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267 ARS VETERINARIA, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 3, 267-271, 2003. ISSN 0102-6380 1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Veterinária da Unesp Jaboticabal 2 Médica Veterinária Residente do Hospital Veterinário da Unesp Jaboticabal 3 RCG - Dragões da Independência. Brasília , DF. 4 Prof. Assist. Doutor do Dep. de Clínica e Cirurgia Veterinária da Unesp Jaboticabal 5 Acadêmico do Curso de Med. Veterinária da Unesp Jaboticabal SURTO DE LEUCOENCEFALOMALÁCIA EQÜINA PROVOCADA POR RAÇÃO COMERCIAL COM CONCENTRAÇÃO DE FUMONISINA INFERIOR A 10 ppm. (EQUINE LEUCOENCEPHALOMALACEA CAUSED BY COMERCIAL HORSES RATIONS WITH FUMONISIN CONCENTRATION LOWER THAN 10 ppm) T. L. SALLES-GOMES1, P. E. ALMEIDA2, M. MOREIRA3, J. C. CANOLA4, P. A. CANOLA5, A. H. SOUZA6 RESUMO Este relato teve por objetivo informar sobre a ocorrência de um surto de Leucoencefalomalácia (LEM) em um estabelecimento hípico localizado em Brasília - D.F, no ano de 1994, onde uma alta porcentagem dos animais acometidos (58) vieram a óbito (41). Os sinais clássicos apresentados, tais como depressão sensorial e inapetência seguida de perda da acuidade visual, incoordenação motora, cabeça pendida para um dos lados, incapacidade de mastigação e deglutição, mioclonismo dos masseteres e movimentos de pedalagem associados aos aspectos microscópicos de degeneração intensa da substância branca, tumefação da massa cerebral bem como o isolamento de fumonisina nas amostras da ração, com concentração entre 5 e 10 ppm, confirmaram o diagnóstico da suspeita clínica da afecção. PALAVRAS-CHAVE: Eqüinos. Leucoencefalomalácia. Fumonisina. Intoxicação. SUMMARY The aim of this case report was to inform about an outbreak of leukoencephalomalacia (LEM) in Brasilia-DF hippic establishment, in 1994. At this time, high percentage of affected horses (58) died (41). The clinical signs as sensorial depression and inappetence followed by loss of visual acuity, lack of coordenation, pressing head, inability to eat and drink, myoclonia of masseters and pawing motions in association with microscopic lesions of necrosis of white matter at postmortem and isolation of fumonisin toxins (> 5 and < 10 ppm) from suspected feed samples make certain the disease diagnosis. KEY-WORDS: Horses. Leucoencephalomalacea. Fumonisin. Intoxication 268 T. L. SALLES-GOMES, P. E. ALMEIDA, M. MOREIRA, J. C. CANOLA, P. A. CANOLA, A. H. SOUZA. Surto de leucoencefalomalácia eqüina provocada por ração comercial com concentração de fumonisina inferior a 10 ppm./ Equine leucoencephalomalacea caused by comercial horses rations with fumonisin concentration lower than 10 ppm. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 3, 267-271, 2003. INTRODUÇÃO A leucoencefalomalácia (LEM), doença neurotóxica fatal que acomete eqüinos, é causada pela ingestão de alimentos mofados. Tem como agente causador as fumonisinas B1 (MARASAS et al., 1988; GELDERBLOM et al., 1991; ROSS et al., 1991a) e B2 (ROSS et al., 1990; ROSS et al., 1994), micotoxinas produzidas pelo fungo Fusarium moniliforme e Fusarium proliferatum (ROSS et al.,1990; ROSS et al., 1994), que são bolores deuteromiéticos amplamente distribuídos na natureza, tendo como maior propagação alimentos compostos por milho, submetidos a más condições ambientais. WILSON et al. (1985) demonstraram a ocorrência de LEM associada ao consumo de ração comercial contaminada com Fusarium moniliforme. Os níveis de fumonisina que disponibilizam uma ração contaminada para consumo estão abaixo de 9 ppm (ROSS et al., 1991a). A fumonisina age diretamente sobre a enzima ceramida sintase, bloqueando a síntese de esfingolipídeos complexos, causando acúmulo de esfinganina nos tecidos, soro e urina. (WANG et al., 1991; WANG et al., 1992; YOO et