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Processo Penal OBSERVAÇÕES INTRODUTÓRIAS Para a compreensão da matéria, é extremamente importante ter em mente que o processo penal se difere, em diversos aspectos, do processo civil. → Os princípios que regem o processo civil, bem como a estrutura científica desse ramo do direito privado, se diferem dos princípios e estrutura científica do processo penal. Ou seja, o processo penal tem autonomia principiológica e estrutural em relação ao processo civil. → Ademais, é extremamente importante citar o caráter estigmatizante do processo penal. O simples fato de um cidadão responder por um processo penal já é capaz de destruir sua vida. penal) é assim caracterizado porque o simples fato de um cidadão responder por um processo penal já destrói a vida dele. Às vezes, o fato de essa pessoa vir a ser condenada, ao final, não seja tão preocupante, mas o simples fato de responder por um processo penal já destrói a vida daquele cidadão. Por ser estigmatizante, o tratamento dado ao processo penal deve ser muito mais prudente, porque pode estar sendo investigada uma pessoa inocente que, ao ser investigada, já sofre efeitos negativos em virtude de estar respondendo um processo de cunho penal → Outra diferença entre os dois ramos processuais se encontra no quesito de que o processo penal não é tido sob condições de igualdade, uma vez que figuram como polos adversários do processo particular e Estado. Tendo isso em vista e buscando suprir tal situação de desequilíbrio, devem ser criados mecanismos (que é o caso dos princípios) de modo a viabilizar uma proteção do cidadão particular perante o Estado. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 1. PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA // PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA // NÃO CULPABILIDADE O princípio da não culpabilidade encontra-se previsto no art. 5º, inciso LVII da CF, que dispõe que: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Por meio desse dispositivo percebe-se que enquanto não ocorrer o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (quando não couber mais nenhum recurso), a pessoa será inocente. Observação – quando ocorre o trânsito em julgado? Quando não cabe mais nenhum tipo de recurso (esgotou-se todas as vias recursais), ou quando há uma sentença e a parte abre mão de recorrer – nesses casos, a decisão proferida pelo juiz não poderá mais ser modificada. - O direito de não ser declarado culpado enquanto ainda há dúvida sobre se o cidadão é culpado ou inocente foi acolhido por alguns instrumentos internacionais: → Declaração Universal de Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia da ONU, em seu art. 11.1, dispõe: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”. → Dispositivos semelhantes são encontrados na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8, §2º): “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”. - No ordenamento pátrio, até a entrada em vigor da Constituição de 1988, esse princípio somente existia de forma implícita, como decorrência da cláusula do devido processo legal. Com a Constituição Federal de 1988, o princípio da presunção de não culpabilidade passou a constar expressamente do inciso LVII do art. 5º: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. → Em síntese, pode ser definido como o direito de não ser declarado culpado senão após o término do devido processo legal (trânsito em julgado), durante o qual o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para a sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório). Portanto, há uma diferença na redação desse dispositivo nos Tratados Internacionais e na CF/88: TRATADOS INTERNACIONAIS CONSTITUIÇÃO FEDERAL “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”. “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. → Em razão da previsão da CF, no Brasil, o sujeito só perde o seu estado de inocente após o término do processo, após o trânsito em julgado (esgotando todas as possibilidades de prova + todas possibilidades de exercer o contraditório), → Já nos Tratados Internacionais, a previsão de que “se presume a inocência, enquanto não se comprove legalmente sua CULPA” atribui um sentido diferente a esse princípio. Em regra, as questões probatórias são discutidas apenas em 1ª e 2ª instância. Passada essas instâncias, não se considera mais valoração de provas, mas a discussão dali em diante é apenas uma questão jurídica. Tendo isso em vista, por esses instrumentos normativos, o cidadão perde seu status de inocente a partir do instante que não se pode mais discutir prova. Diante disso, a diferença fica nítida: se eu falo que alguém é considerado culpado somente após o trânsito em julgado, só ocorre essa consideração quando se utiliza o último recurso, mas se eu falo que a pessoa só é considerada culpada após a prova em contrário, questão de prova se exaure na 2ª instância. Então, segundo a CF/88 a culpa é declarada quando se exaure o recurso; para a Convenção Interamericana de Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais, a pessoa é considerada culpada até que se prove o contrário e as provas são discutidas em 1ª e 2ª instâncias, portanto, o cidadão perde seu status de inocente a partir do instante que não se pode mais discutir prova. Sendo assim, para a nossa Constituição, por uma opção legislativa, foi dada uma amplitude muito maior ao princípio do estado de inocência. Do princípio da presunção de inocência (ou presunção de não culpabilidade) derivam duas regras fundamentais: a regra probatória (também conhecida como regra de juízo) e a regra de tratamento, objeto de estudo nos próximos tópicos. • Regra probatória: in dubio pro reo - In dubio pro reo é uma expressão latina que significa “na dúvida, em favor do réu”. Portanto, a regra probatória que decorre do princípio da não culpabilidade impõe que, na dúvida, deve ser proferida uma decisão em favor do réu. → Essa regra probatória deve ser utilizada sempre que houver dúvida sobre fato relevante para a decisão do processo. Trata-se de uma exigência segundo a qual, para a imposição de uma sentença condenatória, é necessário provar, eliminando qualquer dúvida razoável, ao contrário do que é garantido pela presunção de inocência, impondo a necessidade de certeza → Ou seja, o juiz, no momento em que ele vai valorar uma prova (no momento em que ele vai decidir se aquela pessoa é culpada ou inocente), se ele tiver dúvidas, não podendo falar com certeza se o sujeito é culpado ou inocente, deverá ser aplicado o in dubio pro reo. na dúvida, durante a valoração das provas, a decisão tem de favorecer o imputado, pois não tem ele a obrigação de provar que não praticou o delito - Portanto, para que se possa romper com o estado de inocência (status que o sujeito mantém durante todo o processo), é preciso haver certeza da culpabilidade do sujeito. → Não havendo certeza, mas dúvida sobre os fatos em discussão em juízo, inegavelmente é preferível a absolvição de um culpado à condenação de um inocente, pois, em um juízo de ponderação, o primeiro erro acaba sendo menos grave que o segundo. Revisão criminal: exceção in dubio pro reo - Há uma exceção ao in dubio pro reo: o recurso denominado revisão criminal. → A revisão criminalé um recurso a ser usado pelo réu, procurador legalmente habilitado ou cônjuge, ascendente descendente do réu, caso este já tenha morrido (CPP, art. 623), em caso de existência de decisão condenatória com trânsito em julgado quando há demonstração de que houve erro judiciário. Portanto, a revisão criminal tem 2 pressupostos para poder ser proposta: A) existência de decisão condenatória (ou absolutória imprópria) com trânsito em julgado; B) demonstração de que houve erro judiciário. - O in dubio pro reo só incide até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Portanto, na revisão criminal, que pressupõe o trânsito em julgado de sentença penal condenatória ou absoluta imprópria, não há que se falar em in dubio pro reo, mas sim em in dubio contra reum. → O ônus da prova quanto às hipóteses que autorizam a revisão criminal (CPP, art. 621) recai única e exclusivamente sobre o postulante, razão pela qual, no caso de dúvida, deverá o Tribunal julgar improcedente o pedido revisional. → Portanto, na revisão criminal, como o réu já havia sido condenado definitivamente antes, não irá mais incidir a prerrogativa do in dubio pro reo. Em caso de dúvida, a condenação deve ser mantida. • Regra de tratamento A regra de tratamento que deriva do princípio da não culpabilidade impõe que enquanto não houver o trânsito em julgado, o sujeito deve ser tratado como inocente. → Portanto, por força da regra de tratamento oriunda do princípio constitucional da não culpabilidade, o Poder Público está impedido de agir e de se comportar em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao acusado, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, enquanto não houver o fim do processo criminal. → O estado de inocência perde completamente o seu conteúdo