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O ensino da Geografia e as mudanças recentes no espaço geográfico mundial

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José William Vesentini 
O ensino da Geografia e as 
mudanças recentes no 
espaço geográfico mundial 
2a edição ampliada e atualizada 
Com encarte a cores: três 
mapas atualizados da ex-URSS, 
da Europa e do mundo. 
 
 
 
 
 EDITORA ÁTICA, 1992 
José William Vesentini 
Professor doutor do Depar tamento de Geografia da U S P - F F L C H 
Vár ios anos de experiência c o m o professor do ensino público e particular de I °. e 2° grau 
A u t o r dos livros: A Capital da Geopolítica, Sociedade e Espaço, firasil - Sociedade e Espaço e 
Geografia Crítica (4 vo lumes, em co-autoria c o m Vânia Vlach) 
C o o r d e n a d o r da série paradidática "Viagem pela Geografia", da Editora Ática 
2a. edição ampliada e atualizada, 1992 
editora atica 
I. Introdução 
Questões que surgem 
Objetivo deste folheto 
Vivemos num período revolucionário 
I I . A crise do "mundo socialista" 
A perestroika: seus objetivos e dilemas 
O fim da perestroika e da União Soviética 
O golpe de agosto 
O problema das repúblicas 
A economia planificada e seus problemas 
O problema da burocratização 
O "modelo soviético" e seu ocaso 
III. A nova divisão internacional do trabalho 
IV. A nova ordem geopolítica mundial 
A ascensão e queda das grandes potências 
O novo papel da O N U 
V. A redescoberta da complexidade do mundo 
V I . Sugestões de leitura e de atividades didáticas 
No início de 1991, elaboramos um fo-
lheto que destacava as transformações re-
centes e importantes no espaço geográfico 
mundial. Ele resultou de um pedido de pro-
fessores de Geografia por ocasião de um curso 
de reciclagem que havíamos ministrado. 
De fato, a velocidade das mudanças no 
cenário internacional ocorridas nos últimos 
anos foi enorme, fato que desatualizou prati-
camente todos os manuais e atlas geográficos 
elaborados até aquela data. 
Nos útimos anos, especialmente em 1989, 
em 1990 e também em 1991, enormes trans-
formações ocorreram no espaço mundial. A 
perestroika na (ex-) União Sovié t ica - e o seu 
final em agosto de 1991, com todas as suas 
conseqüências, ainda não completamente de-
finidas - mudou a face desse enorme país, que 
se desagregou. A progressiva - ou, em alguns 
casos, acelerada - implementação de meca-
nismos de mercado nas economias planifi-
cadas acabou gerando dúvidas sobre a viabili-
dade ou continuidade nos anos 90 deste últi-
mo tipo de vida econômica. 
A área de influência geopolítica da (ex -) 
União Soviética em grande parte ruiu. O 
Pacto de Varsóvia foi extinto em meados de 
1991, e os europeus ocidentais já começam a 
se sentir incomodados pela presença em seu 
continente das tropas norte-americanas da 
OTAN. Levanta-se inclusive a idéia de um 
novo tratado, que começa embrionariamen-
te com a coordenação das tropas militares da 
França e da Alemanha, para com o tempo 
substituir ou redefinir a OTAN, no sentido 
de ampliar o poderio europeu. 
A Alemanha Ocidental e a Alemanha 
Oriental se uniram em 1990, formando um 
único país, fato que até há alguns anos pare-
cia impossível ou extremamente improvável 
para este século. 
A rapidez desse processo surpreendeu a 
todos: a partir da crise do "mundo socialista", 
especialmente da Europa Oriental, no final 
dos anos 80, tudo indicava que a reunifica-
ção alemã pudesse ocorrer. Só que os analis-
tas políticos, os jornais e demais meios de co-
municação, inclusive os germânicos, divul-
gavam uma data mais longínqua, possivel-
mente 1997. 
A velocidade das mudanças nestes dois 
últimos anos foi realmente impressionante, o 
que entre outras conseqüências acabou de-
satualizando atlas e livros de Geografia de 
todos os recantos do planeta. Por um lado, 
isso gerou angústias em alguns, pelo fato de 
não haver respostas seguras e pelas freqüentes 
cobranças feitas pelos alunos ou pelo público 
em geral. Por outro lado, contudo, isso tem 
sido extremamente gratificante pelo renova-
do interesse que a Geografia vem suscitando, 
pela crescente busca de subsídios ou opiniões 
de geógrafos por parte da imprensa em geral. 
Nunca houve tanta procura pelos conhe-
cimentos ou procedimentos geográficos, por 
parte dos principais jornais, das principais 
revistas e pelas principais redes de televisão, 
como nestes três últimos anos; e isso em todo o 
mundo. Noções ou temas que antes eram 
quase que restritos aos meios educacionais ou 
acadêmicos, tais como fronteiras e suas rede-
finições, mapas-múndi, geopolítica, nações e 
territórios, Estados-nações e t c , hoje come-
çam de alguma forma a ser usados na vida co-
tidiana pelas pessoas e pela mídia. 
Questões que surgem 
Nestas condições, é comum que os pro-
fessores de Geografia coloquem aos espe-
cialistas em Geografia Política, em Geogra-
fia Regional e até em Cartografia, aos profes-
sores universitários e pesquisadores, dúvidas 
e indagações sobre a atual estruturação do es-
paço mundial: 
• Existe ainda uma Europa Oriental? 
• Como ensinar o tema Europa para os 
alunos? 
• Pode-se falar ainda num Segundo Mun-
do ou conjunto de países "socialistas" ? 
• Como é ou será a geopolítica interna-
cional neste momento de enfraquecimento 
ou final da Guerra Fria? 
• Com o final, ou pelo menos com o visível 
enfraquecimento da oposição Leste x Oeste, 
quais as novas contradições que emergem 
com vigor em seu lugar? 
Essas e outras questões semelhantes de 
fato fazem sentido neste momento de in-
definições, de rápidas e radicais transforma-
ções na ordem mundial gerada pela Segunda 
Guerra Mundial, ordem essa que se manteve 
de forma mais ou menos estável durante 
cerca de 45 anos. Os anos 90 parecem ser de 
transição entre uma ordem que envelhece e 
começa a se transformar rapidamente e uma 
nova ordem internacional que ainda não 
está plenamente constituída, mas que pode 
ser vislumbrada através de alguns fatos que 
descreveremos a seguir. 
Objetivo deste folheto 
O objetivo deste folheto é o de auxiliar 
os professores de Geografia na tarefa de en-
tender o mundo de hoje. E claro que ele seria 
desnecessário se os livros em geral, especial-
mente os didáticos ou paradidáticos, estives-
sem completamente atualizados, contendo 
estas considerações ou análises que faremos 
aqui. Isso, contudo, é impossível em face da 
rapidez das mudanças e da necessidade de um 
tempo mínimo (alguns meses ou até cerca de 
um ano) para a reelaboração de uma obra já 
pronta e estruturada nos textos e nas ilustra-
ções, especialmente os mapas. 
Além disso, existe a demora da reflexão, 
pois mesmo tendo os dados à disposição, o 
intelectual ou cientista sempre precisa de um 
tempo mínimo para repensar a ordem das 
coisas, as teorias e as interpretações. Como 
afirmou Hegel ainda no início do século pas-
sado, a coruja da minerva (isto é, a sabedoria) só 
levanta vôo ao anoitecer, o que significa que 
existe a necessidade de um lapso de tempo 
entre o acontecimento e a interpretação, as-
sim como é preciso que a poeira assente para 
se enxergar mais claramente. 
No momento em que elaboramos a pri-
meira versão deste fascículo (primeiros me-
ses de 1991), ainda não havia nenhum livro 
perfeitamente atualizado em relação a esses 
fatos relevantes dos últimos anos. Alguns 
poucos conseguiram se atualizar desde então, 
mas já neste início de 1992 percebe-se que 
novas transformações ou fatos importantíssi-
mos ocorreram desde o final do ano passado, 
e que não puderam ser incorporados nessas 
obras. Afinal, para ser adotado no início de 
um ano letivo, todo manual costuma ser im-
presso já em agosto/setembro do ano ante-
rior, para fins de distribuição aos professores 
que o irão analisar. 
Só que vivemos numa época excepcio-
nal, em que poucos meses fazem uma grande 
diferença a respeito da nova ordem internacio-
nal e do novomapa-múndi. Mesmo que os li-
vros fossem impressos em fevereiro ou março, 
por exemplo, também haveria em agosto ou 
setembro uma defasagem face às mudanças 
ocorridas desde então. Há alguns momentos 
da História em que um livro ou atlas pode 
passar anos ou até décadas sem grandes ou pro-
fundas atualizações; são momentos de trans-
formações lentas ou quase imperceptíveis. 
Mas existem momentos nos quais as mu-
danças históricas se aceleram, com rápidas 
redefinições de fronteiras e nas relações eco-
nômicas e geopolíticas. 
Vivemos num período 
revolucionário 
Desde 1989 vivemos num desses perío-
dos revolucionários, no qual pode-se dizer que 
oconem transformações sem dúvida nenhu-
ma comparáveis àquelas resultantes da Se-
gunda Guerra Mundial (1939-1945). Na-
quele momento, em meados do nosso século, 
uma velha ordem internacional conheceu seu 
fim, com o declínio da Inglaterra e demais 
potências européias (Alemanha e França) e 
a ascensão de novas potências hegemônicas 
(Estados Unidos e União Soviética), as quais, 
durante mais de quatro décadas, lideraram 
seus respectivos campos ou "blocos" (o "mun-
do" capitalista e o mundo do socialismo real). 
Neste e nos três últimos anos, estamos as-
sistindo à desagregação dessa ordem bipolar 
gerada pela guerra. 
No seu lugar vemos a construção paulati-
na, já estruturada em vários aspectos e ainda 
indefinida em alguns outros, de uma nova 
ordem internacional multipolar, com o final 
da oposição capitalismo versus socialismo e a 
ascensão de novos "blocos" ou potências eco-
nômicas, tecnológicas e, possivelmente, polí-
tico-diplomáticas e militares (em especial o 
Japão e a nova Europa unificada). 
Consideramos nossa obra Sociedade e es-
paço em sua nova edição reformulada, de 
1992 (mas impressa em setembro de 1991), 
como o que existe hoje de mais recente e mo-
derno, assim como a coleção Geografia críti-
ca, 4 volumes ( I a edição de agosto de 1990 e 
3 3 edição atualizada em setembro de 1991), 
de nossa autoria em conjunto com Vânia R. F. 
Vlach. Todavia, mesmo nestes casos de rápi-
da atualização de textos, mapas e informa-
ções, também permanece uma pequena defa-
sagem oriunda do fato de haver um inevitável 
lapso de tempo entre a impressão e os meses 
seguintes, quando novos acontecimentos al-
teraram mais uma vez o mapa político mundial. 
Este folheto, dessa forma, também em 
nova edição ampliada, visa mais uma vez 
suprir uma lacuna aberta pela História atual, 
por recentíssimos e relevantes fatos que nos 
levam a repensar diversos aspectos da ordem 
econômica e geopolítica internacional. 
Julgamos assim ser necessário ainda este 
ano oferecer novos subsídios aos professores, 
tanto sob a forma de texto como de orien-
tação bibliográfica e de atividades didáticas, 
no sentido de que não se perca o papel da 
Geografia escolar, que é o de ajudar o edu-
cando a compreender criticamente o mundo 
em que vive. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 [Foto ilegível]
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Festa de comemoração da união politica e econômica das duas Alemanhas, no dia 3 de outubro de 1990. Nasce daí a 
nova Alemanha, com 357 042 km2 e 78 milhões de habitantes, que se constitui hoje no terceiro PNB do mundo, após 
os Estados Unidos e o Japão, e o verdadeiro líder econômico e tecnológico da nova Europa unificada. 
V ivemos hoje um momento histórico 
em que a experiência auto-intitulada "socia-
lista" parece estar se esgotando. Talvez nem 
seja mais possível falar-se num Segundo 
Mundo, ou "mundo socialista", no século 
XXI, que já se avizinha. A propriedade priva-
da dos meios de produção - inclusive da terra 
- foi novamente admitida na ex-União Sovié-
tica, na China e em quase todos os países da 
Europa Oriental. Conseqüentemente, as bol-
sas de valores desses países, que foram 
fechadas durante inúmeras décadas, encon-
tram-se agora reabertas. Mecanismos de 
mercado - tais como maior liberdade para as 
empresas tomarem suas decisões, indepen-
dentemente do plano qüinqüenal em vigor, 
os preços oscilando novamente de acordo 
com a lei da oferta e da procura; o final de inú-
meros subsídios estatais para atividades ou 
setores econômicos; o final do pleno empre-
go para os trabalhadores, com a volta do mer-
cado de trabalho; a falência ou fechamento 
de empresas constantemente deficitárias, 
que só eram mantidas por recursos públicos 
etc. - passam a ser introduzidos nesses países, 
o que diminui o rigor e a centralização da pla-
nificação da economia. 
Apesar de essas mudanças terem se acele-
rado a partir de 1989, não é essa a data inicial 
desse processo. A Hungria, desde o início dos 
anos 70, já havia pioneiramente ingressado 
numa paulatina introdução de mecanismos 
de mercado em sua economia planificada. E 
a China, desde a morte de Mao Tse-tung e a 
ascensão de Deng Xiaoping, em 1976, tam-
bém já vinha abrindo sua economia para o 
capitalismo (com um avanço notável em 
suas exportações e importações, com a rea-
bertura da bolsa de valores de Xangai, com a 
busca de tecnologia ocidental e t c ) . 
Nos anos 70 foram inúmeros os acordos 
entre os países "socialistas", especialmente a 
URSS e algumas nações da Europa Oriental, 
com empresas multinacionais capitalistas, 
que instalaram filiais nessas áreas: para as 
empresas tratava-se de buscar mão-de-obra 
barata e "disciplinada" (pois o direito de greve 
nesses países só foi conquistado após 1989), 
para essas nações tratava-se de adquirir tec-
nologia e tentar ampliar um pouco o padrão 
de consumo de suas populações, um padrão 
baixo quando comparado com o Primeiro 
Mundo. Somente no ano de 1985, por exem-
plo, já existiam cerca de 140 filiais de empre-
sas multinacionais na URSS e na Europa 
Oriental. 
Mas em 1989 ocorreu uma aceleração 
nessas mudanças. Com os ventos liberali-
zantes trazidos pela política da perestroika na 
União Soviética, algumas repúblicas re-
solveram proclamar sua independência, a 
começar pela Lituânia. Em muitas dessas 
repúblicas soviéticas, começou novamente a 
ser valorizada a cultura nacional tradicional, 
sendo inclusive abolido o idioma russo como 
obrigatório nas escolas. 
Na Europa Oriental, milhões de pessoas 
saíram às ruas exigindo democracia, eleições 
livres, o fim do monopólio de um só partido 
político no poder. Governos foram derruba-
dos e houve de fato a introdução de radicais 
mudanças econômicas e políticas nesses países. 
Quais foram os motivos desses protestos 
que geraram mudanças? 
Foi a economia planificada um fracasso? 
O que significou a perestroika e qual foi a 
sua importância nessas transformações? 
Vamos examinar essas questões nas li-
nhas a seguir, mas temos que enfatizar o fato 
de que essas radicais mudanças no "mundo 
socialista" não ocorreram isoladamente; elas 
constituem na verdade uma parte de trans-
formações globais no espaço mundial. 
A perestroika: seus 
objetivos e dilemas 
Mikhail Gorbatchev, secretário geral do 
Partido Comunista e presidente da ex-União 
Soviética, propôs em 1986 a política da peres-
troika, palavra russa que significa reestruturação. 
Em que constituiu a política da perestroika1. 
Resumidamente, pode-se dizer que ela tinha 
como objetivo dinamizar a economia sovié-
tica, especialmente o setor civil, constituin-
do-se num projeto geopolítico destinado a 
manter o país entre as grandes potências do 
século XXI. 
Para compreendermos essa política, te-
mos que recordar que o mundo sofreu impor-
tantes mudanças nas últimas décadas e a 
própria posição soviética como grande potên-
cia econômica já nos anos 80 encontrava-se 
ameaçada pelo crescimento japonês e pelo 
avanço da unificação européia. Do ponto de 
vista econômico, de fato, a União Soviética 
já era nos anos 80 uma potência em crise. O 
próprio ProdutoNacional Bruto do país, tido 
durante décadas como o segundo do mundo, 
atrás somente do norte-americano, era às vés-
peras da desintegração (final de 1991) no 
máximo o quarto, atrás do produto japonês e 
do alemão. 
E lógico que esses dados variam de acordo 
com a fonte de informações. Afinal, calcular 
a produção anual de cada nação não é tarefa 
fácil. 
Há, em primeiro lugar, o problema da 
confiabilidade dos dados, algo gravíssimo em 
especial numa economia centralmente pla-
nificada, onde os burocratas decidem em seus 
gabinetes o que "foi produzido" oficialmente, 
mesmo que esse oficial não corresponda à rea-
lidade. Como não há competição nem falên-
cias de empresas nessas economias cujos 
meios de produção foram estatizados, tal proce-
dimento de colocar nos relatórios produções 
exageradas ou fictícias não ocasiona proble-
mas às empresas. 
Apenas os consumidores, os menos aten-
didos numa economia desse tipo, é que serão 
prejudicados pela carência de bens e pelas in-
termináveis filas. 
Além desse fato, há ainda o problema de 
expressar essa produção numa moeda interna-
cional comum, para se poder comparar os 
PNBs. Durante muitas décadas, por exemplo, 
o PNB do Japão foi subvalorizado devido ao
 
