Buscar

O Nepotismo no Brasil e alguns conceitos de Max Weber

Prévia do material em texto

Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – 
Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 
 
 
 
O Nepotismo no Brasil e alguns conceitos de Max Weber 
Ariella Silva Araujo* 
 
 
Resumo: O presente artigo tem como objetivo explorar, de forma muito breve, a problemática 
do nepotismo e sua prática, enfocando os cargos de livre nomeação. Escolheu-se esse tema 
porque, em 2007, a sociedade brasileira assistiu a inúmeros debates acerca da legalidade e da 
legitimidade das nomeações de parentes para cargos de confiança no Poder Judiciário. Procu-
rou-se também relacionar esta questão com temáticas weberianas, como a burocratização e a 
racionalização. 
Palavras-chave: Max Weber, Nepotismo, Burocratização, Racionalização, Meritocracia. 
Abstract: This article aims to explore, very briefly, the issue of nepotism and its practice, fo-
cusing on the roles of free entitlement. This issue was chosen because, in 2007, Brazilian soci-
ety watched several discussions about legality and legitimacy of entitlement of relatives to 
trust positions in the Judiciary. We also try to relate this issue to weberian topics such as bu-
reaucratization and racionalization. 
Key words: Max Weber, Nepotism, Bureaucratization, Racionalization, Meritocracy. 
. 
 
 
* Graduanda em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) campus Araraquara 
Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – 
Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 
 102 
Introdução 
Diante do contexto de globalização e do 
avanço cada vez mais desenfreado do Ca-
pitalismo, o conceito de racionalização e 
burocratização de Weber constitui-se como 
processo-chave para a compreensão da 
estrutura e do destino da sociedade moder-
na. (KRAMER, 2000). 
A partir dessa idéia, podemos perceber o 
quanto é vigente o pensamento de Max 
Weber, principalmente quando o relacio-
namos com questões contemporâneas. 
Com este intuito, empreenderemos, para 
este trabalho, um exercício, que se concen-
trará no conceito weberiano de “burocraci-
a” e sua relação com o nepotismo, prática 
corrente na administração pública brasilei-
ra. 
Em primeiro lugar, faremos uma breve 
definição do termo burocracia, tantas vezes 
utilizado na linguagem corrente, o que a-
caba por expressar o oposto do definido 
por Weber e pelos juristas alemães de sua 
época. Em seguida faremos uma breve 
elaboração do que seja nepotismo, prática 
histórica que teve sua importância e signi-
ficado alterado ao longo do tempo. 
A relação possível entre os dois conceitos é 
de fácil percepção: o processo de burocra-
tização engendra uma crescente racionali-
zação dos órgãos públicos e privados, vi-
sando à eficiência – marcada pela impes-
soalidade e pela cultura meritocrática – e, 
no caso das empresas, visando também ao 
lucro. Destarte, a prática do nepotismo, 
sendo uma indicação de parentes ou co-
nhecidos, freqüentemente por favoreci-
mento, abalando o critério meritocrático e 
põe em risco um dos princípios fundamen-
tais da burocracia, sua eficiência. Além 
disso, muitas vezes o nepotismo abre espa-
ço a suspeitas de corrupção, ferindo o prin-
cípio da impessoalidade e da distinção en-
tre o público e o privado, outras duas mar-
cas essenciais da administração burocráti-
ca. 
Em vista disso, faz-se necessário discorrer 
sobre esses conceitos de Weber e procurar 
conferir atualidade a essas temáticas. Des-
sa maneira, vamos explorar a burocratiza-
ção do Estado e o caso do nepotismo em 
funções públicas, mais especificamente nos 
cargos de livre nomeação, pontuando al-
guns casos da realidade brasileira recente, 
pelos quais a discussão a respeito do nepo-
tismo na administração pública veio à tona, 
seja abordando o aspecto da moralidade, 
seja abordando a questão da eficiência. 
1 A racionalização e burocratização em 
Weber 
O conceito de racionalização, para Weber, 
em linhas gerais, diz respeito à crescente 
submissão das mais diversas esferas da 
vida pública e privada, inclusive, das rela-
ções sociais, a dominação racional. Estas 
esferas passariam a ser regidas por critérios 
como: calculabilidade, impessoalidade, 
estabilidade, uniformidade, que são carac-
terísticas típicas do formalismo burocrático 
sob o regime de dominação que ele tipifi-
cou como racional-legal. (WEBER, 1999) 
Foi extremamente importante para o de-
senvolvimento do capitalismo esse proces-
so de racionalização, porque pressupôs 
maior eficiência e maior lucratividade. 
