Buscar

EDUCAÇÃO

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 96 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 96 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 96 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Karyne Dias Coutinho
D outoranda e mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFR-GS). Graduada em Pedagogia pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Professora da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
Conceito e relevância 
da pesquisa
Karyne Dias Coutinho*
A disciplina de pesquisa sobre a infância tornou-se mais relevante nos cursos de formação de professores à medida que as transformações sociais se intensificaram. Diante de todas as mudanças que o mundo contemporâneo 
vem operando, a escola e todos os seus modelos pedagógicos parecem ficar em 
constante descompasso com as práticas culturais que crianças, jovens e adultos de 
hoje produzem e nas quais estão imersos. Por isso, a ação de pesquisar o cotidiano 
profissional nas escolas se constitui não apenas em mais uma maneira de organi-
zar as práticas escolares, mas, principalmente, em uma forma radicalmente nova 
e diferenciada de conceber o processo educativo, em seus mais diversos aspectos: 
o papel do professor e do aluno, a organização do espaço, a distribuição do tempo, 
o planejamento das atividades, a avaliação, entre outras coisas.
Portanto, além de permitir outro modo de conduzir o processo pedagógico, o 
ato de pesquisar supõe uma alteração na maneira de pensar e repensar os conceitos 
de infância, criança, aluno, ensino, aprendizagem, educação, currículo. A pesquisa 
propicia mudanças importantes nas formas de significar as funções sociais da 
escola no mundo atual, cujas características centrais diferem intensamente do 
mundo no qual a escola (tradicional) foi criada. 
A escola (tal como a conhecemos) e suas metodologias foram inventadas 
pelo final do século XVI, período em que, na Europa ocidental, estavam dadas 
as condições para o advento de uma época histórica chamada de Idade Moderna. 
Com a consolidação das sociedades industriais e a invenção das “fases da vida”, 
houve uma significativa separação entre crianças e adultos, o que resultou em 
novas práticas e sentimentos familiares, culminando no enclausuramento das 
crianças, processo que Ariès (1981) chama de escolarização.
Portanto, a invenção de novas práticas educativas esteve associada à instituição 
de ambientes fechados para a educação e o recolhimento de crianças e jovens em 
locais (as escolas) caracterizados pela racionalização do tempo e do espaço. Essa 
lógica supunha, é claro, todo um conjunto de saberes e de discursos que acabaram 
por produzir uma série de formas de ensino, determinando os modos pelos quais o 
processo pedagógico deveria ser conduzido. Grande parte desses modos, por terem 
sido instituídos pelos jesuítas (cujos objetivos eram a catequização por meio da 
transmissão de conhecimentos e da modelação de comportamentos), acabou por 
assumir uma metodologia específica (conhecida como tradicional) que persiste até 
hoje. 
 Doutoranda e mestre em 
Educação pela Universi dade 
Federal do Rio Grande do 
Sul (UFRGS). Graduada em 
Pedagogia pela Fundação 
Universidade Federal do Rio 
Grande (FURG). Professora 
da Uni versidade Luterana do 
Brasil (ULBRA).
7Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
É certo que, ao longo dos tempos, as práticas escolares tradicionais foram alvo 
de inúmeras críticas e passaram por uma série de transformações. No entanto, ainda 
que se apresente sob novas configurações, a ideia de transmissão do conhecimento 
continua, em muitos casos, servindo de orientação ao processo educativo nas 
escolas. Para que a investigação seja um instrumento de reflexão e crítica por parte 
dos professores, é preciso que esses profissionais conheçam minimamente a história 
da Educação e da Pedagogia. Afinal, não se pode pensar o presente sem se pensar 
nas condições de possibilidade do tempo presente, ou seja, quais foram as condições 
que possibilitaram, que permitiram sermos o que somos hoje? Como a escola e suas 
práticas pedagógicas chegaram a ser o que hoje dizemos que elas são? Eis mais uma 
importância da pesquisa: problematizar as condições de possibilidade de uma série 
de situações cotidianas dos sujeitos envolvidos com a escola.
Três modelos pedagógicos para as crianças
É bastante interessante e útil ao campo da Educação o modo como Varela 
(2000) discute, organiza e apresenta o cruzamento entre espaço, tempo, poder, 
saberes e sujeitos no interior das instituições escolares, destacando três modelos 
pedagógicos, sob a forma de tendências educativas, produzidas em períodos 
históricos distintos. 
Para essa autora (VARELA, 2000), as três formas de pedagogia que histo-
ricamente constituíram os processos de socialização escolar são: as pedagogias 
disciplinares, cujo cenário foi composto por humanistas, filósofos, reformadores 
e moralistas do século XVI e XVII1; as pedagogias corretivas, protagonizadas 
por Binet, Simon e pelos representantes do Movimento das Escolas Novas, como 
Montessori e Decroly2; e as pedagogias psicológicas, destacando-se em especial 
os nomes de Freud e Piaget. 
As pedagogias disciplinares foram configuradas na segunda metade do século 
XVI, a partir da preocupação dos reformadores e humanistas pelo governamento3 
da infância. Desde as definições de infância assinaladas por católicos e protestantes 
até as modernas concepções dessa fase como sendo especial e inocente, dotada de 
características próprias, foram previstos programas de ensino que alteraram o uso 
dos espaços e dos tempos nas instituições educativas formais, tendo como efeitos 
a produção social do indivíduo e o disciplinamento dos saberes.
Numerosos filantropos, economistas e reformadores sociais, ao aceitar a teoria segundo a 
qual a ontogênese recapitula a filogênese (Lei de Haeckel), vão estabelecer toda uma série 
de analogias entre a criança, o selvagem e o degenerado. Desse modo, se fará corresponder 
o estágio de selvageria com o da infância. As crianças, e especialmente as crianças das 
classes populares, se identificam com os selvagens. Civilizá-los e domesticá-los constitui 
o objetivo dessa escola pública obrigatória na qual seguirão reinando as pedagogias 
disciplinares. (VARELA, 2000, p. 88)
A constituição da chamada infância anormal – possibilitada pelos 
casos de inadaptação às práticas do modelo das pedagogias disciplinares – e 
as novas técnicas e métodos de ensino criados pelos pioneiros do Movimento 
1 Entre eles: Erasmo, Vives, Locke, Descartes, 
Rousseau, Kant, La Salle, 
Lutero.
2 E também Freinet, Dewey e os brasileiros Anísio 
Teixeira e Lourenço Filho.
3 O termo governamento refere-se à ação ou ao ato 
de governar, para diferenciá-
-lo do termo governo, enten-
dido aqui como a instituição 
do Estado: Governo da Repú- 
blica, Governo Municipal 
etc. Sobre o uso da expressão 
governamento – bem como 
governo e governamentali- 
dade – ver Veiga-Neto (2002).
Conceito e relevância da pesquisa
8 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
da Escola Nova fizeram emergir o que Varela (2000) chama de pedagogias 
corretivas, direcionadas em especial para as crianças que apresentavam 
problemas de aprendizagem e de conduta. Nesse outro modelo, que surgiu à 
sombra das crianças ditas anormais, faz-se a crítica ao uso do tempo, do espaço 
e dos saberes nas formas tradicionais de ensino, defendendo a ideia de que 
a criança, com seus interesses e tendências naturais, deve estar no centro da 
ação educativa. É partindo desse princípio geral que Montessori e Decroly, por 
exemplo, apesar de divergirem em alguns aspectos, concordam em valer-se dos 
preceitos psicológicos para fundamentar cientificamente seus sistemas teóricos. 
Trabalhando inicialmente com as recém-constituídas crianças anormais e 
opondo-seao controle exercido pelo mestre no ensino tradicional (por meio da 
programação das atividades e dos exames), esses novos pedagogos, procedentes 
da área da saúde, propõem a autodisciplina, supondo “a possibilidade de uma 
socialização universal, individualizada, válida para qualquer sujeito, desligada 
das classes sociais e do contexto histórico e legitimada por códigos chamados 
experimentais” (VARELA, 2000, p. 94).
As pedagogias corretivas estiveram intensamente envolvidas num 
deslocamento de exercício do poder: do poder disciplinar (sobre o qual se 
organizaram as instituições escolares que colocavam em prática as pedagogias 
disciplinares) para o psicopoder, que, no que se refere às práticas educativas, 
cria uma relação diferenciada entre crianças e adultos, posicionando de modos 
diferentes o aluno e o mestre. As novas concepções de uso do tempo, do 
espaço e dos saberes defendidas pelos representantes da Escola Nova abrem a 
possibilidade para a diversificação do campo da Psicologia escolar. Desse modo, 
são as próprias pedagogias corretivas que fazem emergir um terceiro modelo 
pedagógico implicado no governamento da infância: as pedagogias psicológicas, 
que têm Piaget e Freud como principais representantes. Apesar de piagetianos e 
psicanalistas apresentarem sistemas teóricos diferentes, ambos concordam entre 
si e com as pedagogias corretivas no que se refere a situar a criança no centro do 
processo educativo. O que difere as pedagogias psicológicas das corretivas é a forma 
de controle exercido sobre os alunos, que, num enfoque psicológico, se esforça 
cada vez mais em ser menos visível. Se as pedagogias corretivas priorizavam a 
autodisciplina em contraposição à disciplina rígida das pedagogias disciplinares, 
agora as pedagogias psicológicas preocupam-se, sobretudo, em fortalecer ainda 
mais o controle interior. Para tanto, colocam o enfoque das práticas escolares não 
tanto na organização do meio (como queriam os representantes da Escola Nova), 
mas na programação e vigilância do chamado desenvolvimento correto, com base 
nos estágios de desenvolvimento infantil.
