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1 UNIVERSIDADE FUMEC /FCH CURSO: PUBLICIDADE E PROPAGANDA DISCIPLINA: COMUNICAÇÃO, ARTE E ESTÉTICA CADERNO DE ESTUDOS PROFESSOR: RODRIGO FONSECA E RODRIGUES SUMÁRIO Introdução.........................................................................................................03 PARTE I 1 - Arte e linguagem.............................................................................................05 1.1 - Arte e religião..............................................................................................06 1.2 - Conceitos e definições de “estética”................................................................07 1.2.1 - História da estética como “filosofia da arte”..................................................07 1.2.2 - Experiência estética....................................................................................12 1.3 – A criação na arte: poética, imaginação, fantasia, estilo, técnica, material............15 1.3.1 – Poética: definição......................................................................................16 1.3.2 – Fantasia e imaginação na arte......................................................................17 1.3.3 – Arte e técnica............................................................................................18 1.3.4 - O conceito de estilo....................................................................................19 1.3.5 – Os materiais da arte....................................................................................20 PARTE II 2 - Arte pré-histórica..............................................................................................21 2.1 - Arquitetura na pré-história...............................................................................22 2.1.2 - Escultura na pré-história...............................................................................23 2.2 - Arte na Mesopotâmia.......................................................................................24 2 2.2.1 - A arquitetura mesopotâmica............................................................................24 2.2.2 - A escultura e a ourivesaria mesopotâmicas.........................................................25 2.3 - Arte egípcia......................................................................................................26 2.3.1 -A arquitetura egípcia........................................................................................28 2.3.2 - Escultura e ourivesaria egípcias........................................................................29 2.3.3 - Pintura egípcia...............................................................................................30 2.4 - Arte na Grécia Antiga........................................................................................31 2.4.1 - A arquitetura grega.........................................................................................32 2.4.2 -A escultura grega.............................................................................................33 2.4.3 -A pintura dos vasos gregos................................................................................34 2.5 - Os primórdios do Gótico....................................................................................36 2.5.1 - O abade Suger e seu contexto histórico.............................................................37 2.5.2 - Suger e suas concepções teológicas..................................................................38 2.5.3 - A confluência das artes: a técnica com o fim de comover..................................39 2.6 - Arte no Renascimento.......................................................................................41 2.6.1 – A arquitetura do renascimento........................................................................42 2.6.2 – A escultura renascentista................................................................................43 2.6.3 – A pintura renascentista..................................................................................44 2. 7 - A cultura do barroco.......................................................................................46 2. 