Buscar

qual vida-ergonomia

Prévia do material em texto

A ERGONOMIA E A MODA: A QUALIDADE DE VIDA 
E A CONSCIENTIZAÇÃO DO CONSUMIDOR 
 
Michael Medeiros de Morais, Graduando 
Marcelo Márcio Soares, Ph.D., E.C. 
Departamento de Design / UFPE 
Cidade Universitária 
50.760-630 – Recife, Pernambuco 
 
 
Palavras-chave: Ergonomia, Design, Moda. 
 
A ergonomia é a disciplina que tem como objetivo a adequação do envoltório material do indivíduo às 
necessidades e características do mesmo. A moda é um fenômeno cultural da modernidade e tem por natureza 
a adesão a referenciais estéticos impostos por determinados grupos sociais. Essa adesão reflete muitas vezes 
uma adequação do sujeito a uma estética vigente, implicando algumas vezes em constrangimentos 
ergonômicos, causando desconforto e custos humanos. Nesse contexto, veremos neste trabalho, qual é o papel 
da ergonomia no produto de moda. Além de adequar os produtos às características do sujeito, ela teria o papel 
de educar e conscientizar a sociedade? 
 
Keywords: Human Factors, Design, Fashion. 
 
The human factors is the subject that have the objective of fit the material artifacts of individuals to their 
necessities and characteristics. The fashion is a cultural phenomenon of modernity and has the nature of being 
the adherence to aesthetics references imposed by some social groups. These adherences reflect sometimes the 
fit of the user to a trend in vigor, implying in ergonomic embarrassments, causing discomfort and human costs. 
In this context, we will see in this project, what is the whole of human factors on the fashion products. 
Moreover of fit the products to the user characteristics, has it the whole of aware the society? 
 
 
1. A ERGONOMIA: 
A ergonomia se insere no projeto de produto como a disciplina responsável pela adequação do produto às 
características e necessidades do usuário. Entende-se projeto de produto como o processo de criar produtos 
equacionando fatores como: função, confiabilidade, usabilidade, aparência e custo. Já ergonomia e sua aplicação 
são entendidas por Anamaria de Moraes (apud Cushman & Rosenberg, 1991 & IEA 1969) como: “... uma 
tecnologia que visa criar produtos que funcionem bem em termos humanos. Seu foco é o usuário do produto, e seu 
principal objetivo é assegurar que os produtos sejam fáceis de usar, fáceis de aprender, produtivos e seguros. A 
ergonomia é o estudo científico da relação entre o homem e seus meios, métodos e espaço de trabalho. Seu objetivo 
é elaborar, mediante a contribuição de diversas disciplinas científicas que a compõem, um corpo de conhecimentos 
que, dentro de uma perspectiva de aplicação, deve resultar numa melhor adaptação ao homem dos meios 
tecnológicos e dos ambientes de trabalho e de vida”. 
A ergonomia desde sua gênese é vocacionada à uma visão humana do trabalho, da realização de atividades laborais 
e visa a qualidade de vida do trabalhador. Na sua aplicação no cotidiano do sujeito, ela tem como axioma a 
otimização da realização da tarefa, visando o bem-estar do sujeito que realiza a atividade. 
Na prática do design, a ergonomia coloca o usuário do produto em posição central no desenvolvimento projeto. O 
design centrado no usuário (Soares, 1998) é um ferramental da ergonomia. A singularidade da ergonomia está 
justamente na sua práxis, que congrega a investigação das dimensões psíquicas e físicas do sujeito, a investigação 
tecnológica do sistema de produção, a análise da tarefa através da apreciação, diagnóstico, projetação, avaliação, 
validação e implantação do sistema homem-tarefa-máquina (Anamaria de Moraes, 1999). 
Segundo Soares apud Fisher, 1991: A ergonomia exerce três tradicionais papéis no desenvolvimento de produtos: a 
identificação das necessidades do usuário, o design da interface do usuário e a fase de teste e de avaliações. Na 
satisfação desses requisitos, ergonomistas devem apropriar procedimentos de: a) identificação das necessidades dos 
usuários e verificação das maneiras como essas necessidades e preferências são contempladas eficientemente; b) 
 