Quanto mais avançado o Capitalismo, 
mais avança a racionalização da vida, e 
mais avança a burocracia. 
1.1 A gênese da racionalização 
Weber identifica a gênese da racionaliza-
ção ocidental nas religiões mundiais e de-
dica um estudo sério a essa temática. 
Em A Ética protestante e o espírito do 
Capitalismo, emerge essa questão e aflora 
a figura do puritano, calvinista, como pre-
cursor do racionalismo. Este, por possuir 
um estilo de vida metódico, racional, voca-
cional — marca do ascetismo protestante 
— propiciou experiências ao Ocidente não 
intencionais. Na medida em que o empre-
endedor puritano atingia um progresso 
material, que tinha por finalidade buscar 
em seu trabalho uma predestinação à bem-
Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – 
Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 
 103 
aventurança eterna, acabou por se distanci-
ar das motivações religiosas originais no 
momento em que “desmagificava” ou “de-
sencantava a vida”, com base nas conquis-
tas da ciência e da técnica. (KRAMER, 
2000) 
Para Weber, a expressão máxima desse 
processo desencadeado pelo ascetismo que 
escapara do convento para aprisionar o 
mundo na prisão de ferro do utilitarismo 
foi a burocratização da sociedade moderna. 
‘O desenvolvimento de uma administração 
governamental e de um sistema legal ra-
cionalizados foi, juntamente como cresci-
mento da empresa econômica capitalista, o 
foco maior da burocratização. (KRAMER, 
2000, p.171) 
1.2 A burocratização 
A burocracia — expressão formal do do-
mínio racional, própria do Estado e da em-
presa modernos — nas formulações dos 
tipos puros de dominação de Weber, domi-
nação carismática, tradicional e racional-
legal, é um tipo ideal de organização ad-
ministrativa da dominação legal. 
Mas antes de adentrarmos rigorosamente 
nesse conceito, é preciso pontuar esses 
tipos puros de dominação descritos por 
Weber em sua obra Economia e Sociedade. 
Weber entende Dominação como uma 
forma de poder, que não se baseia na força, 
mas sim na legitimidade que possui o indi-
víduo ou grupo dominante para exigir e 
obter obediência dos dominados. (WE-
BER, 1999) 
A partir desse conceito de “dominação”, 
Weber define (já mencionados) a existên-
cia de três tipos legítimos de dominação: a 
carismática, em que a legitimidade se 
funda no carisma do líder e nas qualidades 
excepcionais que lhe são atribuídas, e em 
que a administração se compõe de pessoas 
indicadas por ele mesmo, de sua confiança; 
a dominação tradicional, em que a influ-
ência e obediência dos dominados se ba-
seiam no princípio da tradição, e em que o 
aparelho administrativo pode apresentar 
fortes traços patrimoniais ou feudais; a 
dominação racional-legal, que tem como 
forma administrativa um aparelho burocrá-
tico, hierarquizado e baseado em normas 
jurídicas bem definidas. 
Mas antes de tudo, é preciso dizer que a 
definição do termo burocracia difere muito 
do uso popular que se faz dele, e isso ocor-
re historicamente. O termo é utilizado na 
Europa a partir do fim do século XVIII, se 
referindo ao poder dos funcionários públi-
cos, e depoisseu sentido se modifica, po-
rém ainda mantendo a conotação negativa. 
(BOBBIO, 1986) 
No século XIX, o vocábulo é utilizado 
[...] para atacar o formalismo, a altivez 
e o espírito corporativo da administra-
ção pública nos regimes autoritários... 
Este uso do termo também é aquele 
mormente se institucionalizou na lin-
guagem comum e chegou aos nossos 
dias para indicar criticamente a prolife-
ração de normas e regulamentos, o ri-
tualismo, a falta de iniciativa, o des-
perdício de recursos, em suma, a inefi-
ciência das grandes organizações pú-
blicas e privadas. (BOBBIO, 1986, p. 