8 - O impressionismo...........................................................................................49 2.9 – Pós-impressionismo, pontilhismo, expressionismo e fauvismo.............................51 2.10 - ARTE MODERNA: contexto histórico e artistas pioneiros.................................52 2.10.1 – O futurismo...............................................................................................55 2.10.2 – O cubismo.................................................................................................56 2.10.3 – O dadaísmo...............................................................................................58 2.10.4 – O surrealismo............................................................................................61 2.11 – Resumo do texto A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica.................64 2.11.1 – O conceito de “aura”..................................................................................65 2.12 – A pop art....................................................................................................75 Referências...........................................................................................................77 3 Introdução Quem tiver alguma vez tentado compor arranjar uma mesa de jantar especial, compor um buquê de flores, combinar ou mudar cores de um ambiente, acrescentar um pouco ali e tirar um pouco acolá, combinar acessórios com roupas ou mesclar cuidadosamente o pudim com o creme terá experimentado essa estranha sensação de equilibrar formas e cores sem ser capaz de dizer exatamente que espécie de harmonia está tentando obter. Nada existe realmente a que se possa dar o nome de Arte. Existem somente artistas. Não prejudica ninguém dar o nome de arte a todas as atividades do artista, desde que se conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com A maiúscula não existe e também não há para ela nenhuma definição universal, nenhum significado que se mantenha por muito tempo. Os conceitos de arte são, em suma, imprecisos, divergentes, contraditórios, sendo igualmente múltiplas as concepções sobre a sua natureza. A palavra Ars, do latim, significava qualquer obra do homem, em oposição às obras criadas pela natureza. A maioria das pinturas e esculturas que hoje se alinham ao longo das paredes dos nossos museus e galerias não se destinava, quando foram criadas, a ser exibidas como Arte. Foram feitas para uma ocasião definida e um propósito determinado que habitavam a mente do “artista” quando pôs mãos à obra. Não raro, a arte também foi traçada a partir de programas externos: propaganda, celebrações, satisfez normas, vaidades, exigências, interesses extra- artísticos. Esteve a serviço do poder, foi instrumento ideológico. Mas sua riqueza intrínseca transcende os limites da sua mensagem e se desvia por caminhos incontroláveis. A arte é uma modalidade histórica do agir humano, de um secreto impulso expressivo. O fazer da arte repousa sobre o pressuposto da transformação da matéria numa expressão cultural específica. Os objetos artísticos nutrem a cultura e são nutridos por ela, mas não se pode, entretanto, defini-la pelos materiais que emprega. A arte é um conjunto de coisas produzidas por técnicas diferenciadas, mas tendo em si afinidades pelas quais se constituem 4 em sistema: que enquadra a experiência estéticada realidade. O que nos permite, afinal, agrupar como arte pinturas pré-históricas, renascentistas ou abstratas, por exemplo, com estilos, técnicas e materiais tão diferentes, se não podemos encontrar critérios no interior mesmo da noção de obra de arte? Quais forças, no entanto, determinariam a atribuição do qualificativo “arte” a um objeto? Somos capazes de identificar algumas produções da cultura que vivemos como sendo arte? O estatuto de arte não parte de uma definição abstrata, lógica ou teórica do conceito, mas de atribuições feitas por instrumentos de nossa cultura, dignificando os objetos. De fato, nossa cultura possui instrumentos específicos para definir a arte: o discurso sobre o objeto artístico, no qual reconhecemos competência e autoridade: o crítico, o historiador da arte, o perito, o curador, o conservador de museu etc. que conferem o estatuto de obra de arte a um objeto. Além disso, há os locais de acolhimento, apresentação e de “culto” às obras de arte: galerias, museus, exposições, salas de concerto, de cinema etc. Também existem muitas instituições legais que protegem as obras artísticas. Os textos teóricos e filosóficos, os discursos especializados sobre a arte não esgotam nem traduzem, contudo, a força e as potencialidades de uma obra, do que ela pode em nós, como nos afeta como nenhum outro invento do homem é capaz. A obra acaba sempre escapando ao desvendamento, ao entendimento total, porque ela constrói, com elementos do mundo sensível, um outro mundo, fecundo em ambiguidades. A obra de arte é portadora de um conhecimento diverso dos processos racionais e habita o domínio do indizível, da sensibilidade, sem fronteiras nítidas, diferente do mundo da ciência, da lógica, da teoria. A arte dá a ver, a ouvir, a sentir, a pensar, a dizer... O contato com a arte nos transforma, aguça os instrumentos (principalmente o próprio