 
 
 
 8 
fato de o iene estar com uma cotação muito 
baixa frente ao dólar. E o contrário ocorreu 
com o PNB soviético, que durante muito 
tempo foi supervalorizado em face da co-
tação do rublo, artificialmente exagerada 
frente ao dólar. 
Outro elemento a ser ressaltado é que a 
economia soviética - e, nos dias atuais, a 
economia russa - é claramente dividida em 
duas partes: uma militar, dinâmica e compe-
titiva, que concorre com o setor armamen-
tista norte-americano em condições de igual-
dade; e a outra civil, que sempre recebeu me-
nos recursos humanos e financeiros que a mi-
litar e que acabou dominada por normas 
burocráticas; esta última é um tipo de econo-
mia que não precisa concorrer com nenhu-
ma outra e que se encontra visivelmente 
atrasada em relação ao setor militar. 
Como afirmou Gorbatchev no seu livro 
Perestroika - novas idéias para meu país e o 
mundo, a União Soviética conseguiu, por um 
lado, enviar astronautas e sondas de pesqui-
sas para a Lua e para Marte, mas, por outro 
lado, não conseguiu fabricar televisores, 
gravadores ou mesmo simples liqüidifica-
dores com qualidade e em quantidade com-
paráveis à indústria francesa ou italiana (isso 
para não falar da norte-americana, alemã ou 
japonesa). 
De um lado, no setor militar, uma econo-
mia dinâmica e competitiva, que utilizou e 
ainda utiliza em.parte a melhor tecnologia, 
que dispõe dos melhores cérebros do país. E 
do outro lado, no setor civil, uma economia 
esclerosada, burocratizada, que se caracteriza 
até hoje pela carência de bens e pela predo-
minância de objetos alheios aos gostos e inte-
resses dos consumidores (roupas pouco varia-
das, cores simples, padrões comuns e únicos 
e t c ) . A famosa "prioridade aos bens de pro-
dução", tão divulgada pela União Soviética 
desde os anos 1930, na realidade escondeu uma 
valorização do setor armamentista. E isso fez 
em detrimento do setor civil da economia, 
ou seja, do consumo da população. 
E por isso que a perestroika foi tanto uma 
política interna como externa: para ampliar 
o consumo da população, incentivando mais 
a economia civil, era necessário enfraquecer 
ou eliminar a guerra fria com os Estados Uni-
dos, a constante competição pela renovação 
de armamentos e por "áreas de influência" 
(ou de dominação político-militar e às vezes 
até econômica). 
Os acordos com os Estados Unidos e com 
países europeus ocidentais da OTAN foram 
necessários para aplacar os militares, a chama-
da "linha dura". Diminuir os gastos militares 
foi uma condição indispensável para ampliar 
os recursos à disposição da economia civil. 
E como agilizar a economia civil? 
Aqui a opção consistiu na introdução 
gradual de uma economia de mercado, com 
empresas estatais ou particulares sendo regi-
das pela competição, com possibilidade de 
falências ou de elevados lucros. No tocante à 
política interna, outro importante aspecto da 
perestroika foi aglasnost, palavra russa que sig-
nifica transparência, abertura, e que impli-
cou na liberalização política (isto é, maior li-
berdade para a imprensa, para as pessoas ex-
pressarem suas opiniões, mesmo contrárias às 
do governo etc.). Esta foi uma grande diferen-
ça da abertura soviética frente à chinesa, que 
por sinal é anterior: enquanto nesta última só 
houve descentralização econômica e não po-
lítica (com os protestos e a oposição sendo 
reprimidos pelo poder centralizado e autori-
tário que busca permanecer a todo custo), na 
perestroika as duas vieram ao mesmo tempo e 
acabaram se influenciando mutuamente. 
O grande "calcanhar de Aquiles" da peres-
troika, que levou ao seu final, foi a diversida-
de étnico-nacional dentro da União Sovié-
tica. A União Soviética, nome criado em 
1922 após um domínio russo sobre inúmeras 
outras repúblicas, sempre foi um país de frágil 
unidade do ponto de vista da nacionalidade. 
E muito mais uma continuidade do império 
czarista russo, no qual havia uma dominação 
russa sobre outras etnias e nacionalidades.
 