124) 
Logo o sentido atribuído ao termo, em uma 
conceituação técnica, feita por juristas a-
lemães no decorrer do século XIX, difere 
totalmente do sentido popular que ele pos-
suía no início do referido século: ao lhe 
atribuir o sentido de uma organização jurí-
dica e técnicamente racional, a burocracia 
como forma de gestão passa a ser entendi-
da como o método mais eficiente de admi-
nistração. Passa a ser caracterizada dessa 
forma, sobretudo, por possuir um amplo 
aspecto técnico, encerrando como instru-
mento de superioridade o “saber profis-
sional especializado”. Isto ocorre por con-
ter mecanismos de ingresso e promoção 
aos cargos mais altos da escala hierárquica, 
o que se faz, entre outras coisas, através de 
uma “profissionalização”. (SAINT-
PIERRE, 2004) 
Para ilustrar o quanto a burocracia foi a-
pontada como uma forma superior de ad-
Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – 
Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 
 104 
ministração, Weber discorre sobre os mo-
tivos por que ela suplantou todas as outras 
formas de administração, fazendo, a partir 
disso, uma interessante analogia entre a 
produção mecânica e a administração pú-
blica, o que vale ao Estado, até nos dias de 
hoje, o apelido de “máquina pública”: 
A razão decisiva do avanço da organi-
zação burocrática sempre foi a sua su-
perioridade puramente técnica sobre 
qualquer outra forma. A relação entre 
um mecanismo burocrático plenamente 
desenvolvido e as outras formas é aná-
loga à relação entre uma máquina e os 
métodos não mecânicos de produção 
de bens. Precisão, rapidez, univocida-
de, conhecimento da documentação, 
continuidade, discrição, uniformidade, 
subordinação rigorosa, diminuição de 
atritos e custos materiais e pessoais al-
cançam o ótimo numa administração 
rigorosamente burocrática (especial-
mente monocrática) exercida por fun-
cionários individuais treinados, em 
comparação a todas as formas colegi-
ais ou exercidas como atividade hono-
rária ou acessória. (WEBER, 1999, 
p.212) 
É nesta matriz de pensamento que Weber 
se apóia para construir seu conceito típico 
de dominação legal. Atribui à burocracia as 
seguintes características: 
• Autoridade administrativa circunscrita 
por leis e normas devidamente 
regulamentadas e fixas; 
• Hierarquia rigorosa com base no 
princípio da unidade de comando, com um 
dirigente colocado em seu vértice; 
• O funcionário é um servidor do Estado, 
e não do soberano; 
• “O cumprimento das obrigações é 
atribuído em dinheiro, com salários fixos 
regulados primeiramente em relação à 
hierarquia administrativa, depois conforme 
a responsabilidade do cargo e, em geral, 
segundo o princípio do ‘decoro 
estamental’.” (SAINT-PIERRE, 2004, 
p.121); 
• Distinção entre o público e o privado: 
os recursos e documentos do Estado não se 
confundem com os de seus funcionários; 
os documentos oficiais são dispostos em 
atas e armazenados. Os meios materiais 
para o trabalho burocrático (instalações, 
equipamentos, custos de serviços) são de 
responsabilidade do Estado. O funcionário 
participa na execução objetiva de sua 
função. 
A incorporação ao cargo público exige do 
funcionário uma formação específica, téc-
nica, e sua “[...] seleção se realiza visando 
à classificação profissional que fundamen-
ta sua nomeação. Pode ser feito por meio 
de provas de proficiência ou apresentando 
diplomas que certifiquem a capacitação do 
candidato para o cargo.” (Ibid, p.121); 
• O cargo exercido pelo funcionário é a 
sua profissão; 
• A burocracia possui como exigência 
crescente, à medida que se desenvolve, a 
necessidade do desenvolvimento de uma 
economia monetária, por várias razões, 
mas principalmente por questões que lhe 
propicie seu auto-financiamento; 
• A ação do Estado, através de seus 
funcionários, deve ser feita por meio de 
“regras calculáveis”. A impessoalidade 
deve marcar as relações dos burocratas 
entre si e com o público em geral. 
Depois da apresentação de algumas carac-
terísticas da burocracia, vale ressaltar que 
as tipologias de Weber constituem-se como 
pontos de partida para se realizar análises 
de qualquer caso real, e, como modelo de 
análise, evidentemente, não se encaixam 
perfeitamente na realidade, quando trans-
postos. Os tipos ideais misturam-se, com-
binam-se entre si, sendo muito raro, salvo 
em alguns casos, encontrar exemplos reais 
que correspondam exatamente a uma des-
sas tipologias. 