corpo) pelos quais nos servimos para apreender a realidade, pois faz-nos apreender o mundo pela intuição. Perante a arte descobrimos sentimentos humanos e sensações que não conhecíamos. A pintura ou a música podem suspender os nossos hábitos de ver e escutar e revelam o fundo de natureza “inumana” sobre a qual se instala o homem, ou seja, nos provocam a sentir a nossa existência para aquém da humanidade construída pelas leis e representações sociais. O 5 artista busca o mundo em estado nascente, essa eterna novidade, aparentemente impossível, que se realiza pela obra de arte e, simultaneamente, busca o mundo em sua perenidade e permanência. Sentimo-nos renascidos para a eterna novidade do mundo esse incógnito “espetáculo” do qual participamos sem perceber. Os textos – como é o caso deste nosso Caderno de Estudos - são, por tudo isto, meros instrumentos complementares, auxiliares da frequentação, da experiência com a arte, mas nunca explicadores ou interpretativos. Estudar a arte é, sobretudo, um excelente modo de exercitarmos os nossos olhos, a escuta, o pensamento para as imagens, sonoridades e ritmos da pintura, da escultura, do cinema, da música, da canção, do videoclipe e das novas expressões audiovisuais infográficas e, por conseguinte, de aumentarmos a nossa sensibilidade para os mais sutis matizes do mundo, da sensação e do pensamento. 1 - Arte e linguagem A existência do mundo – o Real - é um fato sem explicação e independe disso. Apresenta- se como um enigma. A vida interior do homem é, igualmente, um universo na qual coexistem o estranho, o inesperado, o insuspeitado, o confuso, o inextricável e o inconsciente. Valendo-se de diferentes linguagens, o homem tenta explicar o mundo ou aplacar-lhe a presença enigmática, absurda, tentando tornar a existência suportável. A linguagem, por sua vez, tem um sentido, porque ela é uma criação do homem, que emprestou significação aos sinais que a constituem. A invenção da linguagem cria, porém, um efeito colateral, com muita frequência: a suposição de que a imagem mental gerada pela linguagem humana é a própria coisa que ela busca representar. Se a ciência e a filosofia pretendem explicar o mundo, esse não é o propósito da arte. A arte não representa a realidade, ao contrário, a arte liberta-se dela. A arte, cujos sinais não têm significação explícita, transforma o mundo em materialidade pictórica, sonora, táctil ou 6 rítmica. Mesmo sem se explicar o real, a arte faz com que o mundo perca a sua opacidade e a sua insuportável estranheza se humaniza. Abrindo mão das explicações, o artista nos induz ao convívio com o mundo inexplicado, transformando toda a sua estranheza em fascínio. A arte é produto do trabalho humano, da imaginação e do fazer, da mente e da mão para reinventar o mundo de nossas sensações. Ela cria seus próprios limites e materiais em função das tensões que cria com a linguagem. A realização da obra de arte sempre abre, porém, a possibilidade de uma ampliação desse universo de significações e ultrapassando os limites do seu próprio universo expressivo. O artista, neste processo, questiona incessantemente a sua linguagem, podendo até mesmo destruí-la ou a implodir o seu sentido. A sua tarefa primeira é atuar sobre a imagem que temos do mundo e de transformá- la, de recriá-la. Ao fazê-lo, o artista se constrói a si mesmo, modifica o seu mundo imaginário e se torna socialmente atuante. O poeta, por exemplo, transfigura a linguagem para dizer algo que não está além nem aquém do poema: é o próprio poema. 1.1 - Arte e religião As artes nasceram, historicamente, no interior dos cultos ancestrais, para servi-los como acessório em seus rituais, como as figuras (pinturas e esculturas), os templos, a música, o canto e a dança. Nesses contextos da cultura religiosa, o artista recebia educação especial, era iniciado nos mistérios da doutrina, aprendia a conhecer a matéria-prima (pigmentos, instrumentos sonoros, ritmos, materiais para esculpir, passos coreográficos), além de usar instrumentos e utensílios preestabelecidos, a realizar gestos, utilizar as cores, a manipular ervas etc. O artista era duplamente um oficiante do culto e um fabricador dos objetos. A dimensão religiosa deu à obra de arte uma qualidade: a aura, ou seja, uma qualidade de eternidade e fugacidade silmultâneas, um revestimento simbólico imaginário que a sacraliza e a torna digna de devoção. É por isto que, segundo muitos autores, mesmo nos contextos laicos (não religiosos) da cultura ocidental nos últimos séculos, nos quais a arte 7 ganhou autonomia, o modo de ser das obras de arte nunca mais se destacou de sua função ritual. O seu valor ainda tem um fundamento teológico e pode ser reconhecido como um ritual secularizado (não religioso), mesmo nas