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Pertinência Temática nas Ações Coletivas

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Pertinência Temática nas Ações Coletivas
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Definição de Pertinência Temática 3. Natureza Jurídica da Pertinência Temática 4. Juízo de Admissibilidade 5. Casos específicos 5.1. Ação Civil Pública 5.2. Mandado de Segurança Coletivo 6. Conclusão 7. Bibliografia.
RESUMO: No presente estudo, analisaremos as questões relativas à legitimidade ativa nas ações coletivas, mais especificamente aquelas atinentes à pertinência temática, sua natureza jurídica e as atuais tendências acerca das características de seu juízo de admissibilidade.
RIASSUNTO: In presente studio, analizzaremo le questone relative alla legittimidà attiva nelle azioni collettive, più specificamente quelle relative a la vincolo materiale, sua natura giuridica e le attuali tendenze relative le caratteri di sullo giudizio di ammissibilidà.
PALAVRAS-CHAVE: ações coletivas – legitimidade ativa – pertinência temática
PAROLE CHIAVE: azioni collettive – legittimidà attiva – vincolo materiale
1. Introdução
O tema da legitimidade de agir nas ações coletivas causa grande aflição à doutrina que o aborda. A complexidade aumenta quando se adentra na questão da pertinência temática.
Isso se deve a dois fatores principais. O primeiro fator, de natureza hermenêutica, é a pretensão de compreender os institutos do direito processual coletivo pelo prisma dos tradicionais dogmas do processo civil individual. “Essa recorrente insistência de considerável parcela dos juízes (e demais operadores do direito) em interpretar dispositivos e institutos repousantes na legislação relativa a direitos metaindividuais exclusivamente à luz da caracterização/concepção desses institutos segundo a sistemática – individualista, registre in passant – do CPC, olvidando-se da necessidade de levar em consideração, sobretudo, os princípios relativos aos direitos metaindividuais, revela uma evidente deficiência técnica na aplicação da legislação metaindividual. Urge, pois, sedimentar no meio forense uma principiologia própria e inerente aos direitos metaindividuais”[1]
O outro fator responsável por tornar o tema tão controvertido é a oposição entre a origem teleológica do instituto da pertinência temática, ligada a idéia de limitação, legado da doutrina individual-liberalista, e a atual tendência no sentido de flexibilizar tal pressuposto de legitimidade, como forma de ampliar a efetivação do direito de ação coletiva.
Portanto, tais antinomias fazem da matéria campo fértil para enérgicos debates sobre variados aspectos, dentre eles, o da natureza jurídica da pertinência temática, o de seu juízo de admissibilidade.
Para arrematar esta parte introdutória, vale consignar que tais questões, embora eminentemente teóricas, geram indiscutíveis efeitos práticos, pois integram os caminhos obrigatoriamente trilhados pelo julgador, quando da análise inicial da ação e condicionam seu prosseguimento.
2. Definição de Pertinência Temática
A pertinência temática significa o nexo material entre os fins institucionais do legitimado ativo e a tutela pretendida na ação coletiva.
Segundo Fredie Didier Junior[2], é o “vínculo de afinidade temática entre o legitimado e o objeto litigioso”. Pedro da Silva Dinamarco[3] assevera que consiste na “proteção específica daquele bem que é objeto da ação civil pública ajuizada pela associação, ou com ela compatível”. Nas palavras de Motauri Ciocchetti de Souza[4], representa a “harmonização entre as finalidades institucionais das associações civis ou órgãos públicos legitimados e o objeto a ser tutelado na ação civil pública”.
Para Hugo Nigro Mazzilli, “significa que as associações civis devem incluir entre os seus fins institucionais a defesa dos interesses objetivos na ação civil pública ou coletiva por elas propostas, dispensada, embora, a autorização de assembléia. Em outras palavras, a pertinência temática é a adequação entre o objeto da ação e a finalidade institucional”[5].
A pertinência temática não se confunde com a representatividade adequada, muito embora alguns autores insistem em incluir a primeira como requisito da segunda. Por exemplo, Hugo Nigro Mazzilli, quando analisa a legitimidade das associações civis, ensina que essa representatividade é aferida à vista do preenchimento de dois requisitos: a) a pertinência temática; e b) a pré-constituição a mais de um ano.
No mesmo equívoco, data venia, incide o autor Elton Venturi[6], quando trata do tema representatividade adequada, expondo que “tal controle revela-se, na prática, muito mais de ordem formal que propriamente substancial, incidindo, para além da constatação da constituição válida e regular da entidade autora, também sobre a verificação do nexo de pertinência temática existente entre suas finalidades estatutárias ou institucionais e o objeto da tutela instrumentalizado pela demanda coletiva”.
Alguns tribunais também não têm acertado nos seus posicionamentos. Senão vejamos. “Ausência de representatividade adequada do grupamento substituído processualmente, pela associação de moradores e amigos do Jardim Botânico, diante da não ocorrência de congruência entre o objeto pretendido e os fins estatutários da entidade civil, sendo imprescindível o requisito da pertinência temática”[7].
