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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO - FAVENI APOSTILA DEFESA TÉCNICA E AUTODEFESA: DIREITOS DO ACUSADO ESPÍRITO SANTO 2 DIREITOS DO ACUSADO Sabemos que o processo penal é e aparelhado de numerosas garantias que tem por finalidade assegurar ao réu o mais amplo direito de defesa, sendo seu principal fundamento A LIBERDADE, bem jurídico tolhido com a aplicação da pena a que se visa com a instauração do processo penal. Destacam-se como direitos do acusado: a) o direito de ver respeitada sua integridade física e moral (art. 5º XLIX, da CF/88); b) o direito de ser processado e julgado pela autoridade competente (art. 5º,LIII CF/88); 3 c) o direito de não ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º LIV, da CF/88); Garante-se ao acusado a submissão a um processo justo, no qual serão observados os princípios do contraditório, da ampla defesa, do tratamento paritário dos sujeitos processuais, da publicidade dos atos processuais etc. d) o direito ao contraditório e a ampla defesa, e aos recursos a ela inerentes (art. 5º LV, da CF/88); A norma prevista no inciso LV do mencionado artigo ("aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes") assegura a bilateralidade dos atos processuais e o livre exercício do direito de defesa. O exercício do direito de defesa pressupõe a ciência por parte do acusado acerca da imputação que em face dele é dirigida. Daí conclui-se que o réu tem direito a citação. Uma vez chamado a participar do processo e cientificado da acusação, pode o acusado reagir a acusação, exercendo sua defesa, a qual engloba a autodefesa e a defesa técnica. A autodefesa, cujo exercício é facultativo, subdivide-se em dois aspectos: direito de audiência (faculdade de interferir diretamente na convicção do julgador. Ex.:interrogatório e possibilidade de interposição de recurso pelo próprio acusado) e direito de presença (faculdade de presenciar todos os atos do processo). 4 Essa modalidade de defesa constitui direito do acusado, que poderá comparecer em juízo e exercer pessoalmente o contraditório. Seu comparecimento, contudo, não é obrigatório, exceto naqueles atos que não podem ser realizados sem sua presença, hipótese em que poderá ser determinada a condução coercitiva (art. 260 do CPP). Pode o réu, como forma de exercício da autodefesa, permanecer silente, circunstância que, entretanto, não poderá pesar em seu desfavor, nos termos do art. 5º, LXIII, da CF. Caso se opere a citação pessoal e ocorra a contumácia (deixar o acusado de comparecer injustificadamente a qualquer ato do processo), será decretada a revelia, o que implicara a não cientificação do réu acerca dos atos processuais posteriores. Caso não ocorra a contumácia, o réu terá direito de ser notificado ou intimado a respeito de todos os atos processuais. A defesa técnica, é indispensável e deve ser exercida por pessoa habilitada. e) o direito a que se presuma sua inocência até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 5º LVII, da CF/88); f) o direito de não ser submetido a identificação criminal quando civilmente identificado, salvo nas hipóteses previstas em lei (art. 5º LVIII, da CF/88); 5 g) O direito de ser submetido a um julgamento público, salvo no que for necessário para preservar a intimidade ou os interesses sociais (art. 5º LX, da CF/88); h) O direito de não ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei (art. 5º LXI, da CF/88); i) O direito de ser informado de seus direitos quando preso (art. 5º LXIII, da CF/88); j) O direito de permanecer calado (art. 5º LXIII, da CF/88); O silêncio do imputado não importará em confissão ficta, nem poderá ser usado em seu prejuízo (art. 186 do CPP); k) o direito de ser citado e intimado dos atos processuais; l) o direito de não ser preso, quando a lei admitir liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 5º LXVI, da CF/88); m) o direito de tomar conhecimento da identidade dos responsáveis pela sua prisão ou por seu interrogatório policial, quando preso (art. 5º LXIV, da CF/88); 6 n) O direito de ser assistido gratuitamente