formas mais profanas do culto ao belo (museus, galerias de exposições, salas de concerto, teatro e cinema etc.). Em suma: passando do divino ao belo, as artes não perderam o que a religião lhes deu: a aura. 1.2 - Conceitos e definições de “estética” Importa, já de início uma advertência inicial sobre a largura semântica do nome estética. A palavra Aesthesis significa, usualmente, “experiência”, “sensação”, “sensibilidade” e “conhecimento sensorial”. Por alargamento semântico se chamou também estética ao estudo sobre o belo e a arte, porque são geradores significativos do sentimento estético. Assim se alargou o sentido semântico de estética, recomendando-se, contudo, moderação neste uso ampliado do termo. A estética, como disciplina teórica, significa toda investigação filosófica que tem como objetivos o problema das artes (um fundamento comum de todos os fatos artísticos) ou de uma obra de arte. Como um ramoda filosofia da arte, se dedica a estudar as relações entre arte e natureza, entre arte e humano; e as finalidades da arte. 1.2.1 - História da estética como “filosofia da arte” A estética de conteúdo artístico na antiguidade grega já alcançou notório desenvolvimento. O grande resultado prático da estética dos antigos foi o desenvolvimento da criação artística da melhor qualidade. Elementos apreciáveis sobre o belo ocorrem nas filosofias de Platão, Aristóteles e outros. Também do sentimento estético se ocuparam os antigos. Neste sentido ocorre um clima evidente na filosofia de Platão (427-347 a.C.) quando, - à propósito da contemplação das ideias e da beleza arquétipa, - advertiu para um prazer peculiar, não 8 confundível com os prazeres comuns, a que denominou "delírio poético" distinto dos demais delírios, como por exemplo, o erótico. Resulta o “delírio poético” da contemplação entusiástica do belo (Fedro, 249-252). Escreveu ainda Platão um tratado sobre o belo, intitulado Hípias Maior (281-304), e um outro sobre a inspiração, denominado Íon (530- 542). Para Platão, como sabemos através de sua teoria das Formas, o mundo natural é uma cópia de segunda classe de um mundo ideal de formas puras. Como a arte imita a natureza, ela está ainda mais distante do mundo perfeito. Por conseguinte, os artistas sempre distorcem a verdade. Aristóteles (384-322 a. C.) estudou o sentimento de felicidade pelo exercício do conhecimento na última secção da Ética à Nicômaco. Ali defendeu uma distinção entre os prazeres, que resultou em colocar a satisfação de saber, acima de todos os demais deleites. Fez da plenitude do saber a felicidade e fim último do homem. Teria ainda Aristóteles composto um tratado Sobre o belo, citado por Diógenes Laércio. Entretanto o referido tratado de Aristóteles se perdeu. Suas doutrinas sobre a arte se conhecem sobretudo, porque delas se ocupou em outros textos, também notáveis, que são Retórica e Poética. Aristóteles retomou doutrinas de Platão, as ampliou e reformulou em um aspecto importante. O absoluto, que Platão situava num mundo transcendente, Aristóteles o trouxe para a imanência dos objetos, e assim também o belo o situou como propriedade do ser destes objetos. Para ele, a arte não imita objetos específicos, mas características universais. Isto significa que, quando nos expomos a sentimentos e paixões de natureza universal, podemos elaborar nossas próprias emoções. A arte possui igualmente uma função catártica, “purificadora”. A catarse abarca um processo psicológico implícito. Os primeiros pensadores cristãos, do período helênico-romano e início da Idade Média, operaram conceitos apreciáveis sobre estética, ou seja, sobre o belo e a arte, ao mesmo tempo que deram desenvolvimento à filosofia e teologia. Influenciados pela tendência sublimante do neoplatonismo, e que repercutiu no cristianismo como contrariedade aos prazeres sensíveis, defenderam uma estética intelectualista em conotação com o belo interpretado como o perfeito, o harmônico, o proporcional. Na alta Idade Média também se firmou a noção helênica do belo, como harmonia e proporção. Nesse conceituar se 9 desenvolveu também o belo, como um valor. Uns o reduziram mais ao bem (área da vontade), outros à verdade (círculo da inteligência). Aproximou-se o belo do bem, e por conseguinte conforme uma orientação que vinha de Platão. Tomás de Aquino (1225-1274), também dominicano e autor de uma expressiva Suma Teológica, se reteve numa opinião semelhante à de seu mestre Alberto Magno. Subitamente ingressou por uma explicação que realça a posição da inteligência e os sentidos cognoscitivos. O belo é aquilo que agrada de maneira desinteressada, porque é prazer que nos vem por causa das faculdades cognoscentes. O belo objetivo, como para os platônicos, é algo de perfeito por parte do objeto, mas