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1 Situando o método Psicológico Fenomenológico na pesquisa psicológica e educacional Prof. Cláudio Ludgero Monteiro Pereira – Psicólogo Clínico e educacional, Especialista pós-graduado em “Psicologia”, em “Planejamento e Avaliação Educacional” e em “Metodologia do ensino Superior”, Mestre em Educação, professor assistente III da UEPa. Histórico o prefacio do livro Phenomenology and Psychological Research, o Professor Amedeo Giorgi faz um breve histórico do Método Psicológico-Fenomenológico, descrevendo-o como “um método para pesquisar os fenômenos humanos como eles são vividos e experienciados 1”. Psicólogo formado na linha experimental, o Professor Giorgi declara sua insatisfação, desde a realização de seus estudos de pós-graduação, com a abordagem dos fenômenos humanos pelo método proveniente das ciências naturais. Para ele, a psicologia teria que encontrar um outro caminho para estudar adequadamente – de forma rigorosa e precisa – os fenômenos humanos na sua complexidade. Assim, seria necessário estabelecer nova definição de rigor e precisão para lidar com aquela complexidade. Após cinco anos de busca, convencido de que a melhor maneira para abordar os fenômenos humanos seria examiná-los cuidadosamente, o Professor Giorgi entrou em contato com a fenomenologia. Um aprofundamento de estudos fez apreender no pensamento fenomenológico, o referencial para o estudo cientifico dos complexos processos da psicologia humana. Segundo Giorgi, “os principais filósofos desse movimento sempre respeitaram a complexidade e a riqueza da realidade humana e desenvolveram conceitos e categorias que tentavam descrever aquela complexidade da forma mais penetrante possível 2”. Em setembro de 1970, o Professor Giorgi ofereceu, pela primeira vez, um curso em Pesquisa Qualitativa na Duquesne University, Pittsburgh, Pensilvânia, USA. A única orientação do curso aos alunos foi à máxima de Edmund Husserl “retornar às coisas mesmas”. As “coisas” escolhida pelos estudantes foram “sensações” e “emoções”. De posse de descrições de vários sujeitos, alunos e professor começam a analisá-las “qualitativa, sistemática e rigorosamente”.3 O método Psicológico – Fenomenológico emergia daquele e de cursos subseqüentes. Anos de pesquisa, contando também com a participação de outros professores, inclusive provenientes de outras Instituições, contribuíram para o delineamento do método, ainda com problemas teóricos e práticos não resolvidos, principalmente devido às dificuldades de articulação da filosofia fenomenológica com a práxis da pesquisa psicológica. Essa é a razão porque o Método Psicológico-Fenomenólogico é considerado, pelo seu autor, um método ainda em processo de construção. 1 “The articles in this volume exemplufy primarily a phenomenological psychological method for doing research on human phenomena as lived and experienced”. In Amadeo Giorgi. 2 The major philosophes of this moviment have always respectec the complexity and richness of human reality, and they developed concepts and categories that tried to describe that complexity, in the most penetrating way. In op. cit. p. VIII. 3 Op. Cit. P. IX. N 2 A referencia básica para o trabalho do professor Giorgi foi o método fenomenológico segundo o pensador francês Maurice Merleau-Ponty, 4 tanto um fenomenólogo, quanto um filósofo versado em Psicologia. A grande preocupação de Giorgi foi adaptar as características daquele método filosófico - um método que faz uso da descrição, da redução, busca essências e trabalha com a noção de intencionalidade – ao estudo dos fenômenos psicológicos, de forma a manter a cientificidade da área.5 Em outras palavras, um método filosófico foi usado como referência básica ao delineamento de uma metodologia cientifica, na linha da pesquisa qualitativa. No Brasil, o professor Joel Martins foi o principal divulgador da pesquisa qualitativa baseada no referencial da fenomenologia, mormente em programas de pós-graduação na área de educação (tais como em Psicologia Educacional e Supervisão e Currículo) na Universidade Estadual de Campinas e na Pontifícia Universidade Católica de São Paula e também por intermédio da Sociedade de Estudos e Pesquisa Qualitativos. No período de verão entre os anos de 1987/88, o Professor Joel Martins trouxe ao Brasil o Prof. Amedeo Giorgi que ministrou, na PUC-SP, curso sobre o Método Psicológico- Fenomenológico. No livro A Pesquisa Qualitativa em psicologia: Fundamentos e Recursos Básicos, 6 o Método Psicológico-Fenomenológico aparece com a denominação de Pesquisa Qualitativa segundo a modalidade Estrutura do fenômeno Situado. 