por tradutor quando desconheça o idioma (art. 223 do CPP, em consonância com 5º LV, da CF/88); o) zero direito de não ter admitida contra si prova obtida por meio ilícito, 5º LVI, da CF/88); p) o direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem a se declarar culpado (decorrente do art. 5º LXIII, da CF/88); q) O direito a assistência jurídica integral e gratuita, no caso de não dispor de recursos (art. 6º LXXIV da CF/88); r) O direito a um processo com duração razoável e a meios que assegurem a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII da CF/88). s) Direito de entrevistar-se reservadamente com o defensor antes da realização do interrogatório (art. 185, parágrafo 5º do CPP). Obs.: esses direitos fundamentais do acusado estão dispostos na CF/88, e por força do art. 5º § 2º, os direitos fundamentais garantidos na CF não excluem outros que decorram: a) do regime e dos demais princípios por ela adotados ou b) dos tratados internacionais aos quais o Brasil tenha aderido. O rol de direitos estabelecidos no art. 5º, não é taxativo, admitindo interpretação ampla (§ 2º, primeira parte) e a 7 complementação por força de legislação infraconstitucional e de tratados e convenções internacionais, dentre os quais se destaca, em matéria processual penal, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que referenda boa parte das garantias acima mencionadas. Acerca da controvertida questão do nível hierárquico das normas advindas de tratados e convenções internacionais, a Emenda Constitucional n. 45/2004 veio resolver em parte o dissenso doutrinário e jurisprudencial, estabelecendo, pela inserção do § 3º no art. 5º, que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em 2 turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros, Equivalerão às emendas constitucionais. Sempre que forem violados esses direitos, poderá o réu lançar mão do habeas corpus, para a tutela contra violência ou coação, atual ou iminente, que afronte sua liberdade de locomoção (art. 5º, LXVIII) ou do mandado de segurança, para a defesa de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou por habeas data (art. 5º, LXIX). Obs2: Sobre o assunto, porém, paira intensa polêmica, tendendo a doutrina ao entendimento de que a pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo de delitos penais. Adotando-se tal entendimento, torna-se impossível a figuração de pessoa jurídica como réu no processo penal, em face da relação instrumental que este desempenha no que tange as relações jurídicas penais materiais. 8 A CF prevê, em seu art. 5º, diversos direitos subjetivos, do qual é titular o sujeito passivo da ação penal, como: a) Direito ao devido processo legal. REFORMAS PENAIS (VI): defesa efetiva e interrogatório Luiz Flávio Gomes Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em DireitoPenal pela USP, Diretor-Presidente do Instituto de Ensino Jurídico IELF (www.ielf.com.br) A defesa efetiva e o interrogatório constituem o objeto de um outro projeto de reforma do CPP. Do devido processo legal (CF, art. 5º, inc. LIV) faz parte o direito de defesa, que deve ser ampla (CF, art. 5º, inc. LV). A defesa desdobra-se, como se sabe, em (a) autodefesa (possibilidade de o acusado defender-se por si mesmo, ativamente − no interrogatório, por exemplo − ou passivamente − permanecendo em silêncio) e (b) defesa técnica. 9 A primeira é dispensável (pode o acusado não querer autodefender-se), já a segunda é imprescindível. Todo acusado tem direito à assistência de um advogado (caso não o seja). Isso deriva da necessidade de se colocarem as partes (acusação e defesa) em pé de igualdade (par conditio), dando-lhes as mesmas “armas”, ônus e faculdades processuais. Mas não basta, dentro do modelo de processo penal desenhado pelo Estado Constitucional e Democrático de Direito, a presença de um defensor no processo. A defesa precisa ser concreta, real, efetiva, isto é, fundamentada. Todos os argumentos da acusação devem ser rebatidos, na medida em que puderem sê-lo. Já não condiz com o moderno processo a defesa levada a cabo de modo puramente formal, superficial (escrevendo-se singelamente “que o acusado é inocente” etc.). Recorde-se que a falta de defesa leva inexoravelmente à nulidade do processo. Quanto à defesa deficiente depende: comprovando-se prejuízo, anula tudo, em caso contrário, não (Súmula 523 do STF). No que se relaciona com o interrogatório as modificações sugeridas são profundas: (a) as partes poderão intervir, leia-se, poderão fazer reperguntas (hoje só o juiz faz o interrogatório); (b) promove-se, desse modo, o contraditório; (c) o interrogatório continua sendo sobretudo um especial momento de autodefesa; (d) o Estado tem o dever de apresentar o preso para o interrogatório (mesmo porque, tudo passa a ser concentrado numa audiência única); (e) o juiz tem o dever de cientificar o acusado de 10 que ele pode ficar calado (direito ao silêncio), (f) as partes podem requerer novo interrogatório etc. De modo explícito fica esclarecido que o silêncio do imputado não poderá ser interpretado em seu prejuízo (desse modo, fica corrigido o antagonismo existente hoje entre o CPP − art.186 − e a Constituição Federal, que assegura o direito de ficar calado). Já não se discute que a parte final do artigo 186 do CPP não foi recepcionada pela Constituição de 1988, entretanto, parte da jurisprudência ainda não compreendeu isso. Lamentavelmente, ainda há juiz ou Tribunal afirmando que o silêncio do acusado é revelador da sua culpabilidade, porque se fosse inocente não teria deixado passar em branco (in albis) a oportunidade de fazer o seu protesto. O juiz que assim procede precisa ler mais a Constituição! Remarque-se que única presunção válida no curso do processo penal é a da inocência. Quem faz a acusação é que tem que provar. O acusado não precisa comprovar sua inocência. O silêncio deve sempre ser visto como autodefesa (passiva), não como indício de culpabilidade. Uma outra relevante novidade é a seguinte: o interrogatório passa a ser concebido em duas partes (a primeira versa sobre a pessoa do acusado, com o escopo de permitir uma futura individualização da pena; a segunda relaciona-se com os fatos imputados). 11 Na atualidade o ato do interrogatório (em geral) é dotado de uma pobreza franciscana. Nada revela sobre a vida do acusado e muito pouco diz sobre os fatos. O que se pretende é modificar todo esse panorama, seja para adequá-lo à Constituição, seja para desfazer uma série de equívocos jurisprudenciais, particularmente os decorrentes de se supor que o silêncio do acusado significa confissão. Na verdade, não existe confissão ficta ou presumida na processo penal. O princípio da presunção de inocência conduz à exigência de que a prova produzida vá além da dúvida razoável. Artigo publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 01.04.2003 ARTIGO PARA LEITURA 12 SILÊNCIO E MENTIRA NO INTERROGATÓRIO George Maia Santos. Advogado associado ao IBCrim O tema proposto, a rigor, não merecia novas considerações diante de tantas discussões já travadas. Contudo, percebe-se que mesmo no Novo Quadro Constitucional, no qual os direitos e garantias do homem imperam frente aos ideais conservadores, infelizmente, o direito de calar, ainda não adquiriu sua plenitude. Daí a importância de novamente trazer a lume novos debates, pois, como já disse Paulo Freire1: "este é um tempo em que, mais até do que falar, é preciso falar a palavra certa. Falar a palavra que atua, que transforma, é já começar a transformar". É sabido que o Código de Processo Penal, datado de 1941, foi elaborado sob o influxo das ideias positivistas emergentes no final do século XIX e início do século passado, que propugnavam pela prevalência dos interesses repressivos do Estado sobre os interesses individuais fundamentais. Isto é, foi criado num período retrógrado 13 em que o Direito Penal era instrumento de punição, castigo e vingança. O Processo Penal visava apenas evitar o erro judiciário, ignorando qualquer direito inerente à pessoa humana. A liberdade do réu era limitada pelas ideias totalitárias que imperavam no direito canônico. Vale ressaltar o item II da Exposição de Motivos do Codex Adjetivo, que impregnado pelas ideias positivistas, assevera: "Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum. O indivíduo, principalmente quando vem de se mostrar rebelde à disciplina jurídico-penal da vida em sociedade, não pode invocar, em face do Estado, outras franquias ou imunidades além daquelas que o assegurem contra o exercício do poder público fora da medida reclamada pelo interesse social. [...] É restringida a aplicação do in dubio pro reo".