Dito isto, a burocracia encerra um processo 
que, quando instalado, torna-se imprescin-
dível tanto para dominantes quanto para 
dominados. Citando Weber, novamente: 
Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – 
Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 
 105 
Onde quer que a burocratização da 
administração tenha sido levada con-
seqüentemente a cabo, cria-se uma 
forma praticamente inquebrantável das 
relações de dominação. O funcionário 
individual não pode desprender-se do 
aparato do qual faz parte... está enca-
deado à sua atividade com toda sua e-
xistência material e ideal... E por tudo 
isto está, sobretudo aferrado à comuni-
dade de interesses de todos os funcio-
nários integrados neste mecanismo que 
querem a continuidade de seu funcio-
namento e que persista a dominação 
exercida na forma de relação associati-
vas. Os dominados, por sua vez, não 
podem nem prescindir de um aparato 
de dominação burocrático, uma vez e-
xistente, nem substituí-lo, porque este 
se baseia numa síntese bem-planejada 
de instrução específica, especialização 
técnica com divisão do trabalho e fir-
me preparo para exercer determinadas 
funções habituais e dominadas com 
destreza. Se este aparato suspende o 
trabalho ou é forçado a fazê-lo, a con-
seqüência é um caos, sendo difícil a ta-
refa de improvisar uma instituição 
substitutiva, a partir dos dominados, 
para vencê-lo. (WEBER, 1999, p.222) 
Para concluir esta seção, vale salientar que 
Weber, a partir de tudo isso, organiza uma 
importante idéia que é expressa através do 
conceito de nivelamento social. Este se 
torna muito importante para entendermos a 
questão do nepotismo. Para Weber, a buro-
cracia conduziria à igualdade de condições, 
“[...] inclusive a ponto de garantir a seleção 
e a ascensão segundo critérios outros que 
não a ascendência aristocrática ou as prefe-
rências pessoais dos governantes.” (KRA-
MER, 2000, p.172) 
Outro ponto muito importante que pode-
mos ressaltar de tudo isso, dá-se por duas 
conseqüências trágicas, do ponto de vista 
de Weber. A dominação burocrática acar-
retaria, pois, de um lado, maior precisão 
nas provisões, garantido maior eficiência 
administrativa, por outro, haveria a perda 
da liberdade, tanto dos dominados, quanto 
dos próprios executores do quadro admi-
nistrativo, ou seja, os ‘funcionários’. (SA-
INT-PIERRE, 2004) 
2 Tipos de Administração pública 
No século XIX, surge um tipo de adminis-
tração pública baseada na burocracia, em 
substituição às formas patrimonialistas de 
administração do Estado. Patrimonialismo 
significa a incapacidade ou a relutância de 
o príncipe distinguir o patrimônio públicodos seus bens privados. A administração 
do Estado pré-capitalista, ou “politicamen-
te orientado”, nas palavras de Faoro, era 
uma administração do tipo patrimonialista. 
Com o surgimento do Capitalismo e da 
Democracia, estabeleceu-se uma distinção 
clara entre res-pública e bens privados. 
Dessa forma, Weber, enfatiza a superiori-
dade da autoridade racional-legal sobre o 
poder patrimonialista. (WEBER, 1999) 
O capitalismo dito moderno, racional e 
industrial, sucedeu o capitalismo político, 
em muitas nações. No caso do Brasil, isso 
não ocorre. Molda-se “[...] a realidade esta-
tal, sobrevivendo e incorporando na sobre-
vivência o capitalismo moderno, de índole 
industrial, racional na técnica e fundado na 
liberdade do indivíduo — liberdade de 
negociar, de contratar, de gerir a proprie-
dade sob garantia das instituições.” (FAO-
RO, 1979, p.733) 
Em outras palavras, isso significa que o 
Brasil não migrou do capitalismo político 
—legitimado pelo tradicionalismo — para 
o capitalismo moderno, mas sim, incorpo-
rou deste último a técnica, as máquinas, as 
empresas, mantendo “[...] junto ao foco 
superior de poder, do quadro administrati-
vo, o estamento que, de aristocrático, se 
burocratiza progressivamente, em mu-
dança de acomodação e não estrutural.” 