Realmente, a representatividade adequada é um dos requisitos da class action norte-americana, que significa a aptidão técnica, institucional e financeira do órgão ou entidade que vale-se da tutela coletiva. Sua finalidade é qualificar o pólo ativo para fins de se evitar demandas coletivas precárias que poderiam prejudicar a coletividade, eis que a coisa julgada naquele sistema não é secundum eventum litis. No sistema brasileiro, ao contrário, não se cogita de representatividade adequada[8], eis que existe um rol legal de legitimados e a coisa julgada coletiva não prevalece para prejudicar qualquer interessado.
“Esta uma das notas distintivas entre o modelo norte-americano puro e a recepção brasileira, aqui a coisa julgada terá extensão erga omnes ou ultra partes secundum eventum litis, estendendo seus efeitos apenas para beneficiar os titulares dos direitos individuais. Muito embora não se possa repetir a demanda coletiva, nem mesmo com a propositura por outro legitimado, as demandas individuais não ficam prejudicadas em caso de improcedência (mérito) das ações coletivas”[9].
No sistema norte-americano, a coisa julgada vincula qualquer interessado, ainda que não tenha participado da ação coletiva, seja para beneficiar, seja para prejudicar. Portanto, a adequada representação significa exigir que o autor seja potencialmente apto a defender direitos alheios, como corolário dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. “Esse requisito é essencial para que haja o respeito ao devido processo legal em relação aos membros ausentes e, conseqüentemente, indispensável para que eles possam ser vinculados pela coisa julgada produzida na ação coletiva. Afinal, se os membros ausentes serão vinculados pelo resultado de uma ação conduzida por uma pessoa que se declara representante dos seus interesses, conceitos básicos de justiça impõem que essa representação seja adequada”[10].
Aqui, o que se exige é apenas o nexo entre a finalidade ou os objetivos institucionais do ente que figura no pólo ativo e o objeto da demanda, como uma forma de limitar o elenco de legitimados ativos, tendo em vista que a tutela coletiva representava, quando de sua criação no Brasil, uma quebra de paradigmas, ou para tentar adequar a legitimidade da tutela coletiva ao conceito geral de legitimidade ad causam do Processo Civil tradicional, como uma espécie de adaptação do novo às regras gerais previstas nos artigos 6° do Código de Processo Civil[11] e 76 do Código Civil de 1916[12].
Essa ideologia individualista, tida como uma das fontes da pertinência temática, é facilmente observada nas palavras de Clóvis Bevilácqua[13], que almejava um utópico “direito privado puro”, livre dos interesses públicos ou coletivos: “Outra controvérsia, a que pôs termo, foi referente à persistência dasações populares, que, no Direito romano, tinham por objeto a defesa dos bens públicos. Na organização jurídica ‘moderna’, os atos que davam causa às ações populares, passaram a constituir crimes reprimidos pelo Código Penal, sendo a matéria, ora de leis de polícia, ora de posturas municipais, e algumas vezes ofensas a direitos individuais”.
Atualmente, como analisaremos, a doutrina e a jurisprudência, já livres dos grilhões desse ideal de pureza, têm flexibilizado a análise deste requisito de admissibilidade da legitimidade ativa, em contemplação aos princípios da máxima efetividade dos direitos individuais e coletivos, e ao direito ao amplo acesso à Justiça.
Portanto, para concluir, há uma notável diferença entre as origens teleológicas dos institutos da pertinência temática e da representatividade adequada, pois a primeira liga-se à idéia liberal-individualista de limitação, enquanto que a segunda está mais próxima do conceito de viabilidade da legitimidade, como forma de assegurar o devido processo legal.
3. Natureza Jurídica da Pertinência Temática
A questão nevrálgica do tema ora em análise refere-se à natureza jurídica da pertinência temática. Estaria ela no âmbito da legitimidade ad causam ou do interesse de agir?
A doutrina tradicional insere-a no campo de legitimidade, enquanto que, autores mais modernos, colocam-a no campo do interesse de agir.
Arruda Alvim[14], quando discorre acerca das associações na defesa dos direitos dos consumidores, pondera que a “entidade associativa, por exemplo, ao utilizar o direito de ação para a proteção de interesse ou direito coletivo (art. 81, parágrafo único, II), tal como conceituado por este Código, deve ser considerada parte legítima, tendo-se presente o disposto no art. 5º, inciso XX, da Constituição Federal, desde que, dentre as suas finalidades esteja inserida a defesa dos consumidores”– destaque nosso.
De outra parte, Luiz Manoel Gomes Júnior[15] anota que a “pertinência temática possui uma maior relação com o interesse processual do que com a legitimidade ad causam, apesar da dificuldade em efetuar uma separação precisa, já que analisada frente a uma determinada situação in concreto”.
Embora a divergência esteja clara, o entendimento da questão requer a pré-compreensão de alguns conceitos.
A legitimidade para agir em juízo é a “pertinência subjetiva da ação”[16]. Para José Carlos Barbosa Moreira[17], consiste na “coincidência entre a situação jurídica de uma pessoa, tal como resulta da postulação formulada perante o órgão judicial, e a situação legitimante prevista na lei para a posição processual que a essa pessoa atribui, ou que ela pretende assumir”. Portanto, a legitimidade ad causam é a relação entre as condições subjetivas da parte e o objeto da tutela jurídica.