 
 
 
 
 9 
As décadas de "socialismo" não esconderam 
o fato de que os russos sempre tiveram privi-
légios na União Soviética: na cúpula do par-
tido oficial e dominante, o PC soviético, nos 
altos escalões das Forças Armadas, na locali-
zação das mais importantes indútrias etc. A 
liberalização no país, mesmo sem o preten-
der, deu espaços para o ressurgimento de sen-
timentos nacionais que durante muito tem-
po foram reprimidos e abafados. Manter a 
unidade do país por meio da implantação de 
um sistema federativo foi um duro desafio 
para o futuro da perestroika, que afinal ela não 
conseguiu vencer. 
Mikhail Gorbatchev, último presidente da ex-URSS e 
idealizador da perestroika, que desempenhou um papel 
histórico fundamental nas transformações mundiais dos 
últimos anos. A partir de agosto de 1991, Gorbatchev pas-
sou a ter pouca importância nos acontecimentos da 
Rússia e das demais repúblicas da ex-URSS. 
Bóris leltsin, primeiro presidente da Federação Russa 
eleito por voto direto em toda a história dessa nação e per-
sonagem histórico de primeiro plano após agosto de 
1991. 
O fim da perestroika e da União 
Soviética 
Pode-se dizer que a perestroika acabou em 
agosto de 1991, por ocasião de um frustrado 
golpe militar. Essa política liberalizante na 
realidade enfrentava três tipos principais de 
oposição ou pressão. 
De um lado havia a chamada "linha dura" 
ou stalinista, representada pelas camadas do-
minantes que se sentiam atingidas pela aber-
tura econômica e política: alguns militares 
de alta patente e importantes membros do 
Partido Comunista, único a monopolizar o 
poder político e até o poder econômico du-
rante quase oitenta anos; essas camadas no 
fundo desejavam manter a situação vigente 
nas últimas décadas. 
De outro lado havia os chamados "pro-
gressistas", entre os quais o nome de Bóris 
leltsin sempre era mencionado; os progres-
sistas pressionavam Gorbatchev no sentido 
de apressar a política da perestroika e, conse-
qüentemente, as reformas que ela acarreta-
va; criticavam o ritmo tido como demasia-
damente lento da abertura para a economia 
de mercado e da vida política. 
Havia ainda os interesses de maior au-
tonomia (ou, em alguns casos, até de inde-
pendência total) das diversas repúblicas que 
compunham a União Soviética. 
O setor tido como mais forte era a "linha 
dura", pelo menos até agosto de 1991. Tanto 
que freqüentemente se aventava a possibili-
dade de um golpe militar comandado por 
esse setor,o que realmente acabou aconte-
cendo. Muitos ministros do governo de 
Gorbatchev eram desse setor conservador, o 
que é um fato bem conhecido, e foram man-
tidos no poder exatamente porque inspi-
ravam um certo temor e respeito. Foi em es-
pecial por esse motivo que o ritmo da abertu-
ra de fato não era muito intenso até 1991. 
Havia mais retórica e discursos da perestroika 
e da glasnost do que mudanças reais, profun-
das e irreversíveis. 
 
 10 
As transformações do final do anos 80 até 
1991 indubitavelmente foram mais intensas 
na Europa Oriental que na própria União So-
viética. Basta lembrar que até meados de 1991 
grande parte dos recursos financeiros do 
Estado soviético ainda era destinada ao setor 
militar e o Partido Comunista continuava na 
prática a monopolizar o poder político. Até 
agosto de 1991 esse setor da "linha dura" 
ainda dominava grande parte dos principais 
cargos políticos e militares no país, mesmo 
convivendo arduamente com a perestroika. 
Naquele momento discutia-se um trata-
do da União que concedesse mais autonomia 
(mas não a independência) às diversas re-
públicas; no fundo o tratado objetivava man-
ter a integridade do país, com algumas con-
cessões aos interesses das repúblicas, e que 
estava em vias de ser assinado. 
O golpe de agosto 
A tentativa de um golpe militar depondo 
Gorbatchev e criando uma junta para substi-
tuí-lo, implementada em agosto de 1991, 
visava exatamente impedir a assinatura des-
se tratado e a continuidade da política de aber-
tura da perestroika. Se fosse bem sucedido, 
esse golpe poderia talvez reavivar a guerra 
fria e o papel da superpotência "socialista" da 
União Soviética, algo de futuro duvidoso 
num momento de ascensão de novas potên-
cias e de declínio econômico e tecnológico 
desse imenso país. 
Ocorreu todavia algo que ninguém es-
perava: uma rápida e maciça reação do povo 
nas ruas se opondo aos tanques. Ao pren-
derem Gorbatchev e anunciarem pelos meios 
de comunicação que havia um novo governo 
no país, ao enviarem tanques para controlar 
os edifícios públicos, os golpistas não espera-
vam a manifestação popular, que foi acom-
panhada pela reação de políticos progressis-
tas e de outros políticos ligados aos interesses 
nacionais de suas repúblicas (por exemplo, 
na Lituânia), fato que paralisou as tropas. 
Houve um momento em que os soldados 
não sabiam se obedeciam aos golpistas, entre 
os quais estava o próprio ministro do exérci-
to, ou aos políticos que se opunham ao golpe 
e contavam com amplo apoio popular. Estes 
últimos acabaram vencendo e o resultado do 
golpe malogrado foi o contrário do que pre-
tendiam os golpistas: ao invés de manter a 
integridade da União Soviética e impedir 
novas aberturas na vida política, consolidan-
do o poder nas mãos do Partido Comunista, o 
golpe acabou acelerando a desagregação do 
país, gerando novas aberturas e provocando 
o fim do próprio Partido Comunista da 
União Soviética. 
Com o fracasso do golpe, que contou com 
o apoio ou a cumplicidade da imensa maioria 
dos burocratas do Partido Comunista, as au-
toridades das diversas repúblicas ganharam 
mais força. Esses governos sempre foram subor-
dinados aos interesses do governo central, o 
soviético, mas a reação ao golpe praticamen-
te esvaziou esse poder centralizado e fortale-
ceu as diversas autoridades regionais das re-
públicas. 
Após a rendição dos golpistas e a liber-
tação de Gorbatchev, percebeu-se que este já 
não tinha mais autoridade nem poder. O po-
der de fato estava com o governo da Rússia, 
em primeiro lugar, e com o governo das ou-
tras repúblicas. Gorbatchev teve um impor-
tante papel histórico, mas acabou o governo 
com pouca representatividade popular. Ape-
sar de seu gênio reformista, na realidade ele 
foi o último governante eleito por via indire-
ta pelos parceiros do Comitê do Partido Co-
munista. Já os presidentes das repúblicas de 
uma forma geral, como leltsin da Rússia e al-
guns outros, foram eleitos por via direta, em 
eleições populares. 
E o Partido Comunista da URSS saiu ar-
rasado com o fracasso do golpe: edifícios fo-
ram depredados, membros eminentes perde-
ram seus cargos e elementos de menor prestí-
gio se apressaram em repudiar suas antigas 
 
 11
idéias e adotar novas posições. Daí se afimar 
que a perestroika foi liquidada com o resulta-
do do golpe: ela consistia antes de mais nada 
numa política de reformas que pressupunha a 
liderança desse partido. Era uma política de 
abertura "de cima para baixo", conduzida de 
forma controlada, buscando manter a inte-
gridade da União Soviética e a hegemonia des-
se partido que tomou o poder em outubro de 
1917. Como as radicais transformações no 
país a partir de agosto de 1991 fugiram do con-
trole desse partido, que praticamente deixou de 
existir, pode-se dizer que a perestroika morreu. 
A partir do golpe começou a era pós-
perestroika. 
Foi também o fim da URSS, tal como ela 
existiu desde 1922. 
Logo em setembro de 1991, as três repú-
blicas bálticas - Lituânia, Letônia e Estônia -
conseguiram a sua independência, fato ime-
diatamente reconhecido pela ONU e pela 
maioria dos países, inclusive a Rússia. As de-
mais repúblicas encontram-se num impasse: 
ou ficam juntas, numa comunidade federa-
tiva, ou se fragmentam de vez. Desde o final 
de 91, estão associadas na Comunidade de 
Estados Independentes (CEI), organização su-
pranacional inspirada no Mercado Comum 
Europeu. 
Deixaram de participar da CEI as três 
repúblicas bálticas e a Geórgia. Esta, desde de-
zembro de 1991, vive num impasse entre um 
governo eleito pelo voto e adepto à total in-
dependência de país (contrário portanto à 
participação na CEI) e revoltosos com amplo 
apoio nas Forças Armadas, que tomaram o 
poder em janeiro de 1992 mas enfrentam fre-
qüentes protestos populares e cuja posição é 
favorável a uma aproximação da Geórgia 
com as demais onze repúblicas. 
Nos primeiro meses de 1992, a CEI já era 
uma realidade, só que problemática: para uns 
ela deveria constituir somente uma comuni-
dade econômica, um mercado comum; para 
outros, deveria ser também uma organização 
político-militar, com a função de coordenar 
a defesa e as Forças Armadas. 
Os governantes da Rússia, a maior e mais 
populosa república da ex-URSS, evidente-
mente desejam recriar esse imenso país sob 
um novo rótulo. Daí apregoarem a coorde-
nação centralizada das Forças Armadas, que 
na prática significaria a continuidade do 
domínio russo sobre as demais repúblicas. 
Outras repúblicas, especialmente a Ucrânia, 
insistem em ter seu próprio exército, inde-
pendente da CEI. 
O problema das repúblicas 
As repúblicas meridionais (Casaquistão, 
Turquemenistão, Uzbequistão, .Azerbaijão, Ta-
diquistão e Quirguízia), vizinhas do Oriente 
Médio, nas quais grande parte da população 
segue a religião muçulmana, começam a se 
aproximar do mundo islâmico, em especial 
do Irã. A crescente expansão do fundamen-
talismo religioso nessa região poderá afastar 
algumas dessas repúblicas das demais da CEI. 
E a "política do liqüidificador" implementa-
da pelo ditador soviético Joseph Stálin nos 
anos 1930 e 40, que consistia na migração 
forçada de povos de uma etnia para repúbli-
cas com outras nacionalidades, visando em-
baralhar as inúmeras etnias desse imenso país, 
hoje cobra o seu preço ao jogar algumas 
nações contra outra>. 
A autonomia das inúmeras repúblicas 
não é um processo tranqüilo, em especial 
pelo fato de normalmente existirem popula-
ções de outras nacionalidades no território 
de cada uma delas. Veja-se o exemplo da Armê-
nia e do Azerbaijão, duas repúblicas com 
conflitos de fronteiras: há um território rei-
vindicado pela Armênia, Nagorno-Kara-
bakh, no qual hoje existe uma mistura de 
povosprincipalmente dessas duas nacionali-
dades, que pertencia à Armênia e foi en-
tregue por Stálin em 1923 ao Azerbaijão. 
Veja-se ainda a própria Rússia, com seu imen-
so território: existe aí um predomínio da 
 