quando a pessoa não é tratada seguindo, efetivamente, a presunção de que é inocente. São manifestações claras dessa regra de tratamento a vedação de prisões processuais automáticas ou obrigatórias, e a impossibilidade de execução provisória ou antecipada da sanção penal. Essa regra de tratamento vai ter 3 desdobramentos importantes: PRISÃO APÓS DECISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA Como se sabe, muito já se discutiu – e ainda se discute – acerca da necessidade de se aguardar (ou não) o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para o início da execução da pena Entre fevereiro de 2016 e novembro de 2019, prevaleceu, no Supremo Tribunal Federal, por força do HC 126.292, o entendimento de que não havia necessidade de se aguardar o trânsito em julgado, justificando-se, assim, a denominada execução provisória da pena. Recentemente, porém, por ocasião do julgamento definitivo das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43/DF, 44/DF e 54/DF, houve uma mudança de orientação daquela Corte. - É necessário ressaltar que a execução provisória da pena (prisão após decisão em segunda instância) encontra-se em desacordo com a Constituição Federal que assegura a presunção de inocência (ou de não culpabilidade) até o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 5º, LVII), e com o art. 283 do CPP que só admite, no curso da investigação ou do processo, a decretação da prisão cautelar por ordem estrita e fundamentada da autoridade judiciária competente: Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado. Art. 5º LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; → Portanto, diante desses dispositivos, o ordenamento jurídico é claro: o indivíduo só pode ser privado da sua liberdade após o trânsito em julgado ou, no curso do processo, mediante decretação da prisão cautelar por ordem estrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Não há, portanto, margem exegética para que o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, seja interpretado no sentido de se admitir a antecipação ficta do momento formativo da coisa julgada penal de modo a concluirmos que o acusado é presumido inocente (ou não culpável) tão somente até o esgotamento da 2ª instância. Ademais, o art. 283 do CPP, mesmo após a alteração promovida pelo Pacote Anticrime, é categórico ao estabelecer as hipóteses em que pode haver restrição à liberdade de locomoção no processo penal: a) prisão em flagrante e prisão cautelar (leia-se, temporária e preventiva): são as únicas espécies de prisão cautelar passíveis de decretação no curso da investigação ou do processo; b) prisão penal (carcer ad poenam): a prisão penal só pode ser objeto de execução com o trânsito em julgado de sentença condenatória. - Durante um tempo, foi defendido a prisão em 2ª instância pois o art. 637 do CPP autoriza a execução provisória de acórdão condenatório pelo fato de os recursos extraordinários não serem dotados de efeito suspensivo. Contudo, este dispositivo foi tacitamente revogado pela Lei nº 12.403/11, que conferiu nova redação ao art. 283 do CPP. A questão da inconstitucionalidade da prisão em 2ª instância foi definida, por sua vez pelas Ações Declaratórias de Constitucionalidade de nº 43, nº44 e nº54. Assim, assentou a constitucionalidade do art. 283 do CPP, que condiciona o início do cumprimento da pena ao trânsito em julgado do título condenatório. PRISÕES CAUTELARES OBSERVAÇÃO: O princípio da presunção de inocência não proíbe, todavia, a prisão cautelar (pessoa responde o processo presa) ditada por razões excepcionais e tendente a garantir a efetividade do processo, cujo permissivo decorre inclusive da própria Constituição (art. 5º, LXI), sendo possível se conciliar os dois dispositivos constitucionais desde que a medida cautelar não perca seu caráter excepcional, sua qualidade instrumental, e se mostre necessária à luz do caso concreto. → Portanto, é possível que um indivíduo responda ao processo preso sem violar o princípio da presunção de inocência, uma vez que esse sujeito não está preso cumprindo uma pena, mas está preso enquanto responde a um processo, pois representa algum perigo para esse processo. Então pode acontecer de o cidadão responder ao processo preso, mas nessa situação ele não está preso cumprindo pena, ele está preso cautelarmente e os motivos que permitem alguém ficar preso cautelarmente são expressos no artigo 312 do CPP. Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. §1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, §4º). §2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. OBS: nesses casos, o cidadão, apesar de representar uma ameaça ao processo, continua a manter seu estado de presunção de inocência, pois a sentença não transitou em julgado. → Contudo, por força do dever de tratamento, qualquer que seja a modalidade de prisão cautelar, não se pode admitir que a medida seja usada como meio de inconstitucional antecipação executória da própria sanção penal, pois tal instrumento de tutela cautelar penal somente se legitima se se comprovar, com apoio em base empírica idônea, a real necessidade da adoção, pelo Estado, dessa extraordinária medida de constrição da liberdade do indiciado ou do acusado. ➔ Então, para essas prisões preventivas não serem inconstitucionais, para não violarem o estadode inocência, elas devem ser feitas em casos excepcionais (porque aqui está sendo preso um inocente e prender um inocente sempre tem que ser a exceção e, nunca, a regra) e mediante requisitos extremamente específicos. ANTECEDENTES - Ademais, há outra questão acerca da regra de tratamento que decorre do princípio da presunção de não culpabilidade: → Já é de conhecimento que a pena é fixada de acordo com o método trifásico: sendo a primeira fase as circunstâncias judiciais; a segunda as agravantes e atenuantes e; a terceira fase relativa às majorantes e minorantes. → Quando se estuda a primeira fase é conhecido que uma das circunstâncias judiciais são os antecedentes e, a partir disso, têm-se que inquéritos//ações penais em andamento não podem ser usados para configuração de maus antecedentes, em virtude da presunção de inocência. ✓ Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime → Nesse sentido, havendo várias ações penais em curso, ou vários inquéritos em curso contra um agente, não se pode dizer que esse sujeito tem maus antecedentes em razão do princípio da presunção da não culpabilidade. Súmula 444 - É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base. STF RE 591.054: Ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais. ESQUEMA – Princípio da não culpabilidade 1. Regra Probatória: In dubio pro reo. ➔ Exceção: Revisão criminal. 2. Regra de tratamento: 3 desdobramentos a) Prisão após decisão em segunda instância; b) Prisões cautelares c) Antecedentes https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27444%27).sub.#TIT1TEMA0 https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27444%27).sub.#TIT1TEMA0 2. PRINCÍPIO DA Publicidade A garantia do acesso de todo e qualquer cidadão aos atos praticados no curso do processo revela uma clara postura democrática, e tem como objetivo precípuo assegurar a transparência da atividade jurisdicional, oportunizando sua fiscalização não só pelas partes, como por toda a comunidade. → Traduz-se, portanto, numa exigência política que visa, portanto: 1. afastar a desconfiança da população na administração da Justiça; 2. Controlar o poder judiciário (na medida que o a sociedade possa fazer um controle daquelas decisões, constituindo um freio para eventuais ilicitudes); 3. Preservar a transparência. PREVISÃO LEGAL: CF, art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX – Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. art. 5º, XXXIII, CF: todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. art. 5º, LX, CF: a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. art. 792, caput, do CPP: as audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados. art. 792, § 1º, do CPP: se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes. Divisão da publicidade: ampla e restrita A publicidade é dividida em publicidade ampla e restrita. 1. Ampla: a publicidade é tida como ampla, quando os atos processuais são praticados perante as partes e, ainda, abertos a todo o público. Ou seja, é ampla quando qualquer pessoa pode ter acesso àquele julgamento ou processo. Nesse caso, além das partes, qualquer cidadão do povo poderá acompanhar as audiências criminais de coleta de provas e/ou julgamentos em qualquer grau de jurisdição, assim como consultar os processos ou obter certidões. a publicidade externa tem inúmeras justificativas: possibilita o controle social da atividade jurisdicional, incrementa a confiança na Justiça no instante em que são conhecidos os motivos da decisão, evita a prática de arbitrariedades, é um freio e uma garantia contra a tirania judicial, otimiza o direito à informação, etc. Como se percebe pela própria dicção da Constituição Federal e do Código de Processo Penal, a regra é a publicidade ampla no processo penal, estando ressalvadas as hipóteses em que se justifica a restrição da publicidade. Ou seja, apesar de a regra ser a publicidade ampla, deve-se compreender que, como toda e qualquer garantia, esta não tem caráter absoluto, podendo ser objeto de restrição em algumas situações. 