² Por outro lado, a Constituição Federal de 1988, inspirou-se em ideais democráticos, nos quais as liberdades públicas³ imperam e constituem limitações impostas ao próprio Poder Estatal. Por isso, o conflito entre estes dois ordenamentos – constitucional democrático e processual autoritário – revela-se diariamente, em diversos institutos processuais. Um destes importantes institutos é o direito ao silêncio. Assim é que, enquanto o art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, assegura que "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado...", o art. 186 do Código de Ritos dispõe que "antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas 14 que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa", permitindo o art. 198 do mesmo diploma legal que o silêncio constitua para o juiz elemento de convicção. Ora, nada mais esdrúxulo. É o que se depreende dos ensinamentos de Ada Pellegrini4: "Fazer do silêncio do réu elemento que pode ser interpretado em prejuízo da defesa significa valorá-lo como indício de culpa. Ora, é evidente que do silêncio não podem deduzir-se presunções que superem a presunção de inocência do réu, consagrado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da O.N.U. (art. 9º). Ressalte-se, enfim, que quem não reconhece a existência de presunções ou ficções pró-réu no processo penal, com muito maior razão afasta toda e qualquer presunçãoou ficção que lhe seja contrária". Nessa vereda, cumpre trazer a lume as lições do mestre Mirabete5: "Essa ressalva, porém, foi revogada pelo art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, que prevê o direito de permanecer calado, sem qualquer restrição, proibindo, assim, que decorra do silêncio qualquer consequência desfavorável ao acusado (nemo tenetur se detegere). Decorre, aliás, dos princípios de presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa". No mesmo sentido Tourinho Filho6 reconhece haver a Constituição Federal de forma explícita, consagrado o direito ao silêncio quando preleciona que "o acusado tem a faculdade de responder, ou não, às perguntas que lhe forem formuladas pelo Juiz. É a consagração do direito ao silêncio que lhe foi conferido constitucionalmente como decorrência lógica do princípio do nemo tenetur se detegere e do da ampla defesa. É possível que o Magistrado tenha uma impressão desfavorável quando o acusado guardar silêncio, entretanto, não se pode admitir 15 que tal impressão desfavorável se converta em indício para um decreto condenatório. O acusado é um único árbitro da conveniência, ou não, de responder. E ninguém pode impedir-lhe o exercício desse direito. Muito menos de ameaçá-lo, sob a alegação de que o seu silêncio poderá prejudicar lhe a defesa. Do contrário, a defesa não estaria sendo ampla, nem respeitado o seu direito ao silêncio". Outro entendimento não poderia haver. Isto porque, no plano do direito material, no direito à intimidade, que, por sua vez, enquadra-se entre os direitos que constituem atributo da personalidade, insere-se o direito ao silêncio. Quanto ao direito à intimidade, Paulo José da Costa Júnior7 ensina que "é o direito de que dispõe o indivíduo de não ser arrastado para a ribalta contra a vontade. De subtrair-se à publicidade e de permanecer recolhido na sua intimidade. [...] Portanto, não é o direito de ser reservado, ou de comportar-se com reserva, mas o direito de manter afastados dessa esfera de reserva olhos e ouvidos indiscretos, e o direito de impedir a divulgação de palavras, escritos e atos realizados nessa esfera". Desta feita, o direito ao silêncio é direito inato, inerente ao acusado, devendo ser entendido no campo do processo penal como a proteção constitucionalmente