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Deboni 2007 mitos e chavões da educação ambiental brasileira

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27.04.07 - Brasil 
Debatendo alguns mitos e chavões da Educação 
Ambiental (EA) brasileira 
 
Fábio Deboni 
Educador Ambiental e consultor independente 
Adital 
O presente artigo tem como objetivo discutir alguns chavões e mitos bastante presentes no 
campo ambiental, especialmente entre educadores ambientais. Estes mitos referem-se a 
pensamentos e compreensões do senso comum, disseminados de uma forma geral na 
sociedade, e que têm gerado atitudes diferenciadas por parte de diversos educadores 
ambientais. Alguns, já cansados de tratar destas questões, preferem ignorá-las, contribuindo 
assim para fortalecê-las no meio. Outros, aproveitam-nas para avançar na discussão de 
conceitos e visões sobre Educação Ambiental (EA). Veremos brevemente neste texto algumas 
destas questões seguidas de argumentos que ajudam-nos a analisá-las criticamente, à luz da 
perspectiva de uma Educação Ambiental crítica, popular e emancipatória. 
Mitos e chavões em EA 
Na seqüência resgato alguns mitos e chavões facilmente percebidos no cotidiano da EA, e 
busco discutir cada um, apresentando argumentos e pontos de vista que nos façam pensar 
mais a seu respeito. Deixo claro que parto de uma compreensão de Educação Ambiental 
emancipatória, crítica, política e popular, compartilhando seus princípios, conceitos e 
fundamentos. Há diversas “linhas” de EA no Brasil que dificilmente encontram plenos 
consensos entre si a respeito de cada tópico a ser aqui discutido. 
Além disso, não tenho condição nem a pretensão de esgotar, finalizar ou dar a palavra final 
nesta discussão, mas apenas compartilhar meu ponto de vista a respeito, como forma de 
contribuir para ampliar esta reflexão junto a educadores(as) ambientais. 
Resgatei cinco mitos e chavões muito presentes no meio da EA, discutindo-os a seguir: 
1. A EA na verdade é Educação. Só “Educação” já é suficiente, não precisa do “ambiental” 
Na verdade temos que olhar para o termo “Educação Ambiental” percebendo dois substantivos 
(Educação + Ambiental) e não um substantivo (Educação) e uma adjetivo (Ambiental). 
Explicando melhor: quando se agrega o “Ambiental” à educação, articula-se todo um campo de 
luta e construção socioambiental, com acúmulos, trajetórias e conquistas históricas, 
captaneadas a partir da atuação (e constituição) dos movimentos ambientalistas no Brasil e no 
mundo. Portanto, utilizarmos só o termo “Educação” é reduzir todo este campo (o ambiental) e 
todo seu acúmulo, conceitos e trajetórias, as quais remetem a todo um ideário ambientalista de 
sociedade, de desenvolvimento, de civilização. Portanto, o “ambiental” junto ao “educação” é 
muito mais do que um adjetivo que deixa o termo mais bonito e agradável. O “ambiental” é tão 
importante quanto o “educação” e os dois juntos significam uma força conceitual, de 
propósitos, de acúmulos, etc. É claro que esta discussão é bem mais longa e complexa, mas 
procurei deixar algumas pistas que permitam aos interessados buscar mais a este respeito. Há 
diversos autores que discutem o tema, como Isabel Carvalho, Frederico Loureiro, José Augusto 
Pádua, Marcos Sorrentino, e muitos outros. 
2. EA tem que ser voltada para crianças, afinal os adultos são modificam mais seu modo de 
pensar e agir no mundo 
Esta afirmação está muito presente na sociedade, e precisa ser bastante questionada. Se por 
um lado as crianças e jovens têm mais facilidade de “pegar” as coisas, aprender questões 
novas, incorporar novos hábitos, introjetar valores, etc, por outro os adultos não podem ser 
encarados como seres que já finalizaram seu processo de ensino-aprendizagem, auto-
formação, autoconhecimento, etc. Como adultos, estamos o tempo todo lidando com 
oportunidades de aprendizagem nos diversos espaços que vivemos e nos vários meios que nos 
relacionamos. Podemos aprender coisas novas o tempo todo, seja pela mídia, por uma 
conversa na família, na faixa de pedestres, no museu, nas ruas, no cinema, na reunião de 
condomínio, na igreja, no parque, etc. As possibilidades educacionais são quase que infinitas, 
desde que estejamos abertos a aprender coisas novas. Não se trata, portanto, de uma questão 
de idade, mas sim de abertura a novos aprendizados, à troca com o “outro”, etc. 
Outro dia mesmo vi uma experiência de um artista (2), contando sobre atividades de educação 
popular com idosos, moradores de rua, prostitutas, com histórias belíssimas de novos 
aprendizados à luz de uma perspectiva emancipatória da educação. 
3. O objetivo principal da EA é transformar comportamentos e hábitos nos indivíduos 
De fato, ainda prevalece no Brasil uma visão de EA voltada apenas a questões 
comportamentais dos indivíduos. Foca-se em atividades voltadas a “ensinar” comportamentos 
“ecologicamente corretos”, à luz de uma visão prescritiva de EA (como um médico que passa 
uma receita do que o paciente deve tomar). A questão é que quando falamos em Educação 
Ambiental numa visão emancipatória, ou seja, que deseja ajudar a libertar as pessoas (seu 
pensamento, sua visão de mundo, sua inserção no mundo...) a questão vai muito além de 
comportamentos individuais. É claro que a questão do “cada um fazer a sua parte” é necessária 