O interesse de agir possui definição pragmática, ligada à idéia de proveito e analisada in concreto. É dizer, a tutela jurisdicional pretendida deve satisfazer aos requisitos da necessidade e da utilidade, sem os quais configurar-se-á a carência da ação, por falta de interesse processual. Liebman, cuja lição fora referida em decisão do Superior Tribunal de Justiça[18], assevera que o “interesse processual ou interesse de agir existe, quando há para o autor utilidade e necessidade de conseguir o recebimento do pedido para obter, por este meio, a satisfação do interesse (material) que ficou insatisfeito pela atitude de outra pessoa”.
Diante dessas definições, parece-me que a questão da pertinência temática liga-se à legitimidade de agir, considerando o subjetivismo inserido em ambos os institutos. De fato, a relação entre o sujeito da ação e objeto da tutela é inerente a ambos os conceitos.
A própria celeuma acerca das teorias da legitimidade nas ações coletivas se volta para a questão da pertinência temática. Ora se adotarmos a teoria da legitimidade extraordinária, desnecessária a análise acerca dos fins institucionais do sujeito ativo, pois, de qualquer forma, age em juízo, para a tutela de interesses alheios. Agora, caso seja acolhida a teoria da legitimidade ordinária, a questão da pertinência temática torna-se de indispensável verificação, pois o legitimado atuaria em defesa dos interesses próprios, dos fins institucionais que lhes são inerentes.
Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior[19] ponderam que “ocorrendo um reconhecimento, pelo direito, da posição de titular de direito subjetivo ao sindicato, entidade de classe ou associação, em decorrência da sua afinidade temática com o direito objetivo violado, dar-se-á legitimação ordinária (...)”. E a adoção dessa teoria, nas palavras de Cássio Scarpinella Bueno[20], resultaria “irrefutável a necessidade da pesquisa em torno das finalidades estatutárias dos entes que se afirmaram legitimados para agir em juízo, eis que é de sua constatação que ressalta a afirmada titularidade da lide e, portanto, a legitimação ordinária”.
Não é por acaso que, parte da doutrina, como, por exemplo, os autores Kazuo Watanabe[21] e Ada Pellegrini Grinover, defende tratar-se de legitimidade ordinária a atuação das associações civis, quando o objeto da tutela pretendida mantém nexo com os fins institucionais da entidade autora. É dizer, quando a lei exige a pertinência temática, a legitimidade deixa de ser extraordinária, que é a regra geral[22], e passa a configurar legitimidade ordinária.
Além dessa afinidade entre esses conceitos, outro fundamento, de ordem cronológica, justifica nossa posição. A legitimidade de agir, bem como a pertinência temática são requisitos verificados a priori, inicialmente, previamente. A análise do interesse de agir, que é a posteriori, pressupõe o juízo positivo da legitimidade. Somente se pode verificar a utilidade e a necessidade de um provimento jurisdicional em relação à determinada pessoa, dotada de certos atributos, e inserida em determinado contexto.
Para Clayton Maranhão e Eduardo Cambi[23], a “pertinência temática da questão, por força do art. 5º, inc. II, da LACP, deve ser analisada pelo Judiciário para afastar a legitimidade ativa das associações, evitando que demandas mal propostas gerem, por absoluta falta de condições técnicas adequadas, decisões inconsistentes que, ao não conseguirem tutelar efetivamente os direitos transindividuais, também possam vir a comprometer a sua defesa, dando margem a decisões acobertadas pela coisa julgada erga omnes”- destaque nosso.
Outrossim, o Supremo Tribunal Federal[24] tem inserido a questão da pertinência temática no bojo da legitimidade de agir: “Ação direta de inconstitucionalidade. Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL. Falta de legitimidade ativa. – Na ADI 1.792, a mesma Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL não teve reconhecida sua legitimidade para propô-la por falta de pertinência temática entre a matéria disciplinada nos dispositivos então impugnados e os objetivos institucionais específicos dela, por se ter entendido que os notários e registradores não podem enquadrar-se no conceito de profissionais liberais. – Sendo a pertinência temática requisito implícito da legitimação, entre outros, das Confederações e entidades de classe, e requisito que não decorreu de disposição legal, mas da interpretação que esta Corte fez diretamente do texto constitucional, esse requisito persiste não obstante ter sido vetado o parágrafo único do artigo 2º da lei 9868/99. É de se aplicar, portanto, no caso, o precedente acima referido.”
O Superior Tribunal de Justiça[25] também ratifica esta colocação: “Processo Civil. Recurso Especial. Ação civil pública. Associação de proteção aos consumidores. Legitimidade. Cadernetas de poupança. Planos Collor I e II. 1. As associações que tenham como finalidade institucional a proteção de consumidores possuem legitimidade para propor ação civil pública visando o pagamento de diferenças de correção monetária que porventura, em virtude dos planos econômicos Collor I e II, não tenham sido depositadas em contas de cadernetas de poupança. 2. Recurso especial não-provido.”
Em outra ocasião[26]: “Processocivil. Recursos especiais interpostos por instituições financeiras. Ação civil coletiva ajuizada pelo Movimento das Donas de Casa e Consumidores. Revisão de contratos de arrendamento mercantil. Legitimidade ativa. Substituição da variação cambial pelo INPC. Possibilidade. CDC. Honorários advocatícios. Sucumbência. Prequestionamento. Comissão de permanência. Taxa de mercado.