 12 
etnia russa (83 % ) , mas também há a forte pre-
sença, especialmente em determinadas re-
giões, de outras etnias que almejam maior 
autonomia frente aos russos (tais como tár-
taros, ucranianos, tchuvachos e outros). Os 
conflitos étnico-nacionais, dessa forma, ain-
da persistem na ex-URSS e deverão se agra-
var nos próximos meses ou anos. 
Não se pode esquecer que a "linha dura" 
foi derrotada em agosto de 1991 mas ainda 
sobrevive, esperando a melhor ocasião para 
tentar novamente ganhar mais espaço. Se 
persistir a atual situação de declínio econô-
mico e do padrão de vida da população, so-
bretudo com a carência de alimentos, é bas-
tante provável que muitos dos que repudia-
ram o malogrado do golpe conservador de agos-
to do ano passado revejam suas posições, ilu-
didos pela propaganda da antiga superpotên-
cia "socialista". Afinal, bem antes da peres-
troika os problemas econômicos e sociais so-
viéticos já se agravavam (com o declínio eco-
nômico e tecnológico frente ao Primeiro Mun-
do, com um déficit de 25 milhões de mora-
dias em meados dos anos 80, com a queda da 
produtividade na agricultura, com o progres-
sivo aumento nas taxas de mortalidade geral 
e infantil, daí advindo uma diminuição na 
expectativa média de vida etc.). Acontece que 
esses problemas eram escondidos ou censura-
dos, o que criava em muitas pessoas a ilusão 
de que tudo ia bem. Com a perestroika e a glas-
nost esses problemas vieram a público, sendo 
divulgados nos meios de comunicação. Na 
verdade, alguns deles até se aprofundaram a 
partir da desestruturação da planificação eco-
nômica e a introdução meio atabalhoada de 
mecanismos de mercado, o que acabou provo-
cando a falência de empresas, o aumento do 
desemprego, inflação etc. 
O prolongamento dessa crise poderá for-
talecer a "linha dura" e suscitar novas inves-
tidas desse setor, mesmo que ele dificilmente 
consiga uma volta completa a um passado em 
grande parte já superado e não mais repro-
duzível. 
A ex -União Soviética 
Com a desintegração da União Soviética, em fins de 1991, as repúblicas que a constituíam associaram-se na Comunidade de Estados 
Independentes - CEI. A Geórgia não aderiu à CEI. Letônia, Estônia e Lituânia se haviam desmembrado em setembro de 1991. 
As 1 5 Repúblicas da ex-URSS (1990) 
República Área (km2) População Etnias dominantes Renda per-capita 
(em rublos!) 
Li tuânia 65 200 3,7 l i tuanos (80%), r u s s o s (8,5%) e p o l o n e s e s (7,7%) 2 147 
L e t ô n i a 64 589 2,7 letões (54%), r u s s o s (32%) e b ie lorussos(5%) 2 647 
E s t ô n i a 45 100 1,6 es ton ianos(65%) , russos(83%) e ucran ianos(3%) 2 522 
R ú s s i a 17 045 400 147,0 r u s s o s (83%), tár taros(4%) e ucran ianos(2 ,8%) 2 397 
U c r â n i a 603 700 51,7 ucran ianos (74%), russos (20%), b ie lo russos ( l%) e 
judeus (1%) 1 896 
B ie iorúss ia 207 600 10,2 bielorussos (80%), russos (11 %) e poloneses (4,3%) 2 355 
U z b e q u i s t ã o 447 400 20,0 u z b e q u e s (69%), r u s s o s (11 %) e t á r t a r o s (4,2%) 1 209 
C a s a q u i s t ã o 2 717 300 16,5 r u s s o s (41 %), c a s a q u e s (36%) e u c r a n i a n o s (6%) 1 605 
G e ó r g i a 69 700 5,4 g e o r g i a n o s (69%), a r m ê n i o s (9%) e russos (7,5%) 2 063 
Azerba i j ão 86 600 7,0 azerbai janos (78%), a r m ê n i o s (8%) e russos (8%) 1 730 
M o l d á v i a 33 700 4,3 m o l d a v o s (15%), ucran ianos (64%) e russos( 12%) 1 709 
Qu i rgu i z ia 198 500 4,3 qu i rguizes (41 %), r u s s o s (22%) e uzbeques (11%) 1 209 
T a d i q u i s t ã o 143 100 5,2 tadz iques (59%), u z b e q u e s (23%) e r u s s o s (10%) 1 042 
A r m ê n i a 29 800 3,3 a r m ê n i o s (90%), azerba i janos (5,3%) e 
r u s s o s (2,5%) 1 938 
T u r q u e m e n i s t ã o 488 100 3,5 t u r c o m e n o s (13%), r u s s o s (65%) e 
u z b e q u e s (8,5%) 1 375 
* O valor do rublo em 1990, na ocasião da coleta desses dados, era de 1,6 dólar no câmbio oficial. 
No câmbio negro, todavia, que é mais realista, o valor do rublo era somente 15 centavos de dólar. 
Constituída até 1991 por 15 repúblicas e 
126 nacionalidades, a União Soviética deixou de 
existir no final desse ano, num processo ainda não 
completamente definido de autonomia de algu-
mas repúblicas e tentativas de definir as normas 
de uma confederação, a CEI - Comunidade de 
Estados Independentes. Como se percebe pelo 
mapa e pela tabela, a Rússia é a verdadeira 
sucessora da ex-URSS, uma imensa república 
com mais de 17 milhões de km2 e cerca de 147 
milhões de habitantes (por volta de 76% da área 
e 55% da população da ex-URSS). A Rússia na 
realidade não é uma república unitária e sim 
uma federação onde há várias regiões e repúbli-
cas relativamente autônomas. As demais repúbli-
cas via de regra são mais pobres que a Rússia, 
com renda per capita bem rríõ/s baixa. As duas 
exceções a esse respeito são as repúblicas bálti-
cas da lituânia e da Estônia, que juntamente com 
a Letônia (que também possui uma renda 
per capita acima da média da ex-URSS, embora 
abaixo da Rússia), alcançaram sua independên-
cia em setembro de 1991. 
Essas três repúblicas banhadas pelo mar 
Báltico foram ainda as últimas a serem incorpo-
radas à União Soviética, somente em 1940, e 
conviveram portanto menos tempo com a expe-
riência da planificação centralizada da vida eco-
nômica, algo que tornou mais fácil a sua sepa-
ração das demais repúblicas. 
Já as repúblicas meridionais, onde há uma 
forte presença de muçulmanos, são as mais po-
bres, com mais baixa renda per capita A Ucrâ-
nia possui uma renda per capita relativamente 
baixa, mas é uma república com um território 
duas vezes maior que a nova Alemanha ou que o 
Japão, com uma população significativa (mais de 
50 milhões) e com alguns dos melhores solos do 
mundo, sendo considerada um "celeiro agrícola" 
para as demais repúblicas. 
 
. Tanques em agosto de 1991 cercados por populares em Moscou. O golpe da "linha dura' fracassou exatamente porque multidões 
cercaram os tanques e impediram que as tropas controlassem os edifícios - sede do poder. 
A economia planificada e 
seus problemas 
É difícil hoje saber se a experiência da 
planificação centralizada da economia vai se 
repetir em algum outro país do globo. Por en-
quanto, essa parece ser uma experiência pra-
ticamente esgotada, ao menos na forma em 
que foi adotada e que teve na União Sovié-
tica o seu grande exemplo. É evidente que as 
coisas não mudam de um dia para o outro, e 
nem o que foi construído durante inúmeras 
décadas desaparece em alguns poucos anos. 
A economia planificada deixou profun-
das marcas ou heranças na organização social 
e espacial desses países e por esse motivo eles 
ainda formam, mesmo que provisoriamente, 
um grupo à parte, um Segundo Mundo que se 
industrializou, total ou parcialmente, através 
de uma planificação da economia e que não 
pode ainda ser incluído sem problemas no 
Primeiro Mundo nem no mundo subdesen-
volvido. A quase totalidade desses países, to-
davia, há alguns anos está abolindo a planifi-
cação centralizada, que vai sendo substituída 
por mecanismos de mercado e por formas de 
planejamento capitalistas. 
A planificação da economia deu certo ou 
errado? 
É difícil responder à essa pergunta. Pro-
vavelmente nem mesmo os economistas e 
planificadores desses países têm respostas 
conclusivas. Não existem certezas seguras 
neste caso, mas somente respostas provisó-
rias que certamente irão se alterando com o 
tempo, com novas experiências e reavalia-
ções. E provável inclusive que a resposta seja 
sim e não: a planificação da economia deucerto por um lado e fracassou por outro. Ela 
foi melhor para implantar um setor pesado de 
indústrias de bens de consumo. Ela foi mais 
apropriada para desenvolver a atividade in-
dustrial do que para a agricultura. Ela fun-
cionou melhor numa época de predominân-
cia das indústrias consideradas avançadas 
nos anos 50 ou 60 (petroquímica, de cimen-
to, metalúrgica e t c ) , mas parece ter fracassa-
do totalmente no momento de crescimento 
de novos setores avançados da atualidade 
(informática, telecomunicações, química fi-
na, robotização, biotecnologia e t c ) . 
A União Soviética, por exemplo, conhe-
ceu um notável arranque industrial nas déca-
das de 3 0 , 4 0 , 5 0 e parte da década de 60, mas 
já a partir dos anos 70 esse país passou a per-
der terreno frente ao maior dinamismo das 
economias do Japão, da Alemanha e outros, 
em especial no campo da tecnologia moder-
na. Em meados do anos 80, como já vimos, a 
 