2. Restrita: a publicidade restrita ou interna se caracteriza quando houver alguma limitação à publicidade dos atos do processo. Nesse caso, alguns atos ou todos eles serão realizados somente perante as partes e seus respectivos procuradores. São hipóteses que se justifica a restrição da publicidade: defesa da intimidade, interesse social no sigilo e imprescindibilidade à segurança da sociedade e do Estado (CF, art. 5º, incisos XXXIII e LX, c/c art. 93, IX); escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem (CPP, art. 792, § 1º). É o que acontece, v.g., com processos criminais relativos a crimes contra a dignidade sexual, nos quais a publicidade ampla poderia aumentar sobremaneira o sofrimento da vítima, causando-lhe desnecessária exposição e humilhação; com processos em que há a necessidade da decretação de uma interceptação telefônica, ou da quebra dos sigilos bancários1. Inquérito Policial x Processo Penal A persecução penal é dividida em, basicamente, duas partes. Eu posso ter um inquérito policial, que serve para averiguar prova de autoridade e autoria, então o delegado vai investigar e, depois do inquérito policial se tem o processo, que tramita perante o poder judiciário, onde vai ser avaliado se o cidadão vai ser condenado ou não. O inquérito se resume a uma investigação para ver se temos materialidade e indícios de autoria para que possa ser iniciado o processo, onde se tem toda a instrução para, no final, termos uma condenação. ➔ Ao contrário do que ocorre no processo penal, a regra do inquérito é que ele seja sigiloso. Existe, portanto, uma regra geral no sentido de que o inquérito policial é sigiloso, mas quando aqui se diz o termo “sigiloso”, no sentido de que só as partes envolvidas podem ter acesso (isso significa dizer que só o advogado, juiz, promotor e o investigado podem ter acesso). Se você não estiver sendo investigado, você não pode ter acesso ao inquérito, então, no inquérito policial, essa publicidade é uma publicidade restrita, porque ele é sigiloso. ➔ Em contrapartida, a regra do processo penal é que ele é público, ou seja, a regrano processo penal é que ele tenha uma publicidade ampla, o que quer dizer que qualquer pessoa, seja ela parte ou não, pode ter acesso ao processo. Então o inquérito é sigiloso, só as partes têm acesso (publicidade restrita), enquanto o processo é público (uma publicidade ampla, de modo que todas as pessoas, via de regra, podem ter acesso ao processo penal). OBS: O segredo de justiça serve para resguardar a privacidade das partes – a Constituição garante o direito à privacidade, então é preciso um balanceamento entre a privacidade das partes e a publicidade. A regra é que o processo seja público, mas quando se tem, ali, algum dado sigiloso que possa invadir a esfera da privacidade das partes, o acesso ao processo acaba se restringindo às partes. ESQUEMA: Princípio da publicidade 1. Ampla 2. Restrita Inquérito Policial x Processo Penal 3. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL O princípio do juiz natural deve ser compreendido como o direito que cada cidadão tem de saber, previamente, a autoridade que irá processar e julgá-lo caso venha a praticar uma conduta definida como infração penal pelo ordenamento jurídico. → Juiz natural, ou juiz legal, dentre outras denominações, é aquele constituído antes do fato delituoso a ser julgado, mediante regras taxativas de competência estabelecidas pela lei. Visa assegurar que as partes sejam julgadas por um juiz imparcial e independente. - Esse princípio possui 2 desdobramentos: 1. PROIBIÇÃO DE TRIBUNAL DE EXCEÇÃO Apesar do princípio do juiz natural não constar da Constituição Federal expressamente com essas palavras, não há como negar origens na própria Carta Magna. O inciso XXXVII do art. 5º da Magna Carta preceitua: Art. 5º, XXXVII, CF - não haverá juízo ou tribunal de exceção. → Juízo ou tribunal de exceção é aquele juízo instituído após a prática do delito com o objetivo específico de julgá-lo. Contrapõe-se, portanto, o juiz de exceção ao juiz natural, que pertence ao Judiciário e está revestido de garantias que lhe permitem exercer seu mister com objetividade, imparcialidade e independência. - A Constituição proíbe a criação de um juízo ou de um tribunal para poder julgar aquele caso especificamente. Na verdade, o juiz natural tem uma razão de ser que é zelar pela imparcialidade do juiz: esse juízo ou tribunal tem que já existir previamente, não é permitido o estabelecimento de um juízo ou de um tribunal especificamente para julgar determinado caso. OBS: Na nossa história moderna nós temos um tribunal de exceção que ficou famoso, inclusive há grande crítica a ele: o Tribunal de Nuremberg (julgou nazistas – 2ª guerra). OBS 2: Da vedação aos juízos ou tribunais de exceção não se pode concluir que exista qualquer impedimento à criação de justiças especializadas ou de varas especializadas (ex. de violência doméstica ou de família). Em relação a tais justiças, não se dá a criação de órgãos para julgar, de maneira excepcional, determinadas pessoas ou matérias. Ocorre, sim, simples atribuição a órgãos jurisdicionais inseridos na estrutura judiciária fixada na Constituição de competência para o julgamento de matérias específicas, com o objetivo de melhor atuar a norma substancial. 2. JUIZ COMPETENTE Art. 5º, LIII, CF - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. - Esse desdobramento se refere ao impedimento à subtração da causa do tribunal competente. → Autoridade competente, é aquela que possui competência atribuída constitucionalmente. Ou seja, a CF distribui a competência no processo penal. → Quando o princípio do juiz natural nos diz que ninguém será processado e nem julgado, senão pelo juiz competente, quer dizer que ninguém será processado e/ou julgado senão pelo juiz que tenha competência constitucional (que a Constituição dê a ele poderes para julgar aquele caso). Então sempre que há uma pessoa sendo julgada pelo juiz não competente, haverá uma violação ao princípio do juiz natural, constituindo uma nulidade que não está sujeita a ser sanada ou convalidada e que pode ser arguida a qualquer momento. 4. Direito a não autoincriminação // nemo tenetur se detegere O direito a não autoincriminação impõe que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. De acordo com o art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. → O direito ao silêncio, previsto na Carta Magna como direito de permanecer calado, apresenta-se apenas como uma das várias decorrências do nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. OBS: o princípio a não autoincriminação não é uma consequência do direito ao silêncio, mas ao contrário, o direito à não autoincriminação é muito mais amplo, e uma das suas decorrências é o direito ao silêncio. Então, o direito ao silêncio é um desdobramento à não autoincriminação. Porém, a CF previu, de maneira expressa, apenas o direito ao silêncio – o que não quer dizer que não exista o direito a não autoincriminação. → Além da Constituição Federal, o princípio do nemo tenetur se detegere também se encontra previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8º, § 2º, “g”). Artigo 8º - Garantias judiciais 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada. - O princípio do direito a não auto incriminação trata-se de uma modalidade de autodefesa passiva, que é exercida por meio da a inatividade do indivíduo sobre quem recai ou pode recair uma imputação. → Consiste, grosso modo, na proibição de uso de qualquer medida de coerção ou intimidação ao investigado (ou acusado) em processo de caráter sancionatório para obtenção de uma confissão ou para que colabore em atos que possam ocasionar sua condenação. • Titular do direito de não produzir prova contra si mesmo A forma como o direito de não se incriminar foi escrito e inserido em nosso texto constitucional e nos Tratados Internacionais acima referidos padece de deficiência, porque, em um primeiro momento, dá impressão de que teve como destinatário apenas a pessoa que se encontra na condição processual de preso, ou que figura como acusado da prática de determinado delito. Artigo 8º - Garantias judiciais 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada. Art. 5º, LXIII, CF - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. → Contudo, o dispositivo constitucional em destaque se presta para proteger não apenas quem está preso, como também aquele que está solto, assim como qualquer pessoa a quem seja imputada a prática de um ilícito criminal (imputado). Pouco importa se o cidadão é suspeito, investigado, denunciado, acusado ou condenado, e se está preso ou em liberdade. Ele não pode ser obrigado a confessar o crime. → Portanto, o titular do direito à