- O Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais tem legitimidade para figurar no pólo ativo de ação revisional de contrato de arrendamento mercantil celebrado pelos consumidores de Minas Gerais (...)”.
Pois bem. Necessário que se faça, nesse momento, uma importante diferenciação entre duas questões que, por serem tão parecidas, são tratadas indistintamente pela maioria dos autores que abordam o tema. Analisar a relação entre os fins previstos nos estatutos das entidades legitimadas e o objeto da ação coletiva (pertinência temática) não se confunde com a verificação da relação entre a satisfação dos interesses de parte considerável do grupo ou categoria e o objeto da tutela coletiva pretendida (interesse processual).
A primeira análise precede à segunda. Aquela é feita “in abstrato”, essa “in concreto”. Todo o acima exposto refere-se à primeira questão, à pertinência temática. Quanto à segunda questão, o magistrado analisará, como condição da ação, se presente o interesse processual. Se a tutela pretendida pelo autor da ação satisfaz o interesse de todo o grupo ou categoria ou de parte considerável dele. Se a medida judicial será efetivamente útil aos interessados, considerados num todo ou em partes, mesmo que já tenha sido detectada a pertinência temática. Em outras palavras, verifica-se qual é a proporção ideal do grupo que se beneficiará com a medida e se esta parcela faz da ação coletiva uma tutela útil.
Imagine que o Poder Público pretenda construir um aeroporto internacional em determinado bairro. Tal empreendimento causará muitos transtornos aos moradores que residem em torno do futuro terminal. Porém, sob outra óptica, o aeroporto levará muito progresso, desenvolvimento e empregos aos moradores do bairro como um todo. A Associação de Moradores do local possui, como fim institucional, a proteção do bem-estar daquela comunidade e, por isso, tem legitimidade para interpor uma ação coletiva para embargar a obra, porque inquestionável a presença da pertinência temática.
Porém, em uma análise concreta, “a posteriori”, teria esta associação interesse processual em impugnar o projeto, tendo em vista os benefícios que a obra trará aos moradores em geral? Portanto, o magistrado terá que verificar, segundo um juízo de ponderação de valores, o que é mais útil aos moradores, o embargo da obra por meio da tutela coletiva ou a efetiva instalação do aeroporto, com todo o progresso que ele acarretará. Este juízo é de interesse processual e não de legitimidade de agir ou pertinência temática.
Sobre esta questão, o Superior Tribunal de Justiça considera carente a ação coletiva quando parcela do grupo ou categoria tenha interesse divergente do restante[27]. O Supremo Tribunal Federal[28], a seu turno, entende que o interesse processual deve ser analisado como um todo, devendo-se processar a ação coletiva, mesmo que parte da categoria possa ser prejudicada com a medida pleiteada.
No entanto, embora tais entendimentos possam auxiliar o intérprete, somente após a análise do caso concreto, com suas peculiaridades, estará ele autorizado a concluir pela presença ou não do interesse de agir. Em suma, não podemos confundir a análise abstrata da legitimidade/pertinência temática com a questão concreta do interesse processual.
Por isso, data venia, não procede o argumento de que a pertinência temática é analisada in concreto e, por isso, deve ser verificada no âmbito do interesse de agir. Destarte, o juízo de admissibilidade da pertinência não pode ser específico e pontual, mas genérico e sutil, sob pena limitar sobremodo o acesso à Justiça.
4. Juízo de Admissibilidade
De fato, a tendência atual da doutrina e da jurisprudência pátria é tornar a verificação da pertinência temática um juízo flexível e amplo, livre das peculiaridades do caso concreto.
Nessa linha, decidiu o Superior Tribunal de Justiça[29]: “Processo Civil. Ação Civil Pública. Legitimidade ativa. Associação de bairro. A ação civil pública pode ser ajuizada tanto pelas associações exclusivamente constituídas para a defesa do meio ambiente quanto por aqueles que formadas por moradores de bairro, visam ao bem-estar coletivo, incluída evidentemente nessa cláusula a qualidade de vida, só preservada enquanto favorecida pelo meio ambiente”
Em outra oportunidade[30]: “Ação civil pública. Legitimidade. Fundação de assistência social à comunidade de pescadores. Defesa do meio ambiente. Construção. Fábrica de celulose. Embora não constando expressamente em suas finalidades institucionais a proteção do meio ambiente, é a fundação de assistência aos pescadores legitimada a propor ação civil pública para evitar a degradação ao meio ambiente em que vive a comunidade por ela assistida (...)”.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça[31] confirmou sua posição acerca do tema: ”Processual Civil - Ação civil pública - Legitimidade de associação de moradores. 1. Legitimidade ativa, para propor ação civil pública, de associação cujo um dos objetivos estatutários é a proteção dos interesses dos moradores de bairro, encontrando-se abrangido neste contexto a defesa ao meio ambiente saudável, a qualidade de vida.(...)”.
