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O amor modernista e o amor romântico

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PONTO DE VISTA 
 
 Revista LOGOS, n. 17, 2009. 
 
NUANCES DA PAIXÃO - O amor modernista e o amor romântico 
 
 
SILVA, Isaías Eliseu da. 
Bacharel e Licenciado em Letras 
Mestrando do programa de pós-graduação em Estudos Literários 
pela Faculdade de Ciências e Letras da UNESP-Araraquara. 
 
 
 
RESUMO 
Neste trabalho elaborei breves análises 
de dois poemas de forma fixa de 
Escolas Literárias distintas e, após uma 
abordagem individualizada de cada um 
deles, procedi a uma conclusão em que 
pretendi expor os pontos de contato e as 
divergências entre os dois poemas 
apresentados. Foi selecionado um 
soneto de Mário de Andrade, portanto, 
da escola modernista, e outro de 
Álvares de Azevedo, poeta do 
Romantismo brasileiro. Dada a 
similaridade formal das obras literárias 
escolhidas, julga-se oportuna uma 
discussão sobre o conteúdo, que 
apresenta intersecções, bem como 
dissensões por conta das características 
próprias dos movimentos estéticos em 
que cada poema foi concebido. Para a 
consecução das análises, utilizei-me do 
trabalho da professora Maria Lúcia F. 
Guelfi, do qual extraí o padrão de 
análises segundo estratos e, ainda, da 
leitura de Na sala de aula, de Antonio 
Candido. 
 
Palavras-chave: Álvares de Azevedo; 
Mário de Andrade; Soneto. 
 
 
UM OLHAR SOBRE OS POEMAS 
 
Soneto 
(Dezembro de 1937) 
Mário de Andrade 
 
Aceitarás o amor como eu o encaro?... 
... Azul bem leve, um nimbo, suavemente 
Guarda-te a imagem, como um anteparo 
Contra estes móveis de banal presente. 
 
Tudo o que há de milhor e de mais raro 
Vive em teu corpo nu de adolescente, 
A perna assim jogada e o braço, o claro 
Olhar preso no meu, perdidamente. 
 
Não exijas mais nada. Não desejo 
Também mais nada, só te olhar, enquanto 
A realidade é simples, e isto apenas. 
 
Que grandeza... A evasão total do pejo 
Que nasce das imperfeições. O encanto 
Que nasce das adorações serenas. 
 
 O soneto de Mário de Andrade traz 
em seu verso de abertura uma questão que 
balizará as argumentações que se seguirão 
no decorrer do poema e que se fixam em 
redor de concepções como o amor, o 
desejo e, mais especificamente, de um 
ponto de vista a partir do qual amor e 
desejo se realizam de maneira plena. A 
começar pela investigação do estrato das 
unidades de sentido, percebemos que o eu-
lírico dirige-se a um interlocutor – que 
mais tarde descobriremos ser a pessoa 
desejada – tratado por tu ao lançar a 
pergunta: “Aceitarás o amor como eu o 
encaro?...” e, a partir de então, discorre 
sobre sua ideia em relação ao assunto. O 
segundo verso aparece com a 
caracterização do amor segundo a visão do 
eu-lírico, que, metaforicamente, diz: “... 
43 
PONTO DE VISTA 
 
 Revista LOGOS, n. 17, 2009. 
 