7 Na mesma obra há também outras menções ao método: modo fenomenológico de conduzir pesquisa, pesquisa qualitativa que trabalha com o fenômeno situado ou analise fenomenológica e também pesquisa fenomenológica. 8 É nossa interpretação que a denominação “Pesquisa Qualitativa Segundo a Modalidade Estrutura do Fenômeno Situado,” a mais usada pelo Professor Joel Martins para divulgar o método Psicológico-Fenomenológico, atende, principalmente, à concepção de Giorgi de que a contextualização 4 Ver Prefácio da Obra de Merleau-Ponty Fenomenologia da Percepção. 5 Resumidamente, o cerne das adaptações do método fenomenológico segundo Merleau-Ponty ao campo da pesquisa psicológica, conforme efetivadas por Giorgi, é o seguinte: - Quanto à característica descritiva do método: enquanto a fenomenologia trabalha com a auto-descrição, Giorgi introduz dois níveis de descrições: as descrições ou discursos ingênuos de outros sujeitos (sujeitos da pesquisa) e a descrição das estruturas da experiência vivida por aqueles sujeitos, pelo pesquisador; - Quanto ao uso da redução: Giorgi ressalta que na práxis psicológica a redução é possível apenas em relação á noemata da experiência do sujeito, isto é, ao significado pessoal da experiência vivida, e não em relação aos atos da sua consciência. - Quanto a busca de essências: segundo Giorgi, enquanto o fenomenólogo busca os invariantes ou as essências do fenômeno, situando-o em um nível universal de analise, o psicólogo busca um nível de analise que não é nem universal, nem particular, mas geral. O seu interesse são as essências ou estruturas contextualizadas ou “relevantes para situação ou personalidades típicas”, mais do que a busca de essência universais. Entretanto, mesmo situadas, as essências “transcendem os fatos sobre os quais se baseiam, tal como se dá com as estruturas universais”, (“...regardless of the fact that the essences are limited, they still transcend, the facts upon which they are based – just as universal structures do.” P. 50). - Quanto à noção de intencionalidade: na fenomenologia, ela se refere ao fato de que a consciência é sempre consciência de alguma coisa e o objeto de consciência transcende o ato no qual aparece. Para Merleau-Ponty, o principal significado da intencionalidade é a distinção feita por Edmund Husserl, entre intencionalidade de ato e intencionalidade operante. A primeira diz respeito ao nível da consciência reflexiva, da intelecção, enquanto que a segunda diz respeito à consciência vivida, pré-reflexiva. É a intencionalidade operante que torna possível uma compreensão fenomenológica. Segundo Giorgi, para os psicólogos, o significado da intencionalidade operante pode ser melhor expresso dizendo-se que o comportamento é intencional. In Amedeo Giorgi. Phenomenology and Psycological 6 Joel Martins e Maria Aparecida Viggiani Bicudo. A Pesquisa Qualitativa em Psicologia: Fundamentos e Recursos Básicos. São Paulo, Moraes/EDUC,1989. 7 Op. cit. P. 75. 8 Op. Cit. Pp. 76, 80 e 92 3das essências ou estruturas dos fenômenos e necessária a cientificidade da Psicologia, vista como uma ciência humana. O método também apresenta, nos trabalhos do Professor Amedeo Giorgi e do Professor Joel Martins, níveis diferenciados de analise fenomenológica. O primeiro nos ofereceu, até o momento a sistematização da Analise Idiográfica, conforme descrição do método no livro Phenomenology and Psychological Research. 9 O Professor Joel, alem da Analise Idiográfica, propunha um outro nível de análise, a Analise Nomotética , sobre as quais falaremos posteriormente. É nossa intenção nesta pesquisa, seguindo a proposta do professor Joel, trabalhar tanto com a Analise Idiográfica, quanto com a Nomotética. Em relação à denominação do método, 10 preferimos usar a nomeação original – Método Psicológico-Fenomenológico, - pelas seguintes razões: - tanto a Filosofia quanto a Psicologia são componentes estruturantes do método. Giorgi, um psicólogo preocupado com a compreensão da complexidade do humano – compreensão esta não alcançada pelo método experimental emprestado das ciências naturais – desenvolve um trabalho interdisciplinar. Exatamente porque intenciona aquela complexidade, o Método Psicológico- Fenomenológico transcende sua delimitação original, para aplicação ao conhecimento do ser humano. Na descrição, que o seu ponto de partida, a experiência