(Ibid., p.736, grifo nosso) 
Como o domínio tradicional se configurava 
na administração patrimonialista, quando 
aparece o estado-maior de comando do 
chefe, que se estende sobre o território ao 
qual pertence, este acaba por subordinar 
muitas unidades políticas. Sem um quadro 
Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – 
Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 
 106 
administrativo “[...] a chefia dispersa as-
sume caráter patriarcal, identificável no 
mando do fazendeiro, do senhor de enge-
nho e nos coronéis.” (FAORO, 1979, 
p.736) 
Logo esse tipo de domínio patrimonial, 
constituído pelo estamento — elite políti-
ca, ou estrato social, com efetivo comando 
político, numa ordem aristocrática — a-
propria-se de oportunidades econômicas 
para usufruir de bens, e de concessões de 
cargos públicos, não separando o setor 
público do setor privado. Isto muda de 
figura com o aperfeiçoamento da estrutura, 
baseado nas competências fixas, e com a 
divisão de poderes, o que possibilitou a 
separação do setor fiscal do setor pessoal. 
(Id.,1979). 
Dessa maneira, a administração burocrática 
passa a ser vista com um meio de combater 
a corrupção e nepotismo — dois traços 
inerentes à administração patrimonialista 
— por conter como instrumento os princí-
pios de um serviço público profissional e 
de um sistema administrativo impessoal, 
formal e racional. 
Entretanto, com o passar do tempo, à me-
dida que o Estado ampliava suas funções 
sociais e econômicas, as tarefas da admi-
nistração pública tornavam-se cada vez 
mais complexas e, por sua vez, passaram a 
figurar uma burocracia rigidamente opera-
da por especialistas profissionais. Logo 
esse tipo de estratégia adotada pela admi-
nistração burocrática mostrou-se insufici-
ente. “Considerava-se, porém, que a apli-
cação incontrolada do principio burocráti-
co punha em risco da capacidade dos go-
vernos em responder aos desafios da mu-
dança social, da concorrência econômica e 
da rivalidade político-militar entre os paí-
ses” (KRAMER, 2000, p.180) 
Talvez esse tipo de administração fizesse 
mais sentido no Estado Liberal do século 
XIX, devido a sua menor complexidade, 
pois era um Estado pequeno, que se dedi-
cava à proteção dos direitos de proprieda-
de; necessitava apenas de um Parlamento 
para definir suas leis e de um sistema judi-
ciário para cumprir-las. Assim, a adminis-
tração burocrática talvez fosse eficiente na 
tentativa de evitar a corrupção e o nepo-
tismo, contudo, para o Estado Moderno, 
era lenta, cara e, em muitos casos, inefici-
ente. 
3 O Nepotismo 
Nepotismo, em linhas gerais, significa 
“[...] todo favorecimento derivado dos vín-
culos de parentesco. Favorecimento é um 
termo que se refere às decisões que não se 
baseiam exclusivamente em critérios meri-
tocráticos.” (JUNIOR, 2006) 
A partir disso, pode-se perceber que o ne-
potismo é uma prática que se encontra nas 
mais diversas manifestações culturais, des-
de tribos africanas, castas indianas e clãs 
chineses e até na civilização cristã ociden-
tal, que é a que mais nos interessa. (Id, 
2006) 
Embora esse tipo de prática esteja presente 
em várias formas de cultura, no Ocidente 
apresenta-se distinta. Nos demais tipos, o 
indivíduo não existe separado do grupo de 
família e do grupo de parentesco, coisa que 
não acontece com o nepotismo ocidental. 
Este, “[...] apesar de emergir do mesmo 
complexo institucional, valores e práticas, 
foi muito mais individualista que seus pre-
cursores antigos e clássicos." (BELLOW, 
2003, p.158 apud JUNIOR, 2006) 
Essa diferenciação se deu, no Ocidente, 
por conta do fortalecimento da autonomia 
individual, em detrimento da coesão do 
grupo de parentesco. Isso foi conseqüência 
do desenvolvimento do Estado, Igreja e 
mercado — e também do capitalismo e sua 
necessidade de racionalização — que atua-
ram de forma decisiva no enfraquecimento 
dos grupos tribais e dos vínculos primordi-
ais. (JUNIOR, 2006) 
3.1 Antecedentes do Nepotismo 
O substantivo nepotismo nasceu na Igreja 
Católica e teve como tempos áureos os 
Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – 
Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 
 107 
séculos XVI-XVII na Europa. Designava a 
autoridade que os sobrinhos dos papas e-
xerciam na administração eclesiástica, 
mesmo sem a ela pertencerem. Com o 
tempo, o termo passou a representar favori-
tismo na contratação de parentes dos che-
fes de poder. 