Merece destaque também[32]: “Processo Civil – Recurso Especial – Ação civil pública – Legitimidade ativa – Associação – Cobrança de taxa de ocupação sobre benfeitorias – imóveis situados em terrenos de marinha – concessão de liminar sem a oitiva do poder público – art. 2º da lei 8.437/92.”
Assim, conclui-se que o juízo de verificação da pertinência temática há de ser o mais flexível e amplo possível, em contemplação ao princípio constitucional do acesso à Justiça, mormente se considerarmos a máxima efetividade dos direitos fundamentais. Aliás, Mauro Cappelleti e Bryant Carth[33] detectaram três ondas renovatórias da Era Instrumentalista do Direito Processual, no sentido de assegurar o acesso à Justiça, e a segunda onda, especificamente, representa exatamente a consagração das formas coletivas de se promover a tutela jurisdicional. “O acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.
Ademais, não podemos pensar o processo como mero instrumento, dotado de formas e métodos pré-concebidos, mas como meio de transformação social, envolvido por valores, e veículo garantidor da eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, dentre eles, os de terceira geração, de índole difusa e coletiva. Segundo J.J. Calmon de Passos[34], “sem o processo, não há produto e só enquanto há processo há produto. A excelência do processo é algo que diz, necessariamente, com a excelência do produto e o produto só adquire entificação enquanto é processo, um querer dirigido para o criar o produto e mantê-lo sendo. Destarte, se o Direito é apenas depois de produzido, o produzir tem caráter integrativo, antes que instrumental e se faz tão substancial quanto o próprio dizer o Direito, pois que o produto é, aqui, indissociável do processo de sua produção, que sobre ele influi em termos de resultado. O produto também é processo, um permanente fazer, nunca definitivamente feito”.
5. Casos específicos
5.1. Na Ação Civil Pública
Na Ação Civil Pública exige-se a pertinência temática das associações, conforme previsto nos artigos 5º da Lei da Ação Civil Pública, artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor, artigo 210, III, do Estatuto da Criança e Adolescente, e artigo 81 do Estatuto do Idoso. Nesses casos, exige-se o nexo entre os fins institucionais da entidade e o objeto da tutela.
Quanto aos Partidos Políticos, que representamuma espécie de associação, entendia-se que a pertinência temática era geral para todos eles, devendo a ação coletiva se referir à defesa do regime democrático, à autenticidade do sistema representativo e à tutela dos direitos humanos fundamentais, conforme previsão da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (artigo 2º da Lei 5.682/71). Ocorre que, hodiernamente, conforme a tendência acima analisada, não mais se questiona acerca da pertinência temática dos partidos políticos. Destarte, o Supremo Tribunal Federal[35] já reconhecera assistir a “essas instituições condição de legitimadas ativas universais”, para toda espécie de ação coletiva.
Na Administração Pública Direta, a questão da pertinência temática tangencia a divisão constitucional das competências, devendo o Município se voltar para a defesa de interesses locais, o Estado para a tutela de interesses de âmbito regional e a União para interesses nacionais, segundo suas prioridades. Porém, essa pertinência temática territorial deve ser verificada com flexibilidade, sob pena de suprimir a tutela coletiva dos direitos dos administrados. “Ademais, ninguém recusa ao Município o poder de legislar sobre ‘assuntos de interesse local’ (art. 30, I, da Constituição da República). Lembre-se de que: ‘o interesse local se caracteriza pela predominância e não pela exclusividade do interesse para o Município, em relação ao do Estado e da União. Isso porque não há assunto municipal que não seja reflexamente de interesse estadual ou nacional. A diferença é apenas de grau, e não de substância.”[36].
Quanto à Administração Pública Indireta, não se requer o vínculo da pertinência temática. Porém, o mesmo não ocorre com os entes e órgãos públicos despersonalizados que, embora dotados de personalidade judiciária, devem demonstrar o nexo entre seus fins institucionais e a tutela judicial pretendida, conforme o artigo 82, III, do CDC. Porém, pela leitura do citado dispositivo legal, poderia supor que tais entes ou órgãos somente estariam autorizados a pleitear tutelas ligadas aos direitos dos consumidores, o que, na verdade, é inconcebível.
Destarte, o legislador, quando diz “interesses e direitos protegidos por este Código”, não visava a limitar a legitimidade de tais entes, mas a ressaltar, naquela ocasião, a defesa do consumidor. Mas, isso não significa que outros interesses não possam ser tutelados por aludidos órgãos, uma vez que este dispositivo legal é digno de interpretação extensiva, em respeito à atual tendência doutrinária no sentido de se ampliar as formas de exercício do direito de ação coletiva. Aliás, os projetos de lei do Código de Processo Civil Coletivo[37] não fazem qualquer limitação. Realmente, como negar, por exemplo, legitimidade ativa ao Conselho Tutelar para tutelar algum direito coletivo lato sensu em benefício das crianças e adolescentes de determinado Município?
A Defensoria Pública, a seu turno, como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados[38], tem agora expressa legitimidade para propor ações civis públicas, conforme recente alteração legislativa (Lei nº 11.448/07), após intermináveis debates sobre o tema, fomentados por parcela conservadora da jurisprudência[39] que não aceitava esta legitimidade.