aparece na sua inteireza e não como fragmentos de campos apriorísticos de saber. O termo psicológico indica, portanto, a intencionalidade originadora do método – ainda em processo de construção – e não a delimitação de seu alcance; - O método em questão é um recurso, uma ferramenta cientifica à compreensão da existência. Nele, o psicólogo, até por sua união ao fenomenológico, destina-se a infinitude do mundo-vida, a partir do qual sujeito e objeto fundem-se na consciência do primeiro e na facticidade de ambos. Psicológico, neste caso, significa a espaço à reflexão e ao debate que podem contribuir para a compreensão dessa linha de pesquisa, como tenho certeza o Professor Joel Martins gostaria. Fundamentação ara seguir a trajetória do Método Psicológico-Fenomenológico, tivemos que nos apropriar de concepções básicas da fenomenologia – referentes ao homem e à ciência – que consideramos imprescindíveis à compreensão do método. A fenomenologia é o estudo das essências. Ela busca compreender a essência dos fenômenos, a natureza própria do que é interrogado, “o ser da coisa”, “o ser fundamental” 11 a partir de uma perspectiva que re-situa as essências na existência, ao invés de ressaltar a sua primazia. 9 ver Sketch of a Psychological Phenomenological method. In Amedeo Giorgi. Phenomenology and Research. Pttsburgh, Duquesne University Press, 1985, pp. 8-22. 10 Na publicação Nuevos Métodos para la Investigacion Del Comportamiento Humano, o método aparece com a denominação de Método fenomenológico, possibilitando o entendimento de que se trata de uma abordagem filosófica e não cientifica. In Miguel Martinez M. Nuevos Métodos para la Investigacion del Comportamiento Humano (Mime) Caracas, Departamento de Ciencia Y Tecnologia del Comportamiento, Universidad Simon Bilivar, 1985. 11 André Dartigues. O que é a Fenomenologia. 3ª Edição, São Paulo, Ed. Moraes LTDA., 1992, pp. 16 e 30 P 4 Para a fenomenologia, o homem é um ser que se lança ao mundo – que se apresenta como um conjunto de possibilidade – estabelecendo com os outros e com o próprio mundo uma rede de relações significativas. O que define o homem é sua capacidade infinita de criação. É sua capacidade de criar estruturas significativas, negá-las e ultrapassá-las. 12 Para se situar significativamente como ser ao mundo, o homem dispõe da percepção e da intencionalidade da sua consciência. A percepção é um momento em que o ser humano apreende uma existência, enquanto lhe atribui um significado. 13 É o ponto de partida das relações entre o sujeito e o mundo vivido, do qual participam os outros sujeitos, com a intencionalidade própria a cada um. A percepção é a modalidade originaria da consciência, ainda pré-reflexiva, que servira de base à reflexão ao conhecimento. Do ponto de vista fenomenológico, a consciência supõe intencionalidade. Ela é um estado de alerta para o mundo, sendo sempre “consciência de alguma coisa”. A consciência permite ao sujeito perceber o mundo, atribuir-lhe significado, construindo com os outros e com o próprio mundo uma rede de relações. 14 Ela é, assim, o fundamento da subjetividade e da intersubjetividade, por meio das quais é possível o ser humano acercar-se da concretude da sua existência e da sua objetividade. A fenomenologia destaca o mundo percebido como o fundo pressuposto por toda racionalidade, todo valor e toda existência. 15 A primazia dada à percepção remete o ser humano à presença de um longos em estado nascente e o faz conquistar a consciência das raízes da sua racionalidade. 16 Para a fenomenologia, o homem e o mundo só podem ser entendidos a partir da sua facticidade. Eis por que o seu cuidado fundamental é deixar a existência com toda a sua facticidade manifestar-se, é retornar à coisa mesma, ao mundo vivido, experienciado, anterior à reflexão, sobre o qual todo o universo da ciência é erigido. O mundo está sempre aí, como uma presença inalienável. Tudo o que é do mundo, inclusive o próprio conhecimento cientifico, deriva da experiência do mundo em a qual os símbolos da ciência nada significariam. Por isto, retornar “a coisa mesma” é fazer a ciência voltar ao seu próprio solo. É, no dizer de Merleau-Ponty, “retornar ao mundo antes do conhecimento, sobre o qual o conhecimento sempre fala e a respeito do qual toda determinação cientifica é abstrata, representativa e dependente 17”. Ressalte-se que a fenomenologia não busca um conhecimento com pretensão de universalidade, nem tão pouco de acabamento. Para ela, o conhecimento – tendo suas raízes no mundo vivido e sendo o homem um ser que se define pela sua capacidade infinita de criação – só é possível 12 Maurice Merleau-Ponty. La Structure du Comportement. Se Paris, presses Universitaires de France. 