Azul bem leve, um nimbo, suavemente” 
e, por conta dos termos “azul”, “leve”, 
“nimbo” – este tomado no sentido 
figurado – e “suavemente”, o leitor 
infere que a imagem desse sentimento é 
algo como serena, tranquila e livre da 
afetação costumeiramente atribuída ao 
amor. Por outro lado, se considerarmos 
“nimbo” em seu sentido denotativo, 
designando “nuvem densa e cinzenta, de 
baixa altitude e contornos mal 
definidos, que facilmente se precipita 
em chuva ou neve” (FERREIRA, 1988, 
p. 455) teremos, então, a representação 
contrastante do sentimento: inicialmente 
claro, próximo daquilo que poderíamos 
chamar racional, mas potencialmente 
tempestivo e avassalador. Primando 
pela imagem sóbria do amor, o eu-
poético intenta sedimentá-la na mente 
do interlocutor e começa a segunda 
estrofe descrevendo a forma do gozo 
que este lhe proporciona. 
 O primeiro verso desta estrofe, 
“Tudo o que há de milhor e de mais 
raro”, introduz a percepção do eu-lírico 
sobre o interlocutor que, nos versos 
seguintes, é revelado pelas 
considerações a seu respeito ser a 
pessoa desejada: “Vive em teu corpo nu 
de adolescente, / A perna assim jogada e 
o braço, o claro / Olhar preso no meu, 
perdidamente”. Notamos que as 
referências nestes três versos são 
essencialmente carnais e altamente 
ligadas ao desejo sexual, instintivo. 
Pinta-nos o poeta uma cena lânguida de 
um corpo nu, membros expostos 
sensualmente e de um olhar na mesma 
medida lúbrico que, na concepção do 
eu-lírico, significam aquilo que há de 
mais desejável. Não há, portanto, um 
forte apelo emotivo no sentido da 
possibilidade de causar comoção; a 
imagem predominante é de lascívia. 
 Satisfeito com o quadro de 
contemplação, o eu-poético apresenta, 
na terceira estrofe, um elogio à 
simplicidade da situação e pede à pessoa a 
quem se dirige que também se contente 
com o que há: “Não exijas mais nada. Não 
desejo / Também mais nada, só te olhar, 
enquanto / A realidade é simples, e isto 
apenas”. E arremata na quarta e última 
estrofe tecendo uma exaltação à falta de 
pudor e ao contemplar tranquilo que 
promove uma sensação inebriante: “Que 
grandeza... A evasão total do pejo / Que 
nasce das imperfeições. O encanto / Que 
nasce das adorações serenas”. 
 Lançando-nos ao estrato ótico, a 
primeira evidência que podemos detectar é 
a própria configuração formal do soneto, 
com seus dois quartetos e dois tercetos, ao 
que se acrescenta o estranhamento 
provocado pelo termo “milhor” no 
primeiro verso da segunda estrofe. A 
palavra grafada com um “i” no lugar de um 
“e” reflete o caráter flexível do léxico e do 
sistema linguístico como um todo, 
reclamado pelos modernistas. Mário de 
Andrade diz, em seu “Prefácio 
interessantíssimo”, expondo sua vontade 
sobre a nova escola literária que surgia: 
“Minhas reivindicações? Liberdade. Uso 
dela; não abuso” (ANDRADE, 19__, p. 
26) e, mais adiante, acrescenta: “A 
gramática apareceu depois de organizadas 
as línguas. Acontece que meu inconsciente 
não sabe da existência de gramáticas, nem 
de línguas organizadas” (idem, p.32). 
 Levando em conta o estrato fônico, 
passemos então às considerações formais 
do poema. Percebemos antecipadamente 
tratar-se de um soneto e, fazendo a 
escansão, notaremos que todos os versos 
obedecem à métrica dos decassílabos. 
Ocorrem rimas e estas estão dispostas 
segundo o esquema abab nas duas 
primeiras estrofes, caracterizando o que 
chamamos de rimas cruzadas, e cde nas 
duas últimas. Constatamos ainda, a 
presença de enjambement ligando os 
versos 7 e 8; 9 e 10; 10 e 11; 13 e 14, 
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conferindo maior fluidez ao ritmo do 
poema. 
 Encerrando as considerações 
sobre o soneto, reportamo-nos ao 
estrato dos objetos representados, cuja 
observação pode levar-nos à hipótese de 
se definir o amor como assunto 
principal do poema, circundado pelo 
tema da percepção particular desse 
sentimento. O eu-lírico engendra uma 
série de argumentos relacionados ao 
amor, começando pelas imagens 
metafóricas do segundo verso – “azul”, 
“leve” e “nimbo” – e segue 
relacionando-o com uma ideia 
luxuriante de um corpo nu de 
adolescente que, estirado, fita-lhe 
sensualmente e, desta forma, provoca 
seus impulsos mais primitivos. 
 