Poder-se-ia dizer sem dúvida que, como por ironia, esta criança foi vigiada e controlada 
muito mais do que nas “velhas pedagogias”, porque não apenas se requeriam dela as respostas 
corretas, mas também agora era necessário que mesmo seu verdadeiro mecanismo do 
desenvolvimento fosse controlado. Os alunos têm assim cada vez um menor controle sobre 
sua própria aprendizagem, já que apenas os mestres, e sobretudo os especialistas, podem 
conhecer os progressos ou retrocessos que realizam. [...] Sofrem, portanto, um processo 
de expropriação cada vez mais intenso que constitui a outra face da intensificação de um 
estatuto de minoria que, além dos cânticos à criatividade, à liberação e à autonomia, supõe 
dependência e subordinação cada vez maiores. (VARELA, 2000, p. 99)
Conceito e relevância da pesquisa
9Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
As críticas, vindas em especial da Psicanálise, ao controle exercido pelas 
práticas pedagógicas sobre a criança, com base nas leis de desenvolvimento, fazem 
emergir certos discursos sobre a ideia de cada aluno ter um ritmo próprio, que deve 
ser considerado pelo professor nas situações de aula que ele programa e coloca 
em funcionamento. A ideia de ritmo individual prioriza uma pedagogia centrada 
na atividade do aluno – para que ele se expresse “livremente” – em detrimento 
das normas de desenvolvimento infantil. Além do sujeito epistêmico de Piaget, 
dá-se visibilidade agora ao sujeito psíquico, que possui desejos, pulsões, sintomas 
e a quem se deve oferecer uma educação livre de coações. Dessa forma, há uma 
intensificação da ação pedagógica psicologizada, à medida que, reforçando-se a 
imagem de cada aluno, supostamente permite-se que ele exerça um trabalho sobre 
si mesmo, processo que Varela (2000) chamou de “personalização”.
Recapitulando: na própria constituição dos espaços e tempos modernos, 
estão as pedagogias disciplinares; para os que não se adaptaram a elas, surgem as 
pedagogias corretivas, configurando o que se passou a chamar de infância anormal. 
Aos que não se adaptam ao controle excessivo do meio, característico da tendência 
corretiva, sugere-se um modelo pedagógico centrado na liberdade de expressão 
do aluno. A questão é que, ainda assim, exatamente por estarem envolvidos em 
relações de poder – que implicam necessariamente relações de resistência –, os 
modelos educativos apresentam brechas, fendas, fissuras, que fazem com que os 
inadaptados pareçam ser falhas do sistema pedagógico. Acontece que as falhas 
podem estar no próprio sistema, que talvez não corresponda aos sujeitos infantis 
contemporâneos. Será que isso poderia explicar o descompasso entre a escola e a 
sociedade atual?
Pesquisa e a crise da escola
Vários podem ser os motivos pelos quais a escola moderna parece não estar 
mais correspondendo às formas atuais de organização social. Vejamos três motivos, 
ligados entre si.
Um dos motivos refere-se à típica afirmação de que a instituição escolar está 
em crise. Tratando-se do terreno educacional brasileiro, esta é uma constatação 
há tempos em voga em diferentes discursos sobre educação. Parece-me que 
quanto mais se aborda a chamada crise, tanto mais a repetência, a evasão e outros 
elementos considerados fracasso escolar aumentam em consideráveis proporções. 
Em tentativas de solução, são produzidas várias discussões sobre as possíveis 
causas desse fracasso: incansavelmente, o debate em torno das razões que levam 
à crise escolar continua acontecendo dentro e fora da escola. 
Como resposta a essa crise, num jogo quase circular, outros discursos 
modernos vão sendo produzidos, numa incansável tentativa de explicar como o 
mundo é e como ele deveria ser. O próprio termo crise é problemático. Momentos 
de crise são aqueles em que corpos e situações se manifestam com mais força. 
No sentido clássico grego, crise é o momento de mudança (para melhor), 
enquanto, no sentido moderno, crise é o momento de paralisia. No que se refere 
Conceito e relevância da pesquisa
10 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
mais especificamente à crise educacional, enfraqueceu-se o poder que a escola, 
supostamente, tinha de proporcionar melhores condições de vida aos sujeitos e de 
inseri-los numa “sociedade de todos”. Nesse sentido, o fracasso escolar pode ser 
entendido como o pavor que a escola moderna criou e que ela própria prometeu, 
mas não conseguiu, extinguir. A permanência do fracasso escolar é o resultado de 
uma promessa não cumprida pela Modernidade. 
Outro motivo pelo qual a escola moderna parece não estar mais corres-
pondendo às formas atuais de organização social refere-se ao fato de que as tentativas 
modernas de composição do indivíduo uno, coerente, integral fracassam à medida 
que os sujeitos deparam-se com a necessidade de assumir o desmantelamento e 
a construção incompleta de sua identidade individual. Ora, que lugar ocupa a 
escola frente a esse fato se ela se constituiu como uma instituição responsável por, 
entre muitas outras coisas, fabricar um sujeito cuja identidade deveria se encaixar 
a uma (preferencialmente única) moldagem cultural?
Funcionando por meio da disciplinaridade – no que se refere tanto aos sa-
beres quanto aos corpos –, a escola moderna, desde sua constituição, subordina 
sua função cognitiva e instrucional à principal de suas funções: governamento e 
regulação moral dos indivíduos e populações. É também por isso que a escolari-
zação pode ser entendida como uma prática cultural para a produção de sujeitos 
cujos pensamentos, valores e condutas correspondam a um único e determinado 
padrão cultural. Dessa forma, a maioria das práticas escolares, ao mesmotempo 
em que fabrica identidades consideradas verdadeiras e, portanto, supostamente 
melhores, mais puras, mais reais do que outras, acaba por produzir a diferença 
como pejorativa, percebendo-a como um desvio da norma, como uma falha que 
precisa ser corrigida. 
O último motivo refere-se à valorização generalizada do sujeito, traduzida 
principalmente por um individualismo cada vez mais afastado dos grandes 
sistemas de sentido. A psicologização das relações humanas, que se desenvolveu 
paralelamente à revolução científico-tecnológica, torna possível certo tipo de 
hiperinvestimento do eu, seja como resposta à situação de vulnerabilidade com 
a qual os sujeitos vêm se deparando, seja como tentativa de seguir a “ordem” da 
privatização tão característica dos nossos tempos.
Além dos três motivos aqui apresentados, é bem possível que os professores 
tenham novas respostas para o descompasso entre a escola e a sociedade atual. 
No entanto, como é que eles poderão chegar às respostas? Ou melhor, como é que 
poderão se fazer novas e diferentes perguntas, que sejam úteis ao seu trabalho e 
à sua pretensão de problematizar o próprio descompasso? Por meio da pesquisa. 
Investigando o seu cotidiano profissional e os sujeitos com os quais trabalham, os 
professores certamente estarão mais bem preparados para enfrentar os desafios 
que a contemporaneidade lhes impõe. 
 Não é nada difícil perceber que o mundo contemporâneo vem passando por 
rápidas e intensas transformações na sua organização social, política, econômica 
e cultural. No entanto, o que as transformações do mundo de hoje têm a ver com a 
educação? De que maneira elas afetam as práticas educativas que são desenvolvidas 
Conceito e relevância da pesquisa
11Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
nas escolas? Bem, para tentar responder a essas questões, deve-se considerar que os 
alunos de hoje nascem num mundo cuja organização é radicalmente diferente da 
forma como o mundo era organizado anteriormente. A emergência de uma tecnologia 
eletrônica ampliou as possibilidades de interação entre pessoas e máquinas. Com 
isso, criam-se determinadas situações cotidianas que possibilitam o surgimento de 
outro discurso em relação à infância e à juventude, diferente daquele já conhecido 
entendimento de que a criança e o jovem são naturalmente dependentes e aprendizes 
em potencial dos adultos. 
O advento de alguns episódios tecnológicos recentes alterou os modos como 
crianças e jovens intervêm no mundo. Esse é apenas um dos fatores que explicam, até 
certo ponto, o enfraquecimento da ideia de que a escola é a instituição responsável 
por transmitir, desde cedo, os conhecimentos aos alunos. 
Os modos de vida contemporâneos demandam que o professor execute a 
função de problematizador das práticas em que os alunos e suas famílias encontram- 
-se enredados. Daí a necessidade de o professor assumir uma postura de pesquisador, 
orientando, promovendo e estimulando a discussão dos conteúdos, em vez de 
simplesmente apresentá-los aos alunos como verdades absolutas. 
Ao lidar com as informações a serem ensinadas, o professor faz recortes, 
seleciona, valoriza e reinterpreta a suposta objetividade do conteúdo. Essa operação 
influencia não apenas o posicionamento intelectual dos alunos, como também suas 
condutas diante da cultura escolar (regras de convivência, formas de ação, atitudes 
e comportamentos que vigoram na dinâmica das interações entre a comunidade 
escolar) e também diante da cultura social mais ampla.