produz o agrado, porque fala ao conhecimento (pois o belo é o perfeito em destaque), embora este agrado através do conhecimento se estabeleça finalmente como um estado das faculdades afetivas. Ainda Tomás de Aquino estabeleceu como núcleo da felicidade o conhecimento, apesar de estado da vontade. Estudou amplamente os sentimentos (Suma Teológica I – II. Q. 18 - 48), situando meticulosamente a natureza do amor, do desejo e do prazer (ou deleite). Com isso lançou também bases mais amplas para a estética psicológica racional, ainda que não se ocupasse expressamente com ela. Novas peculiaridades assumiu a estética à medida que se entrava, no século XIV, já para o fim da Idade Média. No Pré-renascimento italiano, cedo se desenvolveu o lado humano da estética, - na pintura, com Giotto (1266-1337), e no pensamento literário, com Petrarca (1304-1374) e Boccaccio (1313-1375). Desabrochou a seguir a humanidade nova do Renascimento clássico, com nomes expressivos na literatura, pintura, arquitetura, quer em obras artísticas, quer em tratados teóricos. O alemão Alexandre Baumgarten (1714-1762) dedicou-se a pesquisar o sentimentos em geral e a região dos sentidos que, segundo o contexto cartesiano, eram idéias confusas, ali estabelecendo o belo. A este exame do sensível denominou "lógica inferior", de acordo com o principio de que se trataria de idéias confusas. Baumgarten introduzia definitivamente um nome para a disciplina que tratava, definindo-a já na primeira frase: "Aesthetica est scientia congnitionis sensitivae". A definição obedece ao conceito que defendia a respeito do belo que ele considerava sensível, enquanto que a verdade, supra- sensível, seria o objeto da inteligência. Qualquer fosse a opinião de Baumgarten sobre o 10 assunto, o nome vingou, servindo, tanto a acepções mais amplas, como mais restritas. A filosofia alemã desenvolveu uma fértil criação de nomes, dos quais muitos se devem a Christian Wolff e Immanuel Kant. Como nome de uma disciplina, foi Estética tomada do grego, no qual, de modo geral, tem o sentido de sensação.1 Na Itália surgiu um cartesiano original, Giambattista Vico (1668-1744), que em sua famosa Ciência Nova (1735), valorizou o estudo das realizações do homem, e portanto da arte. Mais recentemente, Croce pretendeu realçar a posição de Vicco em detrimento de Baumgarten, em que entretanto foi muito contestado. De maneira geral, os iniciadores da estética nova se restringiram aos temas da filosofia da arte. Pouco se alargaram sobre a estética psicológica e sobre o belo do ponto de vista ontológico. O pensamento sobre a arte trata, nesta época, de questionar como a gente responde à beleza e se a percepção da beleza – o gosto – é universal ou subjetiva. Uma nova estética racionalista teve súbito início com Immanuel Kant (1724-1804), Para o autor, a arte é 1 A radical indo-européia de Estética talvez fosse aus-. Nesta forma exerce a acepção fundamental da orelha, órgão cognoscitivo. Dali deu origem a diferentes palavras, nas mais diversas línguas, com variações semânticas, que se alargam para a sensação em geral e, em certos casos, para o conhecimento intelectual. Baumgarten, ao criar o nome Estética, obedeceu à linha etimológica do vocábulo. A origem remota de estética viria do étimo indo-europeu cuja radical talvez fosse aus-. Nesta forma exerce o sentido fundamental de orelha. Observam-se no grego as seguintes formas: ous, ôtos (orelha; aiô, através de awis-iô (ouvir); aisthánomai, através de awis (sentir). Formas latinas: auris, por ausis, por ausis (orelha); auscultare, (escutar); audire, através de auis-d-ire (ouvir). No grego aisthánomai, de onde a evolução semântica prossegue para o rumo que nos interessa, apresenta o seguinte quadrode variações. Aisthánomai (perceber com os sentidos, sentir, ouvir). Aísthema (percepção, sentimento). Aísthesis (sensação, órgão dos sentidos). Aisthetérion (substantivo, para dizer sentido). Aisthethés (Substantivo, que percebe pelos sentidos). Aisthetikós (Adjetivo, que possui a faculdade de sentir). Aisthetós (Adjetivo, sensível). Já no grego aisthánomai admitia, por metáfora, a acepção de entender pelo processo intelectivo. Como bem se vê, o aisthánomai do grego procede de ouvir. Embora os latinos tenham traduzido o termo por sentir em geral, a correspondência é apenas convencional e resultante de uma evolução semântica. Isto mostra a migração do significado de estética, a começar do ouvido, para os sentidos em geral e por ultimo para o espírito. Ainda outras denominações têm sido tentadas com vistas a indicar a ciência do belo. Partindo de kalós, em grego belo, chegou-se aos nomes de kalística e kaliologia. Embora a paternidade de tais nomes tenha sido atribuída a Hegel, preferia este, apesar de tudo, o