não autoincriminação não é só aquele que está preso, mas sim toda pessoa que está diante de um ato que lhe possa prejudicar. OBS: É irrelevante, igualmente, que se trate de inquérito policial ou administrativo, processo criminal ou cível ou de Comissão Parlamentar de Inquérito. Se houver possibilidade de autoincriminação, a pessoa pode fazer uso do princípio do nemo tenetur se detegere. Importante– TESTEMUNHA: não é válido, arrolar alguém como testemunha e querer, em razão do dever de dizer a verdade aplicável à hipótese, forçá-la a responder sobre uma pergunta que importe, mesmo que indiretamente, em sua auto incriminação. → De certo que a testemunha, diferentemente do acusado, tem o dever de falar a verdade, sob pena de responder pelo crime de falso testemunho (CP, art. 342), porém não está obrigada a responder sobre fato que possa, em tese, incriminá-la. → Daí ter decidido o Supremo que não configura o crime de falso testemunho, quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la: HC 73035: “Não configura crime de falso testemunho quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la. Portanto, embora a testemunha não tenha direito ao silêncio, se ela está diante de uma questão que possa lhe incriminar, ela não é obrigada a falar a verdade pelo princípio da não autoincriminação. • Advertência quanto ao direito de não produzir prova contra si mesmo - Diante do teor expresso do art. 5º, LXIII, da CF, segundo o qual o preso será informado de seus direitos, dentre os quais o de permanecer calado, não é válida a tese de que não é necessária a advertência quanto ao direito ao silêncio sob o argumento de que ninguém pode alegar o desconhecimento da lei. → Com o objetivo de se evitar uma autoincriminação involuntária por força do desconhecimento da lei, deve, sim, haver prévia e formal advertência quanto ao direito ao silêncio, sob pena de se macular de ilicitude a prova então obtida. O acusado deve ser advertido, ademais, que o direito ao silêncio é uma garantia constitucional, de cujo exercício não lhe poderão advir consequências prejudiciais. a omissão do dever de informação ao preso dos seus direitos, no momento adequado, gera efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas as informações incriminatórias dele anteriormente obtidas, assim como das provas delas derivadas - Impõe-se, pois, que qualquer pessoa em relação à qual recaiam suspeitas da prática de um ilícito penal seja formalmente advertida de seu direito ao silêncio, sob pena de ilicitude das declarações por ela firmadas. Então não basta ter o direito ao silêncio, de modo que quando o cidadão vai depor (como investigado ou réu), o Estado deve informar à ele que ele tem esse direito (Aviso de Miranda / Lei de Miranda). OBSERVAÇÃO: Trata-se, o art. 5º, inciso LXIII, de mandamento constitucional semelhante ao famoso aviso de Miranda do direito norte-americano, em que o policial, no momento da prisão, tem de ler para o preso os seus direitos, sob pena de não ter validade o que por ele for dito. → Os Miranda rights ou Miranda warnings têm origem no famoso julgamento Miranda V. Arizona, verificado em 1966, em que a Suprema Corte americana, por cinco votos contra quatro, firmou o entendimento de que nenhuma validade pode ser conferida às declarações feitas pela pessoa à polícia, a não ser que antes ela tenha sido claramente informada de: 1) que tem o direito de não responder; 2) que tudo o que disser pode vir a ser utilizado contra ele; 3) que tem o direito à assistência de defensor escolhido ou nomeado. OBS: Tendo em vista que se considera ilícita a prova colhida mediante violação a normas constitucionais, notadamente aquelas que tutelam direitos fundamentais (CF, art. 5º, LVI, c/c art. 157, caput, do CPP), e como decorrência da necessidade de advertência quanto ao direito de não produzir prova contra si mesmo, não se pode considerar lícita, portanto, gravação clandestina de conversa informal de policiais com o preso, em modalidade de “interrogatório” sub-reptício, quando, além de o capturado não dar seu assentimento à gravação ambiental, não for advertido do seu direito ao silêncio. Importante – imprensa: não raramente a conversa informal entre indiciados presos e repórteres, antes ou depois do interrogatório, é gravada sem o conhecimento daqueles, e, de igual modo, utilizada, judicialmente, em prejuízo da defesa. Em regra, a ausência de advertência quanto ao direito ao silêncio, macularia eventuais declarações por ele fornecidas que lhe sejam prejudiciais, em razão da violação ao princípio que assegura o direito ao silêncio. Contudo, em relação à imprensa, não foi essa a orientação do STF. Em habeas corpus apreciado pela 2ª Turma, em que se alegava a ilicitude da prova juntada aos autos, consistente em entrevista concedida a jornal, na qual o acusado narrara o modus operandi de 2 homicídios a ele imputados, sem ter sido previamente advertido de seu direito ao silêncio, consignou- se que o dever de advertir os presos e os acusados em geral de seu direito de permanecerem calados consubstanciar-se-ia em uma garantia processual penal que teria como destinatário precípuo o Poder Público. Concluiu-se, portanto, não haver qualquer nulidade na juntada da prova, entrevista concedida espontaneamente a veículo de imprensa Portanto, o Aviso de Miranda se trata de uma obrigação destinada ao Estado – sempre que um agente estatal interrogar alguém, tem a obrigação de fazer a advertência -, não se aplicando ao particular (ex. repórter). • Desdobramentos do direito de não produzir prova contra si mesmo Em síntese, pode-se dizer que o direito de não produzir prova contra si mesmo, que tem lugar na fase investigatória e no curso da instrução processual, abrange: 1. o direito ao silêncio ou direito de ficar calado: corresponde ao direito de não responder às perguntas formuladas pela autoridade, funcionando como espécie de manifestação passiva da defesa. Aqui, o cidadão opta pelo silêncio. → O exercício do direito ao silêncio não é sinônimo de confissão ficta ou de falta de defesa; cuida-se de direito do acusado (CF, art. 5º, LXIII), no exercício da autodefesa, podendo ser usado como estratégia defensiva; OBS: Há uma tendência equivocada de se querer equiparar o princípio do nemo tenetur se detegere ao direito ao silêncio. Na verdade, é inadequado acreditar que o direito de permanecer calado somente confere à pessoa a garantia de que ela não pode ser obrigada a falar. O que o constituinte diz, quando ele assegura o direito de permanecer calado, é que a pessoa não pode ser obrigada a se incriminar ou, em outras palavras, que ela não pode ser obrigada a produzir prova contra si. Portanto, deve se compreender que o direito ao silêncio funciona apenas como uma das decorrências do princípio do nemo tenetur se detegere, do qual se extraem outros desdobramentos igualmente importantes. → É importante ressaltar também que, no Brasil, o direito ao silêncio é amplo: engloba o direito de ficar calado, bem como o direito de negar a verdade quando essa lhe desfavorece. → Além disso, o direito ao silêncio engloba, também, o silêncio parcial: o investigado ou o réu podem escolher as perguntas que querem responder (ou de quem querem responder). OBS: quando o cidadão opta pelo silêncio, a autoridade policial ou judiciária deve encerrar o depoimento. a nova figura delituosa introduzida pela nova Lei de Abuso de Autoridade, cujo art. 15, parágrafo único, inciso I, criminaliza a conduta do agente público que prossegue com o interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio. De maneira contundente, o novo tipo penal esclarece que, uma vez feita a opção livre e voluntária pelo direito ao silêncio, seja em relação ao todo, seja de maneira seletiva (a exemplo do que ocorre quando responde apenas às perguntas formuladas por seu defensor), impõe-se a imediata interrupção do ato, sem a formulação de mais nenhum questionamento. Toda e qualquer tentativa de dar continuidade ao ato poderá, doravante, tipificar a figura delituosa em análise, desde que,logicamente, presente o elemento subjetivo especial do art. 1º, §1º, da Lei n. 13.869/19 (“Finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”). 