Portanto, o papel do professor é o de auxiliar na compreensão, utilização, aplicação 
e constante avaliação dos conteúdos e das informações escolares. A análise desses 
artefatos justifica-se, pois, em função de que conhecendo como eles se organizam e 
funcionam, pode-se melhor compreender as formas pelas quais crianças e adultos são 
subjetivados a assumir determinadas identidades (tanto individuais quanto coletivas). 
Por isso, no contexto de uma sociedade caracterizada como “digital”, o papel 
do professor amplia-se, em vez de empalidecer. A partilha e a problematização dos 
recursos materiais e informacionais de que professores e alunos dispõem possibilita 
o estabelecimento de uma ordem, ainda que efêmera, que encaminhe os processos 
educativos formais a partir de uma filtragem de informações disponíveis em dife-
rentes lugares.
Diante da velocidade com que as mudanças ocorrem, não é mais suficiente que 
os professores aprendam os saberes pedagógicos. É necessário e imprescindível que 
eles questionem os saberes já produzidos, verificando se tais saberes continuam a 
ser úteis aos sujeitos para os quais foram criados. 
Em tempos anteriores, era possível que houvesse uma metodologia de ensino 
pronta e acabada que, uma vez aprendida pelos profissionais da escola, garantiria o 
êxito das práticas escolares. No entanto, o maior desafio de todos os profissionais de 
Educação, atualmente, não é tão somente adaptar-se às mudanças, mas adaptar-se 
ao fato de que as pessoas mudam constantemente e com muita rapidez. 
Conceito e relevância da pesquisa
12 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
Além disso, também será preciso manter uma constante ação de pesquisar, 
para que seja possível processar novos pensamentos e ideias que sejam compatí-
veis aos modos de vida das crianças, dos jovens e dos adultos do século XXI. Que 
razão melhor poderia ser apresentada aos professores a engajarem-se na tarefa de 
pesquisar? O desafio está lançado. 
1. A partir do que foi discutido no texto, escreva qual a relevância da pesquisa na formação de 
professores. 
2. Sintetize, em uma frase, os três modelos pedagógicos estudados por Varela (2000), caracteri-
zando brevemente cada um deles.
3. Na sua opinião, quais fatores evidenciam o descompasso entre escola moderna e sociedade 
atual? Discuta com dois ou três colegas e produzam um pequeno texto que apresente suas 
ideias. 
Conceito e relevância da pesquisa
13Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
4. Ainda em discussão com seu grupo, apontem como as transformações tecnológicas e culturais 
das sociedades contemporâneas invadem o cenário escolar. 
Existem muitas concepções de pesquisa na literatura pedagógica. Procure, em uma biblioteca 
pública, livros que tratem da pesquisa em educação e faça um levantamento de tais concepções. 
 Frente à identificação do que se considera o professor reflexivo com o professor pesquisador, 
sugere-se a leitura de dois textos:
Formar professores como profissionais reflexivos, de Donald Schön. In: NÓVOA, Antônio. Os Professores 
e sua Formação. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1995.
Pesquisa, Formação e Prática Docente, de Marli André. In: ANDRÉ, Marli. O Papel da Pesquisa na 
Formação e na Prática dos Professores. Campinas: Papirus, 2002.
Esses textos permitirão realizar um interessante confronto entre as duas perspectivas que hoje 
têm forte reflexo nas propostas de formação de professores.
Conceito e relevância da pesquisa
14 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
Referências
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges (Orgs.). História da Vida Privada. São Paulo: Cia. das Letras, 
1991. v. 1, 2 e 3.
BARRETO, Ângela. A educação infantil no contexto das políticas públicas. Revista Brasileira de 
Educação, n. 24, set./dez, 2003, p. 53-65. 
BARROS, Célia. Pontos de Psicologia do Desenvolvimento. São Paulo: Ática, 1995.
BOCK, Ana Maria. Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. SãoPaulo: Saraiva, 1997.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial 
Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v. 1 e 2.
. Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 2000 (Coleção Saraiva de Legis-
lação).
BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Infância e Maquinarias. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
CARVALHO, Vânia. Desenvolvimento Humano e Psicologia: generalidades, conceitos, teorias. 
Belo Horizonte: UFMG, 1996.
COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Escola Básica na Virada do Século: cultura, política e educação. 
São Paulo: Cortez, 2000.
COSTA, Marisa Vorraber. Novos Olhares na Pesquisa em Educação. In: COSTA, Marisa Vorraber. (Org.) 
Caminhos Investigativos: novos olhares na pesquisa em educação. Porto Alegre: Mediação, 1996.
. Estudos Culturais em Educação. Mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cine-
ma... Porto Alegre: UFRGS, 2000.
. Quem São? Que Querem? Que Fazer com Eles? Eis que Chegam às Nossas Escolas as Crianças 
e Jovens do Século XXI. In: ALVES, Maria Palmira; LEITE, Regina; MOREIRA, Antonio Flávio 
(Orgs.). Currículo, Cotidiano e Tecnologias. Araraquara: Junqueira/Marin, 2006.
COSTA, Márcia Rosa da. Eu Também Quero Falar: um estudo sobre infância, violência e educação. 
Porto Alegre, 2000. Dissertação (Mestrado em Educação). Setor de Ciências Humanas, UFRGS.
ELIAS. Norbert. O Processo Civilizador: formação do estado e civilização. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar, 1993.
. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
ENDERLE, Carmem. Psicologia do Desenvolvimento: o processo evolutivo da criança. Porto Alegre: 
Artmed, 1987.
ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Estudos Culturais: uma introdução. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. 
(Org.). O que É, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 
71Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
Pesquisa: o Aluno da Educação Infantil e dos Anos Iniciais
FERREIRA, Idalina; CALDAS, Sarah. Atividades na Pré-escola. São Paulo: Saraiva, 2002.
FEYERABEND, Paul. Contra o Método. Rio de Janeiro: F. Alves, 1977.
FOUCAULT, Michel. A Governamentalidade. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio 
de Janeiro: Graal, 1992. 
. Conferência V. In: FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas. Rio de Janeiro: 
Nau, 1996.
GRÜN, Mauro; COSTA, Marisa Vorraber. A Aventura de Retomar a Conversação: hermenêutica e 
pesquisa social. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Caminhos Investigativos: novos olhares na 
pesquisa em educação. Porto Alegre: Mediação, 1996.
HALL, Stuart. A Centralidade da Cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Educação & 
Realidade, Porto Alegre, v. 4, n. 1, p. 15-46, jul./dez. 1997.
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
JOHNSON, Richard. O que é, afinal, Estudos Culturais. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.). O que 
É, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 
LARROSA, Jorge. O Enigma da Infância. In: LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, pirue-
tas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
LEITE, Regina (Orgs.). Currículo, Cotidiano e Tecnologias. Araraquara: Junqueira e Marin, 2006.
LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: 
Sulina, 2002.
NARODOWSKI, Mariano. Infância e Poder: a conformação da pedagogia moderna. São Paulo: 
Unicamp/PPGEDU, 1993. 
. Después de Clase: desencantos y desafíos de la escuela actual. Buenos Aires: Novedades 
Educativas, 1999.
NARODOWSKI, Mariano. Infância e Poder: conformação da pedagogia moderna. Bragança Paulista: 
Universidade de São Francisco, 2001.
NELSON, Cary; TREICHLER, Paula; GROSSBERG, Lawrence. Estudos culturais: uma introdução. 
In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.). Alienígenas na Sala de Aula. Uma introdução aos estudos 
culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995. 
POSTMAN, Neil. O Desaparecimento da Infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999. 
RUA, Maria das Graças. Jovens Acontecendo na Trilha das Políticas Públicas. Brasília: CNPD, 
1998. v. 2.
RUSHKOFF, Douglas. Um Jogo Chamado Futuro: como a cultura dos garotos pode nos ensinar a 
sobreviver na era do caos. Rio de Janeiro: Revan, 1999. 
SARMENTO, Manuel Jacinto. Gerações e Alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. 
Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, p. 361-378, maio/ago. 2005.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez, 2000. 
72 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
Referências
SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O que É, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 
1999a.
SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. 
Belo Horizonte: Autêntica, 1999b.
SIROTA, Régine. Emergência de uma sociologia da infância: evolução do objeto e do olhar. Cadernos 
de Pesquisa, São Paulo, n. 112, p. 7-31, mar. 2001. 
SOUZA, Solange Jobim e. Re-significando a Psicologia do Desenvolvimento: uma contribuição crítica 
à pesquisa da infância. In: KRAMER, Sônia; LEITE, Maria Isabel (Orgs.). Infância: fios e desafios 
da pesquisa. Campinas: Papirus, 1997. 
SPOSITO, Marília; CARRANO, Paulo César. Juventude e Políticas Públicas no Brasil. Revista 
Brasileira de Educação, Campinas, n. 24, p. 16-39, set./dez. 2003. 
VARELA, Julia. Categorias Espaço-temporais e Socialização Escolar: do individualismo ao narci-
sismo. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Escola Básica na Virada do Século: cultura, política e 
educação. São Paulo: Cortez, 2000. 
VARELA, Julia; ÁLVAREZ-URÍA, Fernando. A Maquinaria Escolar. Teoria & Educação, Porto 
Alegre, n. 6, p. 68-96. 1992.
VEIGA-NETO, Alfredo. Coisas do Governo... In: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luiz B. Lacerda 
(Org.). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A, 
2002.
