Buscar

Estudos sobre o Direito Penal no Nacional-Socialismo


Continue navegando


Prévia do material em texto

Texto 7 - Edmund Mezger e o Direito Penal de seu tempo
Estudos sobre o Direito Penal no Nacional-socialismo
Capítulo IV – O programa: a esterilização dos associais no nacional-socialismo: um passo para a "solução final da questão social"?
 Caderno:
O programa constitucional do século XIX visava garantir a liberdade do indivíduo frente a arbitrariedade dos tiranos, por meio de: liberdade civil, igualdade perante a lei, liberdade pessoal, inviolabilidade do domicílio, liberdade de imprensa, legalidade penal, publicidade do processo e contrariando a tortura.
No primeiro constitucionalismo, que se deu nos séculos XVIII e XIX, houve as declarações de direitos, as constituições e as codificações.
Entretanto, todas essas garantias foram esquecidas com os regimes nazifascistas.
Nos anos 30, na Alemanha, há o esquecimento dos direitos dos indivíduos, com o extermínio e as práticas de esterilização aplicadas não somente os judeus.
Assim, há a utilização da BIOLOGIA CRIMINAL. Na qual há o criminoso nato, acreditando que os criminosos possam ser identificados a partir de características físicas e biológicas, e não em função do livre arbítrio, das escolhas, condições sociais e econômicas. E essas características podem ser transmitidas hereditariamente.
Desse modo, é utilizada a biologia criminal para fazer uma seleção das pessoas que devem viver nessa civilização superior. E era feita por meio da esterilização ou extermínio. Logo, essa política criminal eugênica racista visava exterminar pessoas com "valor inferior", que seriam as pessoas estranhas àquela sociedade. Essas pessoas eram julgadas pelo Tribunal de Saúde Hereditário.
 Texto
Biologia Criminal e Eugênica
A chamada "biologia criminal" não foi descoberta pelos criminólogos nazistas, mas foi nessa época e durante esse regime em que se mais utilizou dela, não só na prática, mas também na teoria para fundamentar uma política criminal eugênica racista e legitimar o extermínio das pessoas que tinha um "valor menor" pois pertenciam a grupos raciais distintos da raça ariana. Mas, também dentro da própria raça ariana se incluíram pessoas destituídas de "valor vital", aqueles com doenças mentais graves ou em situação terminal. Também havia os estranhos à comunidade, que seriam os associais, que levavam uma vida desregrada, vagabundos, mendigos.
A finalidade de eliminar essas pessoas era principalmente racista: conseguir uma raça pura e sem mescla de elementos que pudessem corrompê-la, em virtude de ter provindo de uma raça inferior ou então porque pertenciam a mesma raça ariana, mas portavam patologias que eram transmissíveis hereditariamente.
Essa expansão da Biologia Criminal seguiu a tese de Césare Lombroso do criminoso nato, que considerava a criminalidade e a associalidade (associais) em geral como uma espécie de enfermidade hereditária que se transmitia de geração em geração e que se chegava a constituir verdadeiras famílias de associais com tendência a se multiplicar frente as famílias normais. Também se comparavam os enormes gastos sociais em ajudas as pessoas de menor valor frente às que faziam atividades mais úteis e benéficas para o povo.
A solução para essa ameaça não podia ser outra que não biológica, procurando mediante a aplicação de medidas esterilizadoras evitar a procriação e reprodução dessas pessoas, as quais se internavam em cassas de trabalho e campos de concentração para aproveitar sua força de trabalho e provocar finalmente seu extermínio.