2. direito de não praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo: por força do direito de não produzir prova contra si mesmo, não se pode exigir um comportamento ativo do acusado que possa resultar a autoincriminação. A pessoa não é obrigada a praticar qualquer ato que, a juízo dela, possa a prejudicar ou incriminar. → Assim, sempre que a produção de prova tiver como pressuposto uma ação por parte do acusado, será indispensável seu consentimento. Importante: Cuidando-se do exercício de um direito, tem predominado o entendimento de que não se admitem medidas coercitivas contra o acusado para obrigá-lo a cooperar na produção de provas que dele demandem um comportamento ativo. Além disso, a recusa do acusado em se submeter a tais provas não configura o crime de desobediência nem o de desacato, e dela não pode ser extraída nenhuma presunção de culpabilidade, pelo menos no processo penal OBS: São incompatíveis, assim, com a Constituição Federal e com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos quaisquer dispositivos legais que possam, direta ou indiretamente, forçar o suspeito, indiciado, acusado, ou até mesmo a testemunha, a produzir prova contra si mesmo. Exemplos: a) o acusado não está obrigado a fornecer padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial de verificação de interlocutor; b) o acusado não está obrigado a fornecer material para exame grafotécnico: no exame para o reconhecimento de escritos, por comparação de letra, pode ser necessário que a pessoa a quem se atribui o escrito forneça material de seu punho subscritor para que sirva de parâmetro para a comparação. Nesse caso, como a realização do exame demanda um comportamento ativo do acusado, a tanto não se pode compeli-lo; c) configura constrangimento ilegal a decretação de prisão preventiva de indiciados diante da recusa destes em participarem de reconstituição do crime; d) Bafômetro: Para fins de comprovação de embriaguez ao volante, foi criado o bafômetro. Mas será que o condutor do veículo está obrigado a soprar o bafômetro ou se sujeitar ao exame de sangue? Não estaria ele, assim o fazendo, produzindo prova contra si mesmo? A respeito do assunto, é dominante o entendimento de que a recusa do condutor em submeter-se ao bafômetro ou a um exame de sangue não configura crime de desobediência nem pode ser interpretada em seu desfavor, pelo menos no âmbito criminal. Nessa linha, há precedentes no sentido de que não se pode presumir a embriaguez de quem não se submete a exame de dosagem alcoólica: afinal, a Constituição da República impede que se extraia qualquer conclusão desfavorável àquele que, suspeito ou acusado de praticar alguma infração penal, exerce o direito de não produzir prova contra si mesmo (princípio do nemo tenetur se detegere). e) Se deseja fazer um teste de DNA e, para isso, uma pessoa precisa fornecer a sua saliva, se essa pessoa se recusar a fornecer essa saliva, ela não é obrigada a praticar aquele ato que possa lhe desfavorecer. Ninguém é obrigado a praticar qualquer ato que possa lhe desfavorecer. A pessoa não é obrigada a realizar o DNA ou fornecer seu material genético. 3. Direito de recusar condutas invasivas: - Nesse ponto é importante compreender o que se entende por intervenções corporais, assim como o conceito de provas invasivas e não invasivas. 1. Intervenções corporais: são medidas de investigação que se realizam sobre o corpo das pessoas, com a finalidade de descobrir circunstâncias fáticas que seja importantes para o processo. Ex.: exame de sangue, ginecológico, identificação dentária, endoscopia, exame do reto, entre outras tantas perícias como o exame de matérias fecais, de urina, de saliva, exames de DNA usando fios de cabelo, etc. As intervenções corporais podem ser de 2 espécies: 1) Provas invasivas: são as intervenções corporais que pressupõem penetração no organismo humano, por instrumentos ou substâncias, em cavidades naturais ou não, implicando na utilização (ou extração) de alguma parte dele ou na invasão física do corpo humano, tais como os exames de sangue, o exame ginecológico, a identificação dentária, a endoscopia (usada para localização de droga no corpo humano) e o exame do reto; 2) Provas não invasivas: consistem numa inspeção ou verificação corporal. São aquelas em que não há penetração no corpo humano, nem implicam a extração de parte dele, como as perícias de exames de materiais fecais, os exames de DNA realizados a partir de fios de cabelo encontrados no chão, etc. Portanto, por exemplo, as células bucais encontradas na saliva podem ser utilizadas para a realização de um exame de DNA. A forma de sua coleta é que vai determinar se é prova invasiva ou não invasiva. Caso as células sejam colhidas na cavidade bucal, haverá intervenção corporal invasiva. Agora, a saliva também pode ser colhida sem qualquer intervenção corporal, possibilitando a realização do exame de DNA a partir de material encontrado no lixo, como chicletes, pontas de cigarro, latas de cerveja e refrigerantes, que contêm resquícios da saliva que podem ser examinados. - Ou seja, em se tratando de prova não invasiva (inspeções ou verificações corporais), mesmo que o agente não concorde com a produção da prova, esta poderá ser realizada normalmente, desde que não implique colaboração ativa por parte do acusado. → Além disso, caso as células corporais necessárias para realizar um exame pericial sejam encontradas no próprio lugar dos fatos (mostras de sangue, cabelos, pelos, etc.), no corpo ou vestes da vítima ou em outros objetos, poderão ser recolhidas normalmente, utilizando os meios normais de investigação preliminar (busca e/ou apreensão domiciliar ou pessoal). → Em outras palavras, quando se trata de material descartado pela pessoa investigada, é impertinente invocar o princípio do nemo tenetur se detegere. Nesse caso, é plenamente possível apreender o material descartado, seja orgânico (produzido pelo próprio corpo, como saliva, suor, fios de cabelo), seja ele inorgânico (decorrentes do contato de objetos com o corpo, tais como copos ou garrafas sujas de saliva, etc.) Exemplificando: se não é possível retirar à força um fio de cabelo de um suspeito para realizar um exame de DNA, nada impede que um fio de cabelo desse indivíduo seja apreendido em um salão de beleza. Situação semelhante ocorreu em caso envolvendo a descoberta do episódio em que uma criança recém-nascida foi retirada do berçário da maternidade por uma mulher que passou a assumir perante todos ser a verdadeira mãe. Como a suposta mãe não aceitou submeter-se à coleta de material genético, esperou-se uma oportunidade para arrecadar uma ponta de cigarro descartada pela “filha”, contendo partículas das glândulas salivares, o que permitiu, após a análise do DNA, ter-se a certeza de que ela, de fato, não era filha da investigada. Como a prova foi produzida de maneira involuntária pela suposta filha, a prova então obtida foi considerada lícita - Por outro lado, cuidando-se de provas invasivas, por conta do princípio do nemo tenetur se detegere, a jurisprudência tem considerado que o suspeito, indiciado, preso ou acusado, não é obrigado a se autoincriminar, podendo validamente recusar-se a colaborar com a produção da prova, não podendo sofrer qualquer gravame em virtude dessa recusa. Em diversos julgados, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o acusado não está obrigado a se sujeitar a exame de DNA, mesmo no âmbito cível. OBS: Havendo o consentimento do sujeito passivo da medida, após prévia advertência do direito de não produzir prova contrasi mesmo, a intervenção corporal poderá ser realizada normalmente, seja a prova invasiva ou não invasiva. A Carta Magna não estabeleceu a reserva de jurisdição para a determinação das intervenções corporais. Logo, não há necessidade de prévia autorização judicial para a realização dessas medidas, as quais podem ser determinadas inclusive pela autoridade policial. Porém, mesmo com a anuência do cidadão, não se admite que o Estado submeta alguém a intervenções corporais que ofendam a dignidade da pessoa humana ou que coloquem em risco sua integridade física ou psíquica além do que é razoavelmente tolerável. A propósito, dispõe o art. 15 do Código Civil que ‘ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica’. Exemplo de procedimento mais complexo que pode causar risco à saúde, o que é denominado pela doutrina alemã de ingerência corporal, é a radiografia em mulheres grávidas. OBSERVAÇÃO: consequências penais e cíveis da não obrigação de produzir prova contra si mesmo - Se o direito de não produzir prova contra si mesmo tem aplicação no âmbito extrapenal e no âmbito penal, daí não se pode concluir que a recusa em se submeter às provas invasivas seja tratada de modo semelhante no processo civil e no processo penal: → De fato, há de se ficar atento à diferença do tratamento dispensado às consequências da recusa do agente em produzir prova contra si mesmo, porquanto, no que toca exclusivamente ao processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII). - No âmbito cível: não vigora o princípio da presunção de inocência. Em razão disso, a controvérsia será resolvida com base na regra do ônus da prova, sendo que a recusa do réu em se submeter ao exame pode ser interpretada em seu prejuízo, no contexto do conjunto probatório. Nesse sentido, dispõe o art. 232 do Código Civil: A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame. Por sua vez, a súmula nº 301 do STJ destaca que em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter- se ao exame de DNA induz presunção iuris tantum de paternidade. Logo, apesar de o agente também não ser obrigado a se submeter à prova invasiva no âmbito cível, de sua recusa poderão ser extraídas consequências que lhe sejam desfavoráveis, tais como a presunção relativa de paternidade, em casos em que existam outras provas. - De modo diverso, no processo