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FELLIPE PINHO DE GODOY DANO MORAL NA ESFERA BANCÁRIA Ji-Paraná 2008 FELLIPE PINHO DE GODOY DANO MORAL NA ESFERA BANCÁRIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Monografia Jurídica do CEULJI/ULBRA, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do professor Neri Cezimbra Lopes. Ji-Paraná 2008 1 Godoy, Fellipe Pinho de G588d 2008 Dano moral na esfera bancária / Fellipe Pinho de Godoy ; orientador, Neri Cezimbra Lopes. --- Ji-Paraná, 2008 53 f. ; 30 cm Trabalho de conclusão do Curso de Direito (graduação) --- Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná, 2008 Bibliografia 1. Direito civil. 2. Direito financeiro. 3. Defesa do consumidor - Legislação. 4. Bancos. 5. Instituições financeiras. 6. Instituições de crédito. 7. Indenização. 8. Danos (Direito) I.Lopes, Neri Cezimbra. II. Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná. III.Título. CDU 347.734 Bibliotecária: Marlene da Silva Modesto Deguchi CRB 11/601 FELLIPE PINHO DE GODOY DANO MORAL NA ESFERA BANCÁRIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Monografia Jurídica do CEULJI/ULBRA, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do professor Neri Cezimbra Lopes. AVALIADORES Marlete Maria da Cruz – 10,00 1º Avaliador – CEULJI Nota Mônica Sotero Bueno Aires – 10,00 2º Avaliador – CEULJI Nota Neri Cezimbra Lopes – 10,00 3º Avaliador – CEULJI Nota ____________________ Média Ji-Paraná 2008 RESUMO Atualmente, com o desenvolvimento da economia capitalista, é evidente a necessidade das instituições financeiras para a sociedade. Independente de classe social, toda a população depende, direta ou indiretamente, dos serviços dos bancos para o desenvolvimento de suas atividades econômicas, seja de caráter empresário, seja trabalhista. Atentas a essa necessidade, as instituições financeiras empenham-se no sentido de maximizar resultados em suas agências, de forma a alcançar lucros espetaculares comparados ao de outros setores da economia. Ao buscar essa maximização de resultados, os bancos acabam por não alcançar qualidade nos serviços prestados, violando, muitas vezes, os dispositivos legais de defesa do consumidor, causando aborrecimentos e violações aos direitos individuais do público atendido. O Código de Defesa do Consumidor, apesar de divergências, considera os bancos como fornecedores, e seus serviços prestados aos usuários como relação de consumo. Ao fazer tal definição, o CDC institui políticas de proteção ao cliente bancário, por se tratar de parte hipossuficiente na relação comercial. Isso implica, muitas vezes, na aplicação da responsabilidade objetiva ou na inversão do ônus da prova em ações contra tais estabelecimentos. Quando ocorre qualquer violação aos direitos individuais dos clientes ou usuários dos bancos, além de prejuízo material, pode-se observar, em algumas situações, a violação à honra do indivíduo, tanto de maneira objetiva, quanto subjetiva. Tal violação inflige dor no indivíduo, encerrando-se o ato em situação característica da ocorrência do instituto do dano moral. Muito foi discutido, durante algum tempo, sobre a possibilidade de se indenizar o dano moral. Por se tratar de ofensa não patrimonial, alguns autores defendiam a impossibilidade de sua reparação, porém, o atual entendimento é o de que apesar de não poder ser reparado, o dano moral deve ser compensado, tanto como forma de trazer meios de superação da dor pela vítima, quanto como forma de punição do autor da violação, de modo a desestimular a reincidência. Ao se analisar os casos de ocorrência de dano moral nas relações com instituições financeiras, observamos que, jurisprudencialmente, vêm sido amplamente aplicadas as medidas de proteção ao consumidor, seja pela responsabilização objetiva, seja pela inversão do ônus da prova, uma vez que, ao prestar o serviço em larga escala, a instituição financeira assume o risco de defeitos daí decorrentes, devendo responder pelo resultado. Palavras-chave: dano moral, banco, Código de Defesa do Consumidor, indenização, instituições financeiras. ABSTRACT Today, with the development of capitalist economy, it is clear the need for financial institutions to society. Regardless of social class, the entire population depends, directly or indirectly, services of banks for the development of their economic activities, whether in nature entrepreneur, is labor. Given this need, financial institutions committed themselves to maximize results in its agencies in order to achieve spectacular profits compared to other sectors of the economy. When searching the maximization of results, the banks will ultimately not achieve quality in services in violation, many times, the legal provisions for consumer protection, causing hassles and violations of individual rights of the public attended. The Consumer Defense Code, despite differences, considers the banks and suppliers, and their services to users as the consumption process. By doing this definition, the CDC establishing policies to protect customer banking, because it is part hyposuficient in the commercial relationship. This implies, often in the application of strict liability or the reversal of the onus probandi in actions against such establishments. When any violation of the rights of individual users or customers of banks, in addition to material damage, we can observe, in some situations, rape the honor of the individual, both of objective way, as subjective. This violation inflicts pain on the individual, closing up the act in a situation characteristic of the occurrence of the Office of moral damage. Much was discussed, for a time, on the possibility to repair the moral damage. This is not harm property, some authors defended the impossibility of their repair, however, the current understanding is that although it cannot be repaired, the moral should be compensated, both as a way to bring means of overcoming the pain by the victim, as a form of punishment, of the violation in order to discourage a recurrence. When analyzing the occurrence of cases of moral damage in relations with financial institutions, observed that, jurisprudencely, have been widely implemented measures to protect the consumer, either by the accountability aims, is the reversal of the burden of proof, since the provide the service on a large scale, the financial institution takes the risk of defects arising there from, must answer for the result. Keywords: moral damage, bank, Consumer Defense Code, indemnity, financial institutions. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8 1. O DANO MORAL NA HISTÓRIA ................................................................................ 9 2. DANO MORAL............................................................................................................ 13 2.1. Prova do Dano Moral .........................................................................................18 2.2. Nexo de Causalidade ......................................................................................... 19 2.3. Legitimidade Ativa Para Requerer Indenização .................................................. 20 3. O DANO MORAL DA PESSOA JURÍDICA ............................................................... 23 4. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E AS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS 26 5. O DANO MORAL NA ESFERA BANCÁRIA ............................................................. 31 5.1. Inscrição indevida nos órgãos de restrição de crédito ......................................... 33 5.2. Cheque devolvido indevidamente ...................................................................... 34 5.3. Pagamento de cheque com erro grosseiro/falsificado/falta de conferência de assinatura ...................................................................................................................... 36 5.4. Demora no atendimento na fila .......................................................................... 37 5.5. Manutenção no cadastro de inadimplentes após quitação do débito .................... 38 5.6. Constrangimento por detector de metais em porta giratória ................................ 39 5.7. Trauma psicológico decorrente de roubo em agência ......................................... 40 5.8. Débito em conta corrente sem expressa autorização ........................................... 41 5.9. Abertura de conta com documentos falsos.......................................................... 42 6. QUANTUM INDENIZATÓRIO DO DANO MORAL .................................................. 