No tocante à pertinência temática, a questão é mais simples em relação aos direitos coletivos e individuais homogênios, eis que indispensável que a tutela pretendida seja em benefício dos hipossuficientes. Em relação aos direitos difusos, a questão ainda é controvertida, existindo fortes indícios de que a pacificação seja no sentido da ampla legitimidade. “Temos, em princípio, que deve ser assegurada a legitimidade ampla da Defensoria Pública, não apenas para a defesa dos necessitados, considerando ser esta parte da Administração Pública, cuja legitimidade não possui restrições e, ainda, pelo fato de que na disciplina normativa da Lei da Ação Civil Pública, ao contrário das associações, (art. 5°, inciso V, alíneas “a” e “b”), não há qualquer limitação com relação à extensão da legitimidade”[40].
Aliás, o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP, elenca o rol de legitimados ativos, dentre eles, “a Defensoria Pública, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e coletivos, quando a coletividade ou os membros do grupo, categoria ou classe forem necessitados do ponto organizacional, e dos individuais homogênios, quando os membros do grupo, categoria ou classe forem, ao menos em parte, hipossuficientes” (artigo 20, IV). Note que, quando se fala em direitos difusos, não segue qualquer limitação.
Outrossim, nas palavras da Ministra Fátima Nancy Andrighi, “não se pode desconhecer a tendência cada vez mais acentuada em todo mundo, no sentido de facilitar o acesso à Justiça, desimpedindo-o de obstáculos de ordem patrimonial. Portanto, se atuação da Defensoria Pública ficar limitada, pela vedação (ou limitação) ao uso da ação civil pública, a parcela da população que não tiver condições de arcar com os custos do processo não terá acesso pleno ao Judiciário, direito constitucionalmente garantido”[41].
5.2. No Mandado de Segurança Coletivo
No mandado de segurança coletivo, os Partidos Políticos, desde que possuam representação no Congresso Nacional, não estão sujeitos à demonstração da pertinência temática, pois a Constituição Federal não exige qualquer limitação. O mesmo não ocorre, porém, com as associações que devem agir “em defesa dos interesses de seus membros ou associados”. (Constituição Federal, Artigo 5°, inciso LXX).
6. Conclusão
A título de arremate, a pertinência temática é o liame substancial entre os fins institucionais e o objeto da tutela pretendida. Não se confunde com a representatividade adequada, tendo em vista a origem teleológica diversa desses institutos.
Quanto à natureza jurídica, a pertinência temática se insere no bojo da legitimidade, pois seu momento de verificação é inicial, a priori, ou seja, antecede a análise do interesse de agir. Além disso, a pertinência temática requer mero juízo abstrato, superficial, enquanto que o interesse de agir exige um juízo específico, factual e pontual da questão.
De fato, a pertinência temática, de raiz liberal-individualista, como espécie de limitação ao direito de ação coletiva, deve ter uma verificação flexível e ampla, sob pena de sacrificarmos o direito fundamental de acesso à Justiça.
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[3] DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Público. São Paulo: Editora SRS, 2008, p.244.
[4] SOUZA, Motauri Ciocchetti. Ação Civil Pública e Inquérito Civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p.46.
[5] MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.260.
[6] VENTURI, Elton. Processo Civil Coletivo. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.222.
[7] Tribunal Regional Federal da 2ª Região, 3ª Turma, AC 159.652-RJ.
[8] No entanto, o anteprojeto de Código de Processo Civil Coletivo de Antônio Gidi prevê que “a ação somente poderá ser conduzida na forma coletiva se: II- o legitimado coletivo e o advogado do grupo puderem representar adequadamente os direitos do grupo e de seus membros” (artigo 3°). Em compensação, a coisa julgada coletiva não vinculará o grupo e seus membros, se a improcedência for causada por representação inadequada (artigo18). Por sua vez, o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP dispõe que “são legitimados concorrentemente a ação coletiva: I – qualquer pessoa, para defesa dos interesses ou direitos difusos, desde que o Juiz reconheça sua representatividade adequada, demonstrada por dados como: a) – a credibilidade, capacidade e experiência do legitimado; b) – seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos difusos e coletivos; c) – sua conduta em eventuais processos coletivos em que tenha atuado. II – o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos coletivos, e individuais homogêneos, desde que o Juiz reconheça sua representatividade adequada, nos termos do inciso I deste artigo” (artigo 20).
[9] DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. V. 4. Salvador-BA: Editora Podivm, 2007, p.57.
[10] GIDI, Antônio. A Class Action como instrumento de tutela coletiva dos direitos. São Paulo: RT, 2007, p.99.
[11] Artigo 6°. Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.
[12] Artigo 76°. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral.
[13] BEVILÁCQUA, Clóvis. In: DIDIER JR, Fredie. e ZANETI JR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil - Processo Coletivo. V. 4. Salvador-BA: Editora Podivm, 2007, p.26.
[14] ALVIM, Arruda. Código do Consumidor Comentado . São Paulo, RT, 195, p. 387.
[15] GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Coletivo. 2. Ed., SRS Editora, 2007, p. 158.
[16] BUZAID, Alfredo. In: DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Juspodivm, v.1, 6. Ed, 2006, p. 173.