Soneto 
Álvares de Azevedo 
 
Já da morte o palor me cobre o rosto, 
Nos lábios meus o alento desfalece, 
Surda agonia o coração fenece, 
E devora meu ser mortal desgosto! 
 
Do leito embalde no macio encosto 
Tento o sono reter!... já esmorece 
O corpo exausto que o repouso esquece... 
Eis o estado em que a mágoa me tem posto! 
 
O adeus, o teu adeus, minha saudade, 
Fazem que insano do viver me prive 
E tenha os olhos meus na escuridade. 
 
Dá-me a esperança com que o ser mantive! 
Volve ao amante os olhos por piedade, 
Olhos por quem viveu quem já não vive! 
 
 Eis aqui um poema exemplar de 
uma das mais fortes características dos 
versos de Álvares de Azevedo, poeta 
grandemente influenciado pela corrente 
do mal-do-século.A morte, a dor do 
amor e suas implicações são constantes 
na poética deste autor. 
 Iniciamos o exame do poema em 
questão analisando seu estrato das 
unidades de sentido, a partir do qual somos 
levados, já de princípio, a notar o tom 
lúgubre que permeia o dizer do eu-poético. 
No primeiro verso, “Já da morte o palor 
me cobre o rosto,” apreendemos a ideia da 
aproximação da morte que se intensifica no 
segundo “Nos lábios meus o alento 
desfalece,” com a sugestão do desânimo, e 
segue num crescendo pelos dois próximos 
versos “Surda agonia o coração fenece, / E 
devora meu ser mortal desgosto”, que 
intensificam o estado de espírito 
caracterizado pela morbidez e por um 
acentuado sentimento de degeneração 
expresso, principalmente, no quarto verso. 
Na segunda estrofe, a investigação dos 
sintagmas concorre para a depreensão de 
um quadro em que o eu-lírico encontra-se 
moribundo ao leito, sofrendo por uma 
causa que ele ainda há de explicar. Então, 
continua a relatar sua situação de agonia: 
“Do leito embalde no macio encosto / 
Tento o sono reter!... já esmorece / O 
corpo exausto que o repouso esquece... / 
Eis o estado em que a mágoa me tem 
posto!”. Fica, então, evidente tão 
deplorável agonia que acomete o sofredor, 
o qual, desprovido de forças, sente-se 
incapaz de manter-se lúcido. 
 A terceira estrofe do soneto traz a 
razão pela qual o eu-poético agoniza. 
Damo-nos conta de que a despedida da 
pessoa amada e a consequente saudade 
deixada pela partida são o grande mal que 
desgraça aquele que ficou. Os versos “O 
adeus, o teu adeus, minha saudade / Fazem 
que insano do viver me prive / E tenha os 
olhos meus na escuridade” mostram a 
medida do infortúnio que sobreveio ao 
padecedor a ponto de torná-lo estático e 
incapaz, subjugando-o à dor que o molesta. 
 Então, na quarta estrofe, como que 
em súplica, o eu-lírico brada: “Dá-me a 
esperança com que o ser mantive! / Volve 
ao amante os olhos por piedade, / Olhos 
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por quem viveu quem já não vive!”, e, 
desta maneira, espera como única 
possível solução para o seu problema a 
atenção da pessoa amada que se foi. Há 
que se notar ainda a ocorrência de 
inversões: “Já da morte o palor me 
cobre o rosto”, “Fazem que insano do 
viver me prive” e, até mesmo, de um 
vocabulário excêntrico: “palor”, 
“fenece”, “escuridade”, o que conferem 
à obra um preciosismo característico do 
estilo da poesia ultrarromântica. 
 No estrato ótico do soneto, além 
da percepção da forma fixa, destaca-se a 
pontuação expressiva, que, utilizando-se 
de sinais de reticências e pontos de 