43 CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 49 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 51 8 INTRODUÇÃO Com o desenvolvimento das atividades dos bancos na sociedade moderna, tais estabelecimentos passaram a incorporar a seu público maior fatia da população, trazendo também maior quantidade de produtos e serviços oferecidos. Com esse aumento considerável na quantidade de transações bancárias, têm-se, conseqüentemente, maior quantidade de questionamentos quanto a defeitos nos negócios jurídicos. Tais questionamentos, geralmente, encerram-se nos tribunais, como podemos perceber diante da quantidade de sentenças e acórdãos publicados todos os dias envolvendo instituições bancárias. Dentre as ações ajuizadas relacionadas ao tema, chama-nos atenção as que envolvem dano moral, tanto por sua complexidade, quanto por sua amplitude. Uma vez que qualquer um de nós pode ser vítima deste tipo de violação por parte destes estabelecimentos, é interessante o desenvolvimento de pesquisa no sentido de se esclarecer como funciona a definição da ocorrência do dano nestas relações de consumo. O trabalho visa estudar o instituto do dano moral, desde as antigas civilizações com o fim de, através de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, vislumbrar as ocasiões onde ocorre, nas relações com instituições financeiras, os requisitos para a responsabilização civil. Pretende-se também analisar a possibilidade de se aplicar a Lei n. 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) aos negócios jurídicos firmados com instituições financeiras, e até que ponto estes negócios podem ser considerados relações de consumo. Por fim, será abordada a forma de fixação das indenizações nestas situações e os critérios utilizados pelo magistrado para a definição do quantum indenizatório. 9 1. O DANO MORAL NA HISTÓRIA Apesar de alcançar recentemente uma previsão explícita no ordenamento jurídico brasileiro, há precedentes do dano moral desde as primeiras formas de positivação do Direito. No Direito Romano, por exemplo, principalmente nos delitos privados, a chamada actio garantia os direitos do ofendido. Antes mesmo do período clássico do Direito Romano, pode-se observar a reparação do dano, inclusive moral, através da interpretatio dos jurisconsultos entre 754 a.C. e 126 a.C.. Porém, antes de adentrar no estudo do dano moral no Direito Romano, torna-se interessante a análise dos precedentes deste instituto em outras culturas pré-clássicas. O dano moral, ainda que de forma muito primitiva, já constava no Código de Hamurabi, surgido na Mesopotâmia. Tal codificação tinha como princípio a garantia do oprimido, o mais fraco, e nesse ponto Hamurabi, rei da Babilônia, também conhecido por Kamo Rabi, mostrava preocupação para com os lesados, destinando-lhe reparação exatamente equivalente. Era a regra “olho por olho, dente por dente”, a forma de reparação do dano causado. Referido código também definia outra modalidade de reparação do dano, com pagamento em pecúnia, trazendo nos primórdios a idéia da compensação da dor, denunciando um começo da idéia de que resultou modernamente a chamada teoria de compensação econômica, satisfatória dos danos extra patrimoniais, posto que lançado o dano de ordem moral, não era mais possível repor ao lesado o status quo ante, e sim lhe compensar a dor. 10 Existiu na Índia antiga um personagem mítico. Manu (Manu Vaivasvata), que era muitíssimo respeitado pelos brâmanes (membros da mais alta das castas hindus, a dos homens livres), motivo por que sua obra legislativa era de significativa importância, tendo sido denominada: O Código de Manu. Sua figura, para muitos, permanece lendária. O Código de Manu demonstrou profundo e indiscutível avanço em relação ao de Hamurabi, visto que tratava a reparabilidade do dano em pecúnia, muito diferente deste que ainda trazia a lesão reparada por outra lesão de igual valor. Na Grécia, a Odisséia de Homero pinta os gritos retumbantes de Hefesto, o marido enganado, que surpreendera no próprio leito a infiel Afrodite e o formoso Ares, e provocou uma assembléia de deuses, que, atendendo aos reclamos do traído, decretaram, a seu favor, o pagamento por Ares, de pesada multa, manifestando assim claramente um caso de reparação de danos morais resultante de adultério. A Lei das XII Tábuas, primeira codificação das Leis Romanas, consolida entre os delitos privados os fatos ilícitos contra a pessoa, a iniura, em 455 a. C., regulamentando a vingança privada. O ius civile contemplava três figuras delituosas: - membrum ruptum: previa a pena de Talião para o delito de mutilação de um membro do corpo, devendo o autor do delito sofrer mutilação idêntica à da vítima, permitindo, porém, à vítima optar pela reparação pecuniária; - fractum: diz respeito à quebra ou fratura de ossos e, por tratar-se de delito menos grave, previa a substituição da pena de Talião por pena pecuniária, que era de 300 asses quando trabalhadores livres e 150 asses quando a vítima era escravo; - iniura: abrangia outras ofensas corporais, tais como tapas, beliscões, etc., tratando de atos com violência leve. Era punida com pena pecuniária de 25 asses. Mas foi com a adoção do ius honoratium (criações do Pretor Peregrino visando regular situações não previstas no ius civile) que o antigo conceito de lesão física foi 11 abandonado, passando a abranger também a personalidade moral, surgindo então, efetivamente, o instituto do dano moral. A partir de então foi instituída a actio injuriarum aestimatoria, que deixava a ressarcibilidade a critério do Pretor nos casos de ofensa física e à personalidade. A condenação era, obrigatoriamente, pecuniária, proibindo-se a aplicação da pena de Talião nestes casos. Observa-se que, apesar de não alcançar um refinamento no sentido de fixar princípiosa respeito da matéria, o Direito Romano dá início à reparabilidade dos danos morais, porém, a condenação pecuniária sempre apresentou caráter de multa, pena, sem caracterizar seu efeito reparatório. No Brasil, o conceito de dano moral antecede a carta magna de 1988, como se pode observar no Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei n. 4.117, de 27 agosto de 1962: Art. 81. Independentemente da ação penal, o ofendido pela calúnia, difamação ou injúria cometida por meio de radiodifusão, poderá demandar, no Juízo Cível, a reparação do dano moral, respondendo por êste solidáriamente, o ofensor, a concessionária ou permissionária, quando culpada por ação ou omissão, e quem quer que, favorecido pelo crime, haja de qualquer modo contribuído para êle. Da mesma forma na Lei n. 5.250, de 09 de fevereiro de 1967 (Lei de Imprensa): Art. 49. Aquêle que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar: I - os danos morais e materiais, nos casos previstos no art. 16, números II e IV, no art. 18 e de calúnia, difamação ou injúrias; Porém, foi com o advento da Constituição Federal de 1988 que o dano moral teve suas raízes fixadas no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federal de 1988 veio pôr uma pá de cal na resistência à reparação do dano moral. O art. 5º, nº X, dispôs: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Destarte, o argumento baseado na ausência de um princípio geral desaparece. E assim, a reparação do dano moral integra-se definitivamente em nosso direito positivo. É de acrescer que a 12 enumeração é meramente exemplificativa, sendo lícito à jurisprudência e à lei ordinária aditar outros casos.1 Novo avanço na previsão legal dos danos morais foi observado quando da criação do Código Civil de 2002, que prevê o instituto de forma explícita em seu artigo 186 ao trazer a expressão “ainda que exclusivamente moral”, positivando também o entendimento da autonomia dos danos morais em relação aos materiais. 1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9.ed. Rio de Janeiro, Forense: 1998, p. 48. 13 2. DANO MORAL O dano moral, embora já amplamente admitido anteriormente à Constituição de 1988, veio ter sua efetivação em nosso ordenamento jurídico após sua previsão expressa no texto Constitucional: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”2 Anteriormente à Carta Magna de 1988, o tema da reparação do dano moral ainda se prestava a controvérsias, uma vez que a jurisprudência dominante ainda vinculava-se ao posicionamento de que a dor não tem preço, não podendo então ser indenizada. No campo doutrinário, já havia o entendimento majoritário no sentido da reparação do dano moral, e poucas eram as manifestações dissonantes. Mais recentemente, com o advento do Novo Código Civil, tornou-se clara a obrigação de indenizar por danos causados, inclusive morais: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”3 Nas palavras de Yussef Sahid Cahali: 2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Art. 5º, X. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em 20 maio 2008. 3 BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF: Senado. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em 10 mar. 2008. 