1963. pp. 189-190. 13 Op. Cit. Pp. 230 e 240. 14 “La conscience.est plutot um reseau d’intentions significatives, tantõt claires pour ellesmemes, tantôt au contraire vécued plutôt que connues”. In op. Cit. P. 187. (“A consciência é antes uma rede de intenções significativas, ás vezes claras por si mesmas, às vezes ao contrario, vividas antes que conhecidas.” In Maurice Merleau-Ponty. A Estrutura do Comportamento. Trad de José de Anchieta Correa. Belo Horizonte: Interlivros, 1975. p. 208. 15 Maurice Merleau-Ponty. O Primado da percepção e suas Conseqüências Filosóficas. Campinas, SP, Papirus, 1990. p. 42. 16 Op. Cit. P. 63. 17 “...revenir à ce monde avant la connaissance dont la connaissance parle toujours, et à l’égard duquel toute determination scintifique est abstraite, significative et dépendente”. In Maurice Merleau-Poncy. Phénomenologie de la Perception. Paris, Gallimard, 1945. p. III. 5 situado no tempo e no espaço psicológico e histórico-cultural dos sujeitos, não se dando jamais de forma definitiva. A sua produção faz parte de um processo dialético, para sempre inacabado. Trajetória do Método Psicológico – Fenomenológico. Método Psicológico-Fenomenológico exige a delimitação de uma região de inquérito, onde o fenômeno 18 é identificado e o pesquisador tenta abstrair qualquer hipótese , pressuposto ou teoria para interrogá-la como é. A preocupação é “ir à coisa mesma”, ao fenômeno – aquilo que se mostraao ser interrogado – com o intuito de, ao investigá-lo, desvelar a sua essência. “Ir à coisa mesma” é retornar ao mundo vivido, experienciado, anterior à reflexão, sobre o qual toda ciência é erigida. É neste mundo-vida, pré-reflexivo, que se pode encontrar a essência dos fenômenos, a natureza própria daquilo que é interrogado. A essência de um fenômeno pode revelar-se mediante a investigação dos significados que os sujeitos, individualmente, atribuem ao mesmo no contexto do seu mundo-vida (essência ou estrutura subjetiva, psicológica) e mediante a analise comparativa dos significados de vários sujeitos (essência ou estrutura intersubjetiva, histórico-cultural). Neste estudo como exemplo, interrogamos o fenômeno SER PROFESSOR UNIVERSITÁRIO. Na coleta de dados, utilizamos o recurso da comunicação. A partir de uma interrogação orientadora – O QUE É SER PROFESSOR UNIVERSITÁRIO? – obtivemos descrições ou discursos de professores, a partir dos quais pudemos ter acesso aos significados por eles atribuídos à sua experiência. A descrição fenomenológica expressa um nível de consciência pré-reflexiva do sujeito e resulta de sua situação no mundo. Ela é a matéria-prima da reflexão metódica do pesquisador quanto ao fenômeno interrogado. A experiência do sujeito se dá em nível pré-reflexivo, mas a descoberta dos significados dessa experiência pelo pesquisador resulta de um processo metódico de reflexão. São níveis diferentes de consciência que se fundem na busca de compreensão e interpretação do fenômeno pelo pesquisador. O Método Psicológico-Fenomenológico faz uso da descrição fenomenológica, consubstanciada, nesta pesquisa, em discursos espontâneos de professores. A descrição fenomenológica expressa significações múltiplas, que nunca se mostram na sua totalidade, mas apenas na perspectiva em que o fenômeno é interrogado. Sendo as significações objeto de conhecimento que se doam à consciência do pesquisador mediante sua reflexão metódica, o seu desvelamento transcende os limites de um único estudo, por mais que sistemático e crítico. Daí a afirmação de ser o fenômeno inesgotável. Neste trabalho de exemplificação (dissertação de mestrado), tomamos sete discursos de professores universitários escolhidos em função de suas disponibilidades de tempo, hora, local e 18 Fenômeno: aquilo que se mostra, que se manifesta, do grego fainomenon, palavra derivada do verbo fainestai. In Joel Martins e Maria Aparecida Viggiani Bicudo. A Pesquisa Qualitativa em Psicologia. São Paulo, Moraes/EDUC, 1989. p. 21. O 6 motivação para tal de Belém. Ser professor do ensino superior de Belém foi a referencia orientada da escolha dos sujeitos, não importando o grau de ensino e a série onde o professor atua, a disciplina que leciona, o seu horário de trabalho, o seu tempo de serviço, a sua idade e sexo. À época da coleta dos discursos, cinco