. Michel Foucault e os Estudos Culturais. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Estudos 
Culturais em Educação. Mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema... Porto Alegre: 
UFRGS, 2000. 
. Cultura, culturas e educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 23, p. 119-
135, maio/jun./ago. 2003.
WALKERDINE, Valerie. Uma análise foucaultiana da pedagogia construtivista. In: SILVA, Tomaz 
Tadeu da. Liberdades Reguladas: a pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu. 
Petrópolis: Vozes, 1998. 
WARDE, Mirian Jorge. Para uma História Disciplinar: Psicologia, criança e pedagogia. In: FREITAS, 
Marcos Cezar de. (Org.). História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1999.
73Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
Karyne Dias Coutinho
D outoranda e mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFR-GS). Graduada em Pedagogia pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Professora da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
História da infância
A afirmação de que infância, entendida como um período da vida pelo qual as crianças passam, foi inventada pode parecer estranha atualmente, já que os termos criança e infância são geralmente confundidos como sinônimos. Pode-se pensar, entretanto, que crianças sempre 
existiram, como corpos biológicos, como seres que se movimentam, que se vestem, que sentem fome, 
sede, frio. No entanto, a infância, diferentemente dos corpos, é uma ideia, um sentimento, uma fase 
da vida que foi criada para esses seres chamados crianças. Portanto, esse sentimento de infância, 
essa fase da vida que se denomina infância nem sempre existiu. Então, como era a vida das criançasquando não existia a infância?
Crianças medievais
De acordo com o historiador francês Philippe Ariès (1981), as condições para que a infância 
fosse inventada começaram a acontecer no final da Idade Média, na Europa. Antes disso, as crianças 
eram vistas e tratadas, por elas mesmas e pelos adultos, como miniaturas de adultos (crianças traves-
tidas de adultos: fazendo os mesmos gestos e usando o mesmo vestuário). Já que eram entendidas e 
tratadas assim, não havia nenhuma diferença fundamental entre crianças e adultos, a não ser a dife-
rença de tamanho.
Até os dois anos de idade, aproximadamente, a criança era vista como tal. Dos dois anos em 
diante, a partir do momento em que a criança começava a adquirir algum desembaraço físico (falar, 
andar), ela já era vista imediatamente como adulto jovem. Portanto, o sentimento de infância era muito 
passageiro e superficial, durava no máximo dois anos para cada criança que conseguia sobreviver em 
meio às precárias condições de vida da Idade Média. Até mesmo as famílias ricas presenciavam a 
morte de muitas crianças, pois as condições de saneamento eram inadequadas e as campanhas de 
saúde pública não existiam. 
Outro fenômeno importante com relação à frequência da morte entre as crianças era o infanticídio, 
por mais brutal que isso possa nos parecer. No prefácio da segunda edição do livro História Social da 
Criança e da Família, Ariès (1981, p. 17), referindo-se a dados relativos à Idade Média, diz:
Eu chamaria a atenção para um fenômeno muito importante e que começa a ser mais conhecido: a persistência 
até o fim do século XVII do infanticídio tolerado. Não se tratava de uma prática aceita [...]. O infanticídio era um 
crime severamente punido. No entanto, era praticado em segredo, correntemente, talvez, camuflado sob a forma 
de um acidente: as crianças morriam asfixiadas naturalmente na cama dos pais, onde dormiam. Não se fazia nada 
para conservá-las ou para salvá-las.
Nesse contexto, em que não havia interesse pela vida infantil nem o consequente desejo de 
conservar os filhos, as crianças que morriam eram logo substituídas por outras; nessa repetida 
substituição não se percebiam sentimentos de afeição ou culpa por parte das famílias, já que os recém-
-nascidos não eram considerados. Com a disseminação dos discursos de alguns reformadores, no 
sentido de informar às famílias sobre sua missão de proteger seus filhos, os pais e as mães (a exemplo 
das parteiras) passaram aos poucos a adquirir consciência da morte infantil e, paulatinamente, 
passaram a respeitar a vida das crianças e a se preocupar com elas. De acordo com Ariès (1981, p. 17), 
“a diminuição da mortalidade infantil observada no século XVIII não pode ser explicada por razões 
15Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
médicas e higiênicas; simplesmente, as pessoas pararam de deixar morrer ou de 
ajudar a morrer as crianças que não queriam conservar”.
Percebe-se, pois, que, antes do século XVIII, as crianças não estavam dotadas 
de personalidade integral. Nasciam e desapareciam feito animais domésticos. 
Eram enterradas no quintal. No máximo serviam de distração nos primeiros anos, 
bichinhos engraçadinhos; depois, perdiam-se entre os adultos. Nesse sentido, também 
é importante referir que a infância individualizada esteve ausente da representação 
iconográfica – túmulos, pinturas religiosas – antes do século XVIII. 
Outro aspecto que merece destaque nos modos de vida das crianças da Idade 
Média refere-se à educação dos “miniadultos”: as crianças medievais aprendiam 
as coisas da vida diretamente com os adultos, ajudando-os a realizarem suas 
tarefas. Não havia uma instituição (como a escola, por exemplo), para onde todas 
as crianças deveriam ir para aprender. A aprendizagem acontecia no contato direto 
entre crianças e adultos, o que acabava por intensificar a indistinção entre eles.
Além disso, antes do século XVII, não havia distinção de vestuário: meninos 
e meninas usavam as mesmas roupas, que tinham o mesmo modelo dos trajes para 
adultos. O lúdico tinha enorme relevância; crianças e adultos brincavam sem distinção. 
As atividades lúdicas propostas eram realizadas por todos, sem preocupação de 
idade ou sexo: brincar com bonecas, cata-ventos, pioras, jogos cantados. A dança e 
os jogos com bolas também faziam parte do cotidiano das pessoas. 
Em relação à vida em sociedade, as crianças participavam das festas de 
adultos, dos jogos de azar, das atividades profissionais da época. Tratava-se de um 
meio social muito intenso e difuso, do qual as crianças participavam sem distinção. 
A família – diferentemente do que veio a acontecer depois, com a chegada da 
Modernidade – não possuía um núcleo, composto de pai, mãe e filhos. A família 
medieval era composta de muitas pessoas que geralmente moravam numa mesma 
casa, e cujo espaço não era organizado de forma a permitir a privacidade das 
pessoas. Não havia necessariamente quartos separados para crianças, adultos 
e empregados: todos ocupavam o mesmo espaço, de modo que as crianças 
presenciavam até mesmo as práticas sexuais entre os adultos. 
Na visão moderna, as crianças devem ser protegidas e resguardadas de vários 
assuntos e questões, em especial àquelas relativas à sexualidade. No entanto, na 
Idade Média, de modo geral, tais práticas eram consideradas normais, tanto para 
os adultos quanto para as crianças.
Essa ausência de reserva diante das crianças, esse hábito de associá-las a brincadeiras que 
giravam em torno de temas sexuais para nós é surpreendente: é fácil imaginar o que diria 
um psicanalista moderno sobre essa liberdade de linguagem, e mais ainda, essa audácia 
de gestos e esses contatos físicos. (ARIÈS, 1981, p. 129)
As preocupações com a individualidade das crianças eram inexistentes e, 
portanto, ignorava-se a necessidade de respeito a elas. “Os adultos se permitiam 
tudo diante delas: linguagem grosseira, ações e situações escabrosas; elas ouviam 
e viam de tudo” (ARIÈS, 1981, p. 128). No entanto, como alerta Ariès, a atitude 
diante da sexualidade varia de acordo com o meio em que se vive em uma deter-
minada época e a partir de uma determinada mentalidade. 
História da infância
16 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
Dessa forma, não se trata de julgar a sociedade da Idade Média, culpando-a 
de não cuidar direito de suas crianças e de não reservá-las das práticas adultas. A 
questão está em entender que, naquela época, a maneira como as crianças deve-
riam ser tratadas não era discutida pelos pais e pelos estudiosos, afinal, elas eram 
consideradas miniadultos. 
A lógica da sociedade medieval era outra e, por isso, não pode ser julgada 
pela sociedade atual. Na época, não havia discursos que sugerissem o que era 
certo. Não circulavam, entre as pessoas, estudos que apresentassem outros modos 
de vida, dizendo que eles seriam mais saudáveis ou melhores para as crianças. A 
sociedade medieval simplesmente desconhecia todos esses preceitos que funda-
mentam atualmente a criação e a educação de uma criança. 
Só seria possível afirmar que a sociedade medieval estava errada se nela 
circulassem discursos e alertas que fossem capazes de ensinar as pessoas como é 
a maneira correta de tratar uma criança e, ainda assim, a sociedade continuasse 
com as mesmas práticas. Entretanto, esses discursos e esses alertas não existiam 
e, portanto, o modo como as crianças eram tratadas, criadas e educadas não era 
uma preocupação da época.
Crianças modernas
Discursos preocupados com as formas de vida das crianças começaram a 
aparecer pelo final do século XVII, período caracterizado por numerosas trans-
formações sociais, na economia, na cultura, na política. Foi em meio a tais trans-
formações que o conceito de infância aceito hoje (o que era apenas umamiragem 
antes do Renascimento) começou a ganhar forma e força, atingindo seu apogeu 
no século XX. 
