o medo odontológico gera efeitos sociais negativos que levam a diminuição da auto estima, vergonha, constrangimento, problemas no relacionamento familiar, dificuldade em sair com amigos, comer fora e até de tirar férias (Crego, 2014). A qualidade de vida tem sido cada vez mais reconhecida como um indicador válido, apropriado e significativo de necessidade de serviço e verificação de resultados de intervenções na saúde pública contemporânea. A associação entre o medo odontológico e a baixa qualidade de vida tem sido demonstrada em diversos trabalhos, especialmente em áreas como bem estar psicológico, vitalidade e funcionamento social. Levantamentos demonstram claramente a conexão entre o medo odontológico e indicadores subjetivos de saúde bucal, verificando que Medo Odontológico: Conceito e Influências sobre o Comportamento do Paciente indivíduos com altos níveis de medo odontológico estão entre aqueles com piores escores nos indicadores de qualidade de vida relacionados à saúde bucal (Boman, 2012). Vermaire (2008) chegam a afirmar que o medo odontológico tem mais impacto no senso de felicidade dos portadores do que na própria saúde oral. O medo que é vivenciado pelo paciente aumenta o desconforto e a percepção da dor durante o tratamento, diminuindo a capacidade do paciente em colaborar com o tratamento e com a equipe odontológica, tornando o tratamento mais difícil, causando perda de tempo, estresse da equipe e colocando em risco a qualidade dos procedimentos executados (Kiliç 2014). Técnicas de manejo De maneira geral, os comportamentos do dentista e sua equipe têm um papel importante no manejo do medo do paciente. Através de uma boa comunicação, a equipe odontológica pode aliviar o medo, ensinar técnicas de enfrentamento adequado, orientar o paciente a permanecer cooperativo e relaxado e cultivar uma atitude positiva em relação ao tratamento odontológico, permitindo ao dentista realizar um tratamento de qualidade de forma segura e eficiente. Existem algumas técnicas específicas, baseadas em conhecimentos das ciências comportamentais, que podem ser usadas para o manejo do medo. Algumas delas são simples e fácies de aprender e aplicar, outras requerem do dentista mais tempo de estudo e prática para poder utilizá-las de maneira eficaz (Diercke 2013): - Dessensibilização - Conte-Mostre-Faça - Distração - Relaxamento progressivo - Respiração Diafragmática - Imaginação (visualização) guiada - Hipnose Assim, o medo odontológico é um tema importante na prática odontológica e, conforme suas consequências se tornam mais compreendidas, seu estudo é cada vez mais relevante e surge como um diferencial clínico numa época marcada por descobrimentos tecnológicos (Armfield, 2013).
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