14 O instituto atinge agora a sua maturidade e afirma sua relevância, esmaecida de vez a relutância daqueles juízes e doutrinadores então vinculados ao equivocado preconceito de não ser possível compensar a dor moral com dinheiro.4 Uma vez integrado ao ordenamento jurídico, faz-se necessário estabelecer a definição de dano moral para possibilitar a decidibilidade do caso concreto. Temos dano moral como sendo aquele que traz como conseqüência ofensa à honra, ao afeto, à liberdade, à profissão, ao respeito, à psique, à saúde, ao nome, ao crédito, ao bem estar e à vida, sem necessidade de ocorrência de prejuízo econômico. É toda e qualquer ofensa ou violação que não venha a ferir os bens patrimoniais, mas aos princípios de ordem moral, tal como coloca Sílvio de Salvo Venosa: Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano.5 No mesmo sentido: Tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.6 No que tange aos danos de maneira geral, podemos classificá-los em duas categorias: a categoria dos danos patrimoniais, de um lado, e dos danos extra patrimoniais, ou morais, de outro. Trata-se de categorias autônomas, uma vez que a existência de dano moral independe da violação patrimonial e o dano material pode ocorrer ainda que não tenha havido abalo de ordem moral ao indivíduo. 4 CAHALI, Yussef Sahid. Dano Moral. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 19. 5 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. 8.ed. São Paulo, Atlas: 2008. 4 v, p. 41. 6 CAHALI, Yussef Sahid. Dano Moral. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 22-23. 15 Por se tratar de ofensa a bens não materiais, observa-se a ocorrência de dano moral em situações onde não há prejuízo econômico, sendo possível, no entanto, sua ocorrência concomitantemente a danos patrimoniais. Neste sentido: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”7 Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira: Para aceitar a reparabilidade do dano moral é preciso convencer-se de que são ressarcíveis bens jurídicos sem valor estimável financeiramente em si mesmos, pelo só fato de serem ofendidos pelo comportamento antijurídico do agente. [...] Admitir, todavia, que somente cabe reparação moral quando há um dano material é um desvio de perspectiva. Quem sustenta que o dano moral é indenizável somente quando e na medida em que atinge o patrimônio está, em verdade, recusando a indenização do dano moral. [...] Não cabe, por outro lado, considerar que são incompatíveis os pedidos, de reparação patrimonial e indenização por dano moral. O fato gerador pode ser o mesmo, porém o efeito pode ser múltiplo. A morte de uma pessoa fundamenta a indenização por dano material na medida em que se avalia o que perdem pecuniariamente os seus dependentes. Ao mesmo tempo justifica a reparação por dano moral quando se tem em vista a dor, o sofrimento querepresenta para os seus parentes ou aliados a eliminação violenta e injusta do ente querido, independentemente de que a sua falta atinge a economia dos familiares e dependentes.8 Há também situações em que o dano moral deriva de um dano patrimonial sofrido, sem perder sua característica de autonomia. Nestes casos observamos ofensa mediata a bem não patrimonial, decorrente de ofensa imediata ao patrimônio do ofendido. Interessante salientar que a indenização do dano moral não visa reparar o dano sofrido, mas sim compensar de alguma forma a dor. Apesar de ser pecuniária, a indenização tem como função proporcionar regalias para que o ofendido possa superar os momentos de dor que sofreu. Encontra-se aí o argumento para a teoria negativista quanto à reparabilidade dos danos morais. Uma vez que a função da reparação é retorno às condições observadas anteriormente ao dano, ainda que proporcione forma de compensação ao ofendido, a indenização por danos morais não alcança a recuperação dos bens violados. 7 Súmula 37, CORTE ESPECIAL, julgado em 12.03.1992, DJ 17.03.1992 p. 3172, REPDJ 19.03.1992 p. 3201. 8 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9.ed. Rio de Janeiro, Forense: 1998, p. 45. 16 Porém, o ordenamento jurídico não pode, de maneira alguma, ignorar uma violação a direito individual. Sendo necessária a indenização, de alguma forma, ao ofendido, tanto como meio de compensação, tanto como meio de evitar novas violações por parte do agente. Com isso, a natureza jurídica da indenização por dano moral desdobra-se em duas necessidades: a compensação e a prevenção. A obrigação pecuniária de indenizar, em sua face compensatória tem a função de proporcionar ao ofendido, realidade o mais próximo possível da observada anteriormente ao fato, enquanto que, em sua face preventiva, a indenização fundamenta-se na teoria do desestímulo, ou seja, impõe ao ofensor verdadeira punição pelo ato praticado, visando evitar que o mesmo repita sua conduta de violação. Neste sentido: O fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar- se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos. [...] Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: "caráter punitivo" para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o "caráter compensatório" para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido.9 Tal desdobramento deriva de duas correntes de pensamento que convergiram para o atual entendimento com relação ao tema. Desde os primórdios do Direito Romano já havia previsão de punição para condutas que violassem direitos não patrimoniais do indivíduo, como forma de evitar que o autor reincidisse em sua conduta ofensiva, além de desestimular conduta similar por parte de outro ente da sociedade. O que corresponde à teoria do desestímulo, amplamente difundida no direito francês. Por outro lado, temos a corrente que defende a reparação do dano moral de forma meramente ressarcitória, deixando ao direito penal a competência para a punição e desestímulo do ato lesivo. 9 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9.ed. Rio de Janeiro, Forense: 1998, p. 45. 17 Atualmente, apesar de não haver previsão explícita em nosso Código Civil, já vem sido aplicada a indenização por dano moral tanto com o fim de compensar o ofendido, quanto de punir o ofensor. Para suprir tal ausência de previsão legal, foi elaborado o Projeto de Lei n. 2496 pelo Deputado Vital do Rêgo Filho propondo as seguintes alterações no Código de Defesa do Consumidor: Art. 1º O art. 6º da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: ‘Art. 6º ........................................................................................................................... ........................................................................................................................................ Parágrafo único. A fixação do valor devido a título de efetiva reparação de danos morais atenderá, cumulativamente, à função punitiva e à função compensatória da indenização.’10 Na justificativa do projeto, o Deputado afirma: [...] a doutrina e a jurisprudência estabeleceram que o montante da indenização moral deve ser arbitrado judicialmente, em cada caso concreto, a partir da convergência de duas dimensões: o caráter punitivo, para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o caráter compensatório, para que a vítima receba uma soma que lhe proporcione satisfação em contrapartida ao mal sofrido.11 Tal proposta encontra-se aguardando votação no Senado Federal, porém, já sofreu algumas alterações no sentido de se incluir graduações de dano moral com o fim de determinar o quantum a ser arbitrado como indenização. Como tal previsão vai de encontro aos fundamentos do instituto do dano moral, não há muitas chances de que seja aprovado o projeto. Quanto à fixação de critérios objetivos para se determinar a ocorrência e dimensão dos danos morais, há grande discussão doutrinária. Enquanto que alguns autores defendem tal fixação como forma de se evitar inúmeras arbitrariedades que ocorrem em julgamentos deste tipo, outros são categóricos ao sustentar a opinião de não fixação, uma vez que, por se tratar de violação não patrimonial, torna-se impossível definir um padrão, por variar de pessoa para pessoa o grau de ofensa e dor que determinado ato implica. 10 BRASIL. Projeto de Lei n. 2496, de 2007. Acrescenta parágrafo único ao art. 6º da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, "que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências", para estabelecer que a reparação de danos morais deve atender cumulativamente à função punitiva e à função compensatória da indenização. Brasília, DF. Câmara dos Deputados, 2007. Disponível em <http://www.camara.gov.br/sileg/MontarIntegra.asp?CodTeor=526414>. Acesso em 15 maio 2008. 11 Idem, ibidem. 