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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT MÓDULO IV Atendimento Inicial ao Paciente Intoxicado Autores Conceição Aparecida Turini (CCI - Londrina) Tutor Conceição Aparecida Turini (CCI - Londrina) Adriana Safioti de Toledo (CCI - Campinas) Introdução A exposição a um agente tóxico ou veneno, nem sempre causa efeitos adversos. Conforme foi abordado no Módulo anterior, a toxicidade é a propriedade potencial que as substâncias químicas possuem, em maior ou menor grau, de determinar um estado patológico em conseqüência de sua introdução e interação com o organismo. Portanto, o aparecimento da manifestação clínica ou laboratorial do efeito nocivo (intoxicação), assim como a maior ou menor gravidade da ação produzida, dependerá de diversos fatores relacionados com a substância química (agente), com o organismo (hospedeiro) e com as condições que determinam a exposição (ambiente). O diagnóstico das intoxicações, seu tratamento e prevenção fundamentam-se, portanto, no conhecimento da interação do sistema hospedeiro-agente-ambiente. As características deste complexo podem variar em função do tempo e das condições regionais da população e, na maioria das ocasiões, as intoxicações agudas resultantes constituem emergências médicas que requerem atendimento de urgência. Para cada tipo de intoxicação existem normas e protocolos específicos de tratamento, mas em Toxicologia Clínica a premissa é “tratar o paciente, não o agente tóxico”. Para isso, existem normas gerais de atenção pré-hospitalar e de admissão hospitalar que incluem todos os cuidados básicos que um paciente intoxicado deve receber. A precocidade na aplicação deste tratamento está diretamente relacionada à sua eficácia. Este módulo tem como objetivo apresentar, de forma prática e clara, essas condutas básicas da abordagem do paciente agudamente intoxicado, as quais são agrupadas em quatro etapas: a) Abordagem emergencial ao paciente intoxicado (avaliação clínica e tratamento inicial) – fase em que situações de risco são identificadas e corrigidas; b) Diagnóstico (identificação da causa) – reconhecimento de síndromes tóxicas e identificação do agente causal através da anamnese, da análise de sinais e sintomas (exame físico) e de exames complementares; c) Tratamento da intoxicação – mediante a utilização dos métodos disponíveis para descontaminação, administração de antídotos e antagonistas e aumento da eliminação do tóxico absorvido, e de tratamento sintomático e de suporte; d) Considerações especiais – relacionadas ao encaminhamento do paciente (assintomático, suicida, usuário de drogas, etc); para o estabelecimento de exposições não tóxicas, e para o atendimento do paciente pediátrico, idoso e gestante. Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Avaliação clínica e tratamento inicial A conduta terapêutica, diante de qualquer intoxicação aguda, como em qualquer outra emergência médica, requer uma avaliação inicial rápida das condições clínicas do paciente para identificar e corrigir situações de risco iminente: obstrução de vias aéreas, parada respiratória e/ou cardiorrespiratória e hemorragias externas. As condições que oferecem risco imediato são identificadas e tratadas concomitantemente, obedecendo uma seqüência de prioridades representadas pelas 5 letras iniciais do alfabeto: A – Airway – vias aéreas B – Breathing – respiração C – Circulation – circulação D – Disability – déficit neurológico E – Exposure - exposição Avalie bem o caso, pois alguns agentes tóxicos apresentam efeitos tardios (Tabela 1) ou podem continuar sendo absorvidos e, apesar do paciente estar estável e/ou assintomático, no momento da avaliação clínica inicial, ele poderá evoluir rapidamente para várias complicações como convulsões, hipoglicemia, instabilidade hemodinâmica e respiratória e necessitar de medidas reanimadoras. Portanto, não esqueça de reavaliar periodicamente o paciente. Muitos pacientes intoxicados necessitam de observação rigorosa e até de tratamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), dependendo do potencial da intoxicação evoluir para complicações cardiorrespiratórias. Tabela 1 - Substâncias que apresentam efeitos tóxicos tardios álcoois (etilenoglicol, isopropanol, metanol) inibidores da MAO aspirina ( preparações com cobertura entérica) ingestão de papelotes contendo drogas (cocaína, heroína) cogumelos tóxicos inseticidas lipossolúveis (organofosforados) derivados cumarínicos metais pesados (chumbo, mercúrio, tálio) fluoretos paraquate e diquate glicosídios cianogenados preparações de liberação lenta (bloqueadores de canal de cálcio, betabloqueadores, lítio, teofilina) hipoglicemiantes orais Assim, todo paciente admitido por exposição a substâncias químicas ou picada/contato com animais peçonhentos deve ser observado, por no mínimo 6 horas. Nas situações em que o serviço não dispõe de condições necessárias para o tratamento deve-se transferir o paciente. As fases de avaliação inicial e ressuscitação, abordadas a seguir, são realizadas ao mesmo tempo. As avaliações e condutas foram subdivididas para facilitar a compreensão. Os diagnósticos de obstrução de vias aéreas, insuficiência respiratória, alterações hemodinâmicas, déficit neurológico e exposição implicam Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT no emprego imediato de procedimentos terapêuticos, uma vez que pode haver comprometimento de funções vitais. Trate o problema assim que o encontrar. Não siga adiante sem resolvê-lo. A – Airway – Vias aéreas A primeira prioridade é assegurar a permeabilidade das vias aéreas. Se o paciente estiver consciente e falando, mantenha-o em repouso e sob observação. Se ele estiver inconsciente, prossiga a abertura das vias aéreas. Explore a orofaringe em busca de corpos estranhos (restos alimentares, comprimidos, conteúdo gástrico regurgitado e secreções) fazendo a remoção manualmente e aspirando as secreções. Lembre-se que no paciente com rebaixamento do nível de consciência, a principal causa de obstrução de vias aéreas é a queda da base da língua e de tecidos moles. Realize manobras para promover o deslocamento anterior da mandíbula. Com isso, a língua e tecidos moles são tracionados anteriormente e aliviam a obstrução. A tração da mandíbula pode ser realizada por duas técnicas: - jaw-thrust: posicione-se atrás da cabeça do paciente, espalme as mãos ao redor das orelhas e utilize os polegares como apoio sobre a região maxilar e, com os dedos indicador e médio de ambas as mãos, empurre o ângulo da mandíbula para a frente. Não eleve a cabeça e nem faça a extensão do pescoço. O objetivo desta manobra é abrir as vias aéreas sem movimentar o pescoço, para não provocar ou piorar uma possível lesão cervical; - chin-lift (elevação do mento): posicione-se ao lado do paciente e com os dedos indicador e médio de uma das mãos, eleve o mento e, com a outra espalmada sobre a testa, incline a cabeça para trás. Esta manobra não deve ser realizada em pacientes com possível lesão de coluna cervical. Essas manobras são temporárias e a manutenção da perviedade das vias aéreas pode ser obtida através do emprego da cânula de Guedel (orofaríngea). Este procedimento somente deverá ser utilizado em pacientes com rebaixamento do nível de consciência, caso contrário poderá precipitar reflexo de vômito ou tosse. B – Breathing – Verificar respiração/ventilação Juntamente com os problemas das vias aéreas, as dificuldades respiratórias são as maiores causas de morbidade e mortalidade em pacientes intoxicados que podem apresentar uma ou mais das seguintes complicações: falência respiratória, hipóxia ou broncoespasmo. Todos os pacientes críticos devemser considerados hipoxêmicos e, sempre que possível, devem estar conectados a um oxímetro de pulso para monitorização contínua da oximetria. Uma via aérea pérvia não significa uma ventilação e oxigenação tecidual adequadas, sendo necessária uma avaliação da respiração. O suporte ventilatório é realizado conforme a necessidade. No atendimento pré-hospitalar, ventilação com bolsa-valva-máscara (AMBU) pode ser adequada para ofertar oxigênio, particularmente quando o transporte é rápido. Em pacientes com rebaixamento do nível de consciência (pontuação na escala de coma de Glasgow menor ou igual a 8), ou com esforço respiratório intenso (taquidispnéia), com freqüência respiratória superior a 35 incursões por minuto, Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT indica-se intubação endotraqueal, independentemente da pO2 ou dos dados obtidos com o oxímetro de pulso. Porém, se o paciente apresentar pO2 inferior a 60mmHg ou com saturação de hemoglobina menor que 90% também deverá ser intubado e mantido sob ventilação assistida. A intubação da traquéia assegura a perviedade e proteção das vias aéreas, prevenindo a aspiração e a obstrução e possibilita ventilação mecânica. Nas intoxicações, se o paciente tiver indicação para intubação, esta deve ser realizada precocemente, pois a aspiração de conteúdo gástrico é uma das complicações mais temidas. Entretanto, esse não é um procedimento simples ou sem riscos para o paciente e, por isso, deve ser realizado somente por profissionais capacitados. Existem dois tipos de intubação endotraqueal não cirúrgica de uso habitual: -intubação nasotraqueal: o paciente deve estar respirando e não é necessário curarização (em geral