Buscar

Demonstração vs Argumentação: As diferenças

Prévia do material em texto

16/08/2018 https://www.ruigracio.com/VCA/DemonsvsArg.htm
https://www.ruigracio.com/VCA/DemonsvsArg.htm 1/3
 DEMONSTRAÇÃO VS ARGUMENTAÇÃO
Para Perelman, a noção de argumentação é explicitada a partir da sua oposição com a 
 de demonstração. Aquilo que, segundo este teórico, distingue uma da outra são as 
 seguintes características:
 
• primeira ideia: «enquanto a lógica formal é a lógica da demonstração, a lógica 
 informal é a da argumentação» (Perelman, 1986a: 17);
 
• segunda ideia: ao invés da lógica tradicional, esta última não se preocupa com a 
 verdade abstrata, categórica ou hipotética, mas com a adesão (Perelman e Olbrechts-
 Tyteca, 1952: 18). Nota Perelman que «na argumentação não se trata de mostrar, 
 como na demonstração, que uma qualidade objetiva, como seja a verdade, passa das 
 premissas para a conclusão, mas que se pode fazer admitir o carácter razoável, 
 aceitável de uma decisão a partir do que o auditório já admite, a partir das teses às 
 quais ele adere com uma intensidade suficiente. O discurso persuasivo visa, portanto, 
 uma transferência de adesão duma qualidade subjetiva que pode variar de espírito para 
 espírito» (Perelman, 1986a: 17-18);
 
• terceira ideia: a lógica opõe-se à retórica porquanto na primeira a ideia ou a opinião 
 que o auditório tem do orador não é importante para a avaliação das conclusões que 
 este apresenta, o mesmo não acontecendo na retórica onde se verifica uma interação 
 constante entre a pessoa do orador e o auditório para o qual discorre (Perelman e 
 Olbrechts-Tyteca, 1952: 23, 1988: 426);
 
• quarta ideia: outro traço distintivo da lógica relativamente à retórica é que enquanto 
 na primeira «se raciocina sempre no interior de um sistema dado, supostamente 
 admitido, numa argumentação retórica tudo pode ser sempre recolocado em questão; 
 pode sempre retirar-se a adesão: aquilo a que se dá assentimento é um facto e não um 
 direito» (Perelman, 1986a: 26). Escreve ainda que «um sistema formal mostra quais 
 são as consequências que decorrem dos axiomas, sejam estes considerados como 
 proposições evidentes ou simples hipóteses convencionalmente admitidas. Num sistema 
 formal os axiomas não são nunca objeto de controvérsia; supõem-se serem 
 verdadeiros, objetivamente ou por convenção. O mesmo não se passa na argumentação 
 na qual o ponto de partida deve ser admitido pelo auditório que se quer persuadir ou 
 convencer pelo seu discurso» (Perelman, 1986a: 18).Quer isto dizer que numa 
 demonstração tudo é solidamente dado, enquanto numa argumentação as premissas 
 são frágeis;
 
• quinta ideia: pode dizer-se que a argumentação lógica é constringente, forçosa ou 
 necessária, o mesmo não se passando com a argumentação retórica (Perelman, 1952: 
 26). E Perelman justifica: «é justamente porque as noções utilizadas na argumentação 
 não são unívocas e o seu sentido não está fixo ne varietur que as conclusões de uma 
 argumentação não são constringentes» (Perelman, 1988: 177-178). Esta pode ter mais 
 ou menos força, ser mais ou menos plausível, mas não é correta ou incorreta. Deste 
 modo, escreve o teórico que «um argumento não é correto e constringente ou incorreto 
 e sem valor, mas é relevante ou irrelevante, forte ou fraco, em função de razões que 
 justificam o seu emprego na ocorrência. É por isso que o estudo dos argumentos, que 
 nem o direito, nem as ciências humanas, nem a filosofia podem dispensar, não releva 
 de uma teoria da demonstração rigorosa, concebida à semelhança dum cálculo 
 mecanizável, mas de uma teoria da argumentação» (Perelman, 1972: 220-221);
 
• sexta ideia: a questão da amplitude da argumentação. Enquanto na lógica a prova 
 de uma proposição dispensa e torna supérflua outras provas, na argumentação retórica 
 nunca se sabe, antecipadamente e ao certo, qual o limite para a acumulação útil de 
 argumentos (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1952: 29, 1988: 628-629);
 