18 2.1. Prova do Dano Moral Objeto de inúmeras discussões é a necessidade de prova dos danos de maneira geral. Quanto aos danos morais, não é diferente, convergindo a moderna doutrina de responsabilidade civil na classificação dos danos morais da seguinte forma: a) Dano moral provado ou dano moral subjetivo – constituindo regra geral é aquele que necessita ser comprovado pelo autor da demanda, ônus que lhe cabe. b) Dano moral objetivo ou presumido – não necessita de prova, como nos casos de abalo de crédito, protesto indevido de títulos, perda de órgão do corpo ou de pessoa da família. Caracteriza-se pela inversão do onus probandi. Quanto a essa classificação, houve uma reviravolta na doutrina e na jurisprudência. Primeiramente, entendia-se que o dano moral seria em regra, presumido. Mas, diante de abusividades e exageros cometidos na prática, passou-se a defender a necessidade da sua prova, em regra. Isso também pela consciência jurisprudencial de que o dano moral não se confundiria com os meros aborrecimentos suportados por alguém no seu dia a dia. No entanto, atualmente, a tendência jurisprudencial é de ampliar os casos envolvendo a desnecessidade de prova do dano moral, em defesa à proteção da dignidade da pessoa humana, prevista na Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III, em casos onde ficaclara a hipossuficiência do ofendido. De qualquer forma, visando afastar o enriquecimento sem causa, dotando a responsabilidade civil de uma função social importante, entendemos que se deve considerar como regra a necessidade de prova, presumindo-se o dano moral em alguns casos.12 12 TARTUCE, Flávio. Questões controvertidas quanto à reparação por danos morais. Aspectos doutrinários e visão jurisprudencial. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 876, 26 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7586>. Acesso em: 15 maio 2008. 19 2.2. Nexo de Causalidade Em regra a caracterização da ocorrência dos danos morais depende da prova do nexo de causalidade entre o fato gerador do dano e suas conseqüências nocivas à moral do ofendido. Não basta que o agente haja procedido contra direito, isto é, não se define a responsabilidade pelo fato de cometer um "erro de conduta", não basta que a vítima sofra um "dano", que é o elemento objetivo do dever de indenizar, pois se não houver um prejuízo a conduta antijurídica não gera obrigação ressarcitória. É necessário se estabeleça uma relação de causalidade entre a injuridicidade da ação e o mal causado.13 O nexo causal é o liame que une a conduta do agente ao dano, sendo elemento indispensável para o ressarcimento do dano. Mesmo nos casos de responsabilidade objetiva, onde a culpa é dispensada, não é dispensada a prova do nexo de causalidade, para que se possa constatar o ato como causa do dano. Fundamentalmente, são três as principais teorias que tentam explicar o nexo de causalidade: A teoria da equivalência das condições, elaborada pelo jurista alemão Von Buri na segunda metade do século XIX, não diferencia os antecedentes do resultado danoso, de forma que tudo aquilo que concorra para o evento, será considerado causa, é o pensamento adotado pelo Código Penal ainda em vigor. A segunda teoria é a da causalidade adequada. Esta teoria, desenvolvida a partir das idéias do filósofo alemão Von Kries, posto não seja isenta de críticas, é mais refinada do que a anterior, por não apresentar algumas de suas inconveniências. Para os adeptos desta teoria, não se poderia considerar causa toda e qualquer condição que haja contribuído para a efetivação do resultado, conforme sustentado pela teoria da equivalência, mas sim, segundo um juízo de probabilidade, apenas o antecedente abstratamente idôneo à produção do efeito danoso. 13 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9.ed. Rio de Janeiro, Forense: 1998, p. 64. 20 A última vertente doutrinária é a teoria da causalidade direta ou imediata, também denominada teoria da interrupção do nexo causal, menos radical do que as anteriores, foi desenvolvida, no Brasil, pelo Professor Agostinho Alvim, em sua clássica obra Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências. Causa, para esta teoria, seria apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como uma conseqüência sua, direta e imediata. 2.3. Legitimidade Ativa Para Requerer Indenização Grande questão ao se observar o dano moral é constatar sua amplitude, ou seja, a quem o fato lesivo alcança de forma a causar prejuízo indenizável? Afinal de contas, o fato lesivo, muitas vezes, vem a causar prejuízo não só à vítima direta da lesão, mas também a terceiros, como, por exemplo, no caso de indenização por morte, onde os familiares, por conta da dor sofrida pela perda do parente, podem requerer indenização por danos morais. Onde a questão se complica é no caso da morte da vítima. Impõe-se verificar a titularidade do direito à indenização. O princípio geral define-se com a resposta à indagação: quem é a pessoa diretamente atingida? O primeiro na ordem dos prejudicados é o cônjuge supérstite, seja por um motivo de natureza econômica, seja por uma razão de ordem afetiva. [...] Aos parentes, obviamente, assiste o direito de pleitear a indenização. Mas a expressão "parentes" é muito vaga e imprecisa. Melhor seria substituí-la por "os herdeiros". O que deve, em princípio, orientar a legitimação ativa é a ordem de vocação hereditária. Os filhos, como diretamente prejudicados, são os titulares natos para a ação. Em seguida os ascendentes, e em último lugar os colaterais. Ajuizado o pedido pelo cônjuge e pelos filhos (devidamente representados, se menores) não há mister demonstrar o prejuízo, uma vez que o só fato da morte induz a presunção do dano. O mesmo se não dirá dos ascendentes e dos colaterais cuja legitimatio para a ação indenizatória depende da demonstração de que a perda do parente causou-lhes prejuízo.14 Quanto à pessoa atingida, o dano moral pode ser assim classificado: 14 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9.ed. Rio de Janeiro, Forense: 1998, p. 264. 21 a) Dano moral direto – aquele que atinge a própria pessoa, a sua honra subjetiva ou objetiva. b) Dano moral indireto ou "dano em ricochete"- aquele que atinge a pessoa de forma reflexa, como no caso de morte de uma pessoa da família. Em tais casos, terão legitimidade para promover a ação indenizatória os lesados indiretos. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535, II, DO CPC NÃO CARACTERIZADA.. AÇÃO REPARATÓRIA. DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO VIÚVO. PREJUDICADO INDIRETO. DANO POR VIA REFLEXA. I - Dirimida a controvérsia de forma objetiva e fundamentada, não fica o órgão julgador obrigado a apreciar, um a um, os questionamentos suscitados pelo embargante, mormente se notório seu propósito de infringência do julgado. II – Em se tratando de ação reparatória, não só a vítima de um fato danoso que sofreu a sua ação direta pode experimentar prejuízo moral. Também aqueles que, de forma reflexa, sentem os efeitos do dano padecido pela vítima imediata, amargando prejuízos, na condição de prejudicados indiretos. Nesse sentido, reconhece-se a legitimidade ativa do viúvo para propor ação por danos morais, em virtude de ter a empresa ré negado cobertura ao tratamento médico- hospitalar de sua esposa, que veio a falecer, hipótese em que postula o autor, em nome próprio, ressarcimento pela repercussão do fato na sua esfera pessoal, pelo sofrimento, dor, angústia que individualmente experimentou. Recurso especial não conhecido.15 No mesmo sentido, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. ACIDENTE DE CONSUMO. QUEIJO PARMESÃO RALADO. PRODUTO IMPRÓPRIO AO CONSUMO. DANOS À SAÚDE DA NETA DA AUTORA. ATENDIMENTO DE URGÊNCIA. AFLIÇÃO E ANGÚSTIA A JUSTIFICAR A CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS. 1. Embora o acidente de consumo não tenha atingido diretamente a autora, apresenta ela legitimidade pela sensação de angústia e aflição gerada pelo dano à saúde de sua neta. Dano por ricochete. 2. Comprovada, não só a impropriedade do produto para o consumo, o que afeto à responsabilidade do Fabricante, como também a sua má conservação, o que alcança a esfera de responsabilidade do comerciante, respondem ambos pelos danos provocados no acidente de consumo. 3. Uma vez procedida à inversão do ônus da prova e havendo fotografias a indicar a existência de mancha esverdeada no queijo parmesão ralado vendido, o que evidencia estivesse contaminado, cumpria às rés comprovar que outro tipo de alimento ingerido pela neta da autora poderia também causar-lhe a asperigirose broncopulmonar alérgica que a acometeu. 4. A alegação de que pudesse a enfermidade ter causa outra que não a ingestão do produto também se mostra passível de prova, o que poderia ser feito através da apresentação de laudotécnico e não o foi. 5. No que tange à existência do dano moral, o mesmo se presume em face da situação aflitiva gerada, tendo a 15 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso Especial n. 530602. Relator: Ministro Castro Filho. Brasília, DF, 29 de outubro de 2003. Disponível em <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=dano+moral+indireto&&b=ACOR&p=true&t=&l=1 0&i=3>. Acesso em 10 maio 2008. 22 indenização sido fixada com prudência e moderação. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos. Recurso improvido.16 16 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Primeira Turma Recursal Cível. Apelação Cível n. 71000964320. Relator: Desembargador Ricardo Torres Hermann. Porto Alegre, 26 de outubro de 2006. Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em 10 maio 2008. 23 3. O DANO MORAL DA PESSOA JURÍDICA Até o advento do Novo Código Civil, houve muita discussão, tanto doutrinária quanto jurisprudencial, com relação à possibilidade de ser, a pessoa jurídica, sujeito passivo de dano moral. Tal discussão baseava-se na negação de direitos de personalidade às pessoas jurídicas por se tratar de fruto de ficção legal, sem gozar de existência natural. O entendimento é de que a pessoa jurídica não é suscetível a sofrimentos de natureza psíquica. Nesta linha de raciocínio, pode a pessoa jurídica ter sua honra objetiva violada, porém, não há o que se falar em indenização por dano moral, mas sim em dano material decorrente da violação, pois apesar de não experimentar o sofrimento ou angústia características do dano imaterial, as pessoas jurídicas podem ter seu patrimônio ou rendimentos comprometidos por conta de sua imagem junto ao mercado. Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa: Em princípio, toda ofensa ao nome ou renome de uma pessoa jurídica representa-lhe um abalo econômico. Não há como admitir dor psíquica da pessoa jurídica, senão abalo financeiro da entidade e moral dos membros que a compõem.17 Porém, o próprio doutrinador finaliza: Nem por isso, porém, deixará de ser reparado um dano de natureza moral contra a pessoa jurídica: apenas que, a nosso ver, esse dano moral sempre terá reflexo 17 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. 8.ed. São Paulo, Atlas: 2008. 4 v, p. 44. 24 patrimonial. Será sempre economicamente apreciável, por exemplo, o abalo mercadológico que sofre uma empresa acusada injustamente, por exemplo, de vender produtos roubados ou falsificados.18 Desta forma, ainda que a pessoa jurídica não apresente os direitos de personalidade referentes à sua honra subjetiva, nem seja suscetível de dor, ela pode ter sua honra objetiva lesada, fazendo jus a indenização, uma vez que a imagem da empresa é elemento determinante para a viabilidade de suas atividades econômicas. Outra questão de extrema relevância é a das pessoas jurídicas sem fins lucrativos. A justificativa de que todo dano reflete-se de maneira econômica na pessoa jurídica exclui da proteção as associações e demais empresas que não visam lucro. Neste caso, embora ocorrido dano, não haveria possibilidade de reparação. Porém, acertadamente, tanto a doutrina como a jurisprudência têm se mostrado receptíveis à idéia do dano extra-patrimonial das pessoas jurídicas, garantindo a proteção difusa dos direitos de personalidade, inclusive para as pessoas não naturais. Com o Código Civil de 2002, observou-se uma previsão legal para a defesa dos direitos de personalidade das pessoas jurídicas. O artigo 52 do diploma legal estabelece que: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.” Importante analisar a ressalva feita pelo doutrinado ao dizer “no que couber”. Tal ressalva deve-se à não aceitação da existência de honra subjetiva da pessoa jurídica, por tratar-se tal instituto do sentimento interior da pessoa. RESPONSABILIDADE CIVIL. PESSOA JURÍDICA. HONRA OBJETIVA. DANO MORAL. OFENSA DA SUA REPUTAÇÃO PERANTE TERCEIROS. INOCORRÊNCIA. RESCISÃO CONTRATUAL. EMISSÃO DE FATURAS COM VALOR A MAIS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO-PROVIDO. O ônus da prova incumbe ao autor quanto aos fatos constitutivos de seu direito. Inteligência do art. 333, I, do CPC. O dano moral contra pessoa jurídica somente é possível quando afeta sua honra objetiva, ou seja, sua reputação perante terceiros. A emissão de faturas telefônicas com valor a mais, por si só, não é capaz de gerar dano moral à pessoa jurídica ou possibilitar a rescisão contratual.19 18 Idem, Ibidem. 19 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Apelação Cível n. 100.001.2005.020895-0. Apelante: Associação de Praças da Policia Militar do Estado de Rondonia - APPM/RO. Apelado: 14 Brasil Telecom 25 Ainda antes da previsão pelo Código Civil, já pudemos vislumbrar julgados reconhecendo a possibilidade do dano extra-patrimonial das pessoas jurídicas: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.”20 Celular S/A. Relator: Desembargador Miguel Monico Neto. Porto Velho, 1 de agosto de 2007. Disponível em <http://www.tj.ro.gov.br>. Acesso em 10 maio 2008. 20 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 227. Segunda Seção. Brasília, DF, 08 de setembro de 1999. DJ 20.10.1999 p. 49. 26 4. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E AS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS A questão relativa à responsabilidade civil dos bancos e instituições financeiras em geral sofreu sensíveis modificações em razão do notável desenvolvimento, modernização e diversificação dessa atividade em nosso País. Na realidade, o banco moderno não se restringe a recolher as economias monetárias dos que lhas confiam, para emprestá-las, através do mútuo de dinheiro, aos seus clientes, como ocorria no passado. Atualmente, o conceito de banco foi substituído ou complementado pelo de instituição financeira, ou até de conglomerado financeiro, cuja função no mercado é o exercício do crédito sob as suas novas e sofisticadas formas, das quais o recebimento de depósitos em dinheiro e sua aplicação é uma das mais antigas, mas não a única. [...] É, portanto, o exercício técnico e profissional do crédito, que tanto pode ser de dinheiro, quanto de outra natureza (o de assinatura, p. ex., através do aceite cambial ou do aval), que caracteriza a instituição financeira, e o estabelecimento de crédito, hoje intensamente empolgados pelos chamados serviços bancários.21 Não é novidade o fato de que a atividade das instituições financeiras é regrada por normas específicas, estabelecidas na Lei n. 4.595, de 31.12.64, e a fiscalização de suas operações e da sua correção contábil compete ao Banco Central do Brasil, com competência para editar normas complementares de regulamentação, com força de lei para as instituições sob sua égide. A responsabilidade civil das instituições bancárias, seja contratual ou aquiliana, não encontra previsão e regulamentação expressa em sua legislação específica, sendo resolvidas as questões suscitadas a respeito à luz da doutrina e da jurisprudência. 21 WALD, Arnoldo. O Novo Direito Monetário. 2. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, pág. 186. 27 Essa ausência de regulamentação foi amenizada com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembrode 1990), que equiparou a prestação de serviços bancários de natureza onerosa às relações de consumo. O §2º do art. 3º do CDC conceitua serviço como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” Porém, apesar da existência de abalizada jurisprudência afirmando que a previsão legal do CDC não comporta exceções, há várias atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras que não são abrangidas pela incidência de tal estatuto. Como exemplo, podemos citar as operações de remessa internacional de valores, de lançamentos de títulos, ações, bônus ou debêntures em mercados estrangeiros, além daquelas que não se enquadram na definição de serviço estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor, seja por sua gratuidade, seja pelo fato de não ter como objetivo o consumidor final. Ainda que não sofra incidência dos dispositivos do CDC, há responsabilidade dos bancos em tais relações jurídicas, uma vez que há responsabilidade contratual, além da legislação específica existente. Tal discussão a respeito da aplicação do CDC culminou com o ingresso da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2591 pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF) que congrega a Federação Nacional dos Bancos, a Federação Nacional das Empresas Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, a Federação Interestadual das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimentos, e a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização em 26 de dezembro de 2001. Na ADIn, a CONSIF visa a não aplicação do disposto no §2º, art. 3º do CDC às atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras por ser incompatível com o texto do art. 192 caput e incisos II e IV da Constituição Federal. Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: 28 [...] II – autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador e do órgão oficial ressegurador; [...] IV – a organização, o funcionamento e as atribuições do banco central e demais instituições financeiras públicas e privadas;22 Tal questionamento é fundamentado no fato de que o dispositivo constitucional determina que a regulamentação do Sistema Financeiro Nacional se dará por meio de lei complementar e que o Código de Defesa do Consumidor não pode ser aplicado aos entes que compõem o Sistema Financeiro Nacional, por se tratar de lei ordinária. Afirma-se na petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade: A Lei nº 8.078/90 é inconstitucional ao criar novos e maiores encargos e obrigações financeiras, sendo lei ordinária, quando a Constituição Federal exige, textualmente, lei complementar. A expressão impugnada viola o princípio da razoabilidade, sede material do devido processo legal (art. 5º, LIV, da Constituição Federal), já que se manifesta como meio legislativo inadequado para regular tal matéria por não observar as peculiaridades das atividades desenvolvidas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a justificar a impossibilidade de se equipará-las às atividades de consumo.23 O Sistema Financeiro Nacional é composto pelos seguintes órgãos, subordinados ao Ministério da Fazenda: - Conselho Monetário Nacional; - Conselho Nacional de Seguros Privados; - Conselho de Gestão da Previdência Complementar; - Conselho de Controle de Atividades Financeiras. 22 Texto à época do ingresso da ADIn 2591, antes da alteração determinada pela Emenda Constitucional n. 40 de 2003 que, entre outras disposições, revoga os incisos II e IV e dá nova redação ao caput do referido artigo: “art.192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.” 23 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 2591, de 26 de dezembro de 2001. Brasília, DF. Petição Inicial, p. 1. 29 Ao Conselho Monetário Nacional estão subordinados o Banco Central do Brasil e as demais instituições financeiras, incluindo-se o Banco do Brasil e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sendo, portanto, os bancos, entes integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Ao questionar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o autor da ADIn afirma que a regulamentação dos serviços prestados pelas instituições financeiras deve ser feita pelo Conselho Monetário Nacional, tendo suas deliberações baixadas pelo Banco Central do Brasil, sob forma de resoluções, que, para as instituições financeiras, têm força de lei, e a legislação atinente ao assunto deve ter caráter complementar, uma vez que há previsão na Constituição Federal de legislação específica para regulamentar a atividade financeira no país. Apesar da justificativa, a ADIn foi julgada improcedente. Houve 09 votos pela improcedência e dois pela procedência parcial. Os votos vencidos entendiam pela procedência parcial para excluir a regulação dos juros da incidência do CDC. A ação continha pedido de liminar. A CONSIF justificou tal pedido no fato de o STJ estar decidindo, a cada dia que passava, mais a favor do consumidor e contra as instituições financeiras, comprometendo injustamente o patrimônio dos bancos, que sofriam pesadas condenações fundamentadas em legislação inconstitucional. O STJ entendeu que a incidência do Código de Defesa do Consumidor não altera a organização do Sistema Financeiro Nacional, apenas regula as relações entre os bancos e seus clientes, de forma que não viola o disposto no texto constitucional por tratar-se de Lei Ordinária. Tal pensamento é defendido também por vários doutrinadores, como, por exemplo, Márcio Mello Casado: Contudo, o CDC não regula o sistema financeiro nacional. Ele trata da relação entre esse sistema financeiro e os consumidores, o que é bem diferente. Pensar o contrário é dizer que não há lei alguma no país que se aplique aos bancos.O Código de Processo Civil não é lei complementar e diz como os bancos podem ou não executar os seus clientes. Seria inconstitucional? Evidente que não. Ele trata da forma como 30 os membros do sistema financeiro nacional podem cobrar judicialmente os seus créditos.24 24 CASADO, Márcio Mello. Proteção do Consumidor de Crédito Bancário e Financiamento. 2.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais: 2006, p. 78. 31 5. O DANO MORAL NA ESFERA BANCÁRIA É extremamente numerosa a quantidade de ações de indenização por danos morais pleiteadas em face de instituições bancárias em nosso país. Isto se deve principalmente ao fato de estas instituições, muitas vezes, por conta de sua metodologia de trabalho voltada à produtividade e lucratividade máxima, não oferecer ao público o tratamento desejável, causando transtornos de imensa variedade a seus clientes e usuários. Em regra, a responsabilidade civil é fundada na culpa, respondendo, portanto, os bancos, para com as pessoas lesadas, clientes ou não, desde que existente culpa no suporte fático, atribuível a quem estiver presentando ou mesmo representando oestabelecimento bancário. Assim considerando, a teoria da responsabilidade subjetiva erige em pressuposto da obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou simplesmente a sua culpa, abrangendo no seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente.25 Tal responsabilização depende da culpa do agente, porém, em alguns casos observa- se a inversão do onus probandi, com a presunção de culpa. Nestes casos, cabe ao ofensor afastar, através de material probatório, sua culpa na lesão. Além dessa responsabilidade subjetiva, há casos em que ocorre a responsabilização independentemente de análise de qualquer conduta culposa do agente ou causador do dano, respondendo a instituição financeira pelo dano causado, ainda que não estejam presentes 25 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9.ed. Rio de Janeiro, Forense: 1998, p. 29. 32 imprudência, negligência ou imperícia por parte do ofensor. Tal responsabilização dá-se em casos onde a lesão é gerada em situação criada por quem explora atividade que, por sua própria natureza, expõe o ofendido ao risco desse dano. Ou, nas palavras de Vilson Rodrigues Alves: A afirmação generalizada é de que essa responsabilidade civil dos bancos, sem culpa, justifica-se pelo risco criado no exercício das atividades inerentes às suas operações. [...] Com efeito, como os bancos praticam as operações, por exemplo, com cheques, e como esses títulos não se compatibilizam com exames detidos, minuciosos e detalhados de cada um dos incontáveis cheques operacionalizados, esses estabelecimentos assumem o risco do pagamento ruim por seus prepostos. Não significa isso que se condicione a responsabilidade civil dos bancos à culpa de seus prepostos. O que se afirma é que ela se lastreia no risco, adrede assumido, o que, está óbvio, não afasta exercício de pretensão irradiada de direito regressivo contra o preposto culpado.26 No entanto, há de se aplicar a responsabilização independente de culpa com certa cautela, de modo a evitar a banalização do instituto e transformar a exceção em regra. Hoje, há entendimentos diversos, porém, tanto a doutrina quanto a jurisprudência tem caminhado no sentido de aplicar a responsabilidade objetiva ou subjetiva de acordo com as circunstâncias do caso concreto, utilizando-se dos princípios da hermenêutica, de forma a não violar o princípio do devido processo legal. No que tange à legitimidade passiva da ação de indenização, é relevante observar a responsabilidade do banco pelos atos de seus funcionários, uma vez que o Código Civil é claro ao dispor em seu artigo 932: “São também responsáveis pela reparação civil: [...] III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”. Neste sentido: Responsável é o banco pelos atos de seus funcionários, danosos ao cliente (como um débito indevidamente feito em sua conta ou o lançamento de ordem de crédito em conta de terceiro) porque, na qualidade de preponente responde a instituição pelos 26 ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade Civil dos Estabelecimentos Bancários. 2.ed. Campinas: Bookseller, 1999. 1 v, p. 94-95. 33 atos do preposto, independentemente de apuração de culpa in vigilando ou in eligendo.27 Cabe acrescentar que, apesar da própria natureza dos negócios jurídicos celebrados com bancos gerarem incontáveis controvérsias, o ordenamento jurídico tem sabiamente se posicionado de modo a evitar a instauração da chamada indústria do dano moral, tanto na aplicação de responsabilidade objetiva ou subjetiva, quanto na fixação do quantum destas indenizações. Uma vez que os serviços bancários são extremamente necessários em nossa sociedade de consumo atual, a inumerável quantidade de transações efetuadas todos os dias acaba por gerar diversas situações onde se vislumbra a ocorrência de dano não patrimonial por parte dos bancos. Porém, algumas situações, dada a quantidade de ações ajuizadas, merecem especial destaque ao se analisar o assunto. 5.1. Inscrição indevida nos órgãos de restrição de crédito É talvez a mais comum causa de dano moral por parte das instituições financeiras. Para a análise de crédito, os bancos se utilizam de informações disponibilizadas em cadastros particulares de maus pagadores, Serasa ou SPC28, por exemplo, além de cadastros públicos de devedores, como por exemplo, o CADIN. Por tratarem com um imenso número de clientes, as instituições bancárias, muitas vezes, realizam inscrições indevidas nestes cadastros. Seja por erros de digitação, seja por erros na constatação de inadimplemento das obrigações dos clientes. Nestes casos, entende a jurisprudência que independe de culpa a responsabilização do banco, uma vez que a própria natureza de suas operações gera o risco destas inscrições indevidas, logo, aplica-se nestes casos a responsabilidade objetiva. 