 
medir como as necessidades do usuário são satisfeitas eficazmente de forma que permite ao produto prover o 
retorno em vários estágios no ciclo de desenvolvimento do produto. 
A adequação aos requisitos ergonômicos permite uma otimização do conforto, a satisfação do usuário, a sensação 
de bem-estar, a preservação da segurança do usuário, a minimização dos constrangimentos ergonômicos e dos 
custos humanos deles advindos e da carga cognitiva, psíquica e física do usuário. Permite a otimização do 
desempenho da tarefa, o rendimento do trabalho e a produtividade do sistema homem-tarefa-máquina (Anamaria de 
Moraes, 1999). 
Além dessas questões, a ergonomia visa a adequação do projeto aos usuários extremos, que não seriam levados em 
consideração no projeto se não houvesse uma abordagem ergonômica. A ergonomia e o design universal por ela 
defendido, considera toda a gama de possíveis usuários a interagir com o produto, tais como: crianças, idosos, 
adultos, portadores de necessidades especiais, analfabetos, letrados, intelectuais, neófitos e proficientes. É nesse 
caráter integrador e não segregacionista que reside o papel social da ergonomia. 
2. O DESIGN: 
O design surgiu no século XX como a área responsável pelo desenvolvimento de produtos e projetos gráficos. A 
principio com caráter funcionalista, a sua prática assumiu uma diversidade imensa de abordagens e objetivos. Se 
sua intervenção visava a princípio a qualidade de vida, hoje ele aliou-se ao consumo e também tem como propósito 
a estilização dos produtos e o incremento de sua venda. Hoje, o design está intimamente ligado ao consumo. 
Apesar das diversas abordagens e objetivos, tomamos como conceito de design: “Conceitua-se design como a 
tecnologia projetual que objetiva o desenvolvimento de produtos, com uma configuração definida, para a produção 
em pequena ou grande série, considerando questões de uso, significação, desempenho, funcionamento, custo, 
produção, comercialização, mercado, qualidade formal e estética, impacto ambiental, urbano e ecológico”. 
Quanto à sua aplicação junto à ergonomia, Alphonse CHAPANIS (1959) considera: "Ergonomia é um corpo de 
conhecimentos sobre as habilidades humanas, limitações humanas e outras características humanas que são 
relevantes para o design. Projeto ergonômico é a aplicação da informação ergonômica ao design de ferramentas, 
máquinas, sistemas, tarefas, trabalhos e ambientes para o uso humano seguro, confortável e efetivo. A palavra 
significante nestas definições é design, porque ela nos separa de disciplinas puramente acadêmicas como 
antropologia, fisiologia e psicologia." 
Com a prática projetual, o projetista levanta requisitos e restrições, seleciona alternativas, levanta critérios de 
avaliação e desenvolve um produto que a síntese das necessidades desse usuário, mediante a configuração, ou seja, 
o design. 
Soares apud Papanek (1995) pontua que design deve ser a ponte entre as necessidades humanas, a cultura e a 
ecologia. A ergonomia pode prover ao design o ferramental para trazer as necessidades humanas considerando-as 
durante a atividade de design e avaliando o impacto social, cultural e ambiental dos produtos que eles 
desenvolvem. Nos termos de sua própria definição, a ergonomia tem um forte comprometimento na colaboração 
com qualquer um que podem ajudar a prover uma melhor qualidade de vida. Nesse caminho, a ergonomia pode 
exercer um forte papel social em tornar a vida mais segura, confortável e esteticamente mais prazerosa na sua 
relação entre os seres humanos e seu entorno material. 
 