e importante, mas não pode se resumir a isso. O problema de muitos programas e ações de EA 
é que focam apenas nisso, e não vão além das esferas individual e comportamental. Ao invés 
destes programas e ações apontarem caminhos, deveriam ajudar a fortalecer os caminhantes, 
para que os próprios consigam definir seus rumos, de acordo com sua realidade. 
Além disso, uma outra questão importante remete ao papel/postura do(a) educador(a) 
ambiental neste processo de ensino-aprendizagem. Que legitimidade temos de dizer qual são 
os comportamentos ecologicamente corretos? Em função de quais parâmetros e pontos de 
vista? Esta discussão puxa outra que é sobre “Desenvolvimento Sustentável ou Sociedades 
Sustentáveis”, mas fica para outro momento. 
4. A EA tem que ser uma disciplina nas escolas 
Talvez seja a afirmação mais comum em todo o meio, a questão da disciplina é um assunto 
polêmico, de certa forma já superado e que vem à tona com facilidade em eventos, encontros 
e conversas entre educadores(a) ambientais. Mas será que uma disciplina de EA consegue dar 
conta da sua “missão”, que é a de que todas as demais disciplinas incorporem a questão 
ambiental a partir de seus conteúdos? Não seria contraditório com a própria proposta da EA 
reduzi-la a uma mera disciplina? Penso que a questão central aqui deveria girar em torno de: 
“como se dá a inserção da EA no ensino formal?”. Esta pergunta exige-nos discutir coisas 
como: formação inicial e continuada de professores; currículo e diretrizes curriculares; material 
didático; inserção da EA no Projeto Político Pedagógico das escolas. Portanto, avalio que “o 
buraco é mais embaixo” e que discutirmos apenas se “sim” ou “não” para uma disciplina de EA 
nas escolas é reduzir muito o debate e a própria dimensão da EA no ensino formal. Por fim, 
vale lembrar que a Política Nacional de EA (Lei 9.795/99) deixa claro que a EA não deve ser 
uma disciplina e sim permear todas as disciplinas. 
5. A EA praticada nos países “desenvolvidos” é melhor do que a EA brasileira 
Esta afirmação traz duas questões: 1. De que o ambientalismo nasceu primeiro nos países 
“desenvolvidos” e só depois nasceu nos países do “terceiro mundo”. 2. Que a EA praticada nos 
países “desenvolvidos” é melhor do que a nossa. 
Sobre a primeira questão: há um debate intenso sobre o tema, mas tendo a concordar com as 
proposições do José Augusto Pádua (UFRJ) que aponta que a preocupação com as questões 
ambientais no Brasil é antiga, e remete a séculos anteriores, a partir da iniciativa de 
personalidades como José Bonifácio, D. Pedro, e váriosoutros. A questão central é que a partir 
do processo de colonização do Brasil e início dos ciclos econômicos de exploração do pau-
brasil, minérios, cana-de-açúcar, café...; também, foi sendo instaurado uma preocupação com 
seus impactos gerados na natureza. Isso tudo acontecendo bem antes dos primórdios do 
ambientalismo mundial. É uma questão para debates e aprofundamentos. Vale também a 
discussão feita por Edgar Gaudiano (México) a respeito do “Centro e da Periferia da EA”, 
trazendo à tona a questão histórica da América Latina e do mundo. 
Quanto a questão 2, muitos educadores ambientais brasileiros têm questionado isso, ao 
conhecerem experiências internacionais de EA e ao participar de congressos e eventos 
internacionais. De um modo geral (e guardadas todas as proporções e diferenças) a EA dos 
países “ricos” é menos politizada, mais conservacionista e menos “social” que a EA praticada na 
América Latina. Por aqui a situação é mais complexa, os problemas essenciais não foram 
enfrentados (saúde, educação, moradia, segurança alimentar, etc) o que faz com que estes 
temas pautem as discussões da EA. Por exemplo, como pensar uma EA no Brasil sem incluir na 
pauta questões como fome, miséria, subdesenvolvimento, democracia, e tantos outros temas 
de caráter socioambiental. Se a EA brasileira tem incorporado pouco estes temas é uma outra 
discussão, tão importante quanto esta. 
Conclusões não-óbvias 
Espero ter contribuído com uma breve reflexão a respeito de alguns mitos e chavões presentes 
no interior da EA brasileira, especialmente para os educadores ambientais jovens (de idade) e 
para os jovens educadores ambientais (recém chegados à área). Refletir sobre estas questões 
nos ajuda a avançar na área, superar limites e dificuldades, retomar pontos polêmicos, 
rediscuti-los, etc. Não concordo com a postura de alguns educadores ambientais de se furtarem 
desta discussão, fazendo de conta que ela já está concluída, pois ela não só é importante e 
necessária, como está muito presente na atualidade. 
Ao nos calarmos quando nos deparamos com questões desta natureza, damos mais força a 
elas e reforçamos visões com as quais não concordamos. 
Precisamos ter a serenidade e a seriedade para discutir estas questões, colocando-as de forma 
didática e objetiva, sem, no entanto, procurar colocarmos um ponto final no assunto. Pelo 
contrário, estamos numa área em construção, consolidação e afirmação, que continuará se 
nutrindo de discussões como esta, para seu próprio amadurecimento e evolução. 
Nota: 
(1) O artista em questão é o Totonho, da banda Totonho e os 
Cabra.http://trama.uol.com.br/totonho/

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