al., 1996; RILEY et al., 1997; TURNER et al., 1999; ZHANG et al., 2001). A esfinganina, componente altamente tóxico para muitas células, contribui com muitos dos efeitos celulares da fumonisina (MERRILL et al., 1997). Assim, a correlação entre o aumento da esfinganina, induzido pela fumonisina, e o início da LEM pode ser explicado pela alteração da função vascular do cérebro do eqüino devido ao nível elevado de esfinganina sérica livre (WANG et al.,1992). LEMOS & ALESSI (1999) demonstraram que eqüinos acometidos por LEM apresentam hipertrofia de astrócitos, células importantes no fornecimento de suporte nutricional e estrutural para neurônios, por participarem da barreira hematoencefálica. Alterações celulares em astrócitos são indicadores confiáveis de lesão do sistema nervoso central (LANTOS, 1990; MALHOTRA et al., 1990). O período entre o início do processo de ingestão do alimento contaminado e o aparecimento de sinais clínicos juntamente com as alterações em astrócitos é relativamente longo (LEMOS & ALESSI, 1999), uma vez que a ocorrência do processo de intoxicação depende da ingestão continuada da toxina por aproximadamente um mês (JUBB & HUXTABLE, 1993). WILSON et al. (1990) relataram a ocorrência de LEM em animais alimentados durante 26 dias com ração que continha milho. MARASAS et al. (1988) demonstraram, experimentalmente, a indução de LEM em eqüinos a partir do fornecimento oral de fumonisina B1 durante 35 dias. Em um caso experimental, um pônei morreu após 55 dias de arraçoamento com ração contendo 22 ppm de fumonisina (WILSON et al. 1991). Animais de qualquer faixa etária podem ser acometidos, embora observações experimentais indiquem maior susceptibilidade dos mais velhos (BRITO et al., 1982). Ocorre esporadicamente em vários países de clima subtropical e temperado. No Brasil, a maior freqüência de surtos têm ocorrido na região Sul (HIROOKA et al., 1990), de março a dezembro. Entretanto, a maior incidência dos casos surgem nos meses de junho, julho, agosto e setembro (MEIRELES et al., 1994). Termos como cerebrite, leucoencefalite, encefalomielite, meningite cerebroespinhal, doença das forragens, doença do talo de milho ou envenenamento por milho mofado já foram utilizados na designação desta afecção (BRITO et al., 1982). Segundo RIET-CORREA et al. (1982), esta afecção é caracterizada por necrose coliquativa da substância branca de um ou dos dois hemisférios cerebrais. De aparecimento súbito, cursa com anorexia, depressão, andar em círculos, tonteira, comprometimento da visão, hiperexcitabilidade, decúbito e morte após poucas horas ou até 48 horas do início dos sintomas, sendo esta uma característica comum da LEM (MARASAS et al., 1988; KELLERMAN et al., 1990). À necropsia, a lesão mais característica é a presença de áreas focais de malácia, localizada primariamente na substância branca subcortical (BARROS et al., 1984; KELLERMAN et al., 1990). Estas lesões macroscópicas podem localizar- se em ambos hemisférios cerebrais e produzirem cavitações de tamanhos variáveis, sendo essa assimetria bastante característica da LEM. A substância branca adjacente à área de malácia revela presença de material semi-fluído, de coloração amarelo clara e hemorragias petequiais. O líquido cefalorraquidiano (LCR) pode aumentar de volume (BRITO et al., 1982). Os achados clínicos, dados laboratoriais e a presença de grande número de esporos F. moniliforme encontrados na ração aumentam a suspeita de LEM. O diagnóstico definitivo, todavia, é estabelecido no exame post mortem. Deve-se realizar diagnóstico diferencial para afecções como traumatismos, hepatoencefalopatia, encefalites virais, meningites, encefalite verminosa, botulismo, mieloencefalopatia por herpesvírus eqüino, mieloencefalopatia protozoária eqüina e neurites da cauda eqüina (ROSE & HODGSON, 1995). Este relato tem como objetivo informar sobre a ocorrência de um surto de LEM em um estabelecimento hípico localizado em Brasília–DF, durante o ano de 1994, correlacionando-a com a concentração de fumonisina encontrada nas amostras de ração fornecida aos animais. 