Foi também no final do século XVII que as famílias passaram a se estruturar 
seguindo um novo modelo familiar: o modelo da família nuclear, composto por 
pai, mãe e filhos. Além disso, começou a haver uma especialização funcional do 
espaço privado: as casas do novo modelo familiar passaram a ser organizadas 
de modo a respeitar a individualidade dos pais e dos filhos. Houve, então, uma 
estruturação dos cômodos nas casas: a reorganização da casa e a reforma dos 
costumes deixaram um espaço maior para a intimidade, que foi preenchida por uma 
família reduzida aos pais e às crianças. Excluem-se, agora, os criados, os amigos 
e os clientes. Com o modelo familiar moderno, que se estruturou conjuntamente 
ao surgimento da escola moderna, novas relações foram estabelecidas entre os 
membros das famílias. 
As novas práticas familiares resultaram, é claro, em novas formas de se 
entender e tratar as crianças. Estas passaram a aprender as coisas não mais por sua 
convivência cotidiana junto aos adultos, mas na escola. Todas essas transformações 
possibilitaram que surgisse um novo sentimento familiar. O afeto dispensado às 
crianças passou a ser medido em função da importância que os pais e as mães 
davam à educação de seus filhos. 
História da infância
17Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
Não é nada difícil de imaginar o que resultou de todas essas transforma-
ções: o reconhecimento de que as crianças são diferentes dos adultos, ou seja, o 
mundo infantil foi considerado único. Deu-se, assim, a separação entre crianças 
e adultos.
Antes da Modernidade o modo de vida estava relacionado à sobrevivência 
dos sujeitos. Esse período foi chamado de Pré-Modernidade e era caracterizado 
pela ausência de problematização acerca dos conceitos de família, infância, 
crianças, entre outros.
A Modernidade é compreendida, por Max Weber, como um processo de 
racionalização da vida social no término do século XVII, período em que se 
iniciou a formação do sujeito consumidor. 
O período atual é chamado de Pós-Moderno e suas condições foram se 
estabelecendo, segundo Lemos (2002, p. 67) a partir da “segunda metade do 
século XX, com o advento da sociedade de consumo e do mass media [mídia de 
massa], associados à queda das grandes ideologias modernas e de ideias centrais 
como história, razão e progresso”.
Dessa forma, pode-se dizer que foi com o surgimento do período conhecido 
como Modernidade que as crianças passaram a ser separadas do imaginário 
adulto e a escola assumiu o papel preponderante de educá-las, em um processo de 
enclausuramento, de segregação.
Para Ariès (1981), a imagem infantil relacionada à inocência foi forjada por 
razões morais, religiosas e higiênicas: preservar a criança da sujeira da vida e 
especialmente da sexualidade tolerada entre os adultos; fortalecê-la, desenvolvendo 
o caráter e a razão. 
Nesse sentido, de acordo com Ariès (1981), a noção de fragilidade da criança 
foi possível por inúmeras condições; mas tal noção foi discursada e sistematizada 
(o que ajudou a consolidá-la) por Rousseau. A partir daí, no século XX, essa noção 
foi difundida por pedagogos, psicólogos e psiquiatras:
A família e a escola retiraram, juntas, a criança da sociedade dos adultos. A escola 
confinou uma infância outrora livre num regime disciplinar cada vez mais rigoroso, que, 
nos séculos XVIII e XIX, resultou no enclausuramento total do internato. A solitude da 
família, da igreja, dos moralistas e dos administradores privou a criança da liberdade 
que ela gozava entre os adultos. Infligiu-lhe o chicote, a prisão, em suma, as correções 
reservadas aos condenados das condições mais baixas. Mas esse rigor traduzia um 
sentimento muito diferente da antiga indiferença: um amor obsessivo que deveria 
dominar a sociedade a partir do século XVIII. (ARIÈS, 1981, p. 172)
A única função da família na Idade Média era assegurar a transmissão da 
vida, dos bens e dos nomes. Diferentemente disso, na Modernidade, a família 
passou a assumir uma função moral e espiritual responsável pela formação dos 
corpos e das almas: “O sentimento de família, o sentimento de classe e talvez em 
outra área, o sentimento de raça, surgem, portanto, como as manifestações de uma 
História da infância
18 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
mesma preocupação, a uniformidade” (ARIÈS, 1981, p. 252). Dois sentimentos de 
infância fizeram-se presentes: idade da corrupção versus idade da inocência. 
Narodowski (1993, p. 51), referindo-se à história da infância, diz que “o 
corpo infantil não adquire suas características definitivas a não ser a partir da 
escolarização”. Esse autor salientou, também, que a infância seria um processo 
histórico, apesar de tentarmos associar o histórico ao biológico e ao psicológico:
[...] durante muito tempo a escola permaneceu indiferente à repartição e à distinção das 
idades, pois seu objetivo essencial não era a educação da infância [...], ela acolhia da mes-
ma forma e indiferentemente as crianças, os jovens e os adultos, precoces ou atrasados, ao 
pé das cátedras magisteriais. (NARODOWSKI, 1993, p. 187)
A escola medieval que atendia meninos entre os seis e os vinte anos de 
idade, geralmente em um grande auditório e com um único mestre, começou a 
reconstruir-se ainda na Idade Média, também indiferente à idade dos alunos, mas 
atenta agora aos conteúdos transmitidos. 
Com tal preocupação, conectada a outras transformações sociais (inclusive, 
à invenção do conceito de infância), a disciplina de outrora existente na escola 
(disciplina humilhante, baseada em delação e castigos) passou a associar-se a uma 
disciplina relacionada à dignidade e à responsabilidade. Dessa forma, a disciplina 
passou a constituir a diferença essencial entre a escola da Idade Média e a escola 
da Idade Moderna.
De acordo com Revel (apud ARIÈS; DUBY, 1991), em meio às transformações 
que alicerçaram a Modernidade, passaram a se intensificar os discursos sobre as 
normas de civilidade, especialmente os chamados Tratados de Civilidade, entre 
os quais se destaca a obra de Erasmo, cujo título é Civilidade Pueril. Essa obra, 
publicada em 1530, foi um dos tratados mais importantes devido à descrição de 
condutas prescritivas com finalidade pedagógica: a intenção era a de ensinar boas 
maneiras relacionadas à postura e a comportamentos sociais desejáveis: gestos, 
atitudes, moralidade. As boas maneiras propostas pelo autor foram reeditadas 
durante quase um século. 
Surgiu, assim, o que se chama hoje de aprisionamento do corpo, não 
somente do adulto, mas essencialmente da criança. Para os discursos relativos 
às normas de civilidade, a criança ainda não estava pervertida pela vida social. 
Entendida como símbolo da inocência, da simplicidade, ela deveria desde pequena 
ser disciplinada: interiorizar códigos, regras e normas sociais válidas para todos. 
Todos esses valores deveriam ser transmitidos pela escola.
Este texto apenas apresentou uma breve e genérica “pincelada” sobre 
a história da infância, que se confunde e se mescla com a história da família 
nuclear e da escola moderna. De lá para cá, certamente muitos outros episódios 
aconteceram, de modo isolado e descontínuo, que foram colocando as condições 
para as infâncias de hoje. 
História da infância
19Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
1. Com base nas ideias de Ariès sobre a história da infância, liste três características que descrevam 
as crianças da Idade Média. 
2. Pense nas características da sociedade medieval, referidas neste texto, e responda: de todas elas, 
qual mais te surpreende? Por quê? 
3. Estabeleçaa relação entre os Tratados de Civilidade e a invenção da infância moderna. 
História da infância
20 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
4. Em grupos, discutam o que a Modernidade significou em termos de transformações nos 
modos de entender e tratar as crianças. Depois, façam breves registros do que foi discutido, em 
forma de frases curtas. 
Visite os álbuns de família: neles, você poderá encontrar fotografias de seus bisavós, avós, pai, 
mãe e tios. Repare nas roupas, nos brinquedos e na aparência deles. Em seguida, compare-as com 
as suas fotografias, de seus irmãos, primos, filhos, sobrinhos. Por último, passe os olhos nas revistas 
atuais, nos encartes de lojas especializadas em roupas de crianças e jovens. O que mudou? Pense 
sobre isso. 
História da infância
21Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
História da infância
22 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
Referências
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges (Orgs.). História da Vida Privada. São Paulo: Cia. das Letras, 
1991. v. 1, 2 e 3.
BARRETO, Ângela. A educação infantil no contexto das políticas públicas. Revista Brasileira de 
Educação, n. 24, set./dez, 2003, p. 53-65. 
BARROS, Célia. Pontos de Psicologia do Desenvolvimento. São Paulo: Ática, 1995.
BOCK, Ana Maria. Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. São Paulo: Saraiva, 1997.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial 
Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v. 1 e 2.
. Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 2000 (Coleção Saraiva de Legis-
lação).
BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Infância e Maquinarias. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
CARVALHO, Vânia. Desenvolvimento Humano e Psicologia: generalidades, conceitos, teorias. 
Belo Horizonte: UFMG, 1996.
COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Escola Básica na Virada do Século: cultura, política e educação. 
São Paulo: Cortez, 2000.
COSTA, Marisa Vorraber. Novos Olhares na Pesquisa em Educação. In: COSTA, Marisa Vorraber. (Org.) 
Caminhos Investigativos: novos olhares na pesquisa em educação. Porto Alegre: Mediação, 1996.
. Estudos Culturais em Educação. Mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cine-
ma... Porto Alegre: UFRGS, 2000.