assegurada contra a autoincriminação, de sorte a não se poder concluir desfavoravelmente ao interrogado, pelo simples fato de ter-se calado, isto é, de abster-se de prestar declarações, em especial das que possam incriminá-lo. 16 Sem dúvida, o direito em tela se insere na regra do devido processo legal, em suas garantias do exercício da ampla defesa, do contraditório e da chamada presunção de inocência. Ademais, o direito ao silêncio integra a autodefesa do incriminado, consubstanciada no direito de audiência. Portanto, tem ele o direito de fornecer subsídios à defesa técnica, mas, como aquela é dispensável e renunciável, pode, também, como forma de defesa, preferir o silêncio. Assim, "o réu, sujeito de defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova que o prejudiquem. Pode calar-se ou até mentir. Ainda que se quisesse ver no interrogatório um meio de prova, só o seria em sentido meramente eventual, em face da faculdade dada ao acusado de não responder. A autoridade judiciária não pode dispor do réu como meio de prova, diversamente do que ocorre com as testemunhas; deve respeitar sua liberdade, no sentido de defender-se 17 como entender melhor, falando ou calando-se, e ainda advertindo-o da existência da faculdade de não responder".8 Ressalte-se que a autodefesa do acusado adiciona-se à defesa técnica, na medida em que o silêncio pode resultar de orientação do defensor como alternativa e estratégia de defesa. Igualmente, o direito ao silêncio conecta-se à regra do contraditório, na medida em que, para o pleno exercício daquele, não é suficiente a ciência formal da acusação, mas que o incriminado tenha perfeita consciência do que está lhe sendo imputado para que, quando interrogado, saiba se lhe é conveniente falar ou calar, produzir ou não determinada prova ou, ainda, praticar ou não atos lesivos à sua defesa. Sobre mais, o direito ao silêncio relaciona-se com a presunção de inocência, tendo em vista que esta impede que o exercício daquele seja interpretado em desfavor de quem o exerce. É que diante da presunção de inocência, ao acusado cabe a opção de fornecer ou não a sua versão pessoal sobre os fatos que são objetos de prova. Daí porque se proclamar que "do seu silêncio [do acusado] não podem deduzir-se presunções que superem a presunção de inocência do réu. Do contrário, nenhum réu ousaria exercer aquele direito ao silêncio, elevado à categoria de direito fundamental do homem. Que direito fundamental é esse que, se exercido, pode complicar-lhe a posição no processo? Evidente que a Magna Carta não quis estabelecer ou construir uma armadilha para os acusados, mas, simplesmente, conferir-lhes um direito, e ninguém poderá ser prejudicado quando exerce o seu direito".9 18 Sendo assim, vulnera a regra constitucional todas as disposições legais que, de forma direta ou dissimulada, pretendem forçar o acusado a confessar, pois o direito ao silêncio é uma garantia constitucional de que ninguém é obrigado a depor contra si mesmo, a produzir provas ou praticar atos lesivos à sua defesa. Quanto à solução do choque existente entre a Lei Maior e a lei ordinária, este se resolve pela prevalência da primeira sobre a segunda, e tal supremacia nasce da rigidez que caracteriza nossa Constituição. Frisem-se os dizeres de José Afonso da Silva10: "Nossa Constituição é rígida. Em consequência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. [...] Do princípio da supremacia da Constituição resulta o da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, no sentido de que as normas de grau inferior [no caso as processuais penais] somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a Constituição. As que não forem compatíveis com ela são inválidas, pois a incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade das inferiores". Por tais razões, "a segunda parte do art. 186 do Codex Instrumental – o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa –, bem assim o art. 198 do mesmo diploma – o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz – não mais prevalecem frente à Constituição Federal de 1988, por representarem uma limitação a direito 19 público subjetivo constitucional".