• sétima ideia: enquanto na demonstração a ordem pela qual são apresentados os 
 axiomas e a sucessão de etapas não é importante desde que cada um dos 
 encadeamentos possa ser percorrido com a aplicação das regras de inferência adotadas, 
 já na argumentação a ordem pela qual se apresentam e se dispõem os argumentos é 
 de máxima importância para os efeitos por ela produzidos;
 
• oitava ideia: enquanto na lógica é exigida uma definição precisa dos termos com que 
 se opera, as noções empregues na argumentação retórica são sempre ambíguas e 
 confusas (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1952: 30, 1988: 161);
 
Rui Alexandre Grácio
A OCASIÃO E OS LOCAIS ARGUMENTATIVOS
ABORDAGENS DESCRITIVAS E NORMATIVAS
 
VOCABULÁRIO
ABDUÇÃO
ARGUMENTAÇÃO
ANALOGIA
ARGUMENTAÇÃO E REGRESSÃO AO INFINITO
ARGUMENTAÇÃO1 E ARGUMENTAÇÃO2
ARGUMENTÁRIO
ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA
ARGUMENTO AD HOMINEM
ARGUMENTATIVIDADE E ARGUMENTAÇÃO
ARGUMENTO AD BACULUM
ARGUMENTO AD PERSONAM
ARGUMENTO AD VERECUNDIAM
ARGUMENTO AD POPULUM
AUDITÓRIO
ASSUNTO EM QUESTÃO
AUTORIDADE E ARGUMENTO AD VERECUNDIAM
AUDITÓRIO UNIVERSAL
CÂNONE RETÓRICO
CAMPO ARGUMENTATIVO
COALESCÊNCIA
CLICHÉ
COGÊNCIA
CÓDIGO DE CONDUTA DA DISCUSSÃO RAZOÁVEL
CONCLUSÃO
CONCESSÃO
 
DEMONSTRAÇÃO VS ARGUMENTAÇÃO
DEDUÇÃO
DISCURSO EPIDÍCTICO
DIALÉCTICA FORMAL
ENUNCIADO
ENTIMEMA
EPISÓDIOS DE CONTRADIÇÃO CONVERSACIONAL
E DIFERENDO ARGUMENTATIVO
ERÍSTICA
ESTREITAMENTO FOCAL
ESQUEMATIZAÇÃO
FALÁCIA
ETHOS
GENERALIZAÇÃO APRESSADA
FASES DA ARGUMENTAÇÃO
INDUÇÃO
IMPLÍCITO ARGUMENTATIVO
LÓGICA INFORMAL
KAIRÓS
MANIPULAÇÃO E SEDUÇÃO
LÓGICA NATURAL
O MODELO DE TOULMIN
MONOLOGAL E DIALOGAL
ÓNUS DA PROVA
O PROVÁVEL
PRODUTO, PROCESSO, PROCEDIMENTO E 
 PROCESSAMENTO
PAN-ARGUMENTATIVISMO
RACIONALIDADE ARGUMENTATIVA
E RACIONALIDADE SOCIOLÓGICA
RACIOCÍNIO
REGRAS DO DEBATE E DA ARGUMENTAÇÃO
RECEPÇÃO, ACEITAÇÃO E ADESÃO
SITUAÇÃO ARGUMENTATIVA
RELEVÂNCIA
 
SOFISTAS
16/08/2018 https://www.ruigracio.com/VCA/DemonsvsArg.htm
https://www.ruigracio.com/VCA/DemonsvsArg.htm 2/3
• nona ideia: pode dizer-se que o aquilo constitui a diferença essencial entre 
 demonstração e argumentação é que o tempo não desempenha qualquer papel na 
 primeira enquanto na argumentação ele é essencial (Perelman, 1970: 41 e ss).
 
Esta distinção entre demonstração e argumentação deve ser devidamente 
 contextualizada e inserida na oposição entre ciências da natureza e ciências 
 humanas numa época de hegemonia das primeiras sobre as segundas e à tentativa de 
 proceder a um alargamento da ideia de racionalidade que permitisse incluir os dois 
 campos. Neste sentido ela é paralela da introdução de dois tipos de prova: a prova 
 científica (caracterizada por ser demonstrativa, certa, impessoal, an-histórica, 
 abstrata, rigorosa, formal, infalível e não apelar à decisão) e a prova retórica 
 (caracterizada pela justificação, pela obtenção de adesão, pela pessoalidade, por ser 
 situada, concreta e plausível, por se reportar a convicções, por ser falível e por apelar à 
 decisão).
 