o paciente tolera melhor o tubo); -intubação orotraqueal: esta é a técnica mais utilizada e, se o paciente não estiver totalmente relaxado, deve-se induzir a sedação (com midazolam, etomidato ou fentanil) e a paralisia neuromuscular com succinilcolina, vecurônio ou pancurônio. Em crianças a succinilcolina pode induzir reflexo vagal intenso resultando em bradicardia ou assistolia. Em pacientes intoxicados por digitálicos pode-se observar resposta similar com o uso de succinilcolina. Nessas situações, deve-se administrar atropina ou optar-se pelo uso de vecurônio ou pancurônio. Nas intoxicações por anticolinesterásicos (por ex. inseticidas organofosforados e carbamatos), a meia- vida da succinilcolina estará aumentada, pois esta droga é hidrolisada pela pseudocolinesterase que também estará inibida nesses casos. Em ingestões de produtos cáusticos há uma maior dificuldade para a manutenção das vias aéreas pérvias devido ao edema dos tecidos. Nesses casos, deve-se empregar um tubo de menor calibre e, se ainda assim, não for possível realizar a intubação endotraqueal não cirúrgica, pode-se recorrer à traqueostomia. Em situações emergenciais opta-se pela técnica da cricotireoidostomia por punção ou cirúrgica, temporariamente. Verifique, após a intubação, se o paciente está sendo ventilado adequadamente através da inspeção do tórax e ausculta da região epigástrica e torácica (verifique os sons respiratórios para a certificação de que não houve intubação do esôfago ou intubação seletiva do brônquio principal direito). Se o paciente respira espontaneamente, mantenha-o em posição de recuperação (decúbito lateral esquerdo) para facilitar o retorno venoso, a drenagem de fluidos pela boca e prevenir a queda da língua. Se a respiração está ausente, inicie ventilação manual com AMBU até que o ventilador mecânico esteja pronto para uso. Mantendo a manobra de abertura das vias aéreas, realize duas ventilações iniciais e observe se ocorre expansão do tórax durante este procedimento. Se as ventilações não estão sendo eficazes, certifique-se de que a manobra de abertura de vias aéreas ou o selo ao redor da boca do paciente estão corretos. Se mesmo assim não se conseguir ventilar o paciente, significa que as vias aéreas estão obstruídas. Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Em casos de intoxicações deve-se lembrar que é importante detectar ruídos adventícios causados pelo acúmulo de secreções (por ex. anticolinesterásicos) e manter o fornecimento de oxigênio em níveis mínimos aos intoxicados por paraquate, visando reduzir o grau de fibrose pulmonar. C – Circulation – Circulação – tem como objetivo avaliar o comprometimento hemodinâmico e infundir fluidos quando necessários. Para isso recomenda-se: a- Verificar a pressão sangüínea e a freqüência e o ritmo de pulso – na ausência de pulso ou em vigência de arritmias ou choque devem realizar-se as condutas preconizadas pelo Suporte Avançado de Vida em Cardiologia (SAVC). Deve-se, entretanto, observar que algumas drogas recomendadas pelo SAVC, podem ser ineficazes ou contra-indicadas em pacientes intoxicados por substâncias que provocam distúrbios cardíacos. Por exemplo, procainamida é contra-indicada em intoxicações por antidepressivos tricíclicos e, atropina e isoproterenol são ineficazes em pacientes intoxicados por betabloqueadores. b- Iniciar monitorização eletrocardiográfica (ECG) contínua – arritmias são complicações freqüentes nas intoxicações, e todos os pacientes intoxicados por substâncias potencialmente cardiotóxicas devem ser monitorados na sala de emergência ou em unidades de cuidados intensivos por pelo menos 6 horas após a ingestão. c- Acesso venoso seguro – veias do antebraço são fáceis de puncionar. Locais alternativos incluem as veias safena, jugular externa ou veias centrais. Acessos venosos centrais são mais difíceis tecnicamente, porém permitem a medida de pressão venosa central (PVC) e a colocação de marcapasso e/ou cateter de Swan- ganz. Esses acessos apresentam maiores índices de complicações e dependem da capacidade técnica da equipe. Se o objetivo principal da cateterização for a reposição rápida de fluidos, preconiza-se a obtenção de pelo menos dois acessos em veias periféricas com jelco de grosso calibre (14 ou 16). d- Colher amostras de sangue – para a realização de exames laboratoriais de rotina (tipagem sangüínea, provas cruzadas, gasometria arterial e outras provas) determinados pela história clínica. e- Iniciar infusão intravenosa – de soro fisiológico ou ringer lactato. Em pacientes hipotensos, prefere-se soro fisiológico ou outra solução cristalóide isotônica. Em adultos, geralmente são infundidos de 2 a 4 litros, mas são necessárias reavaliações contínuas buscando sinais de melhora do choque e/ou edema pulmonar. Em crianças, preconiza-se a utilização de 10 a 20mL/Kg. Em geral, o choque deve ser considerado hipovolêmico, pois na maioria das vezes os pacientes intoxicados apresentam vômitos, diarréia ou sudorese profusa, com redução do volume intravascular. Avaliações subseqüentes determinarão se haverá a necessidade de novas infusões. f- Cateter vesical – nos pacientes em estado grave (hipotensos, obnubilados, em coma ou convulsionando) deve-se inserir um cateter vesical de demora, com rigorosa técnica asséptica, com o objetivo de obter amostra de urina para exames de rotina e/ou análises toxicológicas, além do controle do volume urinário/hora que reflete o estado de volemia sangüíneo e perfusão renal. Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT As principais alterações hemodinâmicas observadas em pacientes intoxicados incluem hipo e hipertensão, taquicardia, bradicardia e bloqueio atrioventricular (BAV), arritmias ventriculares e bloqueios de condução. Exemplos de substâncias que determinam essas complicações são referidos no item 2.2 (diagnóstico da intoxicação) deste módulo como parte dos achados específicos do exame físico. O tratamento dessas manifestações clínicas será apresentado no item 2.4 deste módulo (tratamentosintomático e de suporte), mas também deverá ser abordado nos módulos específicos referentes aos diferentes grupos de agentes tóxicos. D - Disability – Déficit neurológico A avaliação da função neurológica deve ser feita rapidamente observando-se as pupilas (se estão isocóricas e fotorreagentes) e verificando o nível de consciência através da escala de coma de Glasgow (Tabela 2). Trata-se de um sistema de escore simples que permite quantificar a evolução (varia de 3 a 15) através da avaliação da abertura ocular, verbalização e movimentação em resposta à estimulação. A avaliação seriada com a escala de Glasgow permite a rápida identificação de qualquer deterioração no padrão neurológico do paciente. A diminuição do nível de consciência é uma complicação grave e comum nas intoxicações e varia desde a sonolência até o coma. Tabela 2 - Escala de Coma de Glasgow < de 24 meses > de 24 meses Movimentos espontâneos (6) Responde prontamente a ordem verbal (6) Retira o segmento ao estímulo tátil doloroso (5) Localiza o estímulo táctil ou doloroso (5) Defende o segmento do estímulo doloroso nele provocado (4) Movimentos desordenados, sem relação com o estímulo doloroso (3) Extensão das 4 extremidades a um estímulo doloroso (descerebração) (2) Resposta Motora Ausente (paralisia flácida) (1) < de 24 meses > de 24 meses Balbucia, fixa o olhar, acompanha com o olhar, reconhece e sorri (5) Compreensível, boa orientação (5) Choro irritado, olhar fixo, acompanha inconstantemente (4) Confusa, desorientada (4) Reconhecimento incerto, não sorri, choro à dor, acorda momentaneamente, recusa alimentação (3) Inadequada (salada de palavras) (3) Gemido a dor, agitação motora, inconsciente (2) Incompreensível (2) Resposta verbal Coma profundo, sem contato com o ambiente (1) Ausente (1) Espontânea (4) Após ordem verbal (3) Após estímulo doloroso (2) Abertura ocular Ausente (1) Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT mediante a realização de hemoteste para glicose capilar no leito. Tiamina também deve ser administrada em todo paciente com rebaixamento importante do nível de consciência, previamente à administração de glicose, para prevenir a precipitação da encefalopatia de Wernicke, resultado de uma deficiência de tiamina em pacientes alcoólatras e desnutridos. Não deve ser utilizada rotineiramente em crianças. Pode-se considerar a administração de flumazenil se a suspeita for de coma induzido por benzodiazepínicos. Em intoxicações puras por benzodiazepínicos, ele não é usado rotineiramente devido à sua relação custo-benefício (trata-se de uma intoxicação relativamente benigna e, o flumazenil, além de custo significativo, tem meia-vida curta tornando necessária a sua administração contínua para manter o paciente acordado). O flumazenil também pode precipitar convulsões em pacientes epiléticos e/ou que fizeram uso de superdosagem de antidepressivos tricíclicos. Entretanto, pode ser utilizado para a superficialização do coma induzido por benzodiazepínicos, considerando-se as contra-indicações. Se houver história fortemente sugestiva de intoxicação por opióide e o paciente apresentar evidência clínica deve-se administrar naloxona. Se houver suspeita de meningite ou encefalite, deve-se realizar punção lombar e tratar o paciente com antibióticos, o mais precocemente possível. Outras alterações do estado mental incluem convulsões, hipertermia e agitação psicomotora (em geral secundária à hipóxia ou à hipoglicemia). Deve-se evitar o uso de sedação, mas se necessária, recomenda-se o emprego de fármacos de ação curta e que possuam antagonista específico. E – Exposure – Exposição Nesta etapa da avaliação primária o paciente deve ser despido de todas as suas vestimentas para permitir e facilitar a observação de possíveis sinais externos, como por exemplo: marcas de picada, perfurações, edema, eritema, equimoses, escoriações, bolhas, sangramentos, queimaduras, fraturas e luxações, entre outros. Também envolve a manutenção de um ambiente termicamente neutro para evitar hipotermia. Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Avaliação clínica secundária Esta fase só deve começar quando a avaliação inicial estiver completa e as medidas de reanimação estiverem implementadas. A avaliação secundária envolve um exame mais detalhado de todos os segmentos do corpo visando à identificação dos parâmetros clínicos, diagnóstico sindrômico inicial e obtenção de história clínica detalhada para a instituição de medidas terapêuticas gerais e específicas. Recomenda-se, nesta fase, a consulta a um Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIAT) para a obtenção de orientações adequadas. Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Anamnese O diagnóstico de uma intoxicação aguda, como em outras patologias, baseia-se nas informações colhidas cuidadosamente sobre a história, no exame da sintomatologia clínica e em exames laboratoriais de rotina e, eventualmente, em análises toxicológicas. Esta etapa deve ser realizada após a avaliação clínica do paciente e adotadas as medidas terapêuticas necessárias. I - Anamnese É a base do diagnóstico toxicológico. As informações colhidas diretamente com o paciente e/ou seus acompanhantes, e com investigação das circunstâncias envolvidas, orientam o diagnóstico na maioria dos casos (entre 80-90% das ocasiões). Entretanto, a história nem sempre é obtida facilmente, em especial quando se trata de crianças ou pacientes que tentam suicídio. Nessas situações, as informações devem ser confirmadas, se possível, com as manifestações clínicas e laboratoriais esperadas na intoxicação com o agente tóxico implicado na história. Quando o paciente estiver incapacitado (no caso de crianças ou pacientes com rebaixamento do nível de consciência) ou relutante (suicidas e usuários de drogas ilícitas) para prestar esclarecimentos relacionados à exposição, as informações deverão ser colhidas com familiares, amigos, equipes de resgate (médicos e socorristas, bombeiros, policiais), empregadores, entre outros. No levantamento deve-se dar atenção especial para alguns detalhes. São os chamados (em inglês) 5 Ws: • WHO – QUEM? Primeiramente, deve-se identificar o paciente, incluindo sexo, idade, peso, patologias de base (cardíaca, pulmonar, hepática, renal, neurológica, psiquiátrica ou hematológica), passado de atopia, história de casos anteriores ou história familiar de tentativa de suicídio, onde esteve e com quem, medicação habitual (de uso do paciente, parentes e amigos), uso de medicamentos sem receituário, uso de suplementos herbáceos/dietéticos ou remédios caseiros. Devem ser incluídos questionamentos a respeito das atividades ocupacionais atuais e passadas (focalizando-se em substâncias químicas como metais e gases) e hobby. No caso de pacientes do sexo feminino, em idade fértil, recomenda-se realizar sempre o diagnóstico de gravidez, pois uma gravidez indesejável é causa freqüente de tentativas de suicídio em adolescentes. • WHAT – O QUÊ? Estabelecer qual foi o produto envolvido (medicamento; droga de abuso; agrotóxico de uso agrícola, doméstico ou veterinário; raticida; produto domissanitário, entre outros) bem como a sua apresentação (sólido, líquido, gás ou vapor) e pH. Se for um produto formulado, é de suma importância analisar a sua composição, pois nesses produtos além do ingrediente ativo (substância principal) são adicionadas outras substâncias que, algumas vezes, são mais tóxicas. Deve-se estimar a quantidade (dose tóxica ou não tóxica) ingerida ou com a qual o paciente entrou em contato e que, geralmente, são maiores nas exposiçõesintencionais. Na maioria das vezes ocorre ingestão ou exposição a um único produto, porém, deve-se estar atento para a possibilidade de intoxicações múltiplas, nas quais existem possibilidades de interação de efeitos, para então instituir adequadamente as medidas terapêuticas. Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT • WHEN – QUANDO? Avaliar o tempo decorrido desde a exposição (mais ou menos de uma hora) e, no caso de exposições repetidas, durante quanto tempo o paciente esteve exposto. Este parâmetro é importante para a indicação ou não de medidas de descontaminação. Também é importante estabelecer o que aconteceu no período decorrido (ocorrência de vômito espontâneo ou induzido e seu aspecto; muitas vezes é feita desnecessariamente a lavagem gástrica e, somente depois ou durante a sua realização consulta-se um Centro de Informação e Assistência Toxicológica). • WHERE – ONDE? A investigação do ambiente (domicílio, local de trabalho, casa de amigos, festas raves, terreno baldio, escola, ou outro local) onde o paciente foi encontrado pode conter dados que contribuirão para o esclarecimento da intoxicação. Deve-se procurar restos de alimentos ou do agente tóxico, cartelas ou frascos de medicamentos vazios, garrafas de bebidas alcoólicas, embalagens de agrotóxicos ou frascos /caixas de raticidas, seringas ou outros artifícios para uso de drogas, notas de despedidas e presença de odores. • WHY – POR QUÊ OU COMO? A determinação da circunstância na qual aconteceu a exposição, assim como a via de contato, pode fornecer dados importantes para predizer a intensidade e a gravidade da intoxicação. A exposição pode se dar de forma: a) Acidentais – (investigar se o acidente foi individual). Podem ser: - profissionais: podem resultar de exposição aguda, sobreaguda ou crônica; - medicamentosas: por erro de administração (produto, frasco ou dose errados), por interação ou intolerância; - alimentares - pela presença natural de substâncias tóxicas, migração de substâncias tóxicas das embalagens, por contaminação biológica (intoxicação alimentar: botulismo, aflatoxinas e toxiinfecção alimentar: estafilococos, salmonela, E. coli, etc), contaminação química (agrotóxicos, hormônios) e aditivos e conservantes (autorizados e fraudulentos); - domésticas ou infantis: por descuido dos pais e cuidadores (colocação de substâncias perigosas ao alcance das crianças e troca de recipientes). Deve-se avaliar a possibilidade de abuso ou maus tratos; b) Intencionais - em geral são as mais graves e incluem as tentativas de suicídio, tentativas de homicídio, aborto, abuso sexual, assaltos, abuso infantil e farmacodependência; c) Iatrogênicas - por prescrição médica ou por automedicação. Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Exame Físico As manifestações clínicas podem auxiliar a ratificação do diagnóstico, mas, sobretudo é útil no estabelecimento da gravidade. A – Reconhecimento de síndromes tóxicas Em diversas situações, o agente tóxico implicado na intoxicação não é identificado à admissão no serviço de saúde. No paciente sintomático, o exame físico pode fornecer indícios inestimáveis para a identificação do agente envolvido. Portanto, após a estabilização do paciente, deve ser feito um exame físico mais minucioso e completo procurando-se identificar a substância envolvida, com foco nos sinais vitais (pressão arterial, freqüência respiratória e cardíaca), pupilas (tamanho e resposta à luz), temperatura, estado de hidratação da pele e mucosas, peristaltismo e estado mental. Através das alterações encontradas na avaliação dos parâmetros citado acima, pode-se caracterizar uma determinada síndrome tóxica ou toxíndrome, que é definida como um conjunto complexo de sinais e sintomas produzidos por doses tóxicas de substâncias químicas que, apesar de diferentes, têm efeitos semelhantes. As principais síndromes tóxicas e os agentes envolvidos são descritas a seguir. 1. Síndrome anticolinérgica Os pacientes apresentam agitação psicomotora e/ou sonolência, confusão mental, alucinações visuais, mucosas secas, rubor cutâneo, hipertermia, retenção urinária, diminuição dos ruídos intestinais, midríase e cicloplegia (incapacidade de acomodação visual para perto). A maioria desses sintomas é descrita na regra mnemônica: Blind as a bat: completamente cego Hot as hare: quente como o inferno Red as a beet: vermelho como pimentão Dry as a bone: seco como osso Mad as a hatter: louco varrido Os agentes que comumente causam essas manifestações são: antagonistas H1 da histamina, atropina, escopolamina (hioscina), antidepressivos tricíclicos, vegetais beladonados (ex. saia branca e estramônio, também denominada figueira-do-inferno ou figueira-brava), fenotiazínicos, medicamentos antiparkinsonianos, etc. Essas substâncias exercem seus efeitos por bloqueio dos receptores muscarínicos da acetilcolina. 