penal, firmada a relevância do princípio da presunção de inocência, com a regra probatória que dele deriva, segundo a qual o ônus da prova recai exclusivamente sobre a parte acusadora, não se admite eventual inversão do ônus da prova em virtude de recusa do acusado em se submeter a uma prova invasiva. Assim, supondo um crime sexual em que vestígios de esperma tenham sido encontrados na vagina da vítima, da recusa do acusado em se submeter a um exame de DNA não se pode presumir sua culpabilidade, sob pena de violação aos princípios do nemo tenetur se detegere e da presunção de inocência. • O direito de não produzir provas contra si mesmo e a prática de outros delitos. - Não se pode negar a importância do direito a não autoincriminação. Contudo, em virtude do princípio da convivência das liberdades (pelo qual não se permite que qualquer das liberdades seja exercida de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias), esse direito não pode ser entendido em sentido absoluto: → Discute-se, assim, se seria possível reconhecer a incidência do nemo tenetur se detegere quando um segundo delito fosse praticado para encobrir o primeiro. ➔ É o que ocorre, por exemplo, quando o agente, após praticar determinado delito, inova artificiosamente o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito com o objetivo de produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado (CP, art. 347, parágrafo único). FRAUDE PROCESSUAL Art. 347 - Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito: Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa. Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro. - Nesse caso, é possível que o agente responda pelos dois delitos em concurso material? Ou será que o segundo delito – fraude processual – está amparado pela excludente da ilicitude do exercício regular de direito (direito de não produzir prova contra si mesmo)? → Caso haja a prática de nova infração penal, de maneira autônoma e dissociada de qualquer exigência de colaboração por parte de autoridade, com o objetivo de encobrir delito anteriormente praticado, não há falar em incidência do nemo tenetur se detegere. Desse princípio não decorre anão punibilidade de crimes conexos praticados para encobrir a prática de outros. Não fosse assim, um crime de homicídio praticado contra a testemunha que presenciou o crime antecedente poderia ser considerado como exercício regular de direito. Portanto, em tais situações, como não há risco concreto de autoincriminação, mas mero temor genérico de revelação de crime anteriormente praticado, não se pode admitir que o direito de não produzir prova contra si mesmo possa atenuar a responsabilidade criminal do agente. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça assim se pronunciou no habeas corpus impetrado no vaso da Isabela Nardoni, e também por fraude processual, em decorrência da alteração do local do crime: “(...) O direito à não auto-incriminação não abrange a possibilidade de os acusados alterarem a cena do crime, inovando o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, para, criando artificiosamente outra realidade, levar peritos ou o próprio Juiz a erro de avaliação relevante (...)”. Há também, a Súmula nº522 do STJ: A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa. Portanto, dar uma identidade falsa, ainda que para se ver livre de uma acusação criminal, não é coberto pelo direito ao silêncio, respondendo por crime de falsa identidade. . - Em sentido semelhante, no julgamento de Recurso Extraordinário, com repercussão geral reconhecida, se discutiu a constitucionalidade da criminalização da fuga de local de acidente constante do art. 305 do CTB: Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa. → Nesse julgamento, o Plenário do STF aprovou a seguinte tese: “A regra que prevê o crime do art. 305 do CTB é constitucional posto não infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e as hipóteses de exclusão de tipicidade e de antijuridicidade”. ➔ Na visão da Corte, a exigência de permanência no local do acidente e de identificação perante a autoridade de trânsito não obriga o condutor a assumir expressamente sua responsabilidade civil ou penal e tampouco enseja que seja aplicada contra ele qualquer penalidade caso assim não o proceda. Na verdade, a depender do caso concreto, a sua permanência no local pode até constituir um meio de autodefesa, na medida em que terá a oportunidade de esclarecer, de imediato, eventuais circunstâncias do acidente que lhe sejam favoráveis. ➔ Portanto, ao permanecer no local, ele não estará automaticamente se incriminando. 5. PROIBIÇÃO DE PROVAS ILÍCITAS CF, art. 5º, LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Art. 157, CPP. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. - As provas ilícitas são inadmitidas no processopenal. Se a prova for ilícita, ela deverá ser desentranhada dos autos. → São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas (art. 157 §1º - Teoria dos Frutos da árvore envenenada), salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. OBS: Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova (157, §2º). - Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente (157 §4º). A prova declarada inadmissível não poderá constituir conteúdo da sentença ou acórdão a serem proferidos pelo juiz (art. 157, §5º). Importante: a prova ilícita pode ser utilizada quando ela vier a beneficiar o réu. Não se pode admitir que alguém venha a ser preso sabendo que há uma prova, ainda que ilícita, que o absolva. Há doutrinadores que dizem que, nesses casos, a prova nem mesmo poderia ser considerada ilícita, pois um dos fatos que exclui a ilicitude é o estado de necessidade. Então quando se produz uma prova ilícita para preservar a liberdade, há presente o estado de necessidade. Exemplo: um cidadão era gerente do Brasil e ele abriu uma conta em nome de um laranja e ele autorizou o empréstimo, para este laranja, de 200 mil reais e, da conta do laranja, ele transferiu os 200 mil reais para a conta corrente dele. Isso é, obviamente, crime de peculato, uma vez que ele é funcionário público (gerente do Banco do Brasil) e se apropriou de um dinheiro. O banco tinha dois gerentes, o outro gerente descobriu essa situação e imprimiu os extratos (pegou o extrato da conta do laranja, com a autorização do empréstimo de 200 mil e a transferência para a outra do outro gerente), esses extratos bancários foram levados para o delegado. O delegado já, de cara, falou que se tratava de um peculato e chamou o gerente que fez todo esse “rolo” que, por sua vez, ficou em silêncio. O MP denunciou por peculato dizendo que as provas dos extratos bancários eram claras – qual a solução para esse caso, lembrando que quebra de sigilo bancário precisa de autorização? Como, pelo visto, não houve uma determinação judicial para que ocorresse a quebra de sigilo bancário e, além disso, ficar evidente que a emissão desses extratos não terem sido realizados com a devida autorização do titular daquela conta ou por solicitação deste, o que pode ser presumido em virtude de se tratar de uma prova contra ele (gerente que, supostamente, cometeu peculato) fica configurada a violação do sigilo da conta. Assim, como a caracterização dessa quebra de sigilo bancário, ato que, por si só, trata- se de ilícito gerador de dano moral, muito possivelmente não poderão ser utilizados tais extratos, orientando-nos pelo princípio da proibição de provas ilícitas, segundo o qual, tal espécie de prova é inadmitida. E, além disso, como ocorre essa quebra de sigilo bancário, o que se trata de um ilícito gerador de dano moral, conforme já dito, pode ser que venham a ser presumidos os prejuízos, não se fazendo necessário a sua prova para a caracterização do dano moral advindo do ilícito. Portanto, tratavam-se de provas ilícitas, devendo elas serem retiradas dos autos e, sendo assim, o juiz deve dar essa sentença sem as referidas provas, o que iria culminar na absolvição do réu, pois só havia essa prova a respeito do delito. 