STASIS
TIPOLOGIA DE DIÁLOGOS
TEMATIZAÇÃO
 
TIPOLOGIAS ARGUMENTATIVAS
(TOULMIN, RIEKE & JANIK)
TIPOLOGIAS ARGUMENTATIVAS
(PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA)
TURNOS DE PALAVRA
TOPOI
 
VISADA E DIMENSÃO ARGUMENTATIVA
© RUI GRÁCIO 2015
Referências Bibliográficas
 
Pode também dizer-se que a distinção entre demonstração e argumentação remete para o uso da razão na sua articulação com os usos da 
 linguagem: enquanto a demonstração está associada a uma construção prévia de um jogo de linguagem no qual o raciocínio irá funcionar 
 (com componentes formais relativos às regras do seu uso e à especificidade dos objetivosdo jogo), a argumentação liga-se ao uso da 
 linguagem natural e à modelação criativa da significação e das noções de modo a comunicar e aí inscrever as escolhas de quem assim propõe 
 modos de ver.
 
É ainda por isso que a argumentação, ao contrário da demonstração que é, por assim dizer, um uso da razão «dentro da caixa» (ou seja, que 
 funciona a partir de princípios metodológicos e regras que estão fora de questão), aparece ligada à liberdade (ou seja, ao uso da razão «fora da 
 caixa»): «apenas a existência de uma argumentação, que não seja nem constrangedora nem arbitrária, confere um sentido à liberdade 
 humana, condição de exercício da escolha razoável» (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1988: 682).
 
A distinção entre demonstração e argumentação deve ser também entendida a partir da oposição entre formalismo e pragmatismo, o 
 primeiro correspondendo à ideia de sistema fechado e o segundo acentuando aquilo que no uso da linguagem é sempre algo de diferente da 
 aplicação mecânica de regras previamente estabelecidas. O paradigma da demonstração é a matemática e a inferencialidade necessária do 
 raciocínio lógico-formal que pressupõe um método de certificação de resultados em termos de produtos monológicos e impessoais. O paradigma 
 da argumentação é o assunto em questão, o perspetivismo, em que o que está em causa são modos de ver cujos princípios não são 
 suscetíveis de serem submetidos a métodos de certificação na medida em que implicam axiologização e a inscrição pessoal de quem assim dá a 
 ver. Ela cruza o possível com o preferível e não se funda no raciocínio mas na incomensurabilidade que ergue a oposição entre discursos. A 
 argumentação tem o traço da inscrição pessoal na consideração dos assuntos e, nesse sentido Perelman afirma que «todo o discurso que não 
 aspira a uma validade impessoal depende da retórica» (Perelman, 1977: 192).
 
Uma questão que se pode colocar é a da continuidade entre argumentação e demonstração. Para Plantin (2011: 16-17) «o campo da 
 argumentação é mais vasto que o da demonstração. Falamos de demonstração em domínios do saber. A argumentação incide também sobre 
 aquilo em que podemos legitimamente acreditar, mas ela tem um domínio de exercício muito mais vasto, ela intervém também, como veremos, 
 assim que nos interrogamos sobre o que é legítimo fazer, ou mesmo experimentar. A comparação argumentação/demonstração não é 
 verdadeiramente pertinente senão no primeiro domínio. É preciso distinguir, por um lado, a demonstração como produto, ou seja a 
 demonstração monológica, impecavelmente exposta nos manuais de lógica formal; e, por outro, a demonstração como processo, tal como é 
 construída empiricamente, em situações que podem dar lugar ao diálogo. O Traité (de Perelman e Olbrechts-Tyteca) compara a argumentação e 
 a demonstração como produtos finitos, partilhando a característica fundamental de serem discursos monologados. O reenquadramento dialogal 
 da argumentação sugere uma visão totalmente diferente da relação entre argumentação e demonstração. A ideia é a de seguir uma ‘política’ 
 análoga à que Quine propôs para construir a sua lógica formal: ‘Esta politica é inspirada pelo desejo de trabalhar diretamente com a linguagem 
 usual até ao momento em que existe um ganho significativo em a abandonar’. Mutatis mutandis, diremos que a demonstração está ancorada 
 nos processos argumentativos e que deles se separa assim que encontramos um ganho decisivo. Explorando esta intuição, ligaremos a 
 argumentação, processo fundamentalmente dialógico, e a demonstração, monologal no seu produto e dialogal no seu processo. Para isso é 
 preciso colocar o diálogo como fundamento da atividade argumentativa, trate-se do diálogo tal como ele se desenrola em tempo real entre dois 
 parceiros ou do dialogo polifónico encenado no discurso monologal. A argumentação aparece então como o momento primeiro na construção da 
 demonstração. Podemos falar de uma construção argumentativa da demonstração através de uma série de ruturas que intervêm em diferentes 
 níveis, por exemplo, sobre os objetos, as regras e os processos que cada vez são melhor definidos; os objetos e as perceções não pertinentes 
 são expulsas do contexto; a comunidade de interlocutores qualificados intervém de forma cada vez mais organizada; o discurso torna-se cada 
 vez mais impessoal; a linguagem natural é substituída/transformada parcial ou totalmente numa língua formal e calculadora (observar-se-á que 
 a questão da evolução dos suportes semióticos do raciocínio, diferentes na argumentação e na demonstração, não é abordada no Traité)... etc. 
 No termo destas metamorfoses a argumentação tornou-se demonstrativa».
 