termo estética, como se verifica em um dos seus escritos póstumos. "Na verdade, o termo estética não é o que mais propriamente convém. Já se propuseram outras denominações – teoria das belas ciências, ou das belas-artes – que não foram aceitas, e com razão. Empregou-se também o termo kalística, mas do que se trata é, não do belo em geral, mas do belo como criação da arte. Conservamos, pois, o termo estética, não porque o nome nos importe pouco, mas porque este termo adquiriu direito de cidadania na linguagem corrente, o que é já um argumento em favor de sua conservação" (Hegel, Estética I). Efetivamente, como já o observava Hegel, kalística se apropriaria de maneira especial para o estudo do belo em geral, porque pelo estado atual do termo, não se restringe apenas ao belo sensível criado pela arte. A estética, apesar de se relacionar com o sensível, ao mesmo tempo se irradia semanticamente para o espiritual. Aisthánomai, no grego, admitia, por metáfora, a percepção intelectual. 11 produto, criação da sensibilidade, da imaginação e da inspiração. A sua finalidade é a contemplação do belo. Ele defendeu, para o fenômeno estético, uma faculdade específica. Neste contexto desenvolvido por Kant, não existe o “belo” como se fosse um objeto. Nem mesmo é um objeto ideal de um conceito puro. A beleza é sem conceito, sem objeto, sem finalidade. É simples afirmação de um estado da mente. Realizando-se a afirmação do juízo estético sempre nas mesmas condições, o belo se constitui, apesar dos pesares, um elemento apriorístico absoluto, universalmente válido, portanto sem as oscilações do agradável em que operam os sentidos exteriores. O belo tem valor universal, embora a obra de arte seja particular. A obra singular oferece algo universal – a beleza – sem a necessidade de demonstrações, conceitos, inferências. Ao público caberia o julgamento do valor de beleza atingido pela obra. Diante da obra, pode-se dizer que está ali a beleza, embora o objeto seja algo único e incomparável. Surge o conceito de juízo de gosto: este teria a capacidade de emitir um julgamento universal referindo-se, porém, a algo particular. A criação do belo torna-se inseparável da figura do público, que julga e avalia o objeto artístico conforme tenha ou não realizado a beleza. Ainda para Kant, a ideia estética proporciona um vínculo entre dois mundos: quando experimentamos as coisas, estamos atados ao seu aspecto formal sensível, mas também nos dá uma imagem mental do mundo superior das ideias. Os sentimentos estéticos emanam do belo e do sublime. O belo é definido e equilibrado dentro de limites, o sublime e ilimitado e desafiador. Com Hegel (1770-1831), a arte passou a ser concebida como um estágio inicial da revelação do espírito absoluto. A arte diz algo, como mensagem, e portanto nos fala, de sorte a ser uma atividade do espírito, embora com expressão apenas sensível e exterior. A religião a supera em volume de manifestação, até ser esta, por sua vez, superada pela filosofia, como plenitude das manifestações do espírito absoluto. Uma estética empática se desenvolveu no circulo relativista de George Simmel (1858-1918) e historicista de Wilhelm Dilthey (1833-1912), ambos alemães. A afetividade estética passou a ser explicada como uma simples projeção sentimental, que a “imaginosidade” punha como auréola em torno das coisas concretas. A infusão de imagens se processa de maneira notoriamente diversificada, de indivíduo para indivíduo, a explicação vinha muito de encontro à tendência relativista do grupo. 12 Desde os fins do século XIX e início do século XX, a partir da adoção da crítica Marxista, abandona-se a ideia de juízo de gosto como critério de apreciação e avaliação da arte. O problema é que gostos e padrões de beleza variam muitíssimo. Não há mais uma noção “pura” de arte, pois ela é o que uma sociedade ou seus membros-chave consideram como tal. Suas definições dependem de interesses e visões de mundo particulares. Fazer da arte um conceito absoluto é, portanto, aceitar que os valores não podem mudar. A arte passa a ser vista então como interpretação crítica da realidade social, como expressão de desejos e emoções, de procedimentos criativos inéditos. Essa mudança fez com que a ideia de gosto e de beleza perdesse o privilégio estético. Desacredita-se também no âmbito da arte o conceito de “evolução”: a arte, através dos séculos, não melhora, mas as maneiras de percebê-la variam de uma cultura para outra. Por fim, dizer que há valores compartilhados universalmente, tais como beleza e gosto, é um modo de negar que o mundo que nos rodeia é caótico e um modo de modelar um sentimento de comunidade. 