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Sociolinguística A língua é uma instituição social. Logo, não pode ser entendida como uma estrutura autônoma e não pode ser desvinculada de sua função sócio- comunicativa. A variação e a mudança são inerentes às línguas. A língua é uma estrutura maleável, com variações, mas há muitos elementos comuns às diferentes variedades da língua que são estáveis. Logo, nem tudo é variação. Prof. Adriana L. Martins As línguas são heterogêneas por natureza. Na fala, vê-se esse dinamismo (mais de uma forma para um significado) no nível da fonética- fonologia, do léxico e da morfossintaxe. Ex.1: Realizações alternadas entre “flamengo” e “framengo”, “andando” e “andano”, “falar” e “falá”. Ex.2: Forma preferencial por “tu” no sul do Brasil e por “você” no restante dele na interlocução com ouvinte. Ex.3: Realizações alternadas entre “eu vi ele” e “eu o vi”, “fomos no museu” e “fomos ao museu”. Prof. Adriana L. Martins Variação: fenômeno motivado por fatores linguísticos (estruturais) e extralinguísticos de diversos tipos; ilustra o caráter adaptativo da língua como código de comunicação; princípio geral e universal das línguas, passível de ser descrita e analisada; é sistemática e previsível; pode dar-se nos eixos diatópico, diastrático e diafásico; é contínua (não é possível demarcar nitidamente as localizações geográficas e sociais em que ocorre). Prof. Adriana L. Martins Três tipos básicos de variação: variação regional: associada a distâncias espaciais entre regiões diferentes; variação social: associada a diferenças entre grupos distintos (faixa etária, grau de escolaridade, nível socioeconômico); variação de registro: associada ao grau de formalidade do contexto de interação ou do meio usado para a comunicação (fala, e-mail, jornal). Prof. Adriana L. Martins Variantes: formas equivalentes semanticamente que co-ocorrem num dado estado de tempo na língua. Variáveis: quando há uma variação na língua, fala-se em um fenômeno linguístico variável. Ou seja, o conjunto de variantes chama-se “variável linguística”. Os parâmetros reguladores (contextualizadores) dos fenômenos variáveis condicionam positiva ou negativamente o uso de formas variantes. Prof. Adriana L. Martins Parâmetros contextualizadores da variação: são em grande número, agem simultaneamente e emergem de dentro e de fora dos sistemas linguísticos. Variáveis internas à língua: fatores fono-morfo- sintáticos, semânticos, discursivos e lexicais. Variáveis externas à língua: fatores inerentes ao indivíduo (sexo, idade, etnia), sócio-geográficos (região, escolarização, renda, profissão, classe social) e contextuais (grau de formalidade e tensão discursiva). Prof. Adriana L. Martins Uma variável pode ser binária, com 2 variantes, ou eneária, com 3 ou mais variantes. Ex.1 (binária): A variável “/t/_i” possui duas variantes: realização [t], por exemplo, em Recife, e [tς], no Rio de Janeiro, como em “[t]io” x “[tς]io”. Ex.2 (eneária): A variável “r” como vibrante final (“mulher”, “cantar”) tem várias variantes fonéticas no Brasil, sendo as principais: pronúncias vibrante alveolar, retroflexa, velar, fricativa glotal e zero (ausência de som). Prof. Adriana L. Martins No desenvolvimento do estudo, são definidas as variáveis dependentes e as variáveis independentes. Retomando o exemplo do “r” como vibrante final, podemos propor que: 1. as variantes presença versus ausência de consoante vibrante final constituem a variável dependente; Prof. Adriana L. Martins 2. os fatores linguísticos e extralinguísticos que interferem na produção ou omissão da consoante vibrante final constituem as variáveis independentes: Variáveis linguísticas: classe sintática da forma em “- r” (verbo, nome, adjetivo); no caso de verbo, a classe modo-temporal (infinitivo, subjuntivo); no caso de verbo, a vogal temática indicadora da conjugação; a extensão (monossílado, dissílabo...). Variáveis extralinguísticas: gênero (masculino, feminino), idade (criança, jovem, adulto, velho). Prof. Adriana L. Martins Observações: O “r” final de verbo no infinitivo é mais eliminado do que o “r” final de substantivos e adjetivos. O “r” final é mais eliminado por analfabetos do que por falantes com mais tempo de escolarização. O “r” final de verbos mais corriqueiros (falar) é mais eliminado que o de verbos menos usados (postergar). A presença de consoante (tomar banho) na palavra seguinte faz com que o “r” final seja mais eliminado do que a presença de vogal na palavra seguinte (pegar a criança). Prof. Adriana L. Martins Atenção: o que