3. A MODA: 
O campo da moda é objeto de estudo recente do design. Apesar de ser uma área relevante da produção industrial 
brasileira, o produto têxtil e de vestuário até então não foi um objeto de estudo relevante na produção científica em 
design e em ergonomia no Brasil. O produto da moda apresenta inúmeraspeculiaridades. Trata-se, em sua maioria, 
de produtos de uso individual, que acompanham os seus usuários em várias atividades cotidianas e são produtos de 
eminentemente dimensão estética. O produto da moda também apresenta obsolescência rápida e programada, 
obedecendo a calendários definidos pelas grandes confecções e indústrias. 
A moda é sinônimo de consumo, representa relevante parcela do orçamento dos consumidores brasileiros. A roupa 
é vetor de sociabilidade e à ela é dedicado tempo e investido valores e significações. O momento histórico que 
atravessamos também implica em determinadas características do consumo de moda. O consumismo vigente em 
função da preeminência da mídia enquanto instância legitimadora de valores e difusora de informações faz dos 
consumidores sujeitos que aderem a modismos que os fazem consumir produtos sem necessidades utilitárias, 
consumir também produtos que não são adequados às suas características e necessidades. 
 
 
Segundo Soares (1999,28): “O consumismo hoje é promovido massificadamente pela publicidade disposta em 
qualquer lugar: como o próximo texto a ser lido, as imagens que vemos ao lugar público que visitamos. 
Consumidores são bombardeados com mensagens que os influenciam a comprar bens que eles realmente não 
necessitam. A televisão, além de levar muitas das mensagens comerciais, reforça valores do consumismo. Além 
disso, campanhas publicitárias persuadem consumidores a comprar produtos que, muitas vezes são: inseguros, 
ineficientes, desconfortáveis, dimensionalmente falhos e difíceis de usar”. 
A história da moda relata inúmeros momentos em que as tendências de moda são autoritárias e coercitivas, 
impondo referenciais estéticos que vão de encontro à saúde do ser humano. São espartilhos que comprimem as 
costelas no período vitoriano, plataformas que acidentam e matam no oriente, visuais garçonne que impõem ideais 
infantis e esguios que incentivam a prática da anorexia, colares que deformam o pescoço na Birmânia, etc. 
Os ideais de beleza muitas vezes representam uma imposição ao sujeito, uma posição subalterna aos referenciais de 
beleza. A saúde do sujeito diante dessas dinâmicas se compromete. Diante dessas dinâmicas, qual o papel exercido 
pela ergonomia? Além de adequar produtos que acompanham e revestem o seu usuário em todas as suas atividades 
cotidianas, ela deve conscientizar o sujeito quanto à sua saúde física e mental? 
 