1.2.2 - Experiência estética A experiência estética constitui um componente necessário da experiência global do mundo. Ela se concentra, no entanto, nas sensações e não nas funcionalidades práticas das coisas. Na experiência estética exploramos as maneiras em que os sentidos e o pensamento experimentam os objetos de arte. Como atividade prática, é a contemplação consciente da obra de arte, numa integração implícita, subjacente, pactual com o processo criativo do artista e com seus objetivos. Todos nós, quando vemos um quadro, por exemplo, somos fatalmente levados a recordar mil e uma coisas que influenciam o nosso agrado ou desagrado. Só quando alguma recordação irrelevante nos torna preconceituosos, quando institivamente voltamos as costas a um quadro magnífico de uma cena alpina porque não gostamos de alpinismo, por exemplo, é que devemos sondar o nosso íntimo para desvendar as razões da aversão que 13 estragam um prazer que, de outro modo, poderíamos ter tido. Existem razões erradas para não se gostar de uma obra de arte. A propensão para admirar um tema bonito e atraente é suscetível de converter-se num obstáculo, se nos levar a rejeitar obras que representam um tema menos sedutor. De fato, não tardaremos a descobrir que a beleza de um quadro não reside realmente na beleza do seu tema. O que ocorre com a beleza também é válido para a expressão: amiúde é a expressão de uma figura no quadro o que nos leva a gostar da obra ou detestá-la. Algumas pessoas preferem uma expressão que elas entendem com facilidade e, portanto, que as comova profundamente. Não devemos desprezar obras cuja expressão talvez seja menos fácil de entender. Não há maior obstáculo à fruição de grandes obras de arte do que a nossa relutância em descartar hábitos e preconceitos. Geralmente, os principiantes se defrontam com outra dificuldade: querem admirar a perícia do artista em representar as coisas tal como elas as vêem; gostam mais de pinturas que “parecem reais”. Elas aindamais são repelidas por obras que consideram incorretamente desenhadas. Na verdade, não há nenhum mistério a respeito dessas distorções da natureza: quem aprecia filmes ou lê histórias em quadrinhos, sabe que, às vezes é certo desenhar coisas de um modo diferente do que elas se apresentam aos nossos olhos, modificá-las ou distorcê-las num ou noutro sentido. Há duas coisas que nos devemos perguntar sempre que encontrarmos falas na exatidão de um quadro: uma é se o artista não teria suas razões para mudar a aparência daquilo que viu; outra é que não devemos condenar uma obra por estar incorretamente desenhada. Somos todos propensos ao precipitado veredito de que “as coisas não se parecem com isto”. Temos o curioso hábito de pensar que a natureza deve parecer-se sempre com as imagens a que nos acostumamos. Não é fácil nos livrarmos destas ideias pré-concebidas, mas os artistas que melhor conseguem fazê-lo produzem geralmente as obras mais excitantes, que nos ensinam a ver na natureza novas belezas de cuja existência não tínhamos suspeitado. 14 O distanciamento estético significa a capacidade, intuitiva mas conscientizada, de rejeitar paixões, preconceitos, pendores poéticos ou linguísticos, hábitos arraigados e interesses extra-artísticos, além da capacidade de distinguir a vida (a realidade) e a arte, que é uma supra-realidade. Não se deve atribuir ou negar valor à uma obra de arte por ela ser conforme ou contrária, ou simplesmente estranha, às suas próprias opiniões científicas, convicções filosóficas, crenças religiosas, teorias políticas ou sociais; nem se deixar guiar em seus julgamentos por motivos de simpatia ou antipatia pessoal pelo artista, pela nação ou grupo humano ao qual pertence, ou pelas oscilações da moda. As limitações do gosto são resultantes de imposições externas, de equívocos nos processos educacionais ou de uma sensibilidade preguiçosa, adormecidas por hábitos ancestrais ou pela lei do menor esforço. O alargamento da esfera dos gostos através da curiosidade de conhecer e do consequente esforço, pode ser ampliado pela cultura. O distanciamento estético é um critério preferencial na escolha de estilos, gêneros e obras. Significa a capacidade de transpor o limite dos gostos pessoais para reconhecer a validade de parâmetros que pode surgir como resultado eventual de outro ambiente, outra atmosfera, outra cultura. Para alcançar o distanciamento estético, é preciso adquirir primeiro o entendimento das diferentes linguagens e gramáticas dos vários ramos da arte. Assim como alguns preferem pessoas que usam poucas palavras e gestos, deixando algo para ser adivinhado, também há os que gostam de pinturas ou esculturas que deixem alguma coisa para se conjecturar ou meditar. Há, de fato, obras que parecem ter um aspecto diferente cada vez que nos colocamos diante delas. Como não existem regras para nos dizer quando uma obra está perfeita, geralmente é impossível explicar com palavras exatamente por que sentimos estar diante de uma grande obra de arte. Mas isto não significa que esta obra é tão boa quanto aquela outra ou que não se pode discutir questões de gosto. No mínimo, estas discussões nos fazem olhar os quadros e, quanto mais olhamos para eles, mais notaremos detalhes que nos escaparam da vez anterior. Começamos a desenvolver uma sensibilidade particular para a espécie de harmonia que cada geração de artistas tentou realizar. Quanto maior for a nossa sensibilidade para essas harmonias, mais as desfrutaremos e isso é o que importa. 