269 MATERIAL E MÉTODOS Durante o ano de1994, observou-se a ocorrência de um surto de leucoencefalomalácia em 58 eqüinos de um estabelecimento hípico localizado em Brasília–D.F., registrando-se um total de 41 óbitos em três períodos de ocorrência. Os animais, com idade entre 2 e 18 anos, foram alimentados com ração comercial para eqüinos composta de milho, feno de capim, melaço e sal mineral. Os três períodos de ocorrência de animais doentes dataram de abril a junho, de julho a agosto e de novembro a dezembro do ano de 1994. No primeiro surto foram acometidos 32 eqüinos, com a morte de 21 animais; no segundo surto, 14 casos com 8 óbitos; no terceiro surto, 12 casos com a morte de todos os animais afetados. Os eqüinos que vieram a óbito foram submetidos à necropsia pela equipe veterinária local. O Sistema Nervoso Central (cérebro e cerebelo) foi fixado com formalina a 10% e enviado ao Departamento de Patologia da Universidade Federal de Goiás (DP-UFG), onde foi processado e submetido a exames histológicos. A ração fornecida aos animais foi inicialmente submetida a exames de rotina no Laboratório do Exército Dragões da Independência. Amostras desta ração foram remetidas a outros laboratórios, para exames específicos e, também, devidamente armazenadas para posterior controle de qualidade. No Instituto de Ciências Biomédicas do Departamento de Microbiologia da USP (ICB - USP) foram realizados exames micotoxicológicos da ração, analisando- se fumonisina B1 e B2, pelo do método descrito por ROSS et al. (1991a) e com limite de detecção de 10 ppm. A aflatoxina foi analisada pelo método “Colony Count Method”. No laboratório de micotoxinas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - Instituto de Bioquímica - Departamento de Bioquímica Veterinária (UFRRJ–IB– DBV) e na seção de Micologia Fitopatológica do Instituto Biológico de São Paulo (MFIB) foram realizadas análises para aflatoxinas (B1, B2, G1 e G2). A presença de ochratoxina foi analisada no laboratório central de rações Guabi e a detecção de fumonisina pelo teste de ELISA com padrão de 5ppm e 10 ppm, no Laboratório de Inspeção de Alimentos de Brasília. RESULTADOS Os animais apresentavam sintomatologia inicial de depressão sensorial e inapetência. Com a evolução do processo, sintomas neurológicos como perda da acuidade visual, incoordenação motora, cabeça pendida para um dos lados, incapacidade de mastigação e deglutição, mioclonismo dos masseteres e movimentos de pedalagem passaram a ser observados. Ao exame clínico foi verificado taquicardia, taquipnéia e mucosas oculares congestas. Aproximadamente 71% dos casos clínicos evoluíram para o coma e óbito. À necropsia, observou-se no sistema nervoso central, malácia, localizada principalmente no hemisfério direito e presença de congestão bilateral. Em alguns casos, detectaram-se coágulos gelatinosos de coloração amarelo- citrino. Microscopicamente os vasos sangüíneos encontravam-se congestos, tanto na massa cerebral quanto nas meninges, com discreto infiltrado celular linfoplasmocitário. Em nenhum dos casos a substância cinzenta apresentou alterações morfológicas significativas. Na substância branca, observaram-se vacúolos de imagem negativa, indicando degeneração intensa e tumefação da massa cerebral, além de gliose acentuada e difusa em toda sua extensão. Em alguns casos houve discreta cromatólise em neurônios, áreas de extensa hemorragia e coalescência de vacúolos, revelando destruição total da substância branca. Nas análises laboratoriais das amostras da ração, detectou-se a presença de