[17] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Editora Forense, 6. Ed, 1993.
[18] STJ, REsp 215.137-ES. In: GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Coletivo. 2. Ed., SRS Editora, 2007, p. 155.
[19] Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo, Juspodivm, v. 4, 2007.
[20] BUENO, Cassio Scarpinella. A legitimidade ativa no mandado de segurança coletivo CF/88, art.5º, LXX”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 1997, nº 88, p. 195.
[21] WATANABE, Kazuo. Tutela jurisdicional dos interesses difusos: a legitimação para agir. O autor utiliza-se da doutrina da “presentação” de Postes de Miranda, para discorrer acerca da legitimidade ordinária nas ações coletivas.
[22] Admitem a tese da legitimidade extraordinária, em regra, autores como José Carlos Barbosa Moreira, Rodolfo de Camargo Mancuso, Hugo Nigro Mazzili, Pedro da Silva Dinamarco, Araken de Assis, dentre outros.
[23] Artigo: Partes e terceiros na ação civil pública por dano ambiental.
[24] ADI 2482/MG, STF, Pleno, relator Min. Moreira Alves, julgado em 02/10/2002.
[25] STJ, REsp 416.448/PR, 2ª Turma, relator Min. João Otávio de Noronha, julgado em 02/02/2006.
[26] STJ, REsp 579.096/MG, 3ª Turma, relatora Nancy Andrighi, julgado em 14/12/2004.
[27] STJ, RMS nº 15.703-RJ, rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 18/03/2003.
[28] STF, RE 284.993-ES, rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 15/02/2005.
[29] STJ, REsp 31.150-SP, 2ª Turma, relatora Ari Pargendler, julgado em 20/05/1996. In: MARANHÃO, Clayton e CAMBI Eduardo. Artigo: Partes e terceiros na ação civil pública por dano ambiental.
[30] STJ, AR 497-BA, 1ª Seção, relator Min. Garcia Vieira, julgado em 12/08/1998. In: MARANHÃO, Clayton e CAMBI Eduardo. Artigo: Partes e terceiros na ação civil pública por dano ambiental.
[31] STJ, REsp 332.879/SP, 2ª Turma, relatora Min. Eliana Calmon, julgado em 17/12/2002.
[32] STJ, REsp 667.939/SC, 2ª Turma, relatora Min. Eliana Calmon, julgado em 20/03/2007. Aliás, o voto da relatora deixa claro a atual tendência de se flexibilizar a verificação da pertinência temática: “A questão a ser analisada no recurso especial diz respeito à legitimidade ativa da Associação Catarinense de Defesa do Consumidor - ACADECO para propor ação civil pública em que se questiona o pagamento da taxa de aforamento, da taxa de ocupação e do laudêmio sobre os valores correspondentes às benfeitorias existentes nos imóveis dos substituídos, foreiros de terrenos de marinha de propriedade da União.(...)
Afastada essa premissa, resta saber se 1) dentre as finalidades previstas no estatuto da ACADECO figuram outras hipóteses que legitimam a propositura da ação civil pública, na forma da Lei 7.347/85, e 2) se é possível às associações agir como substituto processual em ação civil pública para defender os interesses em discussão no caso concreto, análise que é possível a esta Corte diante da necessidade de aplicação do direito à espécie, conforme a 456/STF.
Pois bem, no estatuto da ACADECO, anexado à fl. 44 dos autos, estão incluídas entre as finalidades dessa entidade as seguintes:
- FINS: Promover a defesa do consumidor, de acordo com o preconizado na Lei nº. 8.078/90, legislação correlata e afim, a educação e informação sobre os seus direitos e deveres, para a consecução da política nacional de relação de consumo, com também dos contribuintes e quaisquer outras pessoas, físicas ou jurídicas, relativamente aos danos causados ao meio-ambiente, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ou a qualquer outro interesse difuso e coletivo e/ou individual, com base no permissivo legal vigente. (...)
Por outro lado, a legitimação das associações para o manuseio das ações civis públicas está normatizada na Lei 7.347/85, sendo pertinentes e relevantes os seguintes dispositivos:
Art. 5º A ação principal ea cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que:
I - esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil;
II - inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
Na situação jurídico-processual retratada nos autos, a ACADECO aparece pleiteando, em nome próprio, o direito de terceiros, o que determina a figura típica da substituição processual, que envolve legitimação extraordinária para agir em ação civil pública na qual se busca a defesa do interesse público primário de uma coletividade.
Na hipótese em análise, dúvida poderia ocorrer apenas quanto ao fato de estar a associação, eventualmente, defendendo direitos que extravasem os de seus próprios associados.
A questão, não obstante, é respondida, novamente, por Hugo Nigro Mazzilli, ob. cit., págs. 278/279:
Pode uma associação defender interesses transindividuais que ultrapassem os de seus próprios associados?
Em tese, a resposta também é positiva.