Esse quadro mudou, especificamente, 
quando as relações sociais feudais estavam 
ruindo, principalmente por conta do desen-
volvimento da burocracia dos Estados Mo-
dernos. Neste cenário 
[...] a ambição dinástica prosperou e, 
com ela, o nepotismo irrestrito. Exa-
tamente nesse período, o nepotismo 
começou a ganhar as conotações nega-
tivas que se associam à prática, pois a 
distinção entre esfera pública e privada 
foi ganhando corpo. A história euro-
péia, doravante, passa a ser o conflito 
permanente entre as forças da solidari-
edade nepotista e sua tríade rival: o in-
dividualismo, a eficiência de mercado 
e a ideologia meritocrática. (JUNIOR, 
2006) 
Com o desenvolvimento da democracia 
moderna, a ideologia meritocrática tornou-
se preponderante. As prerrogativas associ-
adas à consangüinidade foram perdendo 
espaço dentro do sistema representativo. 
“Como o antigo nepotismo se caracteriza 
[...] por atribuir direitos independentes do 
mérito [...], o resultado foi a ampliação do 
estigma do nepotismo à medida que os 
valores meritocráticos se alastravam pelas 
sociedades.” (JUNIOR, 2006) 
Daí a negatividade associada à prática do 
nepotismo, principalmente por estar asso-
ciado a não eficiência, pois muitos são 
designados para certas funções sem, no 
entanto, possuir qualificações pra exercê-
las. Esse ponto é extremamente central nos 
escritos de Weber, que ao caracterizar a 
figura do burocrata, expressa que ele deva 
possuir um treinamento altamente especia-
lizado e completo e deva ascender aos car-
gos de acordo com seus méritos. Logo a 
ocupação de um cargo por um burocrata 
constitui a sua profissão. (WEBER, 1999) 
Porém, nos Estados Unidos, surge um tipo 
de nepotismo, o nepotismo meritocrático. 
O nepotismo do sistema social norte-
americano concilia um impulso biológico – 
promover os seus descendentes, apoiando-
se na teoria da sociobiologia, que adverte 
que o nepotismo é natural e que a prática 
existe porque está inscritaem nossos genes 
— e um valor moral que lhe é antagônico: 
o sistema de mérito. 
Diferente daqui, lá essa prática não assume 
uma conotação pejorativa, pois é um nepo-
tismo que resulta do bom desempenho e 
mérito dos descendentes, e não está apenas 
embasada em relações de parentesco. (JU-
NIOR, 2006) 
3.2 O Nepotismo no Brasil 
Voltando a atenção, agora, para o Brasil, 
podemos perceber que a prática do nepo-
tismo é algo tradicional, pois possui seus 
antecedentes na administração patrimonia-
lista. Ao contrário do que preconiza We-
ber, que o funcionário deve ascender ao 
cargo por conta de alguns princípios como 
o mérito e a especialização, no Brasil, o 
quadro administrativo do estado patrimo-
nialista, composto por aristocrátas, apenas 
burocratiza-se, não atendendo a alguns 
critérios como calculabilidade, impessoali-
dade, mérito, especialização. Isso se torna 
mais evidente quando nos deparamos com 
a problemática atual dos cargos ditos de 
“confiança” ou de livre-nomeação, que se 
constituem em práticas freqüentes, princi-
palmente, nos setores públicos. 