2. Síndrome de depressão neurológica As manifestações clínicas incluem de sonolência ao coma, hiporreflexia, miose, hipotensão, bradicardia, hipotermia e edema pulmonar. Agentes envolvidos: pode ser determinada por benzodiazepínicos, carbamazepina, barbitúricos, carisoprodol, zolpidem, derivados da imidazolina (descongestionantes tópicos), antidepressivos tricíclicos, inibidores da acetilcolinesterase (principalmente Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT organofosforados), salicilatos, álcoois (etanol, metanol, etilenoglicol, isopropanol), monóxido de carbono, opióides naturais (heroína, morfina) e seus análogos sintéticos (meperidina). 3. Síndrome colinérgica Esta síndrome é determinada pela diminuição da atividade da enzima acetilcolinesterase e caracteriza-se por: sialorréia, lacrimejamento, diurese, diaforese, diarréia e vômitos. Outros sintomas clínicos mais importantes como broncorréia (edema pulmonar), bradicardia, broncoespasmo, fraqueza e fasciculações musculares e convulsões também fazem parte desta síndrome. Os sintomas colinérgicos são causados pela atividade excessiva da acetilcolina, porém, variam de acordo com o receptor estimulado: receptor muscarínico, receptor nicotínico ou receptor colinérgico central, conforme descrito quadro abaixo: Sinais e sintomas colinérgicos Muscarínicos Nicotínicos Centrais Miose bradicardia broncorréia, broncoespasmo vômitos, diarréia sialorréia, lacrimejamento incontinência urinária midríase taquicardia broncodilatação hipertensão diaforese fraqueza e fasciculação muscular Agitação confusão mental letargia convulsões coma óbito Agentes envolvidos: os agrotóxicos organofosforados e carbamatos e certos cogumelos podem produzir qualquer um dos sintomas listados na tabela acima. O risco de exposição é maior entre trabalhadores rurais, mas, qualquer pessoa pode estar exposta a esses produtos, em casa ou no trabalho. Militares e antiterroristas devem se preocupar com os gases neurotóxicos (como o sarin). Inseticidas à base de nicotina e a nicotina do tabaco apresentam atividade colinérgica nicotínica. Os medicamentos fisostigmina, neostigmina e edrofônio, são usados em distúrbios neuromusculares, mas seus efeitos colinérgicos geralmente não são evidenciados. 4. Síndrome simpatomimética Essa síndrome é caracterizada por agitação psicomotora, alucinações, paranóia, sudorese, taquicardia, hipertensão arterial (ou hipotensão nos casos graves), midríase, tremores, convulsões e arritmias nos casos graves. É determinada por agentes que promovem estimulação da atividade simpática através de: - aumento de liberação de catecolaminas (anfetaminas) - bloqueio da recaptação (cocaína) - interferência no metabolismo (inibidores da Monoaminooxigenase - IMAO) - estimulação diretade receptor (adrenalina) Os principais agentes simpatomiméticos são: anfetaminas, ecstasy, cocaína, teofilina, fenilpropanolamina, efedrina, pseudoefedrina e cafeína. 5. Síndrome serotoninérgica Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Esta síndrome usual é causada por estimulação excessiva de receptores serotoninérgicos centrais e periféricos. O aumento da estimulação provocada pelo neurotransmissor 5-hidroxitriptamina (serotonina) pode ser devido: - ao aumento da produção de serotonina: triptofano; - ao aumento da liberação da serotonina estocada: anfetamínicos (incluindo ecstasy), bromocriptina, cocaína, L-dopa; - à diminuição da recaptação da serotonina pelo neurônio pré-sináptico: dextrometorfano, nefazadona, petidina (meperidina), inibidores seletivos da recaptação da serotonina – ISRS (fluoxetina, paroxetina, sertralina, etc.), venlafaxina e antidepressivos tricíclicos; - à inibição da monoaminooxidase (MAO) responsável pelo metabolismo da serotonina: moclobemida (inibidor seletivo da MAO-A) e inibidores não-seletivos da MAO (isocarboxazida, iproniazida, etc.); - à estimulação do receptor pós-sináptico da serotonina: dietilamida do ácido lisérgico (LSD); - ao aumento da resposta pós-sináptica à estimulação causada pela serotonina: lítio. Clinicamente a síndrome serotoninérgica apresenta-se como uma tríade de sintomas envolvendo disfunção autonômica, alterações neurológica e mentais. O diagnóstico é sugestivo quando há manifestação de quatro ou mais sintomas em cada grupo descritos no quadro abaixo. Diagnóstico clínico da síndrome serotoninérgica Disfunção autonômica Alterações neurológicas Alterações mentais diaforese tremores alteração da consciência diarréia vertigem agitação febre hiperrreflexia hipomania taquicardia sinusal mioclonia letargia hiper ou hipotensão convulsões insônia taquipnéia rigidez muscular alucinações midríase reflexo de Babinski hiperatividade rubor opistótono cãibras abdominais ataxia sialorréia coma calafrios Contudo, deve-se realizar diagnóstico diferencial com outras situações que possam apresentar manifestações clínicas em comum. O diagnóstico diferencial mais importante e provável refere-se à síndrome neuroléptica maligna (SNM), caso o paciente iniciou o uso de agentes neurolépticos ou teve a dose aumentada antes do aparecimento dos sinais e sintomas. Deve-se ainda fazer exclusão entre síndrome anticolinérgica; intoxicação por carbamazepina; infecções do sistema nervoso central; insolação; abstinência de etanol, opióides ou hipnótico-sedativos; overdose de simpatomiméticos e intoxicação por lítio. 6. Síndrome de liberação extrapiramidal (distonia aguda) Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Ocorre quando há bloqueio de receptores dopaminérgicos. O paciente apresenta-se com quadro de hipertonia, espasmos musculares, sinal da roda denteada, catatonia, acatisia, crises oculógiras, opistótono, mímica facial pobre, choro monótono. Pode estar presente nas intoxicações por bloqueadores dopaminérgicos D2 (domperidona), metoclopramida, butirofenonas (haloperidol), fenotiazínicos. 7. Síndrome metemoglobinêmica Origina-se pela conversão excessiva da hemoglobina em metemoglobina que é incapaz de se ligar e transportar oxigênio. Dentre as manifestações clínicas destacam- se: cianose, taquicardia, astenia, irritabilidade, dificuldade respiratória, depressão neurológica e convulsões. Entre os agentes oxidantes dstacam-se as sulfonas (dapsona), anilina e derivados, sulfonamidas, quinonas, cloratos, metoclopramida, anestésicos locais, nitrobenzeno, azul de metileno, entre outros. O reconhecimento dessas síndromes permite a identificação mais rápida do agente causal e, conseqüentemente, a realização do tratamento adequado. Entretanto, é importante salientar que muitas vezes pode-se ter um quadro clínico misto. Por exemplo, um paciente intoxicado por um antidepressivo tricíclico pode apresentar manifestações anticolinérgicas, depressão neurológica e convulsões. B – Alterações oculares O tamanho da pupila é afetado por inúmeras drogas (Tabela 3) que atuam no sistema nervoso autônomo, observando-se miose ou midríase. Nistagmo horizontal também é uma manifestação comum em uma variedade de drogas como os barbitúricos, etanol, carbamazepina, fenitoína e toxina escorpiônica. A fenciclidina pode causar nistagmo horizontal, vertical e até mesmo rotatório. Tabela 3 - Substâncias que podem causar alterações oculares Miose Midríase Nistagmo Opiódes Simpatomiméticos barbitúricos heroína cocaína carbamazepina morfina cafeína fenciclidina hidromorfona efedrina fenitoína oxicodona anfetaminas lítio hidrocodona metilfenidato etanol codeína anticolinérgicos organofosforados propoxifeno atropina estricnina Sedativo-hipnóticos escopolamina inibidores da MAO barbitúricos antidepressivos tricíclicos ketamina benzodiazepínicos antihsitamínicos serotoninérgicos álcoois (c/ coma profundo) antiparkinsonianos zolpidem relaxantes musculares Colinérgicos antiespasmódicos gases neurotóxicos fenotiazínicos (alguns) Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT organofosforados vegetais beladonados carbamatos Alucinógenos pilocarpina LSD edrofônio mescalina fisostigmina psilocibina Simpatolíticos anfetaminas clonidina miscelânia oximetazolina glutetimida tetrahidrazolina álcoois antipsicóticos inibidores da MAO Miscelânea nicotina fenciclidina síndromes serotoninérgicas síndrome de abstinência Perturbações visuais incluindo cegueira parcial ou total como resultado de toxicidade sistêmica foram descritas para agentes anticolinérgicos, monóxido de carbono, digitálicos, metanol, brometo de metila, quinino, antimicrobianos (ampicilina, metronidazol, ácido nalidíxico, nitrofurantoína, sulfas e tetraciclina), glicocorticóides, chumbo, lítio, anticoncepcionais orais, fenotiazinas, fenitoína e vitamina A. C - Alterações auditivas e nasais Perda auditiva aguda pode ocorrer como efeito tóxico de aminoglicosídios, cloroquina, diuréticos de alça em altas doses, quinino e salicilatos. Erosões e perfurações de septo nasal podem ser devidas à exposição crônica a cocaína ou inalação de vapores de cromo e níquel. D - Odores característicos e alterações na pele Alguns agentes tóxicos possuem odores característicos, tais como organofosforados, cianeto, etanol, éter, etc. (Tabela 4) e, quando ingeridos, modificam o odor do hálito. Contudo, esse odor pode estar fraco ou ser mascarado por outros odores mais fortes como o cheiro de vômito ou por odores ambientes. Além disso, a capacidade de percepção de odores apresenta grande variabilidade individual. Por exemplo, apenas cerca de 50% da população geral podem identificar o cheiro de “amêndoa amarga” para o cianeto. Assim, a ausência do odor não garante a ausência de um toxicante. Tabela 4 - Substâncias que podem modificar o odor do hálito Odor Substância cetônico (cheiro de fruta) etanol, metanol, álcool isopropílico, clorofórmio, salicilatos, acidose