27 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9.ed. Rio de Janeiro, Forense: 1998, p. 147. 28 Serviço de Proteção ao Crédito. 34 Neste sentido temos: APELAÇÃO CÍVEL. DANOS MORAIS. PROVAS DOCUMENTAIS SUFICIENTES. DÍVIDA QUITADA. INCLUSÃO INDEVIDA NO BANCO DE DADOS DO SPC DANO MORAL EVIDENCIADO. Verificada a quitação da dívida perante à administradora de consórcio, e havendo a inscrição indevida em cadastros restritivos, é devida a indenização a título de danos morais. Os prejuízos decorrentes do protesto indevido de títulos de crédito e da inscrição indevida do nome em cadastro negativo de crédito não carecem de prova.29 5.2. Cheque devolvido indevidamente A compensação de cheques está estritamente condicionada à observância de todos os aspectos legais que fazem do instrumento um título de crédito. Caso algum destes requisitos não esteja presente, deve haver a devolução do documento, com a indicação, no verso, do motivo da devolução. A indicação é feita por meio de uma tabela com códigos padronizados pelo Banco Central. As indicações são agrupadas em grupos, de acordo com a natureza da devolução da seguinte forma: Cheque sem fundos: · motivo 11 - cheque sem fundos na primeira apresentação; · motivo 12 - cheque sem fundos na segunda apresentação; · motivo 13 - conta encerrada; · motivo 14 - prática espúria. Impedimento ao pagamento: · motivo 20 - folha de cheque cancelada por solicitação do correntista; · motivo 21 - contra-ordem (ou revogação) ou oposição (ou sustação) ao pagamento solicitada pelo emitente ou pelo beneficiário; · motivo 22 - divergência ou insuficiência de assinatura; · motivo 23 - cheques emitidos por entidades e órgãos da administração pública federal direta e indireta, em desacordo com os requisitos constantes do artigo 74, 2º, do decreto-lei nº 200, de 25.2.67; · motivo 24 - bloqueio judicial ou determinação do Banco Central; · motivo 25 - cancelamento de talonário pelo banco sacado; · motivo 26 - inoperância temporária de transporte; 29 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Primeira Câmara Cível. Apelação Cível n. 100.001.2003.010483-0. Apelante: Trescinco Administradora e Consórcio S/C Ltda. Apelado: Francisco Ronne Von Gomes. Relator: Desembargador Kiyochi Mori. Porto Velho, 7 de fevereiro de 2006. Disponível em <http://www.tj.ro.gov.br>. Acesso em 10 maio 2008. 35 · motivo 27 - feriado municipal não previsto; · motivo 28 - contra-ordem (ou revogação) ou oposição (ou sustação), motivada por furto ou roubo, com apresentação do registroda ocorrência policial; · motivo 29 - cheque bloqueado por falta de confirmação do recebimento do talão de cheques pelo correntista; · motivo 30 - furto ou roubo de malotes. Cheque com irregularidade: · motivo 31 - erro formal (sem data de emissão, mês grafado numericamente, sem assinatura, sem valor por extenso); · motivo 32 - ausência ou irregularidade na aplicação do carimbo de compensação; · motivo 33 - divergência de endosso; · motivo 34 - cheque apresentado por estabelecimento bancário que não o indicado no cruzamento em preto, sem o endosso-mandato; · motivo 35 - cheque falsificado, emitido sem controle ou responsabilidade do banco, ou ainda com adulteração da praça sacada; · motivo 36 - cheque emitido com mais de um endosso; · motivo 37 - registro inconsistente - compensação eletrônica. · Apresentação indevida: · motivo 40 - moeda inválida; · motivo 41 - cheque apresentado a banco que não o sacado; · motivo 42 - cheque não compensável na sessão ou sistema de compensação em que apresentado; · motivo 43 - cheque devolvido anteriormente pelos motivos 21, 22, 23, 24, 31 e 34, não passível de reapresentação em virtude de persistir o motivo da devolução; · motivo 44 - cheque prescrito (fora do prazo); · motivo 45 - cheque emitido por entidade obrigada a realizar movimentação e utilização de recursos financeiros do tesouro nacional mediante ordem bancária; · motivo 46 - CR - Comunicação de Remessa, quando o cheque correspondente não for entregue ao banco sacado nos prazos estabelecidos; · motivo 47 - CR - Comunicação de Remessa com ausência ou inconsistência de dados obrigatórios referentes ao cheque correspondente; · motivo 48 - cheque de valor superior a R$ 100,00 (cem reais), emitido sem a identificação do beneficiário, acaso encaminhado ao SCCOP, devendo ser devolvido a qualquer tempo; · motivo 49 - remessa nula, caracterizada pela reapresentação de cheque devolvido pelos motivos 12, 13, 14, 20, 25, 28, 30, 35, 43, 44 e 45, podendo a sua devolução ocorrer a qualquer tempo. Motivos criados pela circular 3.226/2004: · motivo 71 - inadimplemento contratual da cooperativa de crédito no acordo de compensação. · motivo 72 - contrato de compensação encerrado.30 Os cheques devolvidos pelos motivos 11, 12 e 13, estão sujeitos à inclusão do nome do emitente no Cadastro de Emitentes de Cheque sem Fundos, CCF, restringindo seu crédito junto a outras instituições. 30 BANCO CENTRAL DO BRASIL. FAQ – Cheques, Devolução de cheques. Disponível em <http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/servicos6.asp#4>. Acesso em 10 maio 2008. 36 Ocorre que, em algumas ocasiões, devido à quantidade demasiada de cheques que passam todos os dias pelo serviço de compensação, o cheque pode ser devolvido com indicação de motivo não condizente com o instrumento. Caso tal devolução venha a causar qualquer tipo de constrangimento ou ofensa à honra do cliente, através de inclusão de seu nome em órgãos restritivos de crédito, este faz jus a indenização por danos morais. CONTA CORRENTE. CHEQUES. DEVOLUÇÃO INDEVIDA. DANO MORAL. Caracterizado ato ilícito representado pela devolução indevida de cheque por motivo de insuficiência de fundos, impõe-se a condenação do responsável a pagar danos morais.31 5.3. Pagamento de cheque com erro grosseiro/falsificado/falta de conferência de assinatura Dada a imensa quantidade de cheques que todos os dias passam pelo sistema de compensação dos bancos, é impossível ater-se à conferência minuciosa de cada instrumento. Dessa forma, ao prestar tal tipo de serviço, o banco assume os riscos decorrentes, devendo ser responsabilizado no caso de defeito. As causas mais comuns de dano moral quanto à compensação de cheques dizem respeito a adulteração de valores e assinatura divergente da do cliente. Nestes casos, ainda que o banco não tenha concorrido para a adulteração ou falsificação do documento, responde objetivamente. Neste sentido: INDENIZAÇÃO. DANO MATERIAL E MORAL. CHEQUE ADULTERADO. COMPENSAÇÃO ERRÔNEA. SERVIÇO DEFEITUOSO. Responde pelos danos 31 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Apelação Cível n. 100.001.2006.014051-7. Apelante: Banco do Brasil S/A. Apelado: Daniella Ribeiro Sá dos Santos. Relator: Desembargador Marcos Alaor Diniz Grangeia. Porto Velho, 12 de setembro de 2007. Disponível em <http://www.tj.ro.gov.br>. Acesso em 10 maio 2008. 37 gerados pela sua conduta a instituição financeira que compensa cheque adulterado e com assinatura falsa, uma vez que tal ato caracteriza serviço defeituoso.32 5.4. Demora no atendimento na fila Por conta da variedade de serviços prestados pelas instituições financeiras e da necessidade atual em se manter conta de depósitos, a quantidade de pessoas que freqüenta diariamente os bancos é enorme. A cada dia, com a expansão da base de clientes por parte do banco, maior é o fluxo de pessoas em suas agências, porém, a quantidade de funcionários disponibilizados para prestar atendimento a estas pessoas nem sempre aumenta na mesma proporção, o que resulta em filas e mais filas. Muitos municípios, tentando impedir que os cidadãos estejam sujeitos a demasiada espera em filas nos bancos, criaram leis limitando o tempo máximo que a instituição financeira pode fazer com que seus clientes esperem por atendimento. No entanto, dificilmente há a obediência de tais disposições, sendo crítica a situação em determinadas épocas do mês. Caso se sinta lesada por esta espera além dos limites aceitáveis, a pessoa, usuária de serviços bancários pode requerer indenização por danos morais, em face do aborrecimento a que foi submetida ao ter de esperar, às vezes, por horas para ser atendida. Porém, os tribunais têm sido relutantes em conceder tais indenizações, sob o argumento de, nestes casos, ocorrer mero aborrecimento, sem a violação dos direitos de personalidade ou da honra objetiva ou subjetiva da pessoa. Neste sentido: PREPARO RECURSAL. RECOLHIMENTO A MENOR. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. NÃO-PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS CARACTERIZADORES DO DANO MORAL. MERO ABORRECIMENTO. A diferença ínfima entre o valor 32 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Apelação Cível n. 100.014.2006.001654-3. Apelante: Banco Bradesco S/A. Apelado: Paulo Valdir de Moura. Relator: Desembargador Gabriel Marques de Carvalho. Porto Velho, 29 de janeiro de 2008. Disponível em <http://www.tj.ro.gov.br>. Acesso em 10 maio 2008. 