Nesse âmbito, podemos perceber duas ten-
dências: há aqueles que concebem essa 
prática como um atraso de uma adminis-
tração com fortíssimos traços patrimoniais, 
burocráticos; e há aqueles que possuem 
uma visão alternativa, não fugindo dos 
argumentos do nepotismo meritocrático, 
segundo a qual não há problema em ter 
parentes empregados se eles estão traba-
lhando como qualquer outro funcioná-
rio. (JUNIOR, 2006) 
Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – 
Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 
 108 
Justifica-se ainda mais este último tipo de 
argumento quando se trata da contratação 
para cargos de confiança. Para eles, se são 
de confiança, quem mais, além de seus 
parentes, seria mais apto a exercer tal fun-
ção? Este tipo de argumento fere o concei-
to de impessoalidade dos funcionários bu-
rocráticos em Weber. (WEBER, 1999) 
Essa questão, atualmente, foi alvo de deba-
te, depois que O Supremo Tribunal Federal 
(STF) julgou, no final de 2005, a resolução 
nº 7 do Conselho Nacional de Justiça 
(CNJ), que impede a contratação de paren-
tes de magistrados até o terceiro grau, para 
cargos de chefia, direção e assessoramento 
no Judiciário. O Conselho Nacional de 
Justiça 
[...] é composto por representantes do 
Poder Judiciário, do Ministério Públi-
co, da classe dos advogados e, por fim, 
de dois representantes da sociedade, 
escolhidos um pelo Senado Federal e 
outro pela Câmara dos Deputados, to-
talizando quinze membros, os quais, 
pela pluralidade de origem, dão ao 
Conselho um ar amplamente democrá-
tico. Compete-lhe, resumidamente, e-
xercer o controle da atuação adminis-
trativa e financeira do Poder Judiciário, 
adotando providências para que a lei 
seja cumprida, além de zelar para que 
os juízes cumpram com seus deveres 
funcionais, podendo inclusive receber 
e conhecer reclamações contra mem-
bros do Judiciário, representar ao Mi-
nistério Público nos casos de crime 
contra a administração pública ou de 
abuso de autoridade e rever os proces-
sos disciplinares de magistrados [...] 
(OLIVEIRA JUNIOR, 2005) 
Apesar dessa resolução do CNJ, já havia 
um dispositivo constitucional a respeito do 
assunto. Na Constituição de 1988, em seu 
Capítulo VII, que trata da Administração 
Pública, já há indicações que, segundo 
interpretações de muitos juristas, definem a 
irregularidade deste tipo de prática. No 
entanto, por não haver lei específica que 
regulamente o assunto nos poderes Legis-
lativo e Executivo (a resolução do CNJ só 
é válida para o Judiciário), muitos políticos 
se valem dessa brecha jurídica para indicar 
parentes e/ou pessoas para assumir os car-
gos de livre nomeação, sendo que muitos 
casos não possuem qualificação para de-
sempenhar tal função. 
Eis abaixo o artigo 37, em que podemos 
ver grande semelhança com os escritos de 
Weber, ao encontrarmos critérios como 
“impessoalidade”, “eficiência”, além da 
expressão “moralidade”, que sugere ser 
prática imoral o uso do Estado para fins 
pessoais: 
Art. 37. A administração pública di-
reta e indireta de qualquer dos Pode-
res da União, dos Estados, do Distrito 
Federal e dos Municípios obedecerá 
aos princípios de legalidade, impes-
soalidade, moralidade, publicidade e 
eficiência [...] (Constituição da Re-
pública Federativa do Brasil de 1988) 
Os ministros entenderam que a vedação 
deveria ser estendida ao Executivo e ao 
Legislativo. Assim, parentes até terceiro 
grau, consangüíneos ou afins, de prefeitos, 
vice-prefeitos e vereadores estão vetados 
para cargos de confiança, atingindo cunha-
dos, sobrinhos, bisnetos e até bisavós. 
Mesmo diante de tudo isso, em 2005, Se-
verino Cavalcanti (PP-PE), quando partici-
pou da posse de seu filho, José Maurício 
Valladão Cavalcanti, na Superintendência 
Federal de Agricultura, Pecuária e Abaste-
cimento em Pernambuco, não poupou es-
forços em defender a prática do nepotismo, 
ao afirmar: "Essa história de nepotismo é 
coisa para fracassados e derrotados que 
não souberam criar seus filhos. Eu criei 
bem os meus filhos, que têm universidade, 
e agora estou indicando José Maurício" 
(MOREIRA, 2005) 
Em um acontecimento ainda mais recente, 
temos o caso da Agência Nacional de Avi-
ação Civil (Anac). Instaurada uma comis-
são parlamentar de inquérito, sob o título 
de apagão aéreo, a agência é acusada de 
conceder linhas em excesso às companhias 
aéreas para operação no Aeroporto de 
Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – 
Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 
 109 
Congonhas, em São Paulo. Diante da crise, 
críticas foram endereçadas ao até então 
presidente da Anac, o Sr. Milton Zuanazzi. 