6. Princípio Contraditório De acordo com o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. - O princípio do contraditório, na sua concepção clássica, é a ciência bilateral dos atos ou termos do processo e a possibilidade de contrariá-los. → De acordo com esse conceito, o núcleo fundamental do contraditório estaria ligado à discussão dialética dos fatos da causa, devendo se assegurar a ambas as partes, e não somente à defesa, a oportunidade de fiscalização recíproca dos atos praticados no curso do processo. É esse o motivo pelo qual a doutrina se vale da expressão “audiência bilateral”. → Diante dessa concepção, seriam 2 os elementos do contraditório: é necessária a informação das partes sobree os atos, e permitir a participação das partes nos referidos atos. a) direito à informação: não se pode cogitar da existência de um processo penal eficaz e justo sem que a parte adversa seja cientificada da existência da demanda ou dos argumentos da parte contrária. Daí a importância dos meios de comunicação dos atos processuais: citação, intimação e notificação; b) direito de participação: também deriva do contraditório o direito à participação, aí compreendido como a possibilidade de a parte oferecer reação, manifestação ou contrariedade à pretensão da parte contrária ► Paridade de armas // igualdade de armas - Pela concepção original do princípio do contraditório, entendia-se que, quanto à reação, bastava que a mesma fosse possibilitada, ou seja, tratava-se de reação possível. No entanto, a mudança de concepção sobre o princípio da isonomia, com a superação da mera igualdade formal e a busca de uma igualdade substancial, produziu a necessidade de se igualar os desiguais, repercutindo também no âmbito do princípio do contraditório. → Notadamente no âmbito processual penal, não basta assegurar ao acusado apenas o direito à informação e à reação em um plano formal, tal qual acontece no processo civil. Estando em discussão a liberdade de locomoção, ainda que o acusado não tenha interesse em oferecer reação à pretensão acusatória, o próprio ordenamento jurídico impõe a obrigatoriedade de assistência técnica de um defensor. → Nesse contexto, dispõe o art. 261 do CPP que nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. E não se deve contentar com uma atuação meramente formal desse defensor. Basta perceber que, dentre as atribuições do juiz-presidente do júri, o CPP elenca a possibilidade de nomeação de defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso (CPP, art. 497, V). → Portanto, pode-se dizer que se, em um primeiro momento, o contraditório limitava-se ao direito à informação e à possibilidade de reação. Contudo, atualmente, o contraditório passou a ser analisado também no sentido de se assegurar o respeito à paridade de tratamento (par conditio ou paridade de armas). ► Inquérito e processo penal - Prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a observância do contraditório só é obrigatória, no processo penal, na fase processual, e não na fase investigatória. Isso porque o dispositivo do art. 5º, LV, da Carta Magna, faz menção à observância do contraditório em processo judicial ou administrativo. Logo, considerando-se que o inquérito policial é tido como um procedimento administrativo destinado à colheita de elementos de informação quanto à existência do crime e quanto à autoria ou participação, não há falar em observância do contraditório na fase preliminar de investigações → Apesar de não ter o que se falar de contraditório no inquérito, não significa que o investigado não tenha acesso aos autos do inquérito (ampla defesa). ► Contraditório e produção de provas - Sempre que o juiz vai produzir uma prova, ele tem que permitir que as partes participem dessa produção. Contudo, há alguns casos específicos onde o contraditório é observado tão somente após a produção de provas, que é o caso das provas cautelares (não pode ter contraditório, pois corre-se o risco da prova se tornar ineficaz). Pode-se dividir o contraditório para a prova e contraditório sobre a prova: a) Contraditório para a prova (ou contraditórioreal): demanda que as partes atuem na própria formação do elemento de prova, sendo indispensável que sua produção se dê na presença do órgão julgador e das partes. Ou seja, se refere aos elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial e com a necessária participação dialética das partes. Exemplo: É o que acontece com a prova testemunhal colhida em juízo, onde não há qualquer razão cautelar a justificar a não intervenção das partes quando de sua produção, sendo obrigatória, pois, a observância do contraditório para a realização da prova. b) Contraditório sobre a prova: refere-se ao caso de provas cautelares. → O contraditório sobre a prova, também conhecido como contraditório diferido ou postergado, traduz-se no reconhecimento da atuação do contraditório após a formação da prova. Em outras palavras, a observância do contraditório é feita posteriormente, dando-se oportunidade ao acusado e a seu defensor de, no curso do processo, contestar a providência cautelar, ou de combater a prova pericial feita no curso do inquérito. Exemplo: É o que acontece, por exemplo, com uma interceptação telefônica judicialmente autorizada no curso das investigações. Nessa hipótese, não faz sentido algum querer intimar previamente o investigado para acompanhar os atos investigatórios. Enquanto a interceptação estiver em curso, não há falar, portanto, em contraditório real. Porém, uma vez finda a diligência, e juntado aos autos o laudo de degravação e o resumo das operações realizadas (Lei nº 9.296/96, art. 6º), deles se dará vista à Defesa, a fim de que tenha ciência das informações obtidas através do referido procedimento investigatório, preservando-se, assim, o contraditório e a ampla defesa. Nesse caso, não há falar em violação à garantia da bilateralidade da audiência, porquanto o exercício do contraditório será apenas diferido para momento ulterior à decisão judicial. OBS: no processo penal, só pode ser chamado de prova o que passa pelo contraditório. O produzido no inquérito não pode ser considerado prova, pois não tem contraditório. Portanto, não pode ser usado de modo exclusivo pelo magistrado para fundamentar sua sentença. 7. Ampla defesa. De acordo com o art. 5º, LV, da Magna Carta, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” → Quando a Constituição Federal assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral a ampla defesa, entende-se que a proteção deve abranger o direito à defesa técnica (processual ou específica) e à autodefesa (material ou genérica), havendo entre elas relação de complementariedade. OBS: Por força da ampla defesa, admite-se que o acusado seja formalmente tratado de maneira desigual em relação à acusação, delineando o viés material do princípio da igualdade. Por consequência, ao acusado são outorgados diversos privilégios em detrimento da acusação, como a existência de recursos privativos da defesa, a proibição da reformatio in pejus, a regra do in dubio pro reo, a previsão de revisão criminal exclusivamente pro reo, etc., privilégios estes que são reunidos no princípio do favor rei. a) Defesa técnica: todos que respondem a um processo criminal tem obrigação de serem assistidos por um advogado. Não basta ter um defensor, mas é necessária uma defesa efetiva. → Defesa técnica é aquela exercida por profissional da advocacia, dotado de capacidade postulatória, seja ele advogado constituído, nomeado, ou defensor público. Para ser ampla, como impõe a Constituição Federal, apresenta-se no processo como defesa necessária, indeclinável, plena e efetiva, não sendo possível que alguém seja processado sem que possua defensor. Defesa técnica necessária e irrenunciável: A defesa técnica é indisponível e irrenunciável. Logo, mesmo que o acusado, desprovido de capacidade postulatória, queira ser processado sem defesa técnica, e ainda que seja revel, deve o juiz providenciar a nomeação de defensor. Exatamente em virtude disso, dispõe o art. 261 do CPP que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”. Não se admite, assim, processo penal sem que a defesa técnica seja exercida por profissional da advocacia. Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada. Caso o processo tenha curso sem a nomeação de defensor, seja porque o acusado não constituiu advogado, seja porque o juiz não lhe nomeou advogado dativo ou defensor público, o processo estará eivado de nulidade absoluta, por afronta à garantia da ampla defesa (CPP, art. 564, III, “c”). Nessa linha, segundo a súmula nº 708 do Supremo, “é nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro”. OBS: Logicamente, se o acusado é profissional da advocacia, poderá exercer sua própria defesa técnica. Todavia, não o sendo, sua defesa técnica deverá ser exercida por profissional da advocacia legalmente habilitado nos quadros da OAB. Para que o próprio acusado possa exercer sua defesa técnica, não basta que seja dotado de capacitação técnica. O acusado deve ser advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. OBS 2: a despeito do evidente conhecimento jurídico de que são dotados, se acusados criminalmente, juízes e/ou promotores não podem exercer sua defesa técnica. Nesse sentido, como já se pronunciou o Supremo, “nas ações penais originárias, a defesa preliminar (L. 8.038/90, art. 4º), é atividade privativa dos advogados. Os membros do Ministério Público estão impedidos de exercer advocacia, mesmo em causa própria. São atividades incompatíveis (L. 8.906/94, art. 28)”. Defesa técnica plena e efetiva: Para que seja preservada a ampla defesa a que se refere a Constituição Federal, a defesa técnica, além de necessária e indeclinável, deve ser plena e efetiva. No curso do processo, é necessário que se perceba efetiva atividade defensiva do advogado no sentido de assistir seu cliente. Esse o motivo pelo qual a Lei nº 10.792/03 acrescentou o parágrafo único ao art. 261 do CPP, de modo a exigir que a defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, seja sempre exercida por