ocorre nas línguas é uma interação mais ou menos estreita entre as diferentes variáveis. Ex.: Uma inovação linguística começa numa dada região (variável regional), sendo própria de um grupo socioeconômico desfavorecido (variável social), passando a ser usada depois no grupo socioeconômico mais alto, em momentos mais informais (variável registro). Prof. Adriana L. Martins Tem-se uma variação estável quando as variantes mantêm-se estáveis durante um período. Tem-se uma mudança em curso quando as variantes encontram-se em competição entre elas, com aumento de uso de uma delas. Prof. Adriana L. Martins Para a variação ocorrer, basta o favorecimento de um ambiente linguístico. Ela está presente em todas as línguas, num dado momento. Consiste em diferenças linguísticas que caracterizam cada grupo social, cada região, cada canal (oral ou escrito). Para a mudança ocorrer, são necessários: a interferência de fatores sociais (refletindo lutas pelo poder, prestígio entre classes, sexos e gerações) e um período de variação entre formas. Prof. Adriana L. Martins Nas sociedades em que é nítida a separação da população em classes, a relação entre língua e classes sociais é evidente. Ex. 1: relação entre variação linguística e classe social – Trudgill (1977); não-uso da desinência -s da 3ª p. do sing. do presente do inglês pelas classes média e baixa em Norwich (Inglaterra) e Detroit (EUA); a classe média elimina a marca em menos de 10% dos casos e a classe trabalhadora baixa elimina em mais de 70% dos casos. Prof. Adriana L. Martins Ex.2: relação entre variação linguística e gênero – em zulu (língua falada na África), mulheres são proibidas de pronunciar os nomes do sogro, dos irmãos dele e do genro, assim como palavras semelhantes ou derivadas desses nomes; Ex. 3: relação entre variação linguística e gênero – na nossa sociedade, a frase “Esta é a minha mulher” pode ser pronunciada sem estigmas por um homem, mas a frase “Este é o meu homem”, pronunciada por uma mulher, pode ser considerada vulgar. Prof. Adriana L. Martins A língua deve ser estudada em seu uso real, considerando a relação entre a sua estrutura e os aspectos sociais e culturais da produção. No estudo da variação, busca-se verificar: o grau de estabilidade de um fenômeno (está no início ou se completando), como ela se configura na comunidade de fala, e quais os contextos (linguísticos e extralinguísticos) que a favorecem e a inibem. Prof. Adriana L. Martins Diante de duas variantes, o sociolinguista pode se perguntar: Em que contexto social um mesmo falante se utiliza de cada uma? Há um contexto específico para o uso de uma delas? Há diferença no uso dessas formas ao se compararem indivíduos de diferentes faixas etárias? E ao se compararem indivíduos com diferentes graus de escolaridade? E ao se compararem indivíduos com diferentes níveis socioeconômicos?Prof. Adriana L. Martins Diante de duas variantes, o sociolinguista pode se perguntar: Uma forma (mais coloquial) está substituindo a outra (mais formal)? Que contexto linguístico motiva uma e outra variante? Há ocorrência da forma mais coloquial na fala dos indivíduos mais escolarizados? Que contexto favorece essa utilização? Prof. Adriana L. Martins Sociolinguística: espaço de investigação interdisciplinar, que atua nas fronteiras entre língua e sociedade, enfatizando os empregos concretos da língua e sua interação com fatores sociais, culturais e psíquicos. Origem: fruto da insatisfação de alguns linguistas diante do afastamento do âmbito do objeto de estudo dessa ciência, em modelos como o estruturalismo e o gerativismo, dos usos concretos da língua e sua variação. Prof. Adriana L. Martins Precursores: na década de 1930, dialetólogos do Linguistic Atlas of the United States and Canada (informações geográficas e sociais no levantamento de dialetos). Meillet (1926): observação, na análise da mudança linguística do francês, que uma modificação na estrutura social acarreta uma alteração nas condições nas quais se desenvolve a linguagem. Prof. Adriana L. Martins Surgimento: o termo surge pela primeira vez na década de 1950, mas se desenvolve como corrente nos EUA na década de 1960, especialmente com os trabalhos de William Labov, Gumperz, Dell Hymes e William Bright. Bright participa da conferência The Dimensions of Sociolinguistics e a publica em 1966 (Sociolinguistics), demonstrando que cabe à sociolinguística demonstrar a existência de uma sistemática covariação entre estruturas linguística e social. Prof. Adriana L. Martins Hymes (1977) enfatiza o caráter autônomo da sociolinguística