De 1933 a 1945 se sucederam várias etapas, significando cada uma delas um passo adiante para a realização da plenitude racial e do domínio da raça ariana e do povo alemão em todo o mundo. A primeira lei, em 1933, separava professores, juízes que não eram da raça ariana, e a lei da prevenção de enfermidades hereditárias, no mesmo ano, além da lei de Nuremberg, em 1935, que excluía e incapacitava judeus para realizar contratos, contrair matrimônio, e inclusive ter relações sexuais com pessoas da raça ariana, o que constituía ultraje à raça, punido com penas graves. Em 1939 começou a aplicar-se o decreto feito diretamente por Hitler para o extermínio dos enfermos mentais e terminais nos manicômios e centros hospitalares. E em plena Guerra Mundial, o Direito Penal criado especialmente para a Polônia, e a elaboração do projeto de lei de tratamentos dos "estranhos à comunidade" se pretendia dar fim a chamada "questão social" através de medidas de extermínio físico e esterilização do associais.
Os associais, a dizer, os mendigos, os vagabundos, as prostitutas, os drogados, são também hoje em dia nas sociedades modernas considerados como incômodos, prejudiciais para uma convivência pacífica e bem organizada. No nacional-socialismo esta atitude de rechaço fazia estes grupos associais, que haviam aumentado na Alemanha com a sua derrota na 1ª GM, a crise social e econômica, levar até as últimas consequências. 
A lei para prevenção de enfermidades hereditárias
A lei de prevenção de descendência patológica hereditária, de 1933, que entrou em vigor em 1934, dispunha que podia ser esterilizado quem tinha enfermidade hereditária que, conforme a experiência da ciência médica, era muito provável de transmitir aos seus descendentes. Consideravam-se enfermidades hereditárias: o retardo mental, esquizofrenia, loucura, epilepsia grave, cegueira grave, surdez grave, grave deformidade corporal. Também podia ser esterilizado quem tinha alcoolismo grave. A esterilização se decidia finalmente por um Tribunal de Saúde Hereditária, e se consumava por pessoas especializadas, conforme os procedimentos médicos conhecidos (em princípio, cirúrgicos, extirpação de ovários em mulheres, dos condutos seminais em homens; logo, por raios-x ou com tratamentos medicamentais). 
O artigo de Edmund Mezger sobre a esterilização de associais.
O artigo de Mezger traz a análise de decisões de esterilização de internos em centros penitenciários pelos Tribunais de Saúde Hereditária. Do trabalho se deduz que o motivo principal em que se baseavam as decisões era retardo mental congênito, seguido de alcoolismo grave e de outras enfermidades hereditárias. Há exemplos de esterilizações por retardo mental congênito, por alcoolismo grave e por outras enfermidades hereditárias. 
Os sintomas de retardo mental congênitos, as vezes, não são mais do que simples fracasso escolar ou falta de juízo moral. Sobre o alcoolismo grave, o decisivo não era o estado de embriaguez, mas a imagem do sujeito quando está sóbrio, e não somente como pessoa individual, mas como membro da comunidade.
A maioria dos sujeitos esterilizados tinham cometido delitos de pouca gravidade, ou como no suposto de deformidade corporal, nem sequer se fala de delitos que possam ter cometido, nem que a deformação corporal tenha nada a ver com cometer delitos. Provavelmente, nesses casos, a esterilização se baseava mais em uma razão estética do que eugênica: ao nazismo, não gostava-se, dos feios. Em um documento, apresenta-se que se pareciam com abortos do inferno, e que sua eliminação deveria ocorrer, independentemente da gravidade do delito e da pena a que foram condenados.
Essa ideia foi muito estendida entre muitos cientistas da época, e não só por biólogos e médicos, mas também entre criminólogos e juristas: uma concepção biohereditária da associalidade, ainda mais radical que a concepção lombrosiana de "delinquente nato".
A prática esterilizadora não se limita a quem havia cometido delitos, mas a todos os tipos de associais, hajam ou não cometido algum delito. 
Assim, com as leis de estranhos à comunidade, o que era uma prática habitual, debaixo da cobertura legal da prevenção das enfermidades hereditárias, recebe um apoio jurídico expresso.