metabólica álcool etanol amêndoas amargas cianeto mofo BHC Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT alho arsênico, organofosforados, fósforo, tálio, selênio feno recentemente cortado fosfogênio ovos podres sulfeto de hidrogênio, dissulfiram Sudorese ou ausência de sudorese pode ser um sinal indicativo para uma das síndromes autonômicas (anticolinérgica, colinérgica-muscarínica, simpatomimética, etc.). Hiperemia pode ser observada nas intoxicações causadas por agentes anticolinérgicos, monóxido de carbono, ácido bórico, nas queimaduraspor produtos cáusticos ou hidrocarbonetos e, também, pode ser o resultado de uma vasodilatação periférica pela interação de etanol com dissulfiram, fenotiazinas, metronidazol e herbicidas contendo tiuram. Palidez acompanhada de sudorese é freqüentemente causada por agentes simpatomiméticos. Cianose pode indicar hipóxia ou metemoglobinemia. Exemplos de substâncias que podem causar alterações na pele são descritas na Tabela 5. Tabela 5 - Substâncias que determinam alterações na pele Quente, vermelha e seca Pálida e sudoréica Cianótica Descamativa Simpatomiméticos cianeto reações alérgicas metemoglobinemia síndrome de Stevens- Johnson sulfemoglobinemia ácido bórico hipóxia Anticolinérgicos antihistamínicos antidepressivos tricíclicos atropina escopolamina vegetais beladonados fenotiazinas cocaína anfetamina teofilina cafeína efedrina fenilpropanolamina metais pesados arsênio mercúrio tálio doença de Kawasaki síndrome do choque tóxico Agentes colinérgicos organofosforados carbamatos gases neurotóxicos Interação com etanol dissulfiram cefalosporinas solventes herbicidas como tiuram certos cogumelos ácido bórico glutamato monossódico certas espécies de peixes rifampicina Alucinógenos centrais LSD fenciclidina mescalina psilocibina anfetaminas (MDMA) monóxido de carbono arsênico síndrome do choque tóxico salicilatos E – Complicações Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT O paciente intoxicado pode apresentar várias complicações. As mais importantes são descritas a seguir. Mesmo que na avaliação inicial o paciente elas não estejam presentes, ele pode manifestá-las durante a evolução da intoxicação. 1. Alterações da pressão arterial – muitos agentes tóxicos causam alterações na pressão arterial. • Hipotensão – os distúrbios fisiológicos que resultam em hipotensão incluem: a – perda de volume por vômitos, diarréia ou sangramento; perda de volume aparente causada por venodilatação; dilatação arteriolar; depressão da contratilidade cardíaca; arritmias que interferem na pós carga; e hipotermia; b – perda de volume, venodilatação, dilatação arteriolar, comumente resultam em hipotensão com taquicardia reflexa. Em contraste, a hipotensão acompanhada de bradicardia sugere intoxicação por agentes simpaticolíticos, drogas depressoras de membrana, bloqueadores de canais de cálcio, glicosídios cardíacos ou a presença de hipotermia. Exemplos de drogas e toxinas que podem causar hipotensão e seus mecanismos estão listados na Tabela 6. Tabela 6 - Substâncias que podem causar hipotensão Com taquicardia Com bradicardia Por perda de líquido ou terceiro espaço arsênico e ferro cogumelos contendo amatoxina colchicina sulfato de cobre veneno botrópico sedativo-hipnóticos Por vasodilatação periférica Agentes simpatolíticos betabloqueadores clonidina metildopa hipotermia opiáceos reserpina oximetazolina Agentes depressores de membranas betabloqueadores (propranolol) quinidina, procainamida propoxifeno antidepressivos tricíclicos agonistas beta-adrenérgicos teofilina albuterol isoproterenol terbutalina cafeína antagonistas do cálcio (nifedipina, nicardipina, amiodipina) fenotiazinas Sedativo-hipnóticos barbitúricos benzodiazepínicos antidepressivos tricíclicos hidralazina nitritos Agentes colinérgicos organofosforados carbamatos minoxidil antagonistas alfa-adrenérgicos (doxazosina, prazosina, terazosina) Outros antagonistas do cálcio (verapamil, diltiazem) glicosídios cardíacos cianeto monóxido de carbono Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT antiarrítmicos fluoretos Uma hipotensão grave e prolongada pode causar necrose tubular renal aguda, lesão cerebral ou isquemia miocárdica. Acidose metabólica é um achado comum nesses casos. Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): hipotermia causando uma queda do metabolismo e diminuição da demanda de fluxo e pressão sangüínea; hipertermia que causa dilatação arteriolar e venodilatação com depressão miocárdica direta; perda de fluidos por gastroenterites; perda de sangue (trauma ou sangramento gastrointestinal); infarto agudo do miocárdio; sepse; lesão medular. • Hipertensão - é freqüentemente ignorada em pacientes intoxicados e quase sempre não é tratada. Exemplos de drogas e toxinas que podem causar hipertensão estão listados na Tabela 7. Tabela 7 - Substâncias que podem causar hipertensão Hipertensão com taquicardia Agentes anticolinérgicos antihistamínicos antidepressivos tricíclicos fenotiazinas (algumas) agentes antiparkinsonianos relaxantes musculares Agentes simpatomiméticos anfetaminas e derivados cocaína efedrina e pseudoefedrina levodopa teofilina cafeína Agentes colinérgicos (alguns) organofosforados carbamatos Agentes alucinógenos anfetaminas (MDMA) LSD fenciclidina nicotina Outros: hipertemia, hormônios tireoidianos, inibidores da MAO, etanol, maconha Hipertensão com bradicardia e bloqueio atrioventricular Agonistas alfa-adrenérgicos norepinefrina fenilpropanolamina fenilefrina fentermina Hormônios esteróides glicocorticóides mineralocorticóides estrogênicos progesterona androgênicos Agentes colinérgicos organofosforados carbamatos Imidazolinas tetrahidrozolina oximetazolina Outros inibidores da MAO metais pesados (chumbo) alcalóides do ergot ioimbina clonidina interações com etanol (tipo dissulfiram) Hipertensão pode ser causada por vários mecanismos, entre eles: Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT a – anfetaminas e derivados causam hipertensão e taquicardia através de um intensa estimulação simpática; b – agentes alfa-adrenérgicos seletivos causam hipertensão com bradicardia reflexa (mediada por baroreceptores) ou até mesmo bloqueio atrioventricular; c – agentes anticolinérgicos causam hipertensão leve com taquicardia; d – substâncias que estimulam os receptores nicotínicos (organofosforados) podem inicialmente causar taquicardia e hipertensão, seguido mais tardiamente, por bradicardia e hipotensão. Hipertensão grave pode evoluir com hemorragia intracraniana, dissecção de aorta, infarto agudo do miocárdio e congestão cardíaca. Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): hipertensão idiopática (a mais comum na população). Contudo se o paciente não tiver uma história pregressa de hipertensão, esta não deve ser considerada como primeira hipótese; pressão intracraniana elevada causada por hemorragia espontânea, trauma ou outras causas. Isto pode resultar em hipertensão com bradicardia (reflexo de Cushing). 2. Alterações na freqüência e ritmo cardíacos – são efeitos comuns em várias intoxicações, nas quais os protocolos padrões de tratamento de emergência cardiovascular devem ser modificados. • Bradicardia e bloqueio atrioventricular - são comumente observados nas intoxicações por antagonistas de canal de cálcio e drogas que deprimem o tônus simpático ou aumentam o tônus parassimpático. Essas condições podem ser resultantes de intoxicações graves com drogas depressoras de membrana (antidepressivos tricíclicos, quinidina e outros agentes antiarrítmicos). Bradicardia ou bloqueio atrioventricular também podem ser conseqüentes de uma resposta reflexa (reflexo barorreceptor) para hipertensão induzida por agentes alfa-adrenérgicos como a fenilpropanolamina e fenilefrina. Em crianças, a bradicardia é comumente causada por comprometimento respiratório e usualmente respondeà ventilação e à oxigenação. Essas alterações freqüentemente causam hipotensão que pode progredir para assistolia. Exemplos de drogas e toxinas que podem causar bradicardia e bloqueio atrioventricular são listados na Tabela 8. Tabela 8 - Substâncias que podem causar bradicardia ou bloqueio atrioventricular Agentes colinégicos ou vagotônicos Drogas depressoras de membrana Agentes simpaticolíticos Outros organofosforados carbamatos glicosídios digitálicos fisostigmina neostigmina propranolol e outros betabloqueadores antidepressivos tricíclicos quinidina procainamida betabloqueadores clonidina opiáceos antagonistas de canal de cálcio sedativo-hipnóticos carbamazepina fenilpropanolamina e outros agonistas alfa-adrenérgicos lítio, magnésio propoxifeno Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): hipotermia; isquemia miocárdica e infarto agudo do miocárdio; distúrbios eletrolíticos (hipercalemia); distúrbios metabólicos (hipotiroidismo); origens fisiológicas, devido a uma freqüência cardíaca intrinsecamente baixa (comum em atletas) ou a uma reação aguda vaso-vagal; reflexo de Cushing (causada por severa hipertensão intracraniana). Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT • Prolongamento do Intervalo QRS Prolongamento do intervalo QRS maior do que 0,12 segundos sugere fortemente grave intoxicação por antidepressivo tricíclico ou outra droga depressora de membrana (quinidina, cloroquina e propanolonol). O prolongamento do intervalo QRS pode ser resultado de um ritmo de escape ventricular, em pacientes com bloqueio cardíaco completo, o qual pode ser devido a uma intoxicação por digitálicos, por antagonistas do canal de cálcio ou doença cardíaca intrínseca. Prolongamento do intervalo QRS em pacientes com intoxicação por antidepressivos tricíclicos ou drogas similares são freqüentemente acompanhados por hipotensão, bloqueio atrioventricular e convulsões. Exemplos de drogas e toxinas que podem causar prolongamento do intervalo QRS estão listados na Tabela 9. Tabela 9 - Substâncias que podem causar prolongamento do intervalo QRS betabloqueadores (propranolol) hipercalemia cloroquinas e agentes similares fenotiazinas glicosídios digitálicos (completo bloqueio cardíaco) propoxifeno anti-histamínicos (difenidramina, astemizol, terfenadina) antiarrítmicos (quinidina, procainamida e disopiramida, amiodarona, bloqueadores de canal de cálcio) antidepressivos tricíclicos antimicrobianos (cloroquina, eritromicina, quinino) antipsicóticos (fenotiazinas) arsênico, tálio, lítio, fluoretos, citratos Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): doença do sistema de condução (bloqueio de ramo ou bloqueio cardíaco total) causado por doença da artéria coronária. Se possível e disponível, analise um eletrocardiograma prévio; hipercalemia com crítica toxicidade cardíaca pode ser evidenciada em um padrão de "ondas senoidais" com complexo QRS alargado. • Taquicardia Taquicardias supraventriculares são alterações freqüentemente causadas por excessiva estimulação do sistema simpático ou inibição do tônus parassimpático. Taquicardia sinusal pode ser uma resposta reflexa à hipotensão ou hipóxia. Taquicardia supraventricular acompanhada por um intervalo QRS prolongado (intoxicação por antidepressivos tricíclicos) pode ter a aparência de uma taquicardia ventricular. Taquicardia sinusal simples (freqüência cardíaca menor que 140 batimentos/minuto), raramente tem repercussão hemodinâmica. Crianças e adultos saudáveis podem tolerar facilmente uma freqüência de 160 a 180 batimentos/minuto. Contudo, uma freqüência alta sustentada por longo período pode resultar em hipotensão, dor no peito ou síncope. Exemplos de drogas e toxinas que podem causar taquicardia e seus mecanismos são mostrados na Tabela 10. Tabela 10 - Substâncias que podem causar taquicardia Agentes simpatomiméticos Agentes que causam hipóxia celular Agentes anticolinérgicos Outros anfetaminas e derivados agentes metemoglobinizantes anti-histamínicos síndrome de abstinência ao etanol ou sedativo-hipnóticos cafeína cianeto cogumelos amanita muscaria hidralazina e outros vasodilatadores Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT cocaína monóxido de carbono atropina e escopolamina hormônios tireoidianos epinefrina e pseudoepinefrina disulfeto de hidrogênio fenotiazinas fenciclidina vegetais beladonados teofilina antidepressivos tricíclicos albuterol dobutamina, dopamina metilfenidato Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): perda oculta de sangue (sangramento gastrointestinal ou trauma); perda de fluidos (gastrite ou gastroenterites); hipóxia; febre e infecção; infarto agudo do miocárdio; distúrbios da ansiedade. • Arritmias ventriculares Irritabilidade ventricular está comumente associada com intensa estimulação simpática (cocaína ou anfetaminas). Pacientes intoxicados por hidrocarbonetos clorados, fluorados ou aromáticos, podem ter sensibilidade miocárdica aumentada devido aos efeitos arritmogênicos das catecolaminas. Taquicardia ventricular também pode ser uma manifestação de intoxicação por antidepressivos tricíclicos ou outra droga bloqueadora de canal de sódio, embora com essas drogas a verdadeira taquicardia ventricular seja difícil de distinguir da taquicardia sinusal ou da taquicardia supraventricular com intervalo QRS prolongado. Agentes que causam prolongamento do intervalo QT (QTc > 0,42 segundos) podem produzir taquicardia ventricular atípica (Torsades de pointes) caracterizada por taquicardia ventricular polimórfica que roda em seu eixo continuamente. Também pode ser causada por hipocalemia, hipocalcemia ou hipomagnesemia. Taquicardia ventricular em pacientes com pulso pode estar associada com hipotensão ou pode se deteriorar em taquicardia ventricular sem pulso ou fibrilação ventricular. Exemplos de drogas e toxinas que podem causar arritmias ventriculares estão listadas na Tabela 11. Tabela 11 - Substâncias que podem causar arritmias ventriculares Taquicardia ventricular ou fibrilação agentes simpatomiméticos (cocaína, anfetaminas, teofilina) solventes hidrocarbonetos aromáticos, clorados ou fluorados antipsicóticos (fenotiazinas) solventes hidrocarbonetos clorados ou fluorados antidepressivos tricíclicos glicosídios digitálicos potássio fluoretos Prolongamento QT ou Torsades de pointes amiodarona inseticidas organofosforados antidepressivos tricíclicos levofloxacino Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT arsênico moxifloxacino astemizol e terfenadina nicardipina cisapride paroxetina citrato quinidina, procainamida e disopiramida cloroquina, quinina e agentes correlatos risperidona eritromicina sertalina fluoretos sotalol fluoxetina tálio haloperidol trioridazina Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): hipoxemia; hipocalemia; acidose metabólica; isquemia de miocárdio ou infarto agudo do miocárdio; distúrbios hidroeletrolíticos (hipocalcemia ou hipomagnesemia) ou desordens congênitas que podem causar prolongamento do intervalo QT. 3. Alterações do estado mental • Coma e estupor Uma queda no nível de consciência (avaliado pela escala de Glasgow – Tabela 2) é uma complicação grave e a mais comum em intoxicações e envenenamentos. O coma é resultante da depressão global do sistema de ativação reticular do cérebro, podendo ser causado por agentes anticolinérgicos, drogas simpatolíticas, depressores centrais substâncias que provocam hipóxia celular. Algumas vezes representa um fenômeno posterior (pós-ictal) a uma convulsão induzidapor droga ou toxina. Também pode ser causado por lesão cerebral associados com infarto ou sangramento intracraniano. A presença de déficit neurológico focal sugere sofrimento cerebral que deve ser confirmado por uma tomografia computadorizada. Exemplos de agentes tóxicos que podem causar coma estão listados na Tabela 12. Tabela 12 - Substâncias que podem causar coma Depressores do SNC Simpatolíticos Outros mecanismos ou desconhecido Anticolinérgicos brometo diquate dissulfiram anti-histamínicos vegetais beladonados fenotiazinas clonidina, tetrahidrozolina, oximetazolina betabloqueadores bloqueadores de canal de cálcio metildopa opiáceos hipoglicemiantes Sedativo-hipnóticos Asfixiantes simples lítio metais pesados barbitúricos benzodiazepínicos dióxido de carbono (CO2) gases inertes fenciclidina Antidepressivos Asfixiantes celulares (hipóxia) salicilatos cogumelos tricíclios inibidores da MAO inibidores seletivos da recaptação da serotonina Colinérgicos monóxido de carbono sulfeto de hidrogênio cianeto metemoglobinizantes organofosforados Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT carbamatos Anticonvulsivantes carbamazepina ácido valpróico Outros etanol e outros álcoois GHB (gama-hidroxibutirato) antipsicóticos relaxantes musculares O coma freqüentemente é acompanhado de depressão respiratória, que é a principal causa de óbito em pacientes intoxicados. Outras condições que podem acompanhar ou complicar o coma incluem hipotensão, hipotermia, hipertermia e rabdomiólise. Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): hipóxia; hipoglicemia; níveis sangüíneos anormais de sódio e outros eletrólitos; trauma crânio-encefálico ou outra causa de sangramento intracraniano; hipotireoidismo; falência renal ou hepática; hipo ou hipertermia ambiental; infecções graves como encefalites e meningites. • Hipotermia A hipotermia pode mimetizar, ou até mesmo, complicar uma intoxicação e sempre deve ser considerada em pacientes comatosos. Em geral, é causada por exposição a ambientes frios em pacientes que apresentam os mecanismos de resposta termo- reguladores comprometidos. Várias substâncias podem induzir a hipotermia por causar vasodilatação, inibição a resposta de calafrios, abaixando a atividade metabólica ou causando perda de consciência em ambiente frio. Um paciente com temperatura abaixo de 32ºC pode parecer estar morto, com um pulso ou pressão quase indetectáveis e sem reflexos. O eletrocardiograma pode mostrar uma deflexão terminal anormal. Exemplos de drogas que podem causar hipotermia estão listados na Tabela 13. Tabela 13 - Substâncias que podem causar hipotermia agentes sedativo- hipnóticos (barbitúricos, benzodiazepínicos) antidepressivos tricíclicos simpatolíticos (beta-bloqueadores, clonidina, bloqueadores de canal de cálcio, antagonistas alfa-adrenérgicos) agentes colinérgicos antipsicóticos anestésicos gerais etanol e outros álcoois agentes hipoglicemiantes opiáceos fenotiazinas vasodilatadores Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT monóxido de carbono Devido à diminuição generalizada do metabolismo e da menor demanda de oxigênio e fluxo sangüíneo, a hipotermia geralmente é acompanhada de hipotensão e de bradicardia. Hipotensão leve (pressão sistólica de 70 a 90 mmHg), em um paciente com hipotermia, não deve ser tratada agressivamente. Fluidos infundidos excessivamente podem causar sobrecarga hídrica e causar uma queda ainda maior na temperatura. Hipotermia muito acentuada (temperaturas <28-30ºC) podem causar fibrilação ventricular, assistolia e AESP (atividade elétrica sem pulso). Isto pode ocorrer repentinamente, quando o paciente for manipulado, reaquecido muito rapidamente ou quando estiver recebendo as manobras de ressuscitação cardiopulmonar. Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): sepse; hipoglicemia; hipotiroidismo; hipotermia ambiental, causada por exposição a ambiente muito frio. • Hipertermia A hipertermia (temperatura > 40ºC) pode ser uma complicação grave observada nas intoxicações por várias substâncias (Tabela 14). Pode ser causada por uma geração excessiva de calor decorrente de convulsões, rigidez ou hiperatividade muscular continuadas; aumento do metabolismo; distúrbios no mecanismo de dissipação do calor por alteração da sudorese (agentes anticolinérgicos); ou por desordens hipotalâmicas. Os distúrbios hipertérmicos mais importantes são: 1 – Síndrome Neuroléptica Maligna (SNM) - observada em alguns pacientes que fazem uso de agentes antipsicóticos e é caracterizada por rigidez muscular (muito intensa), hipertermia, acidose metabólica e confusão mental. 2 – Hipertermia maligna – trata-se de um distúrbio hereditário que causa hipertermia grave, acidose metabólica e rigidez depois do uso de certos anestésicos (halotano e succinilcolina). 3 – Síndrome serotoninérgica - ocorre primariamente em pacientes que utilizam inibidores da MAO, os quais também fazem uso de drogas que aumentam a concentração de serotonina, tais como: meperidina, fluoxetina ou outros inibidores da recaptação de serotonina, e é caracterizada por irritabilidade, rigidez, mioclonias, sudorese, instabilidade autonômica e hipertermia. Também pode ocorrer em pessoas que ingeriram dose elevada de inibidores da recaptação de serotonina, mesmo sem o uso concomitante de um IMAO. Hipertermia grave, quando não tratada, pode evoluir para um quadro de hipotensão, rabdomiólise, coagulopatia, falência cardíaca e renal, lesão cerebral e morte. Os sobreviventes freqüentemente apresentam seqüelas neurológicas permanentes. Tabela 14 - Substâncias que podem causar hipertermia Por hiperatividade muscular, rigidez ou convulsões Simpatomiméticos: anfetaminas e derivados, cocaína; fenilpropanolamina; efedrina alucinógenos: LSD, fenciclidina, anfetaminas (MDMA e MDEA) drogas que causam convulsões recorrentes: isoniazida, teofilina anticolinérgicos: atropina, antihistamínicos, antidepressivos tricíclicos, vegetais beladonados Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT outros agentes: lítio, inibidores da MAO, estricnina, estado de abstinência a drogas síndrome neuroléptiva maligna (SNM) hipertermia maligna síndrome serotoninérgica Por aumento do metabolismo desacopladores da fosforilação oxidativa: dinitrofenóis, pentaclorofenol salicilatos, hormônios tireoidianos Por distúrbio nos mecanismos de dissipação de calor ou de termorregulação anticolinérgicos: anti-histamínicos, antidepressivos tricíclicos fenotiazinas e outros agentes antipsicóticos Por outros mecanismos calor externo reações de hipersensibilidade: antimicrobianos, drogas antineoplásicas, febre da fumaça do metal hipertermia maligna síndrome neuroléptica maligna abstinência alcoólica ou a drogas sedativo-hipnóticas Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): abstinência alcoólica (Delirium tremens) e de drogas sedativo-hipnóticas; esforço ou calor externo; tireotoxicose; meningite e encefalite; outras infecções graves. • Convulsões As convulsões são causas freqüentes de morbidade e mortalidade devido à ingestão de doses elevadas de várias substâncias (Tabela 15). As crises podem ser únicas e rápidas ou múltiplas e prolongadas, podendo ser desencadeadas por vários mecanismos. Convulsões generalizadas, geralmente, resultam em perda da consciência e, com freqüência, acompanhada de mordedura da língua e incontinências fecal e urinária. Outras causas de hiperatividade muscular ou rigidez podem ser confundidas com convulsões, especialmente em pacientes inconscientes.Tabela 15 - Substâncias que podem causar convulsões Agentes simpaticomiméticos Antidepressivos e antipsicóticos Outros anfetaminas e derivados (incluindo MDMA) antidepressivos triciclícos anti-histamínicos izoniazida cafeína haloperidol e outras butirofenonas betabloqueadores (primariamente, o propranolol) chumbo e outros metais pesados cocaína loxapina, clozapina e olanzapina ácido bórico lidocaína e outros anestésicos locais fenilciclidina fenotiazianas cânfora lítio fenilpropanolamina amoxapina carbamazepina ácido mefenâmico efedrina inibidores seletivos da hipóxia celular (monóxido de meperidina Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT recaptação de serotonina carbono, cianeto e sulfeto de hidrogênio) (metabólito normeperidina) teofilina hidrocarbonetos clorados metaldeído agentes colinérgicos (nicotina, carbamatos, organofosforados) brometo de metila plantas tóxicas fenóis citrato fenilbutazona dietiltoluamida (DEET) piroxicam estricnina (opistótono e rigidez) GHB (gama- hidroxibutirato) síndrome de abstinência de etanol ou drogas sedativo- hipnóticas Qualquer convulsão pode comprometer as vias aéreas, resultando em apnéia e aspiração pulmonar. Lembre-se que nestes pacientes a queda da língua é causa importante de obstrução das vias aéreas. Convulsões múltiplas e prolongadas podem causar acidose metabólica grave, hipertermia, rabdomiólise e lesão cerebral. Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): distúrbio metabólico grave (hipoglicemia, hiponatremia, hipocalcemia ou hipóxia); trauma de crânio com lesão intracraniana; epilepsia idiopática; abstinência alcoólica ou de drogas sedativo-hipnóticas; hipertermia por esforço ou ambiental; infecção de SNC como meningite ou encefalite; convulsões febris em crianças. • Agitação, delírio ou psicose Agitação, delírio e psicose podem ser causados por uma variedade de drogas e toxinas (Tabela 16). A agitação, especialmente se estiver acompanhada de comportamento hipercinético (paciente debatendo-se ou contorcendo-se), pode resultar em hipertermia e rabdomiólise. Tabela 16 - Substâncias que podem causar agitação, delírio ou psicose Predomínio de confusão ou delírio Predomínio de agitação ou psicose Anticolinérgicos Simpatomiméticos anti-histamínicos anfetaminas e derivados atropina cafeína escopolamina cocaína antiparkinsonianos teofilina antiespasmódicos fenilpropanolamina relaxantes musculares Alucinógenos vegetais beladonados LSD antidepressivos tricíclicos fenciclidina fenotiazinas mescalina amantadina psilocibina Outros ketamina brometo anfetaminas (MDMA) Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT monóxido de carbono Outros cimetidina e outros bloqueadores H2 maconha dissulfiram mercúrio chumbo e outros metais pesados procaína levodopa inibidores deletivos da recaptação de serotonina lidocaína e outros anestésicos locais corticóides (prednisona) lítio salicilatos abstinência alcoólica e de drogas sedativo-hipnóticas Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): distúrbios metabólicos graves (hipóxia, hipoglicemia e hiponatremia); abstinência alcoólica e de drogas sedativo-hipnóticas; tireotoxicose; infecção do SNC como meningite e encefalite; hipertermia induzida por esforço ou ambiental. 4. Alterações respiratórias - os pacientes podem apresentar uma ou mais das seguintes complicações: • Falência respiratória A falência ventilatória pode ter múltiplas causas, incluindo falência dos músculos respiratórios, depressão do centro respiratório, pneumonia ou edema pulmonar graves. É a causa mais comum de óbitos de pacientes intoxicados. Exemplos de drogas e toxinas que podem causar falência respiratória estão listadas na Tabela 17. Tabela 17 - Substâncias que podem causar falência respiratória Paralisia de músculos respiratórios Depressão do centro respiratório toxina botulínica anti-histamínicos bloqueadores neuromusculares barbitúricos saxitoxina; tetrodotoxina clonidina e outros agentes simpaticolíticos nicotina etanol e outros álcoois organosfosforados e carbamatos opiáceos acidentes ofídicos (crotálico e elapídico) sedativo-hipnóticos estricnina antidepressivos tricíclicos tétano GHB relaxantes musculares fenotiazinas e antipsicóticos anticonvulsivantes Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): pneumonia bacteriana ou viral; encefefalite ou mielite viral (pólio); trauma ou isquemia medular, ou lesão do SNC; tétano, causando rigidez da musculatura da parede torácica; pneumotórax. • Hipóxia Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Muitas intoxicações podem cursar com hipóxia (Tabela 18) e, como conseqüência, é possível ocorrer lesão cerebral irreversível e arritmias cardíacas potencialmente fatais. Tabela 18 - Causas de hipóxia Associadas com pneumonia ou edema pulmonar não cardiogênico Gases irritantes Opiáceos amônia heroína cloro metadona sulfeto de hidrogênio Asfixiantes celulares óxido de nitrogênio monóxido de carbono fumaça de cigarro cianeto fosfogênio metemoglobinizantes fumos metálicos Outros gases ácidos ou alcalinos aspiração de conteúdo gástrico aldeídos cocaína isocianatos etilenoglicol Gases inertes fenciclidina dióxido de carbono organofosforados e carbamatos Metano, propano e nitrogênio metais pesados Inalantes voláteis (hidrocarbonetos) paraquate gasolina salicilatos querosene sedativos-hipnóticos butano simpatomiméticos Associadas com edema pulmonar cardiogênico antidepressivos tricíclicos Quinidina e procainamida betabloqueadores verapamil Nas intoxicações, esta complicação pode ser ocasionada por: 1- deficiência ambiental de oxigênio (diluição do O2 por gases inertes); 2- dificuldade de realização de trocas gasosas pulmonares em conseqüência de: • pneumonia – nos pacientes intoxicados é provocada mais freqüentemente por aspiração de conteúdo gástrico. Também pode ser causada por aspiração de compostos voláteis (derivados de petróleo) e pela inalação de gases irritantes; • edema pulmonar – todos os agentes que determinam pneumonia química, como os gases irritantes e os hidrocarbonetos, também podem provocar edema pulmonar por alteração na permeabilidade das membranas dos capilares pulmonares. 