e afirma que lhe interessa identificar, descrever e interpretar as variáveis que interferem na variação e mudança linguística. Labov entende a linguística como ciência do social, descreve a sociolinguística como a linguística com ênfase no estudo das variáveis extralinguísticas e demonstra que a mudança linguística só pode ser compreendida dentro da vida social da comunidade que a produz (pressões sociais são exercidas a toda momento sobre a língua). Prof. Adriana L. Martins Objetivo: investigar o grau de estabilidade ou de mutabilidade da variação, diagnosticando as variáveis que contextualizam as variantes e descrevendo seu comportamento preditivo, ou seja, investigando os principais fatores que motivam a variação e a importância de cada um nesse contexto. Uma contribuição: constatação de que formas não-padrão ocorrem na fala daqueles com nível superior, especialmente em contextos informais. Prof. Adriana L. Martins ”Sociolinguística Variacionista” ou “Teoria da Variação”: formou-se nos EUA na década de 1960 com a liderança de William Labov. Marco importante: trabalho de Labov (1966) – emissão da consoante /r/ pós-vocálica em NY; análise da produção das palavras fourth e floor por pessoas de três classes sociais diferentes, em lojas de departamento; a variação entre a realização e a omissão do /r/ está relacionada com a comunidade linguística e a classe social. Prof. Adriana L. Martins Há diferentes modelos teórico-metodológicos para o estudo da variação e mudança. A abordagem da “Teoria da Variação” oferece um modelo possível, fornecendo ao pesquisador: ferramentas para estabelecer as variáveis, ferramentas para coleta e codificação dos dados e instrumentos computacionais para definir e analisar o fenômeno variável que se quer estudar. Prof. Adriana L. Martins A metodologia de análise da sociolinguística possibilita a medição de ocorrências de usos de uma variante e o estabelecimento de previsões sobre as principais tendências de uso em relação a essa variante. A pesquisa parte do objeto de estudo para depois construir o modelo teórico. Prof. Adriana L. Martins Tipos de estudo: Para entender se o fenômeno investigado é variação ou mudança em curso, adota-se como metodologia um estudo em tempo real (distanciamento no tempo de 12 a 50 anos) ou em tempo aparente (faixas etárias distintas). ▪ OBS: Diferentemente do estruturalismo, a sociolinguística não trabalha com a dicotomia sincronia e diacronia. Evidência: descrição de tendências de mudança olhando produções linguísticas de indivíduos com idades diferentes, porém num mesmo período de tempo. Prof. Adriana L. Martins Seleção de informantes: Preferencialmente aqueles criados na comunidade estudada ou que vivem lá desde os 5 anos de idade. Prof. Adriana L. Martins Coleta de dados: Coletam-se dados de falantes-ouvintes reais, em situações reais e naturais do uso da linguagem, para descrever e explicar esse uso. Grande número de dados gravados, geralmente narrações de experiências pessoais. Formação de células de dados com o mesmo número de informantes. Prof. Adriana L. Martins Análise dos resultados: Formulação pelo linguista de regras variáveis (não categóricas) apontando os pesos relativos dos fatores que interferem na variação. Utilização de dados estatísticos (os números são apenas o ponto de partida; programas computacionais foram desenvolvidos para estudos sociolinguísticos). Prof. Adriana L. Martins Ensino de língua materna: Formação de professores com menos preconceitos linguísticos, ou seja, conscientes de que os dialetos das classes desfavorecidas não são inferiores estrutural ou funcionalmente, possuem apenas menor prestígio social. Possibilidade de utilização, no ensino da língua padrão, de informações detalhadas, baseadas em dados reais, acerca da variante utilizada pelas pessoas mais escolarizadas. Prof. Adriana L. Martins Ensino de língua estrangeira: Contribuição para elaboração de material baseado na fala real dos falantes nativos. Contribuição para preparação de material com diversos tipos de registros com suas variações linguísticas típicas. Contribuição para seleção do dialeto a ser ensinado. Prof. Adriana L. Martins MOLLICA, M. C. Sociolingüística: conceituação e delimitação. In: MOLLICA, M. C. (org.) Introdução à sociolingüística variacionista. 3ª ed. Cadernos didáticos da UFRJ: Rio de Janeiro, 1996. CEZARIO, M. M.; VOTRE, S. Sociolingüística. In: MARTELOTTA, M. E. (org.). Manual de Lingüística. São Paulo: Contexto, 2009. Prof. Adriana L. Martins
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