¹¹ Insista-se, lei inferior (Código de Processo Penal) não pode limitar o que lei superior (Carta Magna) não quis fosse limitado. Destarte, os atos produzidos sem a observância do direito ao silêncio, são absolutamente nulos, por contrariarem norma de teor constitucional e, eventual argumentação de legalidade destes atos, não pode prevalecer, pois de norma ordinária inconstitucional não pode nascer ato juridicamente válido. Felizmente, já se avolumam em nossos tribunais decisões reconhecendo que o silêncio do acusado não pode ser tomado contra ele. O próprio Supremo Tribunal Federal assim decidiu: "Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal a condição jurídica de imputado, tem dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmenteasseguradas, o direito de permanecer calado. 'Nemo tenetur se detegere'. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal. O direito de 20 permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal".¹² Importante também a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: "Ementa: Processual Penal. Interrogatório. Direito ao silêncio. Nulidade. Agressão aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. 1. Nulo é o processo em que o acusado foi advertido, quando do interrogatório, sobre ônus que seu silêncio poderia implicar. Tal alerta, em que pese ancorado no art. 186 do CPP, agride o direito constitucional do réu exercer a sua defesa da maneira que melhor entender, inclusive de calar (art. 5º, LXIII, da CF), bem como pretende consagrar a presunção de culpa, ao avesso da Constituição, que optou pela presunção de inocência. Igualmente, o atendimento a disposição codificada faz ressuscitar a inquisitória busca (sem limites) da confissão, agredindo o direito a intimidade do cidadão-réu. 2. A unanimidade, decretaram a nulidade do feito a partir do interrogatório do acusado".¹³ Vê-se, assim, que os tribunais reconhecem o preceito constitucional de que o acusado pode calar-se. Conquanto, na prática, a realidade é outra, vez que a advertência ainda continua sendo feita e o silêncio transformado em terrível arma contra o acusado. Alguns Magistrados chegam, inclusive, a tomar o silêncio como uma possível confissão, enquanto outros se apressam em declarar que caso o acusado permaneça em silêncio a sua condenação será inevitável e sua pena exacerbada aos limites. 21 Os tempos hodiernos não mais admitem interrogatórios inquisitivos. É preciso destruir as concepções medievais do "olho por olho, dente por dente". Não pode ser o interrogatório uma "máquina da verdade" em que se busca do interrogado unicamente a confissão, sua própria destruição. Não se pode exigir, até por ser contra a natureza humana, que alguém se auto incrimine. Vive-se num Estado Democrático de Direito em que as garantias e direitos fundamentais prevalecem. Por mais terrível que tenha sido o crime, o acusado, e até mesmo o condenado, não perdem jamais a sua condição de seres humanos e ela deve ser sempre respeitada, particularmente pelos aplicadores do Direito, os quais, lamentavelmente, no mais das vezes, são os que menos se preocupam. Quanto ao direito de mentir, Stefano Costa14, citado por José Frederico Marques é definitivo em dizer que "o réu não é obrigado a depor contra si próprio e tem o direito de responder mentirosamente ao juiz que o interroga". É importante que se entenda que o direito de mentir do acusado está muito próximo da omissão, posto que não o possui o direito de criar situações fantasiosas com o exclusivo intuito de dificultar as investigações. A garantia concedida ao acusado de não dizer a verdade, corolário do direito de calar-se, não representa um salvo conduto para que possa mentir indiscriminadamente. Não se admite ao acusado criar situações que comprometam terceiros, tampouco que estabeleçam entraves completamente falsos e impedidores do processo de apuração dos fatos ou do normal desenrolar da instrução criminal, impedindo que a Justiça chegue a verdade. A proteção legal vincula-se a sua própria defesa e aos fatos e atos com ela relacionados. 