15 O antigo adágio de que “gosto não se discute” não deve esconder o fato de que o gosto é susceptível de desenvolvimento. Quando julgamos um objeto dizendo; gosto, não gosto, mesmo que acreditemos manifestar uma opinião livre, estamos sendo determinados por todos os instrumentos da cultura; elementos culturais em nós diante do complexo cultural, a obra. Cumpre reconhecer que, em arte, o gosto é algo infinitamente mais complexo do que o paladar no caso de alimentos ou bebidas. Não se trata apenas de uma questão de descobrir vários e sutis sabores; agora é algo mais sério e mais importante. Em última análise, nessas obras, os artistas se entregaram por inteiro, sofreram por elas e, no mínimo, têm o direito de nos pedir que tentemos compreender o que quiseram realizar. Quando se ouve dizer que a “boa” obra de arte conquista uma adesão espontânea à ela, pode se contradizê-la com o argumento de que tal adesão é geralmente mediada por um gosto geral que aos poucos nossa cultura engendrou e, muitas vezes, a complexidade da obra faz com que ela não seja imediatamente acessível. 1.3 – A criação na arte: poética, imaginação, fantasia, estilo, técnica, material A criação artística é um mistério, até mesmo para o próprio artista que, apesar da precisão científica e dos alicerces culturais, não é e nem precisa ser apto a explicar a sua criação, o sentido de sua obra ou o como ela deve ser apreendida. O imperativo da criação artística talvez tenha sua força no ânimo especulativo do ser humano, da sua necessidade de contemplar as emoções e expressá-las, valendo-se de materiais (cores, sons, objetos, pedras, madeira, cultura, memórias, linguagem, tecnologias etc.) em formas e ritmos sensíveis. Residem, no processo de criação e na própria vida, implicações morais, sociais, religiosas, culturais ou simplesmente linguísticas a respeito das quais o próprio artista criador pode não estar perfeitamente consciente. Quando se pergunta, no entanto, se a arte deve ser engajada ou não, se há uma função social para ela, a resposta deve ser: engajado é o artista, como criatura humana e social. A arte possui autonomia e não se presta a nenhuma 16 convicção política, social, muito ideológica. Da obra de arte não se espera nem se exige funcionalidade. O artista não obedece a regras fixas. Ele simplesmente intui o caminho a seguir. É verdade que alguns artistas ou críticos, em certos períodos, tentaram formular leis para sua arte, mas sempre se constatou que artistas medíocres não conseguiam nada quando tentavam aplicar essas leis, enquanto que os grandes mestres podiam despreza-las e, ainda assim, conseguir uma nova espécie de harmonia em que ninguém pensara antes. A verdade é que é impossível estabelecer regras desse gênero, pois nunca se pode saber de antemão que efeito o artista pretende obter. Ele pode até querer introduzir uma nota dissonante, se porventura sentir que isso “é o certo”. Quando se trata de harmonizar formas ou combinar cores, um artista deve ser exageradamente meticuloso ou exigente ao extremo. Ele é capaz de ver diferenças de tonalidades e de texturas que dificilmente notaríamos. Além disso, sua tarefa é infinitamente mais complexa do que qualquer uma das que possamos experimentar na vida cotidiana. O artista, em sua tela, coloca talvez centenas de matizes e formas que lhe cumpre equilibrar até tudo parecer “certo”. Por exemplo: uma mancha verde poderá parecer amarela demais porque foi posta muito próxima de um azul forte. Mas assim que o artista consegue, tão logo seu esforço é coroado com êxito, nós todos sentimos que ele realizou algo irretocável, algo a que nada pode ser acrescentado. 1.3.1 – Poética: definição O termo “poética” vem igualmente do grego: poiéin = fazer, ou ideia de fazer técnico. Poiéin refere-se também ao fazer-se algo original, que não seja apenas uma cópia da natureza ou de obra humana. O conceito de “poética” ligado ao fazer artístico foi explicitado primeiramente por Aristóteles, no seu tratado Poéticas e significa o caminho específico do trabalho de criação da arte,a opção do itinerário do qual cada artista e cada 17 obra