Penicillium sp e leveduras, ambos na concentração de 2x104 unidades formadoras de colônias por grama de alimento ( UFC/g). A aflatoxina (B1, B2, G1 e G2) e a ochratoxina, independentemente do laboratório onde foram analisadas, apresentaram resultados negativos. A Tabela 1 discrimina os tipos de fungos, com suas respectivas incidências em porcentagens, que foram identificados nas amostras. Em 1995, no Laboratório de Inspeção de Alimentos de Brasília, pelo teste ELISA com padrão de 5 ppm, obteve- se resultado positivo para fumonisina nas amostras da ração fornecida aos animais da hípica. Por meio da esterioscopia não se observaram sujidades, larvas, parasitas ou substâncias estranhas que pudessem ser responsabilizadas pela produção de fumonisina. Com base na anamnese, sinais clínicos, achados microscópicos e exames laboratoriais, firmou-se diagnóstico de LEM causada pela ingestão de ração comercial contaminada pelo fungo Fusarium moniliforme, onde a concentração da toxina fumonisina era maior ou igual a 5 ppm e menor do que 10 ppm. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO ROSS et al. (1991b) evidenciaram na maioria das amostras de rações fornecidas a 45 cavalos com diagnóstico positivo de LEM uma concentração média de T. L. SALLES-GOMES, P. E. ALMEIDA, M. MOREIRA, J. C. CANOLA, P. A. CANOLA, A. H. SOUZA. Surto de leucoencefalomalácia eqüina provocada por ração comercial com concentração de fumonisina inferior a 10 ppm./ Equine leucoencephalomalacea caused by comercial horses rations with fumonisin concentration lower than 10 ppm. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 3, 267-271, 2003. 270 10 ppm de fumonisina, porém, nenhuma das rações consideradas favoráveis ao consumo continham níveis de fumonisina B1 superior a 8 ppm. SCHMITZ (1998) afirma que alimentos apresentando concentração excessiva de fumonisina B1, correspondente a 10 ppm, podem causar a doença, em eqüinos. Todavia, concentrações menores do que esta eram consideradas seguras. Por outro lado, REED & BAYLEY (1998) confirmaram que concentração superior a 10 ppm de fumonisina B1 na ração pode ser letal, porém, quando em nível inferior, não está associada a enfermidade nos eqüinos. Estes relatos contrapõem-se aos achados neste estudo, em que uma concentração relativamente baixa de fumonisina B1, encontrada nas amostras da ração, foi a fonte causadora de LEM diagnosticada nos eqüinos durante o surto observado desta afecção. Corroboram com esses resultados WILSON et al. (1991) que, em um estudo para determinar a dose mínima necessária para causar LEM em pôneis, constataram-se que os animais apresentaram pequenas lesões inespecíficas no fígado, rins e cérebro quando alimentados com ração com 8 ppm de fumonisina B1. Sendo assim, os autores, no presente relato, denotam a importância de continuados estudos para que a concentração tóxica da fumonisina, responsável pela determinação da leucoencefalomalácia eqüina, seja sempre identificada, uma vez que a afecção foi observada com níveis aproximados de 5 ppm, causando grande prejuízo econômico pelo número de animais afetados e pela alta mortalidade. ARTIGO RECEBIDO: Maio/2001 APROVADO: Setembro/2003 REFERÊNCIAS BARROS, C.S.L., BARROS, S.S., SANTOS, M.N., SOUZA, M.A. LEM em Eqüinos no Rio Grande do Sul. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.4, n.3, p.101-107, 1984. BRITO, L.A.B., NOGUEIRA, R.H.G., CHQUILOFF, M.A.G., BIONDINI, J., PEREIRA, J.J. Leucoencefalomalácia em Eqüino Associada à Ingestão de Milho Mofado. Arquivos da Escola Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais, v.34, n.1, p.49-53, 1982. GELDERBLOM, W.C.A., MARASAS, W.F.O., VLEGGAAR, R., THIEL, P.G., CAWOOD, M.E. Fumonisins: Isolation, chemical characterization and biological effects. 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