professores trabalhavam na Universidade do Estado do Pará 19 um trabalhava em Universidade particular e um em Universidade Federal de Belém. Alguns dos professores entrevistados disseram ter experiência de magistério em diferentes escolas de Belém, públicas e privadas. Na trajetória dos Métodos Psicológico-Fenomenológico, o critério referente ao numero de sujeitos não é estatístico. O critério é definido ao longo do processo metódico. Quando os significados atribuídos ao fenômeno começarem a se repetir, e por outro lado, suas estruturas reveladas configurarem material suficiente à interpretação esclarecedora do fenômeno, não haverá necessidade de continuar a coleta de descrições e de proceder às respectivas analises. Por isso que, de dez discursos colhidos, o pesquisador analisou sete. Os depoimentos dos sete professores foram colhidos separadamente, durante o ano de 1997, mediante entrevista gravada com a sua anuência. O clima das entrevistas foi sempre de informalidade, respeito e muita empatia. A interrogação orientada parecia despertar nos sujeitos a vontade de contribuir expressivamente para a pesquisa. A duração de cada entrevista ficou a critério dos entrevistados. Em nenhum momento interferimos nos depoimentos dos professores. A nossa preocupação era deixar fluir a descrição do seu mundo-vida. Uma vez colhido, os depoimentos foram transcritos integralmente, mantendo-se fidelidade à linguagem dos sujeitos. A trajetória do Método Psicológico-Fenomenológico subentende um processo constituído de dois tipos de analises 20 complementares: a Analise Idiográfica 21 e a Nomotética. 22 A primeira diz respeito ao desvelamento dos significados imanentes ao discurso de cada sujeito, na perspectiva do fenômeno em estudo. É o processo da analise psicológica do individual, que se desdobra em diferentes etapas sucessivas e cumulativas, como se verá adiante. A segunda – a Analise Nomotética – é a passagem da compreensão do fenômeno na perspectiva individual para a perspectiva social. Na Analise Nomotética. O pesquisador constrói a matriz Nomotética, trabalhando com as convergências e divergência dos significados revelados nos discursos individuais, o que leva à explicação da estrutura histórica e cultural do fenômeno. O contraste resultante permite também que ressaltem as singularidades de cada discurso e com elas a atribuição possível de significados pessoais ou criatividade. Sobre os resultados da Analise Nomotética o pesquisador desenvolve uma reflexão interpretativa, agora fazendo uso de toda a sua 19 Plano urbano: resultante de projetos urbanísticos no traçado básico da cidade de Belém. 20 “Uma analise fenomenológica ...é mais que uma simples analise. É uma investigação daquilo que é genuinamente possível de ser descoberto e que está potencialmente presente, mas nem sempre visto”. Joel Martins, Psicologia da Cognição in Temas Fundamentais de Fenomenologia. Centro de Estudos Fenomenológicos de São Paulo, Editora Moraes, 1984, p. 79. 21 Idiográfica deriva do grego idios que significa “próprio, pessoal, privativo” e de gráphein que significa “escrever, descrever, desenhar”. In Antonio Geraldo da Cunha. – Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Linguagem Portuguesa. 2[ Edição, Rio de janeiro, Editora Nova Fronteira, p. 392 e 422. 22 O termo Nomotético deriva de Nomos, que significa leis. Nomotético indica a elaboração de leis. In Joel Martins e Maria Aparecida Viggiani Bicudo. A Pesquisa Qualitativa em Psicologia: Fundamentos e Recursos Básicos. São Paulo, Moraes/EDUC, 1989. pp. 105-6. 7 experiência e conhecimento sobre o fenômeno, sem pretensão de esgotá-lo. Nesta trajetória, a atitude do pesquisador deve ser rigorosamente sistemática e crítica. Ao método em foco é imprescindível o recurso da redução fenomenológica, que se constitui na suspensão de todas as tradições, quer do senso comum, que provenientes do conhecimento cientifico, para se tomar o mundo experienciado conforme sua significação para o sujeito. A redução fenomenológica exige do pesquisador: a) delimitar o fenômeno – colocá-lo entre parênteses – suspendendo, na sua abordagem, quaisquer hipóteses, pressupostos ou teorias; b) concentrar-se na busca dos significados, alerta à preocupação de não confundir significado com o conteúdo explícito da descrição, tendo sempre em mente que as coisas nem sempre são o que aparentam, nem aparentam necessariamente o que são. A redução fenomenológica é auxiliada pelo uso da técnica da variação imaginativa, um