Poderíamos também dizer que o persuasivo dá lugar ao convincente como raciocínio suscetível de comprovação e desde que haja acordo e 
 não questionamento sobre os métodos de certificação. Insista-se, ainda, que na base da passagem do argumentativo para o demonstrativo 
 estão sempre processos de estreitamento focal, o reconhecimento de critérios como objetivos e consensuais, a apropriação disciplinar e 
 metodológica do raciocínio no âmbito da ecologia de um campo de conhecimento com uma especificidade própria. Nota a este respeito Willard 
 (1989: 211 e ss) que uma disciplina é: 1) uma comunidade (com as suas convenções partilhadas); 2) uma tradição prática (um historial de 
 teorias e práticas); 3) Um foco problemático (um conjunto de puzzles e interesses); 4) Um meio textual (literatura relevante para a 
 comunidade); 5) Uma gramática criativa (lógicas de descoberta e de justificação, lógicas para fazer distinções e estabelecer relações, 
 procedimentos metodológicos padronizados).
 
Podemos, por conseguinte, dizer que a demonstração é uma argumentação «dentro da caixa» mas elaborada comunitariamente e em diálogo 
 entre os participantes no interior de quadros específicos regidos por uma ordem disciplinar e que a argumentação «fora da caixa» corresponde 
 não à aplicação de regras, mas à discussão das próprias regras, à tentativa de definir e impor critérios, prevalecendo o raciocínio axiológico 
 sobre os procedimentos resolutivos.
 
A visão que estabelece uma relação de continuidade entre a argumentação e a demonstração é profícua na medida em que permite perceber 
 como se opera a passagem de uma lógica do preferível a uma lógica da certeza. É também relevante na medida em que permite considerar os 
 procedimentos argumentativos como constitutivos dos processos de aprendizagem da ciência e como modo de raciocinar com vista a solucionar 
 problemas em contextos metodológicos específicos e no interior dos jogos de linguagem criados por cada domínio de conhecimento. Deve 
 contudo salientar-se que, neste contexto, a argumentação não lida com assuntos em questão que dão origem a respostas múltiplas e 
16/08/2018 https://www.ruigracio.com/VCA/DemonsvsArg.htm
https://www.ruigracio.com/VCA/DemonsvsArg.htm 3/3
incomensuráveis entre si, não se alimenta da tensão entre discursos, não é um modo a levar os indivíduos a inscreverem os seus pontos de 
 vista em perspetivas que o revelam enquanto pessoas que optam por determinados valores, mas consiste em encaminhar o raciocínio — 
 através da exposição à contradição, à confrontação e ao erro — para a seleção de conclusões e para a resolução de um problema cujo resultado 
 deve poder ser apresentada de uma forma impessoal, ainda que reforçado pelo mérito da descoberta e de se ter chegado lá «pelo seu próprio 
 pé».
 
Neste sentido, em termos de ensino, por exemplo, e apesar das elisões reflexivas que isso implica (não está em causa questionar a autoridade 
 do campo disciplinar, nem indagar sobre o interesse dos fins a atingir, mas antes potenciar, como meio, os poderes conclusivos do raciocínio) é 
 possível substituir uma relação assimétrica, que acaba por desembocar em saberes declarativos,e privilegiar a aquisição de conhecimentos 
 como resultante de um processo que vincula por participação e que assim torna mais significativa, porque envolvente, a aprendizagem
 
voltar

Continue navegando