A ambiguidade do conceito de "associal"
Mas a esterilização dos associais foi provavelmente mais longe do que o projeto de lei e Mezger propuseram. Isso se deve principalmente a ambiguidade do conceito de associal, que não era definido claramente, mas também essa ambiguidade pode ter sido buscada de propósito para deixarnas mãos da polícia esse poder. Sob essa ambiguidade se chegaram a considerar como associais até mulheres solteiras com filhos de homens diferentes, pessoas que faltavam frequentemente no trabalho, também os homossexuais.
E, assim, estranho à comunidade, associal ou qualquer outro nome que se chamava, podia ser quem simplesmente se opusesse ao regime nacional-socialista.
Desse modo, a esterilização forçosa dos associais foi uma prática corrente e constante nos momentos mais duros do regime nacional-socialista. Uma boa parte das esterilizações forçosas foram principalmente esterilizações de associais, com ou sem enfermidades hereditárias, a saber, de pessoas procedentes dos estratos sociais e econômicos mais marginais, delinquentes as vezes com antecedentes penais por delitos contra a propriedade e a moral sexual, prostitutas, vagabundos, mendigos, etc. Também chegou a aplicar-se , ainda em menor extensão, a desafetos do regime nacional-socialista.
A "solução final da questão social"
As práticas eugênicas nos associais cumpria uma função maior que uma luta contra a criminalidade e de uma pureza racista. No fundo, toda essa política cumpria uma função que diretamente influía no mercado de trabalho e no desenvolvimento econômico e industrial da Alemanha nazista, ou melhor dizendo, da classe empresarial que se beneficiava com essa política de controle e extermínio de mão de obra excedente não qualificada, ou inútil para ser aproveitada de forma rentável, conseguindo, ao mesmo tempo, um disciplinamento, através da violência e do terror, das massas trabalhadoras restantes.
O nacional-socialismo substituiu uma política de caridade, de ajuda social mais ou menos eficaz e humanitária, mais ou menos sincera e hipócrita, por uma política de extermínio, de eliminação física e de esterilização, para evitar o que eles consideravam a principal causa da associalidade: a transmissão hereditária da mesma, como uma enfermidade hereditária.
Em um momento de crise econômica e social como vivia a Alemanha nos anos trinta, e também durante os preparativos da guerra e em plena guerra, interessava-se em reduzir no orçamento estatal o gasto social, para dedica-lo a outras tarefas, que segundo os planos do regime nacional-socialista eram mais urgentes, como o rearme, a construção de pistas, o fomento da produção industrial, o recrutamento da população. Assim, estava claro que havia de se eliminar aquela pare da população, inclusive de sangue alemão, que não se considerava apta para esta tarefa, que por sua forma de vida e escassa inclinação ao trabalho disciplinado, era inútil como mão-de-obra e propensa a traição, sabotagem e deserção. 
Era, assim, a "coisificação" do ser humano como mera mão-de-obra ou como soldado educado, bem preparado fisicamente, disciplinado e disposto a morrer pela pátria, o que fundamentava um tratamento puramente biológico, quase veterinário, dos que não eram aptos para essas necessidades e, portanto, deveriam ser eliminadas como seres inúteis.
No fundo, essa política de extermínio dos associais era em certo modo também uma solução final da questão social.
A presença de associais (mendigos, prostitutas, vagabundos, drogados) nas ruas das cidades alemãs desagradava profundamente aos dirigentes nacional-socialistas, pois, entre outras coisas, era a prova evidente de que sua política de bem estar social, de pleno emprego, de ordem e tranquilidade, que eles haviam vendido como uma das melhores realizações do regime, não havia conseguido eliminar o problema. Ocultá-los primeiro e eliminá-los depois se converteu em uma tarefa cada vez mais urgente, sobretudo à medida que a guerra e suas sequelas produziam enormes bolsas de mendigos, mutilados, desertores, desempregados. Assim, o caminho do extermínio não era somente mais eficaz, mas também mais barato.