. Quem São? Que Querem? Que Fazer com Eles? Eis que Chegam às Nossas Escolas as Crianças 
e Jovens do Século XXI. In: ALVES, Maria Palmira; LEITE, Regina; MOREIRA, Antonio Flávio 
(Orgs.). Currículo, Cotidiano e Tecnologias. Araraquara: Junqueira/Marin, 2006.
COSTA, Márcia Rosa da. Eu Também Quero Falar: um estudo sobre infância, violência e educação. 
Porto Alegre, 2000. Dissertação (Mestrado em Educação). Setor de Ciências Humanas, UFRGS.
ELIAS. Norbert. O Processo Civilizador: formação do estado e civilização. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar, 1993.
. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
ENDERLE, Carmem. Psicologia do Desenvolvimento: o processo evolutivo da criança. Porto Alegre: 
Artmed, 1987.
ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Estudos Culturais: uma introdução. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. 
(Org.). O que É, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 
71Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
Pesquisa: o Aluno da Educação Infantil e dos Anos Iniciais
FERREIRA, Idalina; CALDAS, Sarah. Atividades na Pré-escola. São Paulo: Saraiva, 2002.
FEYERABEND, Paul. Contra o Método. Rio de Janeiro: F. Alves, 1977.
FOUCAULT, Michel. A Governamentalidade. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio 
de Janeiro: Graal, 1992. 
. Conferência V. In: FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas. Rio de Janeiro: 
Nau, 1996.
GRÜN, Mauro; COSTA, Marisa Vorraber. A Aventura de Retomar a Conversação: hermenêutica e 
pesquisa social. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Caminhos Investigativos: novos olhares na 
pesquisa em educação. Porto Alegre: Mediação, 1996.
HALL, Stuart. A Centralidade da Cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Educação & 
Realidade, Porto Alegre, v. 4, n. 1, p. 15-46, jul./dez. 1997.
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
JOHNSON, Richard. O que é, afinal, Estudos Culturais. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.). O que 
É, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 
LARROSA, Jorge. O Enigma da Infância. In: LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, pirue-
tas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
LEITE, Regina (Orgs.). Currículo, Cotidiano e Tecnologias. Araraquara: Junqueira e Marin, 2006.
LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: 
Sulina, 2002.
NARODOWSKI, Mariano. Infância e Poder: a conformação da pedagogia moderna. São Paulo: 
Unicamp/PPGEDU, 1993. 
. Después de Clase: desencantos y desafíos de la escuela actual. Buenos Aires: Novedades 
Educativas, 1999.
NARODOWSKI, Mariano. Infância e Poder: conformação da pedagogia moderna. Bragança Paulista: 
Universidade de São Francisco, 2001.
NELSON, Cary; TREICHLER, Paula; GROSSBERG, Lawrence. Estudos culturais: uma introdução. 
In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.). Alienígenas na Sala de Aula. Uma introdução aos estudos 
culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995. 
POSTMAN, Neil. O Desaparecimento da Infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999. 
RUA, Maria das Graças. Jovens Acontecendo na Trilha das Políticas Públicas. Brasília: CNPD, 
1998. v. 2.
RUSHKOFF, Douglas. Um Jogo Chamado Futuro: como a cultura dos garotos pode nos ensinar a 
sobreviver na era do caos. Rio de Janeiro: Revan, 1999. 
SARMENTO, Manuel Jacinto. Gerações e Alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. 
Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, p. 361-378, maio/ago. 2005.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez, 2000. 
72 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
Referências
SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O que É, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 
1999a.
SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. 
Belo Horizonte: Autêntica, 1999b.
SIROTA, Régine. Emergência de uma sociologia da infância: evolução do objeto e do olhar. Cadernos 
de Pesquisa, São Paulo, n. 112, p. 7-31, mar. 2001. 
SOUZA, Solange Jobim e. Re-significando a Psicologia do Desenvolvimento: uma contribuição crítica 
à pesquisa da infância. In: KRAMER, Sônia; LEITE, Maria Isabel (Orgs.). Infância: fios e desafios 
da pesquisa. Campinas: Papirus, 1997. 
SPOSITO, Marília; CARRANO, Paulo César. Juventude e Políticas Públicas no Brasil. Revista 
Brasileira de Educação, Campinas, n. 24, p. 16-39, set./dez. 2003. 
VARELA, Julia. Categorias Espaço-temporais e Socialização Escolar: do individualismo ao narci-
sismo. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Escola Básica na Virada do Século: cultura, política e 
educação. São Paulo: Cortez, 2000. 
VARELA, Julia; ÁLVAREZ-URÍA, Fernando. A Maquinaria Escolar. Teoria & Educação, Porto 
Alegre, n. 6, p. 68-96. 1992.
VEIGA-NETO, Alfredo. Coisas do Governo... In: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luiz B. Lacerda 
(Org.). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A, 
2002.
. Michel Foucault e os Estudos Culturais. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Estudos 
Culturais em Educação. Mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema... Porto Alegre:UFRGS, 2000. 
. Cultura, culturas e educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 23, p. 119-
135, maio/jun./ago. 2003.
WALKERDINE, Valerie. Uma análise foucaultiana da pedagogia construtivista. In: SILVA, Tomaz 
Tadeu da. Liberdades Reguladas: a pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu. 
Petrópolis: Vozes, 1998. 
WARDE, Mirian Jorge. Para uma História Disciplinar: Psicologia, criança e pedagogia. In: FREITAS, 
Marcos Cezar de. (Org.). História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1999.
73Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
Karyne Dias Coutinho
D outoranda e mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFR-GS). Graduada em Pedagogia pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Professora da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
A infância hoje
A infância é algo que nossos saberes, nossas práticas e 
nossas instituições capturaram: algo que podemos explicar e nomear. 
 [...] ao mesmo tempo, a infância é um outro: aquilo que, sempre 
além de qualquer tentativa de captura, inquieta a segurança de nossos saberes, 
questiona o poder de nossas práticas e abre um vazio em que se abisma o edifício 
bem construído de nossas instituições de acolhimento.
Larrosa
A fabricação da infância insere-se nas tramas que os sujeitos criam e que nelas mutuamente se envolvem, ou seja, ela está associada a um amplo conjunto de alterações dos modos como os sujeitos, ao longo dos tempos, percebem e organizam seus corpos e sua existência. 
A caracterização das chamadas fases da vida – primeira infância, segunda infância, meninice, 
puberdade, adolescência, adultez, meia idade, terceira idade, idade senil – está inserida numa lógica 
disciplinar que divide o tempo de vida dos seres humanos em etapas especificadas, buscando dife-
renciá-las (quanto mais, melhor), para que cada uma delas tenha suas próprias particularidades e seu 
lugar devidamente demarcado. Mais do que isso, ao definir as idades de cada uma das etapas, também 
são definidas as próprias pessoas (de acordo com a fase da vida em que se encontram), acarretando em 
uma caracterização do que se considera como comportamento normal em determinada idade.
As crianças foram e continuam sendo submetidas a determinadas caracterizações, com a finali-
dade de garantir a delimitação da infância e, assim sendo, também garantir a delimitação das demais 
fases da vida. Delimitação que, antes da constituição dos chamados tempos e espaços modernos, 
praticamente não existia se levarmos em consideração as formas pelas quais os sujeitos de diferentes 
idades se relacionavam e organizavam o cotidiano de suas vidas.
Em seu estudo sobre a história social da criança e da família, Ariès (1981) aponta que, antes 
do século XVII, o período da infância era reduzido e a passagem de criança (basicamente os recém-
nascidos) a adulto jovem era operada de forma imediata, ou seja, não existiam outras fases pelas quais os 
seres passavam até atingirem a adultez. Os cuidados e afetos hoje dispensados às crianças (enquanto algo 
sublime e naturalmente aceito, se não por todas, pelo menos pela grande maioria das pessoas) não eram 
nem valorizados, muito menos necessários ao equilíbrio das relações familiares e em sociedade. Com 
a emergência das sociedades industriais e a invenção das chamadas fases da vida, há uma significativa 
separação entre crianças e adultos, o que resulta em novas práticas e sentimentos familiares, culminando 
no enclausuramento das crianças, processo que Ariès chama de escolarização. 
Utilizando-se do referencial foucaultiano, Bujes (2002) salienta que as transformações nos 
modos de ver e de tratar as crianças foram produzidas no interior de relações de poder típicas dos 
tempos e espaços modernos. A autora nos mostra que a alteração dos mecanismos de poder (que 
deixam de se exercer pela ameaça da morte e passam a exaltar a vida), associada ao funcionamento 
do biopoder e do poder disciplinar, colocam as “condições para que adulto e criança se diferenciem e 
se distanciem, numa operação que constitui a justificativa para a intervenção familiar e para a prática 
23Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
da educação institucionalizada” (BUJES, 2002, p. 35). Nesse contexto, há um 
intenso investimento sobre a vida das crianças, que se tornam alvo de uma série 
de estudos que intentam conhecê-las em detalhes, observando e descrevendo 
seus comportamentos com a finalidade de descobrir sua natureza.