exercício de reflexão sobre cada parte do discurso que aparenta possuir significado, consistindo em modificá-las hipoteticamente, ou imaginá-las como presentes ou ausentes no discurso – o que pode ressaltar a estrutura do fenômeno.Embora a redução fenomenológica para captar e descrever os significados individuais presentes em cada discurso, para compreender as relações dos significados, resultantes da confrontação intersubjetiva de todos os discursos e para interpretá-los. O Método Psicológico-Fenomenológico não busca resultados universais, nem tão pouco acabados, mas uma compreensão e interpretação clara, sistemática da estrutura do fenômeno, nos limites da região de inquérito, que é comunicada para apreciação crítica, intersubjetiva dos pesquisadores. Nesta pesquisa, de posse das descrições ou discursos dos professores do ensino superior, procedemos a Analise Idiográfica de cada depoimento, utilizando-nos dos seguintes passos: 1. Leitura do discurso23 como um todo, para familiarização com a experiência vivida pelo sujeito e captação do sentido do todo. Para isto, várias leituras foram realizadas. 2. Leitura Analítica da descrição ou discurso, procurando discriminar as unidades de significado, na perspectiva pedagógica, que é a perspectiva do estudo, enfocando o fenômeno SER PROFESSOR a partir das modulações de sentido perceptíveis no texto da descrição. 3. Descrição das unidades de significado na linguagem do sujeito, com intuito de preservar o significado e distanciar-se pela colocação da descrição na terceira pessoa. 24 4. Descrição das unidades de significado na perspectiva do fenômeno. Utilizando os recursos da redução fenomenológica e da variação imaginativa, procuramos expressar as unidades de significado na linguagem adequada à região de inquérito da 23 Os discursos foram transcritos respeitando-se integralmente a fala dos sujeitos entrevistados, mantendo-se, portanto todas as características da linguagem falada, sem correção de suas eventuais imprecisões. 24 Na descrição das unidades de significado expressas na linguagem dos sujeitos, procede-se à translação da linguagem oral, espontânea dos sujeitos, para a forma adequada à linguagem escrita. 8 pesquisa – neste caso, na linguagem pedagógica – revelando-lhe o sentido subjacente. Esta translação da linguagem do sujeito para a linguagem correspondente à linguagem de campo da investigação exigiu-nos uma extrema sutileza para modificar os significantes e dar visibilidade aos significados, sem perder a referencia ao discurso original. Entendemos esta passagem como o momento crítico em que os significados são liberados da sua forma pré-reflexiva. 5. Descrição da estrutura especifica de cada unidade de significado, procurando apresentar os significados revelados na sua expressão mais geral, esta última liberta, na medida do possível, de suas contingências especificas. 6. Descrição da estrutura geral do fenômeno situado, como resultado de um cuidadoso trabalho de síntese que, utilizando-se das estruturas especificas procura aproximar-se da essência do fenômeno. Durante todo o processo de Analise Idiográfica o cuidado do pesquisador deve ser – conforme vivenciamos no decorrer deste trabalho – de fidelidade aos significados contidos no texto, não podendo inventá-los ou confundi-los com o conteúdo explícito do discurso, nem alterá-los. A seguir, será apresentada a Analise Idiográfica dos sete depoimentos exaustivamente trabalhados num processo de aprendizagem tenso, mas sempre desafiador e prazeroso frente a cada descoberta de significado, a cada etapa do desvelamento do fenômeno. Da apresentação da Analise Idiográfica, prosseguiremos com a Análise Nomotética reveladora da estrutura intersubjetiva (histórica- cultural) do fenômeno SER PROFESSOR UNIVERSITÁRIO. Ao final, num momento de entrelaçamento de todas as subjetividades envolvidas na pesquisa – sujeitos pesquisados e pesquisador – trabalharemos a reflexão interpretativa 25 dos resultados, fazendo uso de todos os conhecimento que convergem nesta investigação. 25 Reflexão: “esforço para aprender o sentido ou essência do vivido.” Elcie F. S. Masini. Enfoque Fenomenológico de Pesquisa em Educação. In Ivani Fazenda (et all) metodologia da Pesquisa Educacional. São Paulo, Cortez, 1989. p. 65. Interpretação: “Trabalho do pensamento que consiste em decifrar o sentido aparente, em desdobrar os sinais de significação implicados na significação literal (...) há interpretação onde houver sentido múltiplo e é na interpretação que a pluralidade de sentidos torna-se manifesta.” Paul Ricoueur, citado por Elcie F. S. Masini. Op. Cit. p. 63. 