Quando uma associação civil se ponha a litigar em defesa de interesses difusos ou coletivos, tem-se reconhecido facilmente possa buscar um proveito que favoreça todo o grupo lesado, ainda que acabem sendo beneficiadas pessoas que dela não sejam associadas. Isso é até mesmo inevitável, dada a característica indivisível dos interesses difusos e coletivos. Assim, se uma associação de defesa do meio ambiente ou de defesa do consumidor ajuíza uma ação civil pública ou coletiva para zelar pela qualidade
do ar que respiramos, ou para combater uma propaganda enganosa divulgada pela televisão, está claro que eventual procedência beneficiará não apenas seus associados (interesses difusos). Da mesma forma, se uma associação civil de defesa dos moradores de um bairro pretende impedir o lançamento de poluentes numa represa que abasteça de água potável não só o próprio bairro, mas toda a cidade, é inegável que ela pode fazer um pedido que beneficie associados e não-associados (interesses difusos). E, mesmo quando ajuíze uma ação coletiva com o escopo anular uma cláusula em contrato de adesão, pode estar a beneficiar outras pessoas que se encontram na mesma condição (interesses coletivos).
Comungando deste entendimento, considero perfeitamente possível a atuação das associações em ações civis públicas na defesa de direitos e interesses transindividuais.
Trago à colação julgados desta Corte que se posicionam, de um modo geral, favoravelmente à legitimidade ativa das associações para compor o polo ativo dessa espécie de ação:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO CIVIL. LEGITIMIDADE. AÇÃO COLETIVA. POSSIBILIDADE. A Lei 8.078/90, ao alterar o art. 21 da Lei 7.347/85, ampliou o alcance da ação civil pública e das ações coletivas para abranger a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, desde que presente o interesse social relevante na demanda.
In casu, os interesses são homogêneos, tendo em vista o debate de uma ampla classe de segurados da Previdência Social, onde se tem um universo indeterminado de titulares desses direitos.
De acordo com a inteligência do artigo 21 do Código de Defesa do Consumidor, a Associação é legítima para propor ações que versem sobre direitos comunitários dos associados. Recurso desprovido.
(REsp 702.607/SC, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 09.08.2005, DJ 12.09.2005 p. 360) (...)”.
[33] CAPPELLETI, Mauro e CARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução e revisão: Ellen Gracie Northfleet. Sérgio Antônio Fabris, 1998.
[34] PASSOS, J.J. Calmon de. In: CARNEIRO, Wálber Araújo. Artigo: Processo e hermenêutica: a produção do direito como compreensão.
[35] STF, ADin 1.407-2/DF, rel. Min. Celso de Mello
[36] TJSP, Ap. Cível nº115.888-5/3-00. In: GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Coletivo. 2. Ed., SRS Editora, 2007, p. 104.
[37] ANTEPROJETO DE CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COLETIVO de Antônio Gidi, artigo 2ª, inciso III, combinado com item 2.4: São legitimados concorrentemente para a propositura da ação coletiva: III – as entidades e órgãos da administração pública, ainda que sem personalidade jurídica. 2.4: As associações e as entidades da administração pública somente poderão propor ações coletivas relacionadas como os seus fins institucionais (pertinência temática).
ANTEPROJETO DE CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP, artigo 20, inciso VI: São legitimados concorrentemente à ação coletiva ativa: VI - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, bem como os órgãos do Poder Legislativo, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e diretos indicados neste Código”.
[39] “Constitucional e Processual Civil. Ação civil pública. Defesa dos interesse dos consumidores de energia elétrica. Ilegitimidade ativa da Defensoria Pública. Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade. Nulidade do acórdão recorrido. Inocorrência. Embargos de declaração. Omissão. Contradição. Inexistência.
I - Os embargos de declaração constituem recurso de rígidos contornos processuais, consoante disciplinamento imerso no artigo 535 do Código de Processo Civil, exigindo-se, para seu acolhimento,
que estejam presentes os pressupostos legais de cabimento. Inocorrentes as hipóteses de obscuridade, contradição, omissão, ou ainda erro material, não há como prosperar o inconformismo, cujo real intento é a obtenção de efeitos infringentes.
II - Não há que se falar em omissão nem contradição no julgado vergastado, eis que o Pretório Excelso, por meio da ADIN nº 558-8/MC, não determinou que caberia à Defensoria Pública a promoção de ações coletivas, em nome próprio, na defesa dos interesses dos consumidores, tão-somente manteve a constitucionalidade do dispositivo estadual que permitia àquele órgão a tutela dos direitos coletivos dos necessitados.
III - Ademais, a aplicabilidade dos ditames do Código de Defesa do Consumidor à Lei de Ação Civil Pública, a teor do art. 21 desta última norma, somente ocorre quando for cabível, o que não se vislumbra in casu, mormente a Defensoria Pública não estar presente no rol taxativo do 5º da Lei nº 7.347/85 e, ainda, não ter sido especificamente destinada à tutela dos interesses consumeristas, conforme prevê o art. 82, inciso III, do CDC.
IV - Embargos de declaração rejeitados.” (EDcl no Resp 743.176/RJ, rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, julgado em 17/08/2006.
[40] GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Coletivo. 2. Ed., SRS Editora, 2007, p. 138.
[41] STJ, REsp 555.111-RJ. In: GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Coletivo. 2. Ed., SRS Editora, 2007, p. 136.
ALUÍSIO IUNES MONTI RUGGERI RÉ
Defensor Público do Estado de São Paulo, mestrando em Direito pela UNAERP.

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