 
 
 15 
União Soviética era um país que lutava para 
se manter no "grupo dos grandes" nos anos 90 
e especialmente no século XXI. Daí ter surgi-
do a política da perestroika, uma tentativa da 
facção mais esclarecida da elite dominante 
soviética de corrigir os problemas econômi-
cos e sociais e reforçar a posição desse país no 
grupo das grandes potências. 
O problema da burocratização 
Um dos principais problemas encontra-
dos em toda economia planificada é a burocra-
tização: como todas as normas vêm de cima, 
isto é, órgãos de planificação, as pessoas com 
cargos de decisão (diretores de empresas, por 
exemplo) acabam perdendo a capacidade de 
iniciativa e a criatividade, pois se acostu-
mam a fazer apenas aquilo que está previsto 
no plano em vigor. A centralização da eco-
nomia não prevê os problemas que podem 
surgir durante a execução do plano, em fun-
ção das características de cada lugar e de cada 
momento. E como, para enfrentar esses pro-
blemas específicos, são exigidas flexibilidade 
e capacidade de adequação, o plano emperra 
porque está baseado no centralismo e não na 
descentralização. 
Os planos qüinqüenais estabelecem de an-
temão o quê e quanto produzir, de quem e on-
de comprar, a que preços vender e t c , e a 
grande preocupação do burocrata nomeado 
como diretor de uma empresa é cumprir essas 
determinações, para continuar no cargo ou 
subir na carreira. Esse burocrata não vai se 
preocupar com o fato de que poderia eventual-
mente comprar mais barato as matérias-pri-
mas que utiliza, ou que os produtos que fabri-
ca não agradam aos consumidores. Sua única 
preocupação é "cumprir as metas" estabeleci-
das para sua empresa, mesmo que para isso 
tenha que recorrer à ficção estatística (re-
latórios falsos). 
Como numa economia desse tipo todas 
as empresas são estatais, não havendo concor-
rência entre elas nem falências, podia-se pro-
duzir realmente bem menos que o registrado 
oficialmente, pois o único prejudicado seria 
o consumidor comum (os "consumidores es-
peciais" , a elite privilegiada da burocracia, dis-
punha de lojas exclusivas, onde nada faltava). 
A ausência de iniciativa e de criatividade 
propagou-se mesmo entre os trabalhadores, 
também funcionários públicos e com empre-
go normalmente garantido, sem nenhum in-
teresse pelo desempenho da empresa. Caso 
uma máquina quebrasse, por exemplo, mes-
mo se os operários soubessem consertá-la em 
poucos minutos, eles preferiam enviar um re-
latório ao setor competente, que podia levar 
semanas para providenciar o conserto. Como 
não existia a necessidade de lucros para ga-
rantir os salários, atitudes desse tipo não al-
teravam os ganhos dos trabalhadores. 
Também a inovação tecnológica (e a in-
trodução de novos modelos de bens) era de-
sestimulada nesse tipo de economia, pois 
como não há concorrência entre empresas 
nem necessidade de agradar aos consumido-
res, as inovações tornam-se desnecessárias. 
Para que introduzir um novo tipo ou modelo 
de sapato, ou de calças, por exemplo, se o im-
portante é apenas a quantidade (o plano es-
tabelece que tal fábrica irá fazer x pares de 
sapatos em 5 anos, não dizendo nada sobre 
modelos, cores etc) e nunca a qualidade ou o 
gosto do consumidor? 
Funcionando dessa forma durante dé-
cadas, o sistema de planificação da economia 
mostrou-se incapaz de oferecer à população a 
variedade e qualidade de produtos que as in-
dústrias do Primeiro Mundo jogam continua-
mente nas lojas de todas as cidades. 
Para tentar dinamizar suas economias, os 
países que adotavam a planificação centrali-
zada passaram a substituí-la há alguns anos 
por mecanismos de mercado, oferecendo in-
clusive incentivos aos trabalhadores mais 
produtivos, o que passou a ampliar as diferen-
ças salariais. Concorrência entre empresas, 
descentralização das decisões, propriedade
 
 
 