9 ANÁLISE IDIOGRÁFICA DISCURSO DO SUJEITO UNIDADES DE SIGNIFICAÇÃO ASSERÇÕES ARTICULADAS NO DISCURSO QUESTÃO 01: Percepção de ser professor. Olha, didaticamente, eu ainda acho, infelizmente, que a gente utiliza métodos muito antigos(01), as vezes utilizo o computador(02), mas falta muito apoio(03), acho que o professor quando quer, ele dá uma boa aula(04). Eu na minha profissão, tô totalmente realizada dentro dela(05). Já tive de levar material didático de casa prá não deixar de dar aula(06). 1- ...Didaticamente, eu ainda acho...que a gente utiliza métodos muito antigos. 2- ...as vezes utilizo o computador 3- ...mas falta muito apoio. 4- ...acho que o professor quando quer, ele dá uma boa aula. 5- Eu na...profissão, tô totalmente realizada dentro dela. 6- Já tive de levar material de casa para não deixar de dar aula. O professor didaticamente ainda utiliza métodos antigos, tem pouco apoio, tendo até de levar material de casa para não deixar de dar aula. O professor quando quer, ele dá uma boa aula. Afirma estar totalmente realizada na profissão. As vezes utiliza o computador. QUESTÃO 02: Percepção da relação professor-aluno . O professor da minha área (exatas) é muito seco(01), o aluno tem que saber matemática e física e acabou-se(02), não olha a relação professor-aluno(03), alguns como eu, tem o privilégio de fazer cursos da área de educação(04), abre o horizonte em termos da relação P-A(05) 1- O professor da minha área...é muito seco. 2- O aluno tem que saber matemática e física e acabou-se. 3- ...não olha a relação P-A 4- ...alguns...tem o privilégio de fazer cursos da área de educação 5- ...abre o horizonte em termos da relação P-A O professor da área de exatas é seco, importando-se apenas que o aluno saiba matemática ou física, não valorizando a relação professor-aluno . Poucos fazem cursos da área educacional o que traria maiores perspectivas na relação P-A, e o que considera um privilégio. QUESTÃO 03: Percepção da relação Professor-colegas Existe dentro do Dep. muita troca de conhecimento(01) o relacionamento é muito bom(02). Com outros Dep. Existem diferenças(03), por exemplo, corro com a prof.a. de informática porque ela é “minha amiga”(04). O Dep. Mais distante é o de educação(05), os professores de exatas acham as matérias de educação uma “xaropada”(06). Acho que é o Dep. mais distante e o mais necessário(07). 1- Existe dentro do Dep. muita troca de conhecimento. 2- ...o relacionamento é muito bom 3- Com outros Dep. existem diferenças, 4- ...corro com a prof.a, de informática porque ela é “minha amiga”. 5- O Dep. mais distante é o de Educação. 6- ...os professores de exatas acham as matérias de educação uma “xaropada”. 7- ...é o mais distante e o mais necessário. O bom relacionamento e a troca de conhecimento acontecem dentro do Dep. mais por amizade, observa que os professores da área de exatas, não vêem valor nas matérias educacionais(xaropada).Entretanto considera o entrevistado que o Dep. de educação é o mais distante e o mais necessário. QUESTÃO 04: Percepção quanto a motivação em ser professor. Muita gente é professor, mais não tem vocação(01), adoro e me realizo dentro de sala de aula(02), é algo meu íntimo, não faço só pelo dinheiro, faço por uma realização pessoal(03). 1- Muita gente é professor mais não tem vocação. 2- ...adoro e me realizo dentro de sala de aula. 3- ...é algo meu íntimo, não faço só pelo dinheiro, faço por uma realização pessoal. É na sala de aula que me realizo. Muita gente é professor sem ter vocação, é algo íntimo que vale mais que o dinheiro, é uma realização pessoal. DISCURSO N.º 01 10 MATRIZ NOMOTÉTICA - QUESTIONAMENTO N.º 01 QUESTÃO 01: Percepção de ser professor. ASSERÇÕES POR ENTREVISTADO DISCURSOS 01 02 03 04 05 06 07 1- O professor didaticamente ainda utiliza métodos antigos.(D1) A1 2- Tem pouco apoio para mudar, tendo até de levar material de casa para não deixar de dar aula. O professor quando quer, ele dá uma boa aula.(D1) A2 A81 A5 3- Eu ...na profissão, tô totalmente realizada dentro dela.(D1) A3 A17 4- As vezes utiliza o computador.(D1) A4 5- ...eu procuro buscar novas formas de aprendizagem ...me aperfeiçoar..., para que eu possa levar maiores contribuições para os meus alunos.(D2) A5 A17 6- Eu me vejo como alguém que tenta levar o melhor de si, eu até me exijo muito...(D2) A6 A17 7- Eu me percebo como ser atuante e não simplesmente um profissional da educação.