38 recolhido e o devido a título de preparo recursal não configura a deserção. Dispensada a prova pela própria parte, não lhe é lícito sustentar o cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide. A mera espera em fila bancária não é apta a ensejar um decreto condenatório, não podendo contratempos do dia-a-dia ser elevados a dano moral.33 Nas palavras de Flávio Tartuce: Inicialmente, tanto doutrina e jurisprudência sinalizam para o fato de que o dano moral suportado por alguém não se confunde com os meros transtornos ou aborrecimentos que o cidadão sofre no dia-a-dia. Isso, sob pena de colocar em descrédito a própria concepção da responsabilidade civil. Cabe ao juiz, analisando o caso concreto e diante da sua experiência apontar se a reparação imaterial é cabível ou não.34 5.5. Manutenção no cadastro de inadimplentes após quitação do débito Como meio de garantir o pagamento de seus créditos, os bancos utilizam os serviços prestados por empresas que mantém cadastros de maus pagadores, tais como SERASA. Ao realizarqualquer operação de crédito, é feira consulta ao banco de dados e, caso seja constatada alguma pendência em nome do cliente, o crédito pode ser indeferido, face histórico de não pagamento. Quando um cliente atrasa o reembolso de operações de crédito, a instituição bancária providencia sua inclusão em tais bancos de dados, de modo a inibir a concessão de crédito a esta pessoa. Após a quitação do valor em atraso, tal cadastro no banco de dados deve ser apagado, de modo que o cliente não fique prejudicado por pendência já resolvida junto ao banco. Muitas vezes ocorre que, mesmo após o pagamento, o banco não efetua a baixa da inscrição junto aos órgãos restritivos de crédito, causando constrangimento ao cliente no 33 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Primeira Câmara Cível. Apelação Cível n. 100.001.2005.015009-9. Apelante: Arão Falcão da Silva. Apelado: Banco do Brasil S/A. Relator: Desembargador Kiyochi Mori. Porto Velho, 11 de julho de 2006. Disponível em <http://www.tj.ro.gov.br>. Acesso em 10 maio 2008. 34 TARTUCE, Flávio. Questões controvertidas quanto à reparação por danos morais. Aspectos doutrinários e visão jurisprudencial. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 876, 26 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7586>. Acesso em: 15 maio 2008. 39 momento de nova tomada de crédito, seja na mesma instituição, seja em qualquer outro estabelecimento comercial. Nestes casos, faz jus, o cliente, a reparação dos danos sofridos: 5.6. Constrangimento por detector de metais em porta giratória Outra questão rotineira nas instituições bancárias é quanto à porta giratória com detector de metais. Esse equipamento, já faz algum tempo, tornou-se comum nestas instituições, chegando a tornar-se, de alguma forma, símbolo de banco. O detector de metais visa impedir que pessoas adentrem as instalações do banco portando algum tipo de arma que possa oferecer risco aos clientes, usuários e funcionários. Por tratar-se de detector de metais, o equipamento sinaliza a presença de certa quantidade de metal, impedindo automaticamente a entrada da pessoa que se encontra na porta giratória. Ocorre que, muitas vezes, o fato de estar portando metal não quer dizer que o cidadão esteja em posse de uma arma. Há ocasiões em que chaves, cintos e outros objetos são detectados pelo equipamento. Nestes casos, geralmente, o indivíduo é orientado a depositar seus objetos metálicos em local pré-indicado e retirá-los após novo exame pelo equipamento. Em alguns casos, próteses utilizadas por deficientes físicos acionam o travamento do dispositivo detector. Nestas circunstâncias, muitas vezes, não há como o portador da prótese separá-la de seu corpo sem que haja certo constrangimento. Nestes casos, caso seja exigida esta conduta para a entrada no prédio, pode ocorrer violação à honra do indivíduo, tanto subjetiva, pelo aborrecimento, quanto subjetiva, pelo constrangimento junto aos presentes. A jurisprudência tem se mostrado favorável à defesa da honra destas pessoas, de modo que já há vários julgados neste sentido. Como por exemplo: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. BANCO. PORTA GIRATÓRIA. VEDAÇÃO DE ACESSO AO INTERIOR DA AGÊNCIA. DANO IN RE IPSA. CRITÉRIOS QUANTIFICADORES. Não se pode negar o 40 constrangimento pelo qual passa qualquer pessoa que, injustificadamente barrada na porta de um banco, vê-se impedida de entrar na agência. O fato de ter sido atendida no lado de fora do estabelecimento bancário, tendo-lhe sido pago o cheque que portava, demonstra que não havia razão para ser a requerente barrada. Alegação de que a autora estava portando objeto de metal desprovida de prova. Ônus da prova que era do banco. Exegese do art. 6º, inc. VIII, do CDC. Dano moral que se caracteriza como in re ipsa, bastando ao ofendido a prova do fato e o nexo de causalidade entre o fato e o resultado danoso. Ainda que o grau de insegurança em que vive a sociedade moderna, principalmente a brasileira, faça com que certas situações tenham que ser aceitas como necessárias à vida cotidiana, isso não autoriza o cometimento de excessos, os quais devem ser reprimidos. Dano moral fixado em sessenta salários mínimos, atendidos os critérios quantificadores do dano extrapatrimonial.35 5.7. Trauma psicológico decorrente de roubo em agência É inegável a responsabilidade da instituição financeira pelos acontecimentos ocorridos dentro de suas dependências. Qualquer tipo de ameaça a que se veja exposto um cliente ou usuário dentro do banco deve ter como conseqüência a responsabilização da instituição, desde que cause algum tipo de dano. Nestes casos é possível a aplicação da responsabilidade objetiva, uma vez que, ao movimentar grandes valores, a própria atividade bancária, por natureza, gera um grande risco. Tal risco deve ser assumido pela empresa que recebe seus lucros, independente de concorrer para o fato, de modo a propiciar condições adequadas de segurança tanto para seus funcionários, instalações e patrimônio, quanto para clientes e usuários que acessam suas dependências. Neste sentido: BANCO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ASSALTO. LESÃO CORPORAL. DANO MORAL. REDUÇÃO. As instituição bancárias tem o dever de garantir ao público em geral segurança nas suas dependências, devendo indenizar os danos morais e materiais suportados pelas pessoas que foram vítimas de assalto. O dano moral, ao ser fixado, deve ser razoável e proporcional à lesão sofrida pela vítima a 35 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Nona Câmara Cível. Apelação cível n. 70006195234. Apelante: Marli Irene Malinski Coelho. Apelado: Banco do Brasil S/A. Relator: Des. Adão Sergio do Nascimento Cassiano. Porto Alegre, 15 de setembro de 2004. Disponível em < http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/download/exibe_documento.php?codigo=494300&ano=2004>. Acesso em 26 maio 2008. 41 fim de que não seja ínfimo a reparar o dano e tampouco cause enriquecimento indevido.36 5.8. Débito em conta corrente sem expressa autorização Uma vez que se trata de contrato de depósito, os valores existentes em contas correntes só podem sofrer débitos com a autorização expressa do titular. Quando há algum débito sem tal autorização, pode o cliente requerer o ressarcimento dos valores. Quando, por conta de débito sem autorização, ocorre a devolução de cheques por insuficiência de saldo, ou qualquer outro prejuízo não econômico, temos caracterizada a ocorrência de dano moral. Neste sentido tem se posicionado a jurisprudência: INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PARTE LEGÍTIMA. ASSINATURAS DE REVISTAS E TV A CABO. DESCONTOS INDEVIDOS NA CONTA CORRENTE. DEVOLUÇÃO DE CHEQUES. AUTORIZAÇÃO DE DÉBITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. DANO MORAL. ATO ILÍCITO. VALOR. FIXAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. É parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda a instituição financeira que efetua descontos indevidos na conta do cliente, causando abalo moral. Inquestionável a existência de responsabilidade do banco-apelante por eventual prejuízo suportado por cliente seu, uma vez que praticou conduta abusiva ao efetuar descontos indevidos em sua conta corrente, sem a respectiva autorização, e, conseqüentemente, a devolução de cheque por insuficiência de fundos. A fixação do valor da indenização por danos morais deve ter por base os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando-se em consideração ainda a finalidade de compensar o ofendido pelo constrangimento indevido que lhe foi imposto, mas de forma a não gerar enriquecimento
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