4. CONSCIENTIZAÇÃO ERGONÔMICA: 
Soares (1999) ao analisar o papel da ergonomia na sociedade de consumo, levantou que estágio atual da sociedade 
de consumo e da economia de mercado levavam as pessoas a consumirem produtos com base em valores formados 
pela mídia e pelo marketing, que muitas vezes não refletiam a qualidade do produto e provocavam danos à sua 
qualidade de vida e ao seu bem-estar, além dos impactos ambientais e sociais. Soares (1999) concluiu que a 
educação do consumidor através de treinamento educacional específico e campanhas publicitárias eficientes podem 
ajudar a conscientizar a sociedade quanto às suas necessidades e quanto ao papel da indústria no desenvolvimento 
de produtos adequados à suas necessidades e satisfações. 
Ainda segundo Soares (1999, 33) “O objetivo da educação do consumidor é prover aos consumidores modernos as 
lições que permitem a eles identificar suas necessidades e prover uma avaliação da informação das várias 
alternativas de produtos. Isso significa que somente após os consumidores tenham desenvolvido essa lição eles 
serão hábeis a decidir, na sua seleção logicamente e em termos de sua própria satisfação, antes à sua conveniência 
de fornecedores ou fabricantes, quais produtos satisfarão suas necessidades. Também, a educação do consumidor 
possibilitará consumidores a fazer decisões ou julgamentos por base nas informações recebidas, analisadas, 
avaliadas, e relacionadas a demandas particulares e prioridades”. 
Tais tipos de iniciativas contribuem para a desalienação do consumidor e fomenta o seu bem-estar e sua qualidade 
de vida. 
Anamaria de Moraes (1999, 157), ao analisar o design, o fetichismo e a alienação do usuário-trabalhador, 
considerou: “O design enquanto tecnologia, num determinado quadro de relações de produção, tem a ergonomia 
como parceria indispensável ao trabalhar a usabilidade e o projeto centrado no usuário. Cabe ainda observar a 
questão do fetichismo das mercadorias quando a ênfase do design é o mercado. Cabe então à ergonomia um papel 
de desalienação ao focalizar a comunicação homem-tarefa-máquina – o trabalho”. Ainda (1999, 182): “ ... a 
ergonomia tem como centro focal de seus levantamentos, análises, pareceres, diagnósticos, recomendações, 
proposições e avaliações, o HOMEM como ser integral. A vocação principal da ergonomia é recuperar o sentido 
antropológico do trabalho, gerar o conhecimento atuante e reformador que impede a alienação do trabalhador, 
valorizar o trabalho como agir humano através do qual o homem se transforma e transforma a sociedade, como 
livre expressão da atividade criadora, como superação dos limites da natureza pela espécie humana”. 
Através da conscientização ergonômica, os consumidores não se submeterão à aquisição de produtos inseguros, 
ineficientes, desconfortáveis, dimensionalmente incompatíveis ou de utilização difícil. A ergonomia tem função 
primordial na moderna sociedade de consumo. O design ético respeita o consumidor, suas especificidades sociais, 
culturais e suas características. A ergonomia torna a sociedade de consumo um lugar melhor para a vida. 
5. BIBLIOGRAFIA 
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo, Perspectiva, 1973. 
CHAPANIS, Alphonse. Ergonomics in product development: a personalized review. In: Proceedings of IEA 94. 
Toronto, IEA, 1994. Vol. 1, pp.52-54. 
 
 
CUSHMAN, W. H. and ROSENBERG, D. J. (1991). Human Factors in product design. Amsterdam, Elsevier. 
FISHER, W. Increasing human factors effectiveness in product design. Visions, Proceedings of the Human 
Factors and Ergonomics Society 35 th. Annual meeting. Santa Monica, CA, Human Factors Society, V.1, pp. 471-
475, 1991. 
MORAES, A., D.; COUTO, R. M. S. ; OLIVEIRA, A. J. . Design: arte, artesanato, ciência, tecnologia? O 
fetichismo da mercadoria versus o usuário/trabalhador; Alfredo Jefferson de Oliveira. (Org.). Design: arte, 
artesanato, ciência, tecnologia? O fetichismo da mercadoria versus o usuário/trabalhador. Rio de Janeiro: 2AB, 
1999, v. 1, p.156 -191. 
MORAES, A. ; FRISONI, B. C. . Ergodesign: Produtos e Processos. Rio de Janeiro: 2AB, 2001. v. 1. 206 p. 
MORAES, Anamaria de; PADOVANI, Stephania; FREITAS, Sydney Fernandes de; LAURIA, Carlos. Ergonomia, 
usabilidade e qualidade de produtos: conforto e segurança dos usuários; defesa do consumidor. In: Anais P&D 
Design. Belo Horizonte, AenD, 1996. P. 11-21. 
NORMAN, D. A. The psychology of everyday things. Basic Books, 1988. 
PAPANEK, V. The green imperative: ecology and ethics in design and architecture. London, Thames and Hudson, 
1995. 
PAPANEK, V. Design for the real world. 2nd. ed., London, Thames and Hudson, 1984. 
SOARES, M. M. . The contribution of ergonomics to consumer society. Revista Estudos em Design, Rio de 
Janeiro, v. 8, n. 1, p. 27-36, 2000. 
SOARES, Marcelo Marcio. Translating the “voice of the customer” into product requirements: customer needs in 
the design of ergonomic products. Loughbrough, Loughbrough University of Technology/. Department of Human 
Sciences. 1998. Tese de doutorado.

Continue navegando