22 Assim, "o que de fato tem o acusado, é o direito de não revelar nenhum elemento que facilite a obtenção de provas contra si, afinal seria, como já se disse, contra a natureza humana e animal pretender que alguém produza provas que encaminhem ao reconhecimento, comprovação e valoração de culpabilidade".15 Isto é, no que for pertinente a sua autodefesa, pode o interrogado mentir. Nisto, doutrina e jurisprudência são assentes, até porque é antinatural exigir-se do acusado que produza elementos que o condene. Nesses termos, sábia a lição de Beccaria16: "Outra contradição entre as leis e os sentimentos naturais é exigir de um acusado o juramento de dizer a verdade, quando ele tem o maior interesse em calá-la. Como si o homem pudesse jurar de boa-fé que vai contribuir para a sua própria destruição! Como si, o mais das vezes, a voz do interesse não abafasse no coração humano a da religião! Consulte-se a experiência e se reconhecerá que os juramentos são inúteis, pois não há juiz que não convenha que jamais o juramento faz o acusado dizer a verdade. A razão faz ver que 23 assim deve ser, porque todas as leis opostas aos sentimentos naturais do homem são vãs e conseguintemente funestas". Por outro lado, não há qualquer compromisso legal, no sentido de ser o acusado obrigado a dizer a verdade. "Não presta ele qualquer compromisso ou juramento de dizer a verdade, e isto pelo simples fato de que não está obrigado a dizê-la, e a fim de evitar-lhe toda a coação moral, que poderia constrangê-lo a declarar contra si mesmo".17 Para Magalhães Noronha18, "[...] o acusado pode mentir e negar a verdade, pois não é obrigado a depor contra si. Mesmo mentindo, o juiz criminal, conhecedor do processo e com a experiência que tem, poderá encontrar em suas negativas e atitudes, elementos de convicção. Aliás, negando a imputação, será ele convidado a indicar as provas da verdade de suas declarações". Já Hélio Tornaghi19 expõe que "[...] o réu pode até mentir. Não se trata de um direito de mentir, nem há que falar em direito (subjetivo), neste caso. O que há é que a mentira do réu não constitui crime, não é ilícito: o réu é livre de mentir porque, se o fizer, não sofrerá nenhuma sanção. Mas, convém explicar: o réu é livre de mentir para se defender, não para se acusar [...]". Resta, pois, dizer que "sendo o interrogatório ao menos em parte, meio de defesa, o acusado pode mentir e negar a verdade. Não há um verdadeiro direito de mentir, tanto que as eventuais contradições em seu depoimento podem ser apontadas para retirar qualquer credibilidade das suas respostas. Mas o acusado, não presta compromisso de dizer a verdade, como testemunha, e sua mentira não constitui 24 crime, não é ilícito. O réu é livre para mentir porque, se o fizer, não sofrerá nenhuma sanção. Essa liberdade, porém, é concedida apenas em benefício de sua defesa, pois se ele atribui a si próprio crime inexistente ou praticado por outrem, comete o delito de autoacusação falsa (art. 342 do CP)".20 Portanto, verifica-se que, apesar do direito de mentir, haja vista ser descompromissado com a verdade, "é definitivamente proibido ao acusado mentir acerca dos fatos ou pessoas que não envolvam exclusivamente sua defesa, pois a proteção legal não abarca um ilimitado direito à mentira e, como já reiterado, em caso de mentira que procure prejudicar o andamento processual e que verse matéria diversa da sua defesa, será ele responsabilizado nos limites da lei".21 De igual modo não é lícito ao Juiz "agir como vilão, armando ciladas para o réu; nem como Javert, perseguindo-o, encurralando-o".22 Ao que acrescenta o mestre Tornaghi23: "É preciso que o acusado fale e responda conscientemente e com toda a liberdade, sem engano e sem temor. O juiz não deve dirigir ao acusado perguntas vagas, obscuras, equívocas ou insidiosas. Devem ser evitadas perguntas sugestivas, que trazem engatilhada a resposta. O juiz não é um inquisidor preocupado em sondar as profundezas d'alma. Tambémnão é um psicanalista que remexe nos escaninhos do inconsciente. Ele deve se portar, no interrogatório, como o bom professor no exame do aluno. E desaconselhável o emprego de método associativo ou constelatório, do Lie detector, do Processo de expressão motora de Lúria, do soro da verdade, da narcoanálise, da hipnose. Desnecessário dizer que a tortura seria hoje inaceitável. [...] Todos esses métodos fazem do homem, coisa e, assim, o reduzem à condição de escravo. 