exclamação, confere ao poema um 
aspecto de suspensão de pensamento e 
exaltação, características próprias ao 
tom lúgubre da obra. Os versos finais de 
cada estrofe, com exceção da terceira, 
são marcados por um ponto de 
exclamação. Nota-se que são dizeres de 
efeito e, ora denunciam o estado 
deplorável do eu-poético: “E devora 
meu ser mortal desgosto”, “Eis o estado 
em que a mágoa me tem posto!”, ora 
enfatiza a importância do ser amado 
para sua vida: “Olhos por quem viveu 
quem já não vive!”, o que também 
acontece no primeiro verso da última 
estrofe, que se revela uma súplica pela 
reconquista da tranquilidade perdida: 
“Dá-me a esperança com que o ser 
mantive!”. Já os sinais de reticências 
que aparecem tanto no segundo quanto 
no terceiro verso da segunda estrofe – 
“Tento o sono reter!... já esmorece / O 
corpo exausto que o repouso esquece...” 
– colaboram para a representação da 
ineficiência do esforço do eu-lírico; 
toda tentativa feita por ele é vaga, vã. 
 Da observação do estrato fônico 
do soneto, concluímos que todos os 
versos são decassílabos e rimados. O 
esquema de rimas obedece à ordem 
abba nos quartetos, portanto, rimas 
interpoladas, e cdc, dcd nos tercetos. É 
importante também ressaltar que o ritmo 
estabelece uma certa melancolia que 
reforça a imagem depressiva expressa ao 
longo do poema. 
 Para a construção da ideia de um 
estado de ânimo lutuoso, o poeta utilizou-
se de palavras e construções linguísticas 
que, muito evidentemente, reportam-se a 
significados de alta carga depressiva. 
Detendo-nos na investigação do estrato dos 
objetos representados, podemos 
depreender quatro principais 
argumentações feitas pelo eu-poético, que 
se estabelecem da seguinte maneira: na 
primeira estrofe, ocorre uma referência 
explícita à morte, que aparece prestes a 
ceifar o sofredor já castigado à exaustão. 
Em todos os quatro versos desta estrofe, 
emprega-se um léxico cuja semântica 
constrói a imagem da degeneração e da 
morte. Os termos são claros neste sentido: 
“morte”, “o alento desfalece”, “o coração 
fenece”, “devora meu ser mortal 
desgosto”. Na sequência das 
argumentações, surge, na segunda estrofe, 
a imagem de um leito de enfermidade em 
que agoniza o eu-lírico. Esta representação 
também é muito evidente por conta do 
emprego dos termos “leito”, “já 
esmorece”, “corpo exausto” e “a mágoa 
me tem posto”. A terceira estrofe traz-nos 
a imagem da separação do eu-lírico de seu 
ser amado, o que explica a tremenda 
agonia de seu discurso. O esboço da ideia 
do rompimento e da distância é dado pelos 
termos “o teu adeus”, “minha saudade” 
que evolui para o desalento presente nas 
expressões “do viver me prive” e “tenha os 
olhos meus na escuridade”. Ao fechar o 
poema, a argumentação fixa-se sobre o 
desejo do eu-lírico de possuir novamente o 
ser amado e, então, como uma disposição 
de última vontade, ergue-se a esperança de 
um amor correspondido: “Dá-me a 
esperança”, e, numa colocação 
metonímica, em que “olhos” 
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representariam a própria pessoa: “Volve 
ao amante os olhos”. 
 Desta forma, há a possibilidade 
de considerarmos o sofrimento por 
amor como o assunto central do poema, 
do que decorre o tema, definido pela 
agonia mortal de um ser frente à 
ausência da pessoa amada. 
 