 16 
privada em inúmeros setores: estas são algu-
mas outras modificações que foram sendo in-
troduzidas nesses países nos últimos anos. 
O "modelo soviético" e 
seu ocaso 
O modelo seguido pelos países do "socialis-
mo real" não se limitou "a planificação cen-
tralizada da economia. Ele implicava tam-
bém uma vida política dominada por um par-
tido único e oficial, que dizia representar os 
trabalhadores e que nunca deixava o poder. 
Não havia liberdade para outros partidos e 
menos ainda para eleições periódicas com 
rotatividade nos cargos. O partido oficial, 
geralmente denominado comunista, se con-
fundia com o estado e com o governo. E como 
ele apregoava representar os trabalhadores, 
as greves eram proibidas por lei. Afinal, 
como se justificariam greves de operários con-
tra um governo (as empresas eram todas es-
tatais) que seria deles próprios? 
Foi exatamente este o singelo argumento 
utilizado em 1921 por Lênin, o fundador do 
Estado soviético: o direito de greve só deve-
ria existir no capitalismo, onde há a proprie-
dade privada dos meios de produção; com a 
socialização ou estatização dos meios de produ-
ção, tal direito passaria a ser um crime pas-
sível de prisão e até fuzilamento, uma "trai-
ção à nação socialista". 
Esse "modelo soviético", como era cha-
mado por ter sido introduzido inicialmente 
na União Soviética e posteriormente nos de-
mais países "socialistas", começou a mudar 
em 1989. Na maior parte desse países, a 
começar pela União Soviética e pelas nações 
da Europa Oriental, o monopólio de um par-
tido único praticamente já cedeu lugar ao 
pluripartidarismo, o direito de greve é plena-
mente admitido e eleições livres para cargos 
políticos importantes foram realizadas. A 
imensa maioria dos antigos partidos comu-
nistas ou dos trabalhadores mudou de nome e 
de objetivos, passando a encaminhar-se na 
direção da social-democracia. 
E interessante registrar que tanto o "mo-
delo soviético" ou leninista como a social-
democracia tiveram origens comuns, oriun-
das do movimento trabalhista do final do sé-
culo passado e dos primórdios deste. Ambos 
buscaram, em grande parte, mesmo que 
tenham deixado isso de lado a partir de um 
certo momento, inspiração nos teóricos so-
cialistas do século passado, em especial Karl 
Marx. A separação e até oposição radical 
entre essas duas correntes de esquerda ocor-
reu por ocasião da Primeira Guerra Mundial, 
devido a diferentes estratégias dos movimen-
tos trabalhistas na Europa Ocidental e na 
Rússia. 
Em resumo, podemos dizer que a social-
democracia apregoa mudanças paulatinas 
dentro do capitalismo, um avanço da democra-
cia e da justiça social sem "revolução violen-
ta" para estatizar os meios de produção. E o 
leninismo, que gerou o "modelo soviético", 
apregoa uma "revolução", dirigida por um 
partido político que pretende ser o único re-
presentante dos trabalhadores ou do prole-
tariado, que significaria o finaldo capitalis-
mo e a sua substituição por um novo modelo 
de economia e de sociedade, o socialismo. 
No primeiro caso temos conquistas gra-
duais, com uma progressiva melhoria do 
padrão de vida (salários, condições e tempo 
de trabalho, moradia , participação na vida 
política e nas decisões das empresas, melho-
rias no meio ambiente e t c ) . No segundo 
caso temos um tudo ou nada, uma ilusão de 
mudanças repentinas e radicais: sai o capita-
lismo (o mal) e entra o socialismo (o bem), 
como se as relações cotidianas entre as pes-
soas dependesse de "modelos" sócio-econô-
micos, de sistemas que estariam acima dos 
indivíduos. 
A social-democracia ganhou terreno na 
Suécia, na Alemanha, na Dinamarca, na 
Inglaterra (com o trabalhismo) etc. Ela pro-
duziu, durante várias décadas, um "Estado do 
bem-estar social" - no qual há seguro-desem-
prego, moradia subsidiada para as famílias de 
baixa renda, excelente serviço médico-hospi-
talar e previdenciário gratuitos, boa escolari-
zação etc. - que hoje serve de inspiração para 
grande parte do mundo, inclusive para os 
países que adotaram até há pouco tempo o so-
cialismo real. Existem evidentemente pro-
blemas na social-democracia, em especial na 
Suécia, mas eles são incomparavelmente me-
nos graves que a profunda crise pela qual pas-
sou o "mundo socialista" desde meados dos 
anos 80. 
E por esse motivo que tantas estátuas de 
Lênin, o grande inspirador do modelo sovié-
tico e do socialismo real, foram derrubadas 
em Moscou, em São Petersburgo (ex-Lenin-
grado), em Praga, em Bucareste e t c , onde no 
lugar do leninismo entram novas propostas, 
talvez até ilusórias a longo prazo, em geral 
oriundas dos regimes social-democratas. 
Estátua de Lénin no chão. Lênin, o criador do Partido Bolchevique (depois Comunista), que tomou o poder em outubro de 1917 na 
Rússia, é considerado o inspirador do "modelo soviético", tão repudiado apartir de 1989 na Europa Oriental e na ex-URSS. Várias 
estátuas de Lênin foram derrubadas por manifestações populares, tanto em São Petersburgo (ex-Leningrado) como em outras cidades 
soviéticas e européias. 
18 
A t é por volta dos anos 70 o mundo era 
bipolar tanto do ponto de vista político-mili-
tar como no aspecto econômico. Havia de 
um lado a área ocidental ou capitalista, lide-
rada pelos Estados Unidos e, de outro lado, a 
área "socialista", liderada em grande parte 
pela União Soviética. Existiam na prática 
dois mercados internacionais: a divisão in-
ternacional capitalista do trabalho, onde 
havia um centro (Estados Unidos, principal-
mente, mas também Europa Ocidental è 
Japão, embora secundariamente) e inúmeras 
periferias (América Latina, África, Ásia em 
geral); e o pequeno comércio entre os países 
do Segundo mundo, representado em espe-
cial pelo Comecom. Mais de 90% do comér-
cio mundial era realizado por países capital-
istas, sendo que os países de economia plani-
ficada eram quase auto-suficientes. 
Hoje a situação é completamente diferen-
te. Sob o ponto de vista econômico - e tam-
bém, em parte, político - , o mundo de hoje 
não é bipolar e sim multipolar. Os Estados Uni-
dos continuam sendo um importante pólo 
econômico, mas há outros talvez mais impor-
tantes: o Mercado Comum Europeu, onde se 
destaca a Alemanha, e o Japão com sua perife-
ria imediata ou países por ele liderados (os "ti-
gres asiáticos", Austrália, Nova Zelândia etc.). 
Não há mais um mercado socialista. O 
próprio Comecom foi extinto. A Comuni-
dade de Estados Independentes, sucessora da 
ex-URSS, procura desesperadamente se in-
tegrar na Europa e os países europeus orien-
tais começam a ter mais relações com a 
Europa Ocidental que com a Rússia, que era 
o seu parceiro comercial privilegiado até o iní-
cio dos anos 80. 
A antiga Alemanha Oriental, o mais in-
dustrializado dos países "socialistas" da Eu-
ropa, acabou sendo anexada v a Alemanha O-
cidental. No lugar de uma união ou integra-
ção em bases igualitárias, o que ocorreu de 
fato foi uma incorporação de uma parte pela 
outra. Praticamente todas as leis da parte 
ocidental passaram a vigorar na parte orien-
tal; o marco alemão ocidental tornou-se a úni-
ca moeda alemã: e as normas econômicas do 
lado ocidental foram ou não introduzidas no 
lado oriental, inclusive com desmanches de 
fábricas que não se encaixavam nos padrões 
(de combate"a poluição, de tecnologia etc.) 
do lado ocidental. 
Pouco sobrou do mercado socialista, que 
existiu com seus parceiros e até preços diferen-
ciados até o final dos anos 80. Há ainda al-
guns resquícios, como é o caso do Camboja, 
do Vietnã, da Albânia ou de Cuba, que mes-
mo tentando atrair capitais estrangeiros, 
ainda não se adaptaram muito bem va nova 
ordem internacional multipolar. 
Cuba, por exemplo, até agosto do ano pas-
sado recebia petróleo a baixos preços da 
URSS e vendia açúcar aos países do Come-
com por valores até cinco vezes superiores 
àqueles vigentes no mercado internacional 
capitalista. Só que hoje isso não é mais pos-
sível, fato que vem provocando uma imensa 
crise de abastecimento nessa ilha. Cuba na 
realidade foi um modelo explicável pelo 
contexto da guerra fria e do mundo bipolar, 
ou seja, uma forma de economia que perdeu 
a sua razão de existir. 
Outra modificação ocorrida na divisão 
internacional do trabalho foi com os países 
subdesenvolvidos. Eles exportam cada vez 
 19
mais bens industrializados e comerciam bas-
tante entre si. Inúmeros países doTerceiro 
Mundo são hoje grandes exportadores de 
produtos manufaturados, que vão desde sapa-
tos até automóveis, passando por aço, produ-
tos eletrônicos (inclusive microcomputa-
dores), tecidos e roupas etc. Entre esses paí-
ses encontram-se principalmente a Coréia 
do Sul, Hong Kong, Malásia, Taiwan e 
Cingapura, embora também possam ser in-
cluídos o México, o Brasil, a África do Sul e 
outros. E as trocas entre países periféricos 
ampliou-se enormemente nas últimas dé-
cadas. Há uns 30 anos, por exemplo, menos 
de 20% das exportações brasileiras iam para a 
África, o Oriente Médio ou o restante da 
América Latina. Hoje essa proporção já 
atinge quase 50%. 
O mesmo se pode dizer de outros impor-
tantes países do Terceiro Mundo, que progres-
sivamente passam a exportar cada vez mais 
para outros países subdesenvolvidos, de onde 
também estão importando mais produtos. 
Outra forte tendência do mercado mun-
dial é a criação de "blocos econômicos" ou 
mercados supranacionais, cujo grande exem-
plo é o MCE - Mercado Comum Europeu. 
Este conta atualmente com 12 países-mem-
bros, mas poderá contar daqui a alguns anos 
com 19 e possivelmente até com 23 ou 25: há 
vários países europeus na fila de espera para 
ingressarem nesse mercado bem sucedido (pri-
meiramente a Suécia, a Suíça, a Finlândia e 
outros países da Europa Ocidental, depois 
as nações da Europa Oriental com maior afi-
nidade com a economia de mercado, tais 
como a Hungria e a Polônia; há também as 
três repúblicas bálticas da ex-URSS, por fim 
a Eslovénia e a Croácia, as duas repúblicas 
mais ricas da ex-Iugoslávia e t c ) . 
Mas há outros mercados supranacionais 
importantes: Estados Unidos, Canadá e Mé-
xico já possuem economias bastante inte-
gradas e discutem os pontos de um novo mer-
cado comum da América do Norte. E na 
Ásia se aventa a possibilidade de criação de 
um mercado comum com a participação 
destacada do Japão e dos "tigres asiáticos". 
Esses são hoje os grandes centros econô-
micos, tecnológicos e comerciais do espaço 
mundial: o Mercado Comum Europeu, no 
qual se destaca a Alemanha, o Mercado da 
América do Norte, com forte presença dos 
Estados Unidos, e a área ao redor do Japão. 
A Rússia e as demais repúblicas da ex-
U R S S não compõem esse grupo dos três 
principais centros ou pólos da economia 
mundial nem têm chances de acompanhar 
esse grupoainda nesta década. 
 
 
 
 
 
 
 