É por esse viés que, imersa num emaranhado de invenções modernas, a 
criança tornou-se, cada vez mais, foco de estudo da Ciência. Tomando a infância 
como objeto de análise, os saberes científicos “dizem” as verdades sobre ela e 
estabelecem determinados tipos de cuidado e de educação que correspondam a 
esses discursos tidos como verdadeiros. Foi também nas práticas educacionais e 
nas relações que começaram a estabelecer-se cotidianamente com as crianças que 
novos saberes e novas verdades foram sendo produzidas. Tratava-se, sobretudo, 
de um duplo processo que consistia, por um lado, em extrair das crianças saberes 
constituídos por elas em suas recentes experiências infantis, readaptando esses 
saberes a novas normas e, por outro lado, em observar, classificar, comparar as 
crianças, registrando e analisando seus comportamentos. Portanto, um processo 
que permite, ao mesmo tempo, um saber da criança e um saber sobre a criança. 
Foi assim que “a pedagogia se formou a partir das próprias adaptações da criança 
às tarefas escolares, adaptações observadas e extraídas do seu comportamento 
para tornarem-se, em seguida, leis de funcionamento das instituições e forma de 
poder exercido sobre a criança” (FOUCAULT, 1996, p. 122).
Os sujeitos infantis que eram submetidos ao olhar científico passam a ter 
suas características, seus comportamentos e sua conduta esmiuçados, o que torna 
possível sua maior diferenciação. O caráter deficitário que é atribuído às crianças 
relativamente aos adultos faz com que elas sejam ainda mais envolvidas em 
minuciosos estudos e pesquisas, que permitem o estabelecimento de hierarquias, 
estágios, etapas pelas quais as crianças têm necessariamente que passar para que 
se “encaixem” em formas desejáveis de desenvolvimento infantil. Como resultado, 
dá-se a produção de vários discursos, de diferentes campos do conhecimento, que 
contribuem para a formação da ideia de um sujeito infantil idealizado e, mais do 
que isso, de um sujeito infantil naturalizado.
Os estudos da criança
Os estudos da criança emergiram e se intensificaram em meio às transfor-
mações sociais, políticas e econômicas que estiveram envolvidas na constituição 
dos tempos e espaços modernos. 
Em sua análise sobre a maquinaria escolar, Varela e Álvarez-Uría (1992) 
atentam para o fato de que, mesmo antes de a infância ser delimitada como uma 
etapa cronologicamente precisa, foram atribuídas a essa parte da vida algumas 
características, que se constituíram em condições de possibilidade para o moderno 
sentimento de infância. Tais características foram definidas por católicos (Erasmo, 
Vives, Rabelais) e protestantes (Lutero, Calvino) que, apesar de divergirem quanto 
aos estágios da infância e quanto ao momento certo de ensino das letras aos 
pequenos, concordavam com a necessidade de que a aprendizagem da fé e dos 
bons costumes deveria iniciar desde muito cedo.
A infância hoje
24 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
Em geral, as características que vão conferir a essa etapa especial da vida são: maleabili-
dade, de onde se deriva sua capacidade para ser modelada;fragilidade (mais tarde imatu-
ridade) que justifica sua tutela; rudeza, sendo então necessária sua “civilização”; fraqueza 
de juízo, que exige desenvolver a razão, qualidade da alma que distingue o homem dos 
animais [...]. (VARELA; ÁLVAREZ-URÍA, 1992, p. 71)
Apoiando-se nessas características e ao mesmo tempo fortalecendo-as, 
intensifica-se uma ação educativa institucional em colégios, albergues, casas de 
doutrina: espaços onde se iniciam as graduações por idade. Conectado a isso, 
tem-se a ação educativa da recém-estreada família cristã, para quem se dirigiram 
tratados que assinalam os papéis do homem e da mulher em relação aos seus 
filhos, de onde advêm as ideias de amor natural entre pais e filhos e de verdadeira 
mãe, agora reclusa ao lar. Uma terceira forma de ação educativa uniu-se às ações 
institucionais e familiares: as práticas de recristianização, de vigilância multiforme 
dos jovens no que se refere à sua direção espiritual, à linguagem que devem usar, 
ao que podem ou não ler, fazer, vestir.
Desse modo, chega-se ao século XVIII, com uma infância inocente [...] E se Rousseau 
pode redefinir a infância como idade “psicológica”, com etapas às quais correspondem 
necessidades e interesses, e em consequências suscetíveis de uma educação diferenciada, 
deve-se, sem dúvida, a todas essas orientações e direções sofridas anteriormente pelos 
jovens. (VARELA; ÁLVAREZ-URÍA, 1992, p. 74)
Portanto, ainda que as condições para o estudo da criança remontem a épocas 
anteriores, pode-se dizer que desde alguns pensadores do final do século XVIII, 
como Rousseau, Kant e outros, tem-se constituído um extenso acervo de estudos 
sobre o comportamento infantil. Ao destacar a obra Um Esboço Biográfico de um 
Infante, de Charles Darwin, como pioneira desse movimento, Walkerdine (1998, 
p. 167) salienta:
Formaram-se Sociedades de Estudo da Criança e a prática de observar crianças se tornou 
bastante generalizada. Os corpos das crianças eram pesados e medidos. Estudavam-se os 
efeitos da fadiga, bem como seus interesses; imaginações; ideias religiosas; atitudes em 
relação às condições atmosféricas, aos adultos; desenhos; bonecas; mentiras; ideias e seus 
estágios de crescimento. [...] [Esses discursos] eram extraídos da Biologia, da Topografia 
e do senso comum da vida cotidiana.
Para Narodowski (2001), é com Rousseau que a infância surge delineada em 
seus aspectos mais puros e claros. Em Émile, a criança é nomeada como um não 
adulto, ser carente de razão e de juízo; ser ingênuo e inconsciente; portanto, ser 
dependente, que necessita ser conduzido, amado, protegido pelos já completos: os 
adultos. “Com base nessa dependência, surge um incontrolável desejo epistemoló-
gico: vontade de saber a respeito das zonas inexpugnáveis do corpo infantil. Como 
não conhecer o que vai se proteger?” (NARODOWSKI, 2001, p. 37). Descrevendo 
a criança como um ser sobre o qual é preciso exercer uma ação educativa adulta 
que considere as condições naturais da própria infância, Rousseau a nomeia de 
duas formas distintas, mas complementares: a criança é apresentada ao mesmo 
tempo como um ser inacabado e como um ser naturalmente capaz de aprender. 
As crianças de hoje podem continuar sendo representadas e entendidas tal como 
Rousseau as descreveu? Será que a sociedade continua a produzir o mesmo tipo de 
sujeito infantil, dependente e obediente, ingênuo e imaturo como antes? Será que 
os profissionais da educação sabem quem são as crianças e os jovens que vão para 
A infância hoje
25Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
a escola atualmente, ou seguem reproduzindo essa ideia de Rousseau ao trabalhar 
com os alunos? A escola do século XXI está preparada para receber os estudantes 
do século XXI? 
Infâncias atuais
Vimos que a infância foi configurada em meio a intensas transformações 
sociais e que conectado a isso também foram configurados os modelos pedagógicos 
para a educação formal das crianças. Considerando todas as intensas e rápidas 
transformações tecnológicas, políticas, econômicas e culturais das sociedades 
ocidentais contemporâneas, como as crianças passam a ser representadas, 
entendidas e tratadas? Que modelos educativos estarão sendo pensados para as 
infâncias atuais? 
Nosso mundo contemporâneo tem sido edificado sob uma crescente valorização 
da autonomia individual. Não é à toa que os objetivos educacionais considerados 
imprescindíveis à formação infantil sejam a atuação da criança de forma cada vez 
mais independente e o oferecimento de atividades e situações que favoreçam e 
permitam o desenvolvimento da autoconfiança, da imagem positiva de si mesmo, do 
autogoverno, da capacidade de realização de escolhas e do exercício da autonomia 
(BRASIL, 1998). Tais objetivos se caracterizam por entender a criança como um ser 
naturalmente dependente que, ao passar pelo processo da educação, pode (ou deve) 
ir conquistando certa independência e autonomia na realização de suas próprias 
tarefas e de suas próprias ideias. No entanto, uma das preocupações constantes da 
maioria dos discursos pedagógicos em circulação tem sido a de formar crianças que 
sejam capazes de, progressivamente, ir aprendendo a solucionar os mais diversos 
problemas que possam surgir em sua vida cotidiana.
No entrecruzamento de objetivos de tal natureza com alguns importantes 
acontecimentos tecnológicos desenvolvidos no e pelo mundo contemporâneo (e 
colocados em funcionamento de forma muito intensa na vida de praticamente 
todas as pessoas), os referidos objetivos acabam por se tornar não apenas uma 
pretensão para a formação infantil como, mais do que isso, acabam tornando-se 
efetivamente uma realização da infância. Essa infância que dependente do adulto 
parece estar desaparecendo para dar lugar a uma infância autônoma, crítica e com 
vontade própria.
É nesse sentido que alguns autores falam no fim da infância moderna. 
Mariano Narodowski (1999), por exemplo, diz que estamos nos despedindo dos 
sentidos modernos de infância e que esses sentidos estão sendo reconduzidos a 
dois polos, que o autor chama de infância hiperrealizada e infância desrealizada. 