25 O interrogatório do acusado não é experiência levada a cabo num objeto, mas observação feita numa pessoa. O réu não é coisa. O processo é uma relação jurídica, de que um dos sujeitos é o réu". Lembrando, ainda, o mestre que "a obrigação do réu de dizer a verdade (Wahrheitspflicht) é própria do sistema nazista. Nem o fascismo – e nesse ponto honra lhe seja feita – o acolheu".24 Enfim, há a necessidade de respeitar o acusado em todos os momentos processuais, por mais grave seja o delito cometido. O direito que possui o réu de calar e, dentro dos limites de sua defesa, de mentir, não é uma questão ideológica, política ou religiosa, mas fundamentalmente uma característica do ser humano. Não seria razoável exigir-se de nenhum homem o contribuir em sua acusação. Ao contrário, tal atitude agrediria aos mais elementares princípios de sobrevivência humana. "Até os animais irracionais quando em perigo valem-se de todos os esquemas a seu alcance para garantir sua integridade. Ora, o homem, dotado de inteligência que é, não seria diferente".25 26 NOTAS BIBLIOGRÁFICAS (1) In Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 11, n. 129, p. 1, ago. 2003. (2) BRASIL. Código de processo penal. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto e Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 6. (3) Liberdades Públicas são o conjunto de poderes de autodeterminação (negativos ou positivos), reconhecidos e garantidos pelo ius positum, que tornam o indivíduo um ser capaz de ter e exigir a concretização de seus direitos frente ao Estado. (4) GRINOVER,Ada Pellegrini. Interrogatório do réu e direito ao silêncio. Ciência Penal, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 29, 1976. (5) MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1996. p. 241. (6) TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 3. p. 273. (7) MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; MORAIS, Maurício Zanoide de. Direito ao silêncio no interrogatório. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 2, n. 6, p. 137, abr./jun. 1994. (8) GRINOVER, op. cit. p. 21. (9) TOURINHO FILHO, op. cit. p. 273-274. 27 (10) SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 45. (11) MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; MORAIS, Maurício Zanoide de, op. cit. p. 139. (12) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 68.929-0/SP. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 22 set. 1991. Órgão Julgador: Primeira Turma. Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2003. (13) RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Criminal n. 70.004.922.043. Relator: Des. Amilton Bueno de Carvalho. Órgão Julgador: Quinta Câmara Criminal. Julgamento: 20 nov. 2002. Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2003. (14) COSTA, Stefano. Il dolo processuale in tema civile e penale. [S.I.: s.n.], 1930. p. 24 apudMARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas - São Paulo: Bookseller, 1998. p. 298. (15) VAROTO, Renato Luiz Mello. Da verdade no interrogatório:a mentira consentida. Pelotas: Editora Universitária/UFPel, 2000. p. 118. (16) BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Rio de Janeiro: Athena Editora, 1937. p. 69-70. (17) ACOSTA, Walter P.. O processo penal. 22. ed. Rio de Janeiro. Editora do Autor Ltda., 1995. p. 222. 28 (18) NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 108. (19) TORNAGHI, Hélio Bastos. Instituições de processo penal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1978. p. 20. (20) MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 1998. p. 282. (21) VAROTO, op. cit. p. 125. (22) TORNAGHI, op. cit. p. 21. (23) Ibid., p. 20-25. (24) Id. (25) VAROTO, op. cit. p. 135.
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