manifestação fundamentada. Caso não haja uma defesa técnica plena e efetiva, de modo que o profissional formalmente designado para defender o acusado tenha uma atuação precária, será como se o acusado tivesse sido processado sem defesa técnica. Em casos como este, recai sobre o Ministério Público e sobre o juiz o dever de fiscalizar a atuação defensiva do advogado, evitando-se, assim, possível caracterização de nulidade absoluta do feito, por violação à ampla defesa. Nesse sentido, a súmula 523 do STF dispõe que, “no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prejuízo para o réu”. Assim, caso haja falha na atuação do defensor, com a causação de prejuízo ao acusado, o processo deve ser anulado. Em outras palavras, a defesa não pode ser meramente formal, devendo ser adequadamente exercida. OBS: Obrigatoriamente, deve o defensor atuar em benefício do acusado, sob pena de se considerá- lo indefeso. Isso, no entanto, não significa dizer que o defensor deverá sempre e invariavelmente pedir a absolvição do acusado. A depender das circunstâncias do caso concreto, esse pedido absolutório não será uma alternativa viável e tecnicamente possível. Direito de escolha do defensor: Em virtude da relação de confiança que necessariamente se estabelece entre o acusado equem o defende, entende-se que um dos desdobramentos da ampla defesa é o direito que o acusado tem de escolher seu próprio advogado. Logo, não sendo possível ao defensor constituído assumir ou prosseguir no patrocínio da causa penal, incumbe ao juiz ordenar a intimação do réu para que este, querendo, escolha outro advogado. Tem o acusado, portanto, o direito de escolher seu próprio defensor, não sendo possível que o juiz substitua seu advogado constituído por outro de sua nomeação. A nomeação de defensor pelo juiz só poderá ocorrer nas hipóteses de abandono do processo pelo advogado constituído e desde que o acusado permaneça inerte, após ser instado a constituir novo defensor. Assim, se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação (CPP, art. 263, caput). Supondo, então, que o advogado constituído do acusado tenha deixado de apresentar memoriais (CPP, art. 403, § 3º), não poderá o juiz, de plano, nomear advogado dativo ou defensor público para oferecer a referida peça de defesa. Antes, deve intimar o acusado para que constitua novo advogado. P b) Defesa pessoal (autodefesa): Autodefesa é aquela exercida pelo próprio acusado, em momentos cruciais do processo. Diferencia-se da defesa técnica porque, embora não possa ser desprezada pelo juiz, é disponível, já que não há como se compelir o acusado a exercer seu direito ao interrogatório nem tampouco a acompanhar os atos da instrução processual. OBS: De modo a se assegurar o exercício da autodefesa, o acusado deve ser citado pessoalmente, pelo menos em regra. Caso o acusado não seja encontrado, e somente depois de esgotadas todas as diligências no sentido de localizá-lo, será possível sua citação por edital, com o prazo de 15 (quinze) dias. Daí dispor a súmula nº 351 do Supremo Tribunal Federal que “é nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da federação em que o juiz exerce a sua jurisdição”. Ora, se o acusado estava preso, é dever do Estado ter conhecimento de sua localização, a fim de citá-lo pessoalmente. Se a citação foi feita por edital, deve ser considerada nula. - A autodefesa se manifesta no processo penal de várias formas: a) direito de audiência; b) direito de presença; c) capacidade postulatória autônoma do acusado. B1. direito de audiência: direito de audiência pode ser entendido como o direito que o acusado tem de apresentar ao juiz da causa a sua defesa, pessoalmente. Esse direito se materializa através do interrogatório, já que é este o momento processual adequado para que o acusado, em contato direto com o juiz natural, possa trazer ao magistrado sua versão a respeito da imputação constante da peça acusatória. OBS: Daí o entendimento hoje majoritário em torno da natureza jurídica do interrogatório: meio de defesa. Atualmente, como o acusado não é obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante em virtude do direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII), não podendo sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício dessa especial prerrogativa, entende-se que o interrogatório se qualifica como meio de defesa. O interrogatório está relacionado, assim, ao direito de audiência, desdobramento da autodefesa. B2. direito de presença: Por meio do direito de presença, assegura-se ao acusado a oportunidade de, ao lado de seu defensor, acompanhar os atos de instrução, auxiliando-o na realização da defesa. Daí a importância da obrigatória intimação do defensor e do acusado para todos os atos processuais. Afinal, durante a instrução criminal, podem ser prestadas declarações cuja falsidade ou incorreção só o acusado consiga detectar. Nesse caso, o acusado deve poder relatar de imediato tais falsidades ou incorreções ao seu defensor técnico, a fim de que este último tenha tempo hábil para explorá-las, durante a colheita da prova. OBS: Se o direito de presença é um desdobramento da autodefesa, a qual é disponível, conclui-se que o comparecimento do réu aos atos processuais, em princípio, é um direito, e não um dever, sem embargo da possibilidade de sua condução coercitiva, caso necessário, por exemplo, para audiência de reconhecimento, ato este que não está protegido pelo direito à não autoincriminação. Nem mesmo ao interrogatório estará o acusado obrigado a comparecer, até mesmo porque a Constituição Federal lhe assegura o direito ao silêncio. De todo modo, caso o acusado não compareça à audiência, a presença do defensor será sempre necessária e obrigatória, seja ele constituído, público, dativo ou nomeado para o ato B.3 capacidade postulatória: Quanto ao terceiro desdobramento da autodefesa, entende-se que, em alguns momentos específicos do processo penal, defere-se ao acusado capacidade postulatória autônoma, independentemente da presença de seu advogado. É por isso que, no processo penal, o acusado pode interpor recursos (CPP, art. 577, caput), impetrar habeas corpus (CPP, art. 654, caput), ajuizar revisão criminal (CPP, art. 623), assim como formular pedidos relativos à execução da pena (LEP, art. 195, caput). Em tais situações, mesmo não sendo profissional da advocacia, a Constituição Federal e a legislação ordinária conferem ao acusado capacidade postulatória autônoma, possibilitando que ele dê o impulso inicial ao recurso, às ações autônomas de impugnação ou aos procedimentos incidentais relativos à execução. Uma vez dado o impulso inicial pelo acusado, pensamos que, em seguida, e de modo a lhe assegurar a mais ampla defesa, há de ser garantida a assistência de defensor técnico, possibilitando, a título de exemplo, a apresentação das respectivas razões recursais, etc. Essas manifestações do acusado não violam o disposto no art. 133 da Constituição Federal, que prevê a advocacia como função essencial à administração da justiça. Deve se entender que, no processo penal, essas manifestações defensivas formuladas diretamente pelo acusado não prejudicam a defesa, apenas criando uma possibilidade a mais de seu exercício. SISTEMAS PROCESSUAIS - SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS: são duas as formas de se entender o processo penal, por meio do sistema inquisitivo e acusatório. Não há nenhum sistema puro, mas sim com características predominantes inquisitivas ou acusatórias. ➢ SISTEMA INQUISITORIAL - Típico dos sistemas ditatoriais, tem como característica principal o fato de as funções de acusar, defender e julgar encontrarem-se concentradas em uma única pessoa, que assume assim as vestes de um juiz acusador, chamado de juiz inquisidor. → Essa concentração de poderes nas mãos do juiz compromete, invariavelmente, sua imparcialidade. Afinal, o juiz que atua como acusador fica ligado psicologicamente ao resultado da demanda, perdendo a objetividade e a imparcialidade no julgamento. → Nesse sistema, não há falar em contraditório, o qual nem sequer seria concebível em virtude da falta de contraposição entre acusação e defesa. Ademais, geralmente o acusado permanecia encarcerado preventivamente, sendo mantido incomunicável. → No sistema inquisitivo, não existe a obrigatoriedade de que haja uma acusação realizada por órgão público ou pelo ofendido, sendo lícito ao juiz desencadear o processo criminal ex officio. Na mesma linha, o juiz inquisidor é dotado de ampla iniciativa probatória, tendo liberdade para determinar de ofício a colheita de provas, seja no curso das investigações, seja no curso do processo penal, independentemente de sua proposição pela acusação ou pelo acusado. A gestão das provas estava concentrada, assim, nas mãos do juiz, que, a partir da prova do fato e tomando como parâmetro a lei, podia chegar à conclusão que desejasse. → No sistema inquisitorial, o acusado é mero objeto do processo, não sendo considerado sujeito de direitos. Na
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