 20 
A ordem geopolítica internacional que 
prevaleceu desde 1945 está ruindo. A guerra 
fria acabou, ao que parece definitivamente. 
A partir de 1989, a União Soviética dei-
xou de garantir com suas tropas os regimes 
políticos da Europa Oriental, deixou de cri-
ticar violentamente o capitalismo e a econo-
mia de mercado, deixou, enfim, de assumir os 
papéis que vinha desempenhando desde pelo 
menos o final da Segunda Guerra Mundial. 
A área de influência geopolítica desse país 
desagregou-se vísivel e rapidamente a partir 
de 1989. O Pacto de Varsóvia, poderoso 
instrumento de domínio soviético sobre a 
Europa Oriental, foi extinto em 1991. Parece 
que a própria posição de superpotência mili-
tar da ex-URSS - e das repúblicas dela re-
manescentes que possuem ainda hoje um 
forte arsenal de armamentos nucleares, em 
especial a Rússia - encontra-se em crise, de-
vendo desaparecer definitivamente. 
A própria unidade da Rússia, bem como 
da CEI, é frágil e pode dar margem a novos 
separatismos e mesmo a conflitos sangrentos. 
Todavia, não podemos esquecer que quatro 
repúblicas da ex-URSS - Ucrânia, Casa-
quistão, Bielorússia e principalmente a Rús-
sia - possuem armamentos nucleares estoca-
dos, os quais provavelmente tem um poderio 
suficiente para acabar com a vida humana no 
planeta. O final da guerra fria, dessa forma, 
não encerrou com a possibilidade de uma guer-
ra nuclear, ou de uma terceira guerra mundial. 
Os Estados Unidos, por sua vez, pros-
seguem desempenhando seu papel político-
militar com igual ou talvez com até maior 
desenvoltura do que antes. E como se atual-
mente houvesse apenas uma superpotência 
militar. Em 1989, por exemplo, os Estados 
Unidos invadiram o Panamá, destituindo o 
dirigente desse país, general Noriega, a pre-
texto de combater o tráfico de drogas (cocaí-
na). E bastante provável que antes da peres-
troika e da política de abertura da União 
Soviética e dos países da Europa Oriental, os 
Estados Unidos não tivessem coragem de 
tomar uma atitude desse tipo, que ocasionaria 
uma resposta semelhante por parte da super-
potência rival. 
Com a crise do "mundo socialista", os Es-
tados Unidos parece que se sentiram mais 
"livres" para continuar desempenhando seu 
papel de superpotência militar. Em 1990, por 
exemplo, lideraram um cerco econômico e 
militar ao Iraque, que tinha invadido o Kuait 
em julho daquele ano. Cinco meses depois, 
em j aneiro de 1991, o governo de Washington 
liderou também a ação militar das "forças 
aliadas" contra o Iraque, da qual resultou a li-
bertação do Kuait. Este cerco e a subseqüente 
"guerra do golfo" teriam sem dúvida fracassa-
do se realizados antes de 1989, pois a União 
Soviética iria fornecer armamentos e outros 
bens ao Iraque. No entanto, em 1990 e 1991 
os soviéticos não tomaram essa atitude típica 
da Guerra Fria porque estavam mais interes-
sados, nesta sua nova fase de abertura para a 
economia de mercado, nas trocas comerciais 
e tecnológicas com os países do Primeiro 
Mundo. 
Com o término da Guerra Fria, inúmeras 
perguntas são colocadas: 
• Novas superpotências militares sur-
girão? 
• Cessarão ou diminuirão os conflitos ar-
mados no globo? 
• A nova ordem geopolítica mundial é 
21 
monopolar (isto é, com uma só superpotên-
cia), como apregoam vários autores, ou se 
encaminha também para a multipolaridade? 
A ascensão e queda das grandes 
potências 
Durante os últimos séculos, ou até milê-
nios, a regra geral é de ascensão e declínio de 
grandes potências econômicas e militares, 
mesmo que suas hegemonias perdurem du-
rante séculos. Tal foi o caso do Império Ro-
mano, na Antiguidade, ou, a partir do desen-
volvimento do capitalismo, das inúmeras po-
tências que tiveram durante algum tempo 
uma supremacia internacional: Portugal e 
Holanda, nos séculos XV e parte do XVI; 
Espanha no século XVII; Inglaterra nos sécu-
lc - XVIII e XIX; e Estados Unidos a partir da 
Segunda Guerra Mundial. 
Normalmente uma potência inaugura 
sua hegemonia pelo poderio econômico, se-
guido pelo militar. Segundo essa norma, o Ja-
pão e a Alemanha deveriam começar a inves-
tir no seu poderio militar nos dias atuais, pois 
desde os anos 80 superaram a (ex-) União 
i ética e estão quase alcançando os Esta-
do? Unidos em poderio econômico e tecnoló-
gico. Contudo, há dois elementos complica-
dores a esse respeito. Primeiro, vivemos nu-
ma época em que a humanidade pode se auto-
destruir. Segundo, ficou já evidente que os 
gast - militares reduzem o dinamismo da 
economia. 
Até por volta de meados deste século, o 
declínio de uma potência e a ascensão de 
outra era fato relativamente banal, que 
provocava guerras e mortes, porém nunca 
colocava em risco o futuro da humanidade. 
A Inglaterra, por exemplo, que era pratica-
mente a dona do mundo no século XIX, 
começou - ainda nas últimas décadas daque-
le século - a perder sua supremacia para 
outras economias em ascensão, como a nor-
te-americana e a alemã. A Primeira e, em es-
pecial, a Segunda Guerra Mundial, vieram 
somente confirmar o declínio britânico, colo-
cando os Estados Unidos como a nova gran-
de potência capitalista internacional. Fo-
ram, contudo, necessárias duas guerras mun-
diais para substituir uma grande potência por 
outra. 
Hoje isso não é mais possível: uma guerra 
mundial poderia exterminar a humanidade. 
E convém não esquecer que nas últimas dé-
cadas as elevadíssimas taxas de crescimento 
econômico do Japão e da Alemanha decor-
reram em parte do fato de eles não terem 
grandes gastos militares. Suas economias po-
deriam passar por problemas crescentes caso 
eles investissem bastante no setor militar. 
Para se tornar uma superpotência com ar-
mamentos nucleares no atual nível dos Es-
tados Unidos e da ex-União Soviética, um 
país deveria investir dezenas de trilhões de 
dólares, uma quantia gigantesca, que, se des-
viada para o setor militar, certamente acarre-
taria um grande sacrifício da economia civil. 
Os gastos militares são improdutivos mas 
até certo ponto necessários para uma grande 
potência econômica. Isso porque há um custo 
e um risco nos investimentos no exterior; 
além disso, o fornecimento de matérias-pri-
mas ou de combustíveis deve ser garantido a 
qualquer preço. 
Veja-se a crise recente no Oriente Mé-
dio, deflagrada pela invasão do Kuait pelo 
Iraque. Os preços do petróleo poderiam ter 
disparado e essa fonte de energia é básica 
para a economia moderna. Uma potência eco-
nômica deve ter - e costuma ter, dentro da 
lógica dominante há séculos - meios políti-
co-militares para contornar ou resolver tais 
crises. Os Estados Unidos foram o país que 
enviou mais tropas e instrumentos bélicos ao 
Oriente Médio - e não se pode esquecer no 
que tudo isso implica em termos de gastos 
econômicos. Sabemos contudo que uma ele-
vação excessiva do preço do petróleo preju-
dica mais as economias japonesa e alemã do 
que a norte-americana. 
2 2 
Até quando os Estados Unidos vão con-
tinuar atuando como o cão de guarda do 
"mundo ocidental ou capitalista", numa épo-
ca em que não há outro mundo e o poderio 
econômico dessa superpotência não mais cor-
responde ao excessivo papel político-militar? 
Já faz alguns anos que as autoridades 
norte-americanas pressionam o Japão no sen-
tido de que esse país amplie seus gastos mili-
tares e passe a cuidar de sua própria segu-
rança e talvez até das áreas vizinhas no 
oceano Pacífico. E os países europeus da 
OTAN, com a nova conjuntura internacio-
nal e com o final do Pacto de Varsóvia, já 
começam a se sentir incomodados com as 
tropas norte-americanas em seu continente. 
Eles já começaram a falarnum novo tratado 
militar europeu, que excluiria os países de 
fora (isto é, os Estados Unidos). 
Enfim, este é um momento de mudanças 
e de indefinições a esse respeito. O mais pro-
vável para os próximos anos, entretanto, é 
que o atual poderio político-militar e diplo-
mático norte-americano acabe sendo repar-
tido com uma crescente influência da nova 
Europa e do Japão. 
Há uma ordem econômica multipolar, 
embora aparentemente a ordem geopolítica 
seja monopolar, mas isso é um fato provisó-
rio, gerado pela rapidez da decadência sovié-
tica. A Europa e o Japão, acostumados du-
rante mais de quatro décadas a seguir a lide-
rança dos Estados Unidos em face do "perigo 
socialista", vivem neste momento uma fase 
de redefinição de sua política externa e de 
busca de maior influência para contrabalan-
çar a liderança norte-americana, que já não 
tem mais fundamento. Afinal, com o fim da 
Segunda Guena Mundial e o advento do mun-
do bipolar, os Estados Unidos sozinhos pos-
suíam um volume de produção econômica 
maior que toda a Europa Ocidental e o Japão 
somados. Hoje isso mudou substancialmen-
te, com um enorme declínio relativo dos Es-
tados Unidos frente ao fortalecimento do Ja-
pão e dos países europeus ocidentais em geral. 
Normalmente a influência político-mili-
tar de uma nação corresponde mais ou menos 
ao seu poderio econômico e tecnológico, que 
implica no fato de que o enorme e despropor-
cional papel dos Estados Unidos na defini-
ção da nova ordem internacional deverá ser 
disputado ou repartido com uma maior pre-
sença da Europa e do Japão. 
O novo papel da O N U 
Outro aspecto a assinalar com o final da 
guerra fria e da bipolaridade é o reforço da 
ONU e do grupo dos países mais industriali-
zados do Primeiro Mundo, os chamados "sete 
ricos" (EUA, Alemanha, Japão, Grã-Bre-
tanha, França, Itália e Canadá). A ONU 
nunca desempenhou um papel muito ativo 
nos conflitos internacionais porque o poder 
de veto no Conselho de Segurança dos Es-
tados Unidos e da União Soviética (além da 
China, da Inglaterra e da França) sempre fez 
com que nenhuma decisão realmente dura 
ou importante pudesse ser sancionada. Com 
o final da oposição Leste x Oeste, que deu 
origem a tantos impedimentos da ONU 
desde sua criação até 1989, percebe-se que 
há um novo e mais ativo papel para essa or-
ganização internacional. 
Pela primeira vez desde que foi criada, a 
ONU em 1990-1991 autorizou uma ação de 
natureza militar ofensiva: a libertação do 
Kuait por um conjunto de forças liderado 
pelos Estados Unidos e integrado também 
por tropas italianas, inglesas, sauditas, 
egípcias etc. 
O grupo dos "sete ricos", por sua vez, vem 
ampliando a sua importância econômica e 
até política no cenário internacional devido 
ao enorme poder de investimentos que pos-
sui (grande parte do PNB mundial localiza-
se nesses sete países) e devido também à crise 
dos países "socialistas" e dos países endivida-
dos do Terceiro Mundo. O final da oposição 
Leste x Oeste, dessa forma, vem reforçar 
 
 23
 
ainda mais as disparidades entre o Norte 
rico, especialmente esse grupo de sete países, 
e o Sul pobre e menos industrializado. 
Quanto aos conflitos armados, o que se 
vem notando desde 1989 é que a paralisação 
da Guerra Fria não os diminuiu. Talvez até 
mesmo os tenha aumentado. Com o apogeu 
da Guerra Fria e a divisão do mundo em 
"áreas de influência" dos Estados Unidos e da 
União Soviética, ocorriam guerras, mas não 
de maneira tão intensa. Isso porque as duas su-
perpotências sempre procuravam evitar con-
flitos que pudessem gerar uma crise mundial. 
Afinal, a Guerra Fria não era somente uma 
competição ou oposição, mas também uma 
forma implícita de cooperação ou coni-
vência, uma política de tentar controlar os 
demais países e as oposições internas. 
Nos últimos anos o que se nota é que no-
vos atores entraram em cena, aproveitando o 
vazio deixado pelo congelamento da Guerca Fria. 
Houve, por exemplo, casos de governantes 
de países do Terceiro Mundo que invadiram 
territórios vizinhos ou ainda que procuraram 
ou procuram desenvolver armamentos nu-
cleares, visando possivelmente uma situação 
futura de potências regionais. E provável 
aindaqueo "clube atômico", isto é, o conjun-
to de países que possuem bombas nucleares, 
se amplie consideravelmente nas próximas 
décadas. 
Tudo isso vem produzindo um mundo mais 
instável e menos previsível. Por um lado, isto 
é positivo, pois surgem novas possibilidades e 
opções, que eram obstaculanzadas pela Guer-
ra Fria. Mas, por outro lado, essa situação 
encerra perigos de violentas guerras ou con-
flitos armados internos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 [Foto ilegível] 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Reunião dos sete grandes e ou sete ricos (Itália, Alemanha, França, Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Japão). A nova ordem interna-
cional em grande parte vai sendo definida pelas politicas - de ajudas, renegociações de dívidas, reconhecimentos de novas nações etc -
desses países mais industrializados. 
 