A infância hiperrealizada é aquela infância que é realizada exatamente na 
interação com todas as possibilidades tecnológicas que o mundo contemporâneo 
oferece. É por isso que a infância, ao contrário da concepção moderna, não espera 
e não se prepara para viver um mundo que seria legitimamente de adultos. Trata-
se, agora, de uma “infância imediata”, ou seja, trata-se de crianças que vivem 
sua infância em contato com um mundo altamente digital e que “compreendem 
A infância hoje
26 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
mais sensivelmente do que seus pais os novos artefatos tecnológicos. [...] Crianças 
que não precisam ler o manual para aprender: interagem digitalmente com 
desenvoltura e surpreendem os adultos, descobrindo aquilo que para estes estava 
vedado” (NARODOWSKI, 1999, p. 48). Num outro polo, estaria aquilo que o 
autor chama de infância desrealizada: “trata-se da infância excluída fisicamente 
destas relações de saber, mas também excluída institucionalmente: assim como a 
invenção da imprensa produziu o analfabetismo, a internet está também criando 
uma nova geração de analfabetos virtuais” (NARODOWSKI, 1999, p. 52). É nas 
ruas e no mundo off-line que certas crianças vão, na contemporaneidade, (des)
realizando sua infância.
Na mesma direção, Neil Postman (1999) diz que a infância, tal como a enten-
díamos, está desaparecendo, exatamente porque as crianças passaram novamente 
a ter acesso a todo tipo de informações que antes eram exclusivas dos adultos.
Todas essas mudanças culturais, possibilitadas em especial pela combinação 
entre tecnologia e consumo, fazem emergir novas crianças no cenário social.Crianças que usam piercing, que fazem tatuagens, que estão muito mais habilitadas 
para manusear a aparelhagem tecnológica do que os adultos, que prestam atenção 
em várias coisas ao mesmo tempo. 
Crianças do self-service, do shopping center, do mundo fashion, crianças do 
consumo, em seu sentido mais amplo: consumo de bens, mercadorias, produtos 
e marcas, mas também consumo de afetos, ideias, imagens, slogans, estilos de 
vestir, de falar, de se comportar: estilos de ser. E não se trata apenas das crianças 
de condições socioeconômicas favorecidas, afinal, o mercado oferece inúmeras 
possibilidades para o consumo: as réplicas de Barbies, da Nike, enfim, imitações 
quase perfeitas de produtos e marcas altamente desejados, que estão acessíveis à 
população pobre. A intensificação do mercado informal chama a atenção para a 
expansão de um contingente de cidadãos de “segunda classe” – crianças, jovens e adultos 
pobres, trabalhadores eventuais, subempregados, desempregados, não empregáveis – que, 
segundo a lógica do capitalismo tardio, não podem ficar de fora do circuito do consumo. 
Mesmo que não estejam habilitados a adquirir mercadorias de primeira linha, inventam-se 
categorias a elas adaptadas – réplicas, versões baratas de objetos de consumo desejados, 
que circulam amplamente no fluxo contínuo dos mercados globais espetacularizados. 
(COSTA, 2006, p. 101)
Portanto, crianças consumidoras, independente de sua situação socioeconô-
mica. Crianças da rua, do sinal, das flanelas, que moram nos viadutos, nas pontes. 
Crianças que se transformam em estátuas humanas, vestidas e pintadas de bran-
co, coordenando seus movimentos ao barulho das moedas. Crianças malabaristas 
em frente aos carros, que pedem esmolas, que vendem flores, panos de prato e 
quinquilharias pelas ruas da cidade, durante o dia e durante a noite: as acrobacias 
daquelas crianças que inventam suas próprias formas de sobrevivência. Sem falar, 
é claro, no apelo midiático à erotização precoce. 
Crianças da telefonia celular, da cultura cibernética, do dinheiro digital, da 
MTV (com estilo descontínuo de programação). Crianças do modem, da internet, 
da TV a cabo, de lan houses. Crianças dos Power Rangers, dos X-Men, dos skates, 
do surf, do hip-hop, das raves, do grafite. Crianças dos sistemas dinâmicos, 
A infância hoje
27Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
caracterizados como tão complexos a ponto de não serem previsíveis por métodos 
lineares. Crianças dos fliperamas, dos jogos eletrônicos. 
 Essa nova infância pode parecer assustadora para os adultos. Com relação 
aos jogos eletrônicos, por exemplo, de forma geral a ideia é a de que é preciso 
afastar as crianças da frente da tela, não deixá-las muito tempo expostas aos con-
teúdos dos jogos, enfim, evitar que as crianças passem muito tempo envolvidas 
com essa atividade, pois pode ser prejudicial à sua formação.
Tais ideias estão associadas a um sentimento de inadaptação dos próprios 
adultos frente à imagem de um mundo virtual que não pode ser materialmente 
controlado. A maioria dos jogos eletrônicos atuais caracteriza-se por exibirem 
histórias geralmente não lineares e por apresentarem uma visão “confusa” e 
“descontrolada” de mundo. Os jogos eletrônicos são complicados, aos olhos 
adultos, exatamente porque apresentam uma mistura desordenada de diferentes 
elementos visuais e sonoros; muitas vezes, são barulhentos e com uma sequência 
desorganizada de situações, o que sugere certo tumulto exposto na tela da televisão. 
As crianças veem-se envolvidas em histórias colocadas pelos jogos que, aos adultos, 
apresentam uma total ou parcial falta de clareza: na maioria das situações, elas 
têm que enfrentar nos jogos obstáculos que são “arriscados”, obscuros, imprecisos 
e descontínuos. Os estágios e os níveis (muitas vezes irregulares) que as crianças 
têm que superar para passarem à fase seguinte dos jogos são, geralmente, imersos 
num contexto caótico; pois são de conteúdo turbulento, com símbolos sobrepostos 
e desencadeados que aparecem aleatoriamente na tela da TV. 
Por tudo isso, não é de admirar que os adultos se esforcem para impor certos 
limites a essa atividade infantil: eles não entendem a lógica dos jogos eletrônicos 
atuais. Para os adultos, que tentam, de todas as formas, ordenar a maioria das situ-
ações do mundo no qual vivem, que almejam a ordem acima de tudo, o conteúdo 
proposto pelos jogos gera uma enorme sensação de desconforto. Os jogos eletrôni-
cos atuais estão muito mais inseridos numa lógica de caos do que numa lógica de 
ordem. Uma lógica de caos com a qual os adultos não estão acostumados a lidar. 
No entanto, é importante referir que essa atividade é confusa e contraditó-
ria aos olhos adultos. As crianças (que de forma geral têm tal atividade como a 
preferida delas), na maioria das vezes sabem bem o que e como fazer para vencer 
os obstáculos, – para elas, nem tão difíceis – para enfrentar assituações que se 
apresentam, para superar os níveis e passar às fases posteriores. Enfim, as crian-
ças sabem como “navegar” pelo ondulatório conteúdo dos jogos.
Rushkoff (1999), em seu livro Um Jogo Chamado Futuro, faz um interessante 
estudo acerca do surgimento e desenvolvimento dos videogames, relacionando-os 
a acontecimentos tecnológicos desenvolvidos no mundo contemporâneo. 
O avanço dos videogames ao longo das três últimas décadas se baseou no surgimento de 
novas tecnologias. Foi menos um desenvolvimento artístico conscientemente dirigido do que 
uma corrida para utilizar os novos chips, técnicas de criação de imagens e placas gráficas. 
Toda vez que surgia uma nova tecnologia, os criadores redefiniam a essência de seus jogos 
em função do novo hardware. [...] O estilo e conteúdo dos jogos se baseia nas qualidades 
específicas das novas máquinas à medida que são criadas. Dessa forma, a própria tecnologia 
impõe a direção da evolução do videogame. (RUSHKOFF, 1999, p. 167-168)
A infância hoje
28 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
mais informações www.iesde.com.br
O autor – ao traçar a evolução tecnológica dos jogos de duelo (Pong, Street 
Fighter, Mortal Kombat), dos jogos de busca ou de estratégia (Adventure, Zelda, 
Déjà Vu), e dos jogos do tipo apocalipse (Asteróides, Space Invaders, Ms Pacman, 
Mario, Super Mario, Mega Man, Doom) – salienta que os primeiros jogos que 
apareceram (independente do tipo) eram produzidos com processadores de formas 
muito simples, que permitiam apenas uma imagem bidimensional que pouco 
se movia. A partir do momento em que as máquinas de videogames ganharam 
capacidades gráficas reais, os personagens passaram a ser representados não mais 
por linhas simples, mas por figuras de desenho ou por fotografias digitalizadas que 
se moviam muito mais rapidamente. Em seu último estágio, os jogos apresentam 
figuras poligonais tridimensionais, permitindo que o campo de jogo seja circular e 
que os jogadores se movimentem livremente. “Os jogos evoluem de pontos de vista 
objetificados até os cada vez mais participativos. Passam de histórias contadas ou 
observadas a histórias vividas. O mundo é gerado pelos comandos à medida que 
andamos por ele. Em alguns jogos, pode-se ver o cenário sendo renderizado1 à 
medida que se aproxima” (RUSHKOFF, 1999, p. 173). Os jogos eletrônicos em 
seu último estágio, por toda a tecnologia com que são produzidos, permitem 
que o jogador esteja completamente dentro do ponto de vista do personagem 
e se caracterizam por colocarem histórias e cenários em que o mundo está em 
completa desordem. 
A relação dos jogos eletrônicos em seu último estágio com uma completa 
desordem do mundo não é muito difícil de ser feita. Os jogos atuais inserem-se 
num contexto tecnológico contemporâneo caracterizado exatamente pela escassez 
de regulamentos normativos: regulamentos

Outros materiais