Este fora interpelado por um dos parlamen-
tares na CPI do apagão aéreo — transmiti-
da pela TV Senado, em 25 de julho de 
2007 — sobre se ele possuía qualificações 
para exercer o cargo. Depois de muito al-
voroço, chega a responder que fora nome-
ado para exercer a função de presidente da 
Anac sem, no entanto, possuir a especiali-
zação necessária para tal fim. Logo, em 
discursos como este, podemos perceber 
que a prática do nepotismo, agora sob nova 
justificativa, a do mérito, ainda é prepon-
derante em nossa sociedade. 
Conclusão 
De uma forma muito breve, procuramos 
explorar a questão do nepotismo e sua prá-
tica, principalmente no momento em que a 
sociedade brasileira assiste às disputas em 
torno da legalidade e da legitimidade das 
nomeações de parentes para cargos de con-
fiança no Poder Judiciário, em que algu-
mas Assembléias Legislativas aprovam 
projetos proibindo a contratação de paren-
tes na administração pública (Rio de Janei-
ro e Paraná foram os primeiros), em que a 
discussão em torno do tema vai ganhando 
dimensões mais públicas que em qualquer 
outro período de nossa história. Procura-
mos também relacionar esta questão com 
temáticas weberianas, como a burocratiza-
ção. 
Fica evidente, em Weber, a diferenciação 
social crescente das sociedades modernas, 
ao apresentarem uma clara tendência de 
separar e reduzir vínculos de parentesco 
em todas as esferas sociais, como a políti-
ca, a economia e a religião. Contudo, atu-
almente, esta prática ainda não assume 
proporções significativas. 
Há uma discussão de que este tipo de prá-
tica, tão em voga, não é compatível com 
um Estado Moderno, cuja manutenção 
exigiria funcionários de carreiras, estrita-
mente comprometidos com o princípio da 
impessoalidade. 
Contudo o problema não se apresenta tão 
simplista assim, pois há uma tendência em 
se opor àquele que foi indicado, e não tanto 
ao nepotismo ou ao nepotista (JUNIOR, 
2006). A oposição ao indicado acirra-sequando este não possui qualificações para 
desempenhar tal função. Logo, quando não 
se verifica isso, parece que há uma tendên-
cia em aceitar a prática. Mesmo assim, essa 
aceitação por parte da sociedade parece 
estar com os dias contatos. 
 
Referências 
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Por 
Norberto Bobbio, Nicola Matteucci, e Gianfrances-
co Pasquino. Brasília: Editora Universidade de 
Brasília, 2a edição, 1986. 
BRASIL. Constituição (1988). Emenda constitu-
cional nº 19, de 1988. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao
/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 3 
dez.2007 
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação 
do patronato político brasileiro. 5. Ed. Porto Alegre: 
Editora Globo, 1979, p.733-750. 
JUNIOR, Felix Garcia Lopez. A meritocracia pos-
sível. Sociedade e Estado, Brasília, n.3, 
set./dez.2006. Disponível em: 
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext
&pid=S0102-
69922006000300011&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. 
Acessado em: 11 nov.2007 
KRAMER, Paulo. Alexis de Tocqueville e Max 
Weber: respostas políticas ao individualismo e ao 
desencantamento na sociedade moderna. In: SOU-
ZA, Jessé (Org). A atualidade de Max Weber. Bra-
sília: Editora Universidade de Brasília, 2000. 
MOREIRA, Pedro. Severino defende nepotismo em 
posse de seu filho em PE. Folha De São Paulo, São 
Paulo, 11 abr.2005. Disponível em: 
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u6
8312.shtml>. Acesso em: 12 nov.2007 
Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – 
Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 
 110 
OLIVEIRA JUNIOR, Antonio de Pádua. Combate 
ao nepotismo. Resolução nº 7/2005 do Conselho 
Nacional de Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 
10, n. 888, 8 dez. 2005. Disponível em:< 
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7671>. 
Acesso em: 4 dez.2007 
SAINT-PIERRE, Héctor Luis. Max Weber: entre a 
paixão e a razão. 3. ed. Campinas: Editora da Uni-
camp, 2004 
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamen-
tos da sociologia compreensiva. v.2 Brasília, DF: 
Editora da Universidade de Brasília, 1999.

Continue navegando