 
CONCLUSÃO 
 
 Tendo procedido à investigação 
dos poemas, convém-nos, por fim, 
darmos conta de algumas de suas 
peculiaridades, concebendo-os no 
contexto de seus respectivos 
movimentos literários. A forma fixa do 
soneto foi exaustivamente cultivada 
principalmente pelos clássicos e 
parnasianos, mas como se pode notar, 
deixou sua marca no Romantismo e, a 
despeito de qualquer inverossimilhança, 
fez-se presente também no 
Modernismo. Aproximam-se, portanto, 
na forma, os dois poemas selecionados, 
mas se distanciam no plano da 
discussão das ideias, embora 
apresentem algumas intersecções. 
 Como é notório, o movimento 
modernista embandeirava o repúdio ao 
sentimentalismo exacerbado dos 
românticos e ao preciosismo purista dos 
parnasianos, primando, principalmente, 
pelo culto a uma literatura 
essencialmente brasileira, forjada com 
subsídios dos elementos nacionais. 
Mário de Andrade, no soneto em 
questão, utilizou-se de um assunto 
muito caro aos românticos, o amor, o 
que o emparelharia aos poetas da 
metade do século XIX, não fosse a 
abordagem diferenciada conferida à 
obra. 
 Por outro lado, temos o soneto 
de Álvares de Azevedo sob a égide da 
segunda geração romântica, era do 
ultrarromantismo, que pregava o desapego 
à vida terrena, o louvor à embriaguez como 
fuga às opressões da vida, o excesso de 
sentimentalismo e, por fim, cantava a 
morbidez e o tédio que culminavam no 
apreço pela morte. 
 Em Mário de Andrade, temos o 
amor esculpido de forma amena, branda, 
compreendido muito mais como o 
combustível que desencadeia a percepção 
do desejo sexual; não há afetação 
psicológica que prostra o eu-lírico. As 
imagens pintadas são suaves, a cor, os 
adjetivos que compõem a metáfora 
também são frios o suficiente para 
amenizar qualquer exaltação de 
sentimento, muito embora haja asugestão 
de que existe no amor, em latência, a 
capacidade de destruição. O verso “A 
realidade é simples, e isto apenas” 
exemplifica de forma convincente a 
sobriedade que permeia as considerações 
do eu-poético. 
 No soneto de Álvares de Azevedo, 
ocorre muito claramente a situação 
contrária: o amor revela-se um sentimento 
por demais incandescente e responsável 
direto pela morbidez em que se encontra o 
eu-lírico. Por conta de sua submissão 
frente à força dessa paixão, estabelece-se 
um dilema a ser resolvido: como solução 
há apenas a escolha entre a atenção da 
pessoa amada e a morte. Fatal, 
exterminador, este é o amor à guisa da 
geração do mal-do-século. 
 Comum aos dois sonetos é a 
menção ao olhar, similaridade que também 
fica apenas no nível da primeira impressão. 
Em Mário de Andrade, o eu-poético refere-
se ao olhar como um dispositivo de 
satisfação. É através da possibilidade de 
contemplar a pessoa desejada que o 
enunciador diz-se satisfeito com o amor: 
“Não exijas mais nada. Não desejo / 
Também mais nada, só te olhar, enquanto / 
A realidade é simples, e isto apenas. A 
adoração para este eu-lírico basta à 
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contemplação da cena lânguida do ser 
desejado. Já no soneto de Álvares de 
Azevedo, o olhar aparece de forma 
metonímica representando a própria 
figura da pessoa amada. Aos olhos 
daquela que se deseja e está ausente, 
dirige-se a súplica para que retorne: 
“Volve ao amante os olhos por 
piedade”. 
 Após estas considerações, 
percebemos que o amor, o olhar e a 
relação entre os sexos são assuntos 
recorrentes nos dois sonetos, mas em 
Mário de Andrade são abordados com a 
cautela modernista em relação à 
comoção e com mostra de irreverência 
linguística típica desta vanguarda – 
exemplificada pelo termo “milhor” –, 
enquanto Álvares de Azevedo 
embrenha-se pelos derramamentos 
sentimentais do Romantismo e utiliza, 
inclusive, um tratamento formal 
sofisticado, com toques rebuscados de 
vocabulário. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
AMORA, A. S. História da literatura 
brasileira. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1967. 
 
ANDRADE, M. de. “Prefácio 
interessantíssimo”. In:_____. Poesias 
completas. São Paulo: Círculo do livro, 
s/d. 
 
AZEVEDO, A. de. Lira dos vinte anos. 
São Paulo: Martin Claret, 2001. 
 
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FERREIRA, A. B. de H. Dicionário 
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Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. 
 
GUELFI, M. L. F. Introdução à análise 
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MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores 
poemas brasileiros do século. Rio de 
Janeiro: Objetiva, 2001. 
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