(D3) A7 A12 8- Não é apenas uma atuação ou título, mas um profissional que acompanha as mudanças da sociedade.(D3) A8 A12 9- Me Percebo como um ser que esta falando de história.(D3) A9 A12 10- Essa questão do professor universitário é muito complexa.(D4) A10 11- Acha ser grande a responsabilidade social do professor sendo esta parte de um todo interligado como processo formador do homem, desde a pré-escola até a pós-graduação.(D4) A8 A11 12- Tem referência com um compromisso social, em determinado momento da história (D4) A8 A12 A18 13- Percebe-se com privilégios por dominar mais conhecimentos que outros profissionais, mesmo reconhecendo terem o mesmo compromisso.(D4) A13 14- Vê-se como boa professora que gosta e tem paixão em dar aulas.(D5) A71 A73 A76 A14 A86 15- Sente dificuldades em se reciclar e aprender mais e não vê apoio da universidade para isso, nem salarial e nem material.(D5) A2 A15 A90 16- Sente-se limitada mas não demostra ao aluno sem discutir isso com eles.(D5) A16 17- Diz que esforça-se o máximo para atingir as expectativas e objetivos da universidade, acha-se qualificado para ser professor universitário e sente-se satisfeito até o momento(D6) A17 18- Desde que faz educação especial e educação, vê-se como profissional comprometido, como técnico e pessoa.(D7) A8 A12 A 18 19- Vê-se em uma universidade nova, em um contexto não estruturado com a expectativa de acontecerem coisas.(D7) A19 20- Vê nas dificuldades atuais motivos para a prática de uma educação mais democrática.(D7) A20 21- Vê-se desalentada com a falta de responsabilidade dos poderes constituídos e afirma não ser papel do professor realizar esta gigantesca tarefa.(D7) A21 11 QUESTÃO 01: Percepção de ser professor universitário. CONVERGÊNCIAS TEMÁTICAS 1 ASSERÇÕES/DISCURSOS 1 2 3 4 5 1- O professor didaticamente ainda utiliza métodos antigos.(D1) X X 2- Tem pouco apoio para mudar, tendo até de levar material de casa para não deixar de dar aula. O professor quando quer, ele dá uma boa aula.(D1) X X 3- Eu ...na profissão, tô totalmente realizada dentro dela.(D1) X 4- As vezes utiliza o computador.(D1) X X 5- ...eu procuro buscar novas formas de aprendizagem ...me aperfeiçoar..., para que eu possa levar maiores contribuições para os meus alunos.(D2) X X X 6- Eu me vejo como alguém que tenta levar o melhor de si, eu até me exijo muito...(D2) X 7- Eu me percebo como ser atuante e não simplesmente um profissional da educação.(D3) X X 8- Não é apenas uma atuação ou título, mas um profissional que acompanha as mudanças da sociedade.(D3) X X 9- Me Percebo como um ser que esta falando de história.(D3) X X 10- Essa questão do professor universitário é muito complexa.(D4) X 11- Acha ser grande a responsabilidade social do professor sendo esta parte de um todo interligado como processo formador do homem, desde a pré-escola até a pós-graduação.(D4) X X 12- Tem referência com um compromisso social, em determinado momento da história.(D4) X X 13- Se percebe com privilégios por dominar mais conhecimentos que outros profissionais, mesmo reconhecendo terem o mesmo compromisso.(D4) X 14- Se vê como boa professora que gosta e tem paixão em dar aulas.(D5) X 15- Sente dificuldades em se reciclar e aprender mais e não vê apoio da universidade para isso, nem salarial e nem material.(D5) X 16- Sente-se limitada mas não demostra ao aluno sem discutir isso com eles.(D5) X 17- Diz que esforça-se o máximo para atingir as expectativas e objetivos da universidade, acha- se qualificado para ser professor universitário e sente-se satisfeito até o momento X 18- Desde que faz educação especial e educação, vê-se como profissional comprometido, como técnico e pessoa.(D7) X 19- Se vê em uma universidade nova, em um contexto não estruturado com a expectativa de acontecerem coisas.(D7) X X 20- Vê nas dificuldades atuais motivos para a prática de uma educação mais democrática.(D7) X X 21- Se vê desalentada com a falta de responsabilidade dos poderes constituídos e afirma não ser papel do professor realizar esta gigantesca tarefa.(D7) X X TABELA 01 CONVERGÊNCIAS TEMÁTICAS 1 – A VISÃO DE SER PROFESSOR UNIVERSITÁRIO 2 – AS CIRCUNSTANCIAS MOTIVACIONAIS DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO 3 – O FAZER PEDAGÓGICO DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO 4 – A AUTO-IMAGEM DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO 5 – O PROFESSOR UNIVERSITÁRIO NA RELAÇÃO COM O OUTRO 12
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