 
 
 
 
 
 24 
O M U N D O B I P O L A R DE I 945 ATÉ OS A N O S 80 
M U N D O C A P I T A L I S T A 
M U N D O S O C I A L I S T A 
Areas satelizadas pela 
superpotência "socialista" 
O M U N D O MULTIPOLAR DOS A N O S 90 
ÁREAS AINDA INDEFINIDAS
/ . C E I - Comunidade de Estados Independentes (ex -URSS) . 
Por um fado, pode vir a tomar-se uma periferia da Europa; por outro lado, 
pode ocorrer a incorporação das Repúblicas meridionais c islâmicas ao 
Oriente Médio. Pode também vir a ser um mercado comum efetivo, menos 
importante que os três principais. 
2. C h i n a Pode ser periferizada pelo Japão ou toma-se 
uma nova potência. 
3. Oriente Médio. Área de disputa entre os três pólos ou centros importantes, com vantagem momentânea para 
os Estados Unidos; pode também vir a ser uma região original pela união dos povos e Estados 
islâmicos, com tendência a não se alinhar preferenúalmente em nenhum dos três centros. 
redescoberta da 
complexidade 
do mundo 
 A Guerra Fria possuía uma ideologia, 
que consistia na supervalorização da opo-
sição entre capitalismo (para uns sinônimo 
de opressão, para outros de liberdade) e socia-
lismo ou comunismo (para uns sinônimo de 
paraíso na Terra, para outros de totalitaris-
mo). E como se não houvesse outras opções 
ou vias, mas somente duas: uma simbolizada 
pelos Estados Unidos e outra pela União So-
viética. Como se o século XX pudesse ser in-
terpretado como a luta ou oposição entre es-
ses dois sistemas sócio-econômicos ou "mo-
dos de produção". 
Essa ideologia, felizmente, já se encontra 
superada. Podemos até encontrá-la, sob diver-
sas roupagens, em inúmeras obras dogmáti-
cas; mas essa interpretação simplificadora e 
falsa já não faz mais adeptos nem tem base de 
sustentação na realidade empírica; não tem 
futuro, afinal. 
Do lado dos que defendiam o modo de vi-
da norte-americano ou do capitalismo já não 
há mais o "inimigo", o "outro lado" a ser com-
batido. O que começa a surgir com clareza é o 
fato de que "capitalismo" não explica tudo, 
que esse sistema sócio-econômico existetan-
to na Suécia como na índia, realidades ex-
tremamente diferenciadas. 
Redescobre-se a importância das lutas so-
ciais (não confundir com "lutas pelo socialis-
mo", como faziam alguns até há pouco tem-
po), das culturas ou civilizações, das especifi-
cidades nacionais e até regionais. 
E do lado dos que defendiam o "modelo so-
viético" (mesmo que tenham em Cuba seu 
grande exemplo), já não há mais um "paraí-
so" a ser apontado como exemplo para o fu-
turo sob o capitalismo. A economia planifi-
cada e o partido político de inspiração leni-
nista (o partido que sepretende único, guar-
dião dos dogmas marxistas-leninistas, ex-
tremamente centralizado e burocratizado, 
mas que diz representar os trabalhadores) fra-
cassaram em todas as partes onde vigoraram. 
Nessas condições, há uma redescoberta 
da complexidade do mundo. A questão das cul-
turas - vide a importância do islamismo no 
Oriente Médio, por exemplo, ou do hinduís-
mo na índia e do confucionismo na China -
passa a ser revalorizada. Os projetos políticos 
que muitas vezes redefinem as condições 
econômicas - como o da unificação européia 
- voltam a ser também valorizados. 
Enfim, redescobre-se a pluralidade de ca-
minhos e opções que existem ou que podem 
ser criados. O dogmatismo do "caminho úni-
co" está em baixa e a nqueza cultural da plu-
ralidade e da diversidade ganha espaços nas 
teorias e explicações do mundo. Isso, a nosso 
ver, é enriquecedor para o ensino da Geo-
grafia. E enfrentando desafios e refletindo 
sobre as mudanças que se desenvolvem o 
raciocínio e a criticidade. 
Uma das variantes da ideologia da Guer-
ra Fria, que chegou a ter alguma importância 
na Geografia humana, foi a filosofia deter-
minista da história baseada na sucessão de 
etapas ou" modos de produção": comunidade 
primitiva, escravismo, feudalismo, capitalis-
mo e socialismo. Trata-se de uma vulgariza-
ção do marxismo operada em especial pelo 
stalinismo e que dá ênfase à economia, e à 
produção. E como se houvesse "leis da his-
tória" que levassem necessariamente a está-
gios e, no seu final, ao socialismo e ao comu-
nismo (com etapa posterior do socialismo). 
 
 27
Mesmo essa variante hoje se encontra em 
crise. Até os grandes teóricos-historiadores, 
filósofos ou sociólogos russos, tchecos, polo-
neses etc. - que procuravam fundamentar 
esse esquema evolucionista estão revendo suas 
idéias e reelaborando suas obras e suas inter-
pretações sobre o mundo com uma crítica des-
se economicismo de inspiração stalinista (e 
que era tabu nesses países até alguns anos; era 
uma espécie de "teoria científica oficial"). 
Não precisamos nomear o futuro. Sabe-
mos que as conquistas sociais - quaisquer que 
sejam: reforma agrária, redistribuição mais 
igualitária da renda nacional, normas de de-
fesa dos consumidores, menor poluição nos 
rios ou na atmosfera, moradia para os sem te-
to, seguro-desemprego etc. - sempre resul-
tam de lutas sociais, de reivindicações popu-
lares que se tornam vitoriosas. E isso é válido 
em qualquer parte do mundo: também nos 
países do Primeiro Mundo o elevado padrão 
de vida para os trabalhadores resultou de 
conquistas populares. 
Não é portanto necessário nenhum rótu-
lo-seja "socialismo", seja "comunismo", seja 
modelo cubano" ou seja "modelo norte-
americano" - para se nomear uma sociedade 
mais justa e igualitária. Somente as mentes 
autoritárias é que precisam de certezas pré-
vias, de definições já prontas quanto ao fu-
turo, de perspectivas bem delineadas e es-
quematizadas. E por isso que o "modelo so-
viético" foi extremamente autoritário e repres-
sor: mesmo carregando boas intenções (a so-
ciedade igualitária), a atitude de pretender 
representar as" leis da história", a dialética ou 
"verdade do social" acaba conduzindo à in-
transigência em relação a todos os que pen-
sam de forma diferente. 
A atitude mais democrática é sempre a de 
aprender continuamente, de se abrir para 
novas experiências, de aceitar a pluralidade e 
a complexidade do mundo. Não precisamos 
de nenhum esquema teórico que nos dê (e aos 
alunos) certezas quanto ao futuro, mas ape-
nas de abertura para os novos acontecimen-
tos e as novas idéias. 
O final da bipolaridade e da oposição Les-
te x Oeste cede lugar a novas contradições e 
tensões. 
Em primeiro lugar, a disparidade Norte x 
Sul, com o agravamento do abismo entre os 
países líderes da economia e da tecnologia 
modernas e o pelotão de retardatários da 
Africa em geral, do sul e sudeste da Ásia e da 
América Central. O Terceiro Mundo apare-
ce cada vez mais como complexo e heterogê-
neo, com situações bem diferenciadas. A 
idéia de periferia hoje se diversifica, podendo 
se reconhecer pelo menos três situações 
principais. 
Em primeiro lugar temos a periferia ime-
diata ou privilegiada de um centro ou pólo 
econômico e tecnológico importante, países 
que são incorporados em mercados comuns e 
conhecem uma grande melhoria nos padrões 
de vida. Neste caso temos o México na Amé-
rica do Norte, Portugal e Grécia na Europa (e 
talvez até futuramente a Europa Oriental e 
repúblicas da ex-URSS), os "tigres asiáticos" 
no Extremo Oriente. 
Em segundo lugar temos a periferia inter-
mediária, os países que se industrializaram e 
exportam bens manufaturados mas que estão 
à margem dos principais mercados suprana-
cionais. Aqui entram o Brasil, a Argentina, o 
Uruguai, a Venezuela e inúmeras outras na-
ções, que são dependentes tecnológica e fi-
nanceiramente dos centros internacionais 
da economia mas nunca meros fornecedores 
de matérias-primas. Em muitos casos eles 
tentam criar mercados regionais, como por 
exemplo o Mercosul. 
Por fim, temos a periferia mais pobre e 
dependente, constituída pelos países que não 
ingressaram no processo de modernização e só 
dispõem de minérios, produtos agrícolas pou-
co variados e valorizados e mão-de-obra ba-
rata (e cada vez menos necessária na econo-
mia informatizada e robotizada). Este é o cha-
mado "quarto mundo", o mundo dos países 
africanos, centro-americanos e de partes (sul
 
 
 
 28 
e sudeste) da Ásia, inclusive muitos dos oriun-
dos da dissolução do "mundo socialista" 
(como Vietnã, Camboja, Moçambique, Laos 
e t c ) . 
As contradições ou tensões políticas (em 
especial a oposição democracia e autoritaris-
mo), étnico-nacionais, culturais-religiosas e 
até ambientais se reforçam e ganham uma 
renovada importância nos destinos do mun-
do. A luta pelos direitos humanos - e, em 
muitos casos, pela sua extensão ou ampliação 
no sentido ambiental, das crianças, das mi-
norias etc. - está mais do que nunca na or-
dem do dia. As nacionalidades oprimidas no 
interior de Estados-nações dominados por 
outras etnias (veja-se o caso representativo 
da ex-Iugoslávia, dos curdos no Iraque, dos 
tibetanos na China, dos chechenos na Rús-
sia etc.) cada vez mais se organizam e reivin*-
dicam, às vezes até pela luta armada, a sua au-
tonomia. 
E a importância das culturas ou civiliza-
ções, que em muitos casos possuem um forte 
componente religioso (especialmente no caso do 
mundo islâmico), novamente vem se opor ao 
processo incompleto de ocidentalização do 
planeta. 
E a questão ecológica ou ambiental no sen-
tido amplo ganha a cada ano mais evidência, 
constituindo seguramente uma das mais im-
portantes frentes de lutas dos anos 90 e do 
início do século XXI. Daí se discutir tanto 
sobre o papel da ecologia na nova ordem in-
ternacional, sobre a Amazônia, a Antártida, 
o efeito-estufa, a biodiversidade etc. 
A questão ambiental deixou de ser um 
elemento secundário, como foi no mínimo 
até os anos 60, e passou a representar um dos 
temas mais candentes e polemizados na im-
prensa em geral e até na vida política. E que 
a humanidade - e países do Primeiro Mundo 
em especial, sempre na vanguarda do conhe-
cimento científico - percebeu desde os anos 
70 que a vida moderna e seus efeitos (po-
luição, armamentos nucleares, destruição da 
paisagem natural etc.) pode destruir a vida 
humana no planeta e também que a biodi-
versidade é positiva e necessária para o avan-
ço da qualidade de vida. 
A preservação de patrimônios ecológicos 
(e também culturais) e o controle da polui-
ção passam assim a ser condições sine qua non 
para manter ou até elevar os benefícios do 
progresso,

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