3- hipóxia celular – pode estar presente mesmo quando a gasometria arterial indica valores normais de referência, como por exemplo: Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT • presença de carboxiemoglobina e metemoglobina – dificultam a ligação do O2 com a hemoglobina e, conseqüentemente, seu transporte para os diferentes tecidos do organismo, sem que se observe alteração da pO2. Isto acontece porque na rotina, mede-se a quantidade de O2 dissolvido no plasma (cálculo indireto, a partir da pO2) e não sua concentração real. Somente a determinação direta da saturação do O2 revelará a queda de saturação da oxiemoglobina. Nesses casos, o oxímetro de pulso indicará resultados normais ou próximos da normalidade e não está indicado nas intoxicações por monóxido de carbono (CO) e por agentes metemoglobinizantes. • cianeto e sulfeto de hidrogênio – interferem na utilização do O2 em nível celular o que resulta em queda de sua utilização pelos tecidos, causando elevação de sua saturação no sangue venoso. Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): coleta errada de amostra (punção venosa ao invés de arterial); pneumonia viral ou bacteriana; contusão pulmonar por trauma; infarto agudo do miocárdio. • Broncoespasmo É uma complicaçãoque pode ter como conseqüências a hipóxia e a falência respiratória aguda. Vários agentes tóxicos (Tabela 19) podem causar broncoespasmo mediante: a- lesão por irritação direta – provocada pela inalação de gases irritantes, por aspiração de derivados de petróleo ou de conteúdo estomacal; b- ação tóxica da substância – como os inseticidas anticolinesterásicos (organofosforados e carbamatos) e os agentes bloqueadores adrenérgicos; c- reações de hipersensibilidade ou alérgicas. Tabela 19 - Substâncias que podem causar broncoespasmo betabloqueadores organofosforados e outros anticolinesterásicos cloro e outros gases irritantes inalação de fumaça aspiração de hidrocarbonetos sulfitos (em alimentos) isocianatos inalação de material particulado substâncias que causam reações alérgicas Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): asma ou outro distúrbio broncoespástico pré-existente; estridor causado por lesão das vias aéreas superiores e edema (edema progressivo de vias aéreas pode resultar em obstrução aguda dessas vias). Se houver qualquer sinal de agravamento e/ou instabilidade no quadro do paciente, é necessário uma reavalição da permeabilidade das vias aéreas; obstrução por corpo estranho. 5. Outras complicações • distonia, discinesia e rigidez – exemplos de substâncias que podem causar anormalidades de movimentos ou rigidez estão listadas na Tabela 20. Rigidez ou hiperatividade muscular mantida por muito tempo pode causar rabdomiólise, hipertermia, falência ventilatória ou até mesmo acidose metabólica Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Tabela 20 - Substâncias que induzem anormalidades de movimentos Tremores/mioclonia Rigidez/parkinsonismo Coreoatetose Fraqueza/paralisia lítio antipscóticos (neuroléticos) bário (hipocalemia) neurolépticos metoclopramida magnésio amoxapina Anticolinérgicos antidepressivos trcicíclicos anti-histamínicos metanol Abuso de solventes tolueno gasolina etilenoglicol fenciclidina Antiepilépticos fenitoína carbamazepina inibidores da MAO Metais pesados mercúrio tálio síndrome serotoninérgica Simpaticomiméticos cocaína teofilina anfetaminas cafeína albuterol metilfenidato meperidina Inseticidas organofosforados carbamatos Simpaticomiméticos cocaína anfetaminas nicotina acidente com Latrodectus botulismo Anticolinérgicos anti-histamínicos antidepressivos tricíclicos lítio acidente elapídico abstinência de drogas metaqualona metais pesados manganês estricnina intoxicação alimentar peixe (fogu) dissulfeto de carbono cianeto lesão pós anóxia por qualquer agente 1 – Reações distônicas - são comuns com o uso de doses tóxicas ou mesmo em doses terapêuticas de antipsicóticos e também de alguns antieméticos. O mecanismo de desencadeamento dessas reações parece estar relacionado com o bloqueio central da dopamina. As distonias consistem em movimentos dolorosos, forçados e involuntários do pescoço (opistótono), protrusão de língua e extensão da mandíbula ou trismo. Outras desordens de movimentos (extrapiramidais ou parkinsonismo) também podem ocorrer com esses agentes. 2 – Discinesias, por sua vez, são movimentos rápidos, repetitivos que envolvem um pequeno grupo muscular (mioclonia focal) ou podem manifestar-se por hipercinesia generalizada. A causa não é o bloqueio da dopamina, mas sim, o aumento do seu efeito ou o bloqueio dos efeitos colinérgicos centrais. 3 – Rigidez também pode ocorrer com um grande número de substâncias tóxicas e pode ser causada por estimulação da medula e efeitos no SNC. A Síndrome Neuroléptica Maligna e a Síndrome Serotoninérgica são caracterizadas por rigidez, hipertermia, acidose metabólica, e alteração do estado mental. A rigidez observada na hipertermia maligna é causada por um defeito na célula muscular e pode não se reverter com um bloqueio neuromuscular. Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): rigidez catatônica causada por distúrbio do pensamento; tétano; acidente vascular cerebral; parkinsonismo idiopático; encefalopatia pós-anóxia. • Rabdomiólise Necrose da célula muscular é uma complicação comum das intoxicações. As causas de rabdomiólise incluem imobilização prolongada, convulsões repetidas, hiperatividade muscular, hipertermia ou efeitos citotóxicos diretos de vários agentes tóxicos. O diagnóstico é feito pelo exame de urina de rotina (fitas reativas) ou por uma elevação do nível sérico de creatinoquinase (CK). A mioglobina liberada pelas células musculares lesadas pode precipitar nos rins, causando necrose tubular e falência renal. Isto é mais comum quando os níveis plasmáticos de CK encontram-se muito elevados e se o paciente estiver desidratado. Devido à rabdomiólise podem ocorrer também hipercalemia, hiperfosfatemia, hiperuricemia e hipocalcemia. Hemólise com hemoglobinúria também pode produzir um hemoteste positivo na urina. Causas de rabdomiólise estão listadas na Tabela 21. Tabela 21 – Causas de rabdomiólise Hiperatividade muscular, rigidez ou convulsões Toxicidade celular direta Outros mecanismos ou desconhecidos anfetaminas e derivados cogumelos que contêm amatoxina barbitúricos clozapina e olanzapina monóxido de carbono herbicidas clorofenoxiácidos cocaína colchicina etanol lítio etilenoglicol hipertermia inibidores da MAO alguns venenos animais (cascavel, abelhas) agentes sedativo-hipnóticos fenciclidina trauma convulsões estricnina tétano antidepressivos tricíclicos • Reações anafiláticas e anafilactóides Essas reações são caracterizadas por broncospasmo e aumento da permeabilidade vascular que podem levar a um edema de laringe, rash cutâneo e hipotensão. Exemplos de drogas que causam reações anafiláticas e anafilactóides podem ser encontrados na (Tabela 22). Reações anafiláticas e anafilactóides graves podem evoluir para obstrução de laringe, parada respiratória, hipotensão e morte. 1 – Anafilaxia ocorre quando um paciente que possui imunoglobulina E (IgE) contra um determinado antígeno ligado na superfície dos seus mastócitos e basófilos é exposto ao antígeno que a ativa, desencadeando a liberação de histamina e vários outros Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT mediadores vasoativos. 2 – Reação anafilactóide também é causada pela liberação de componentes dos mastócitos, mas não envolve sensibilização prévia ou mediação por IgE. Tabela 22 - Substâncias que podem causar reações anafiláticas e anafilactóides Reações Anafiláticas (mediadas por IgE) Reações Anafilactóides (não mediada por IgE) Outros não classificados soros antipeçonhentos) acetilcisteína exercício físico alimentos (nozes, peixes, ostras) hemoderivados sulfetos picadas de himenópteros ou outros insetos contrastes iodados imunoterapia alérgica opióides penicilinas e outros antibióticos tubocurarina vacinas certas espécies de peixes Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Exames complementares Como em qualquer atendimento médico, os exames complementares constituem componente essencial para a avaliação clínica do paciente intoxicado e podem fornecer informações importantes para o diagnóstico e evolução do envenenamento/intoxicação e guiar a investigação para uma análise toxicológica específica. Quando a história é clara e os sintomas são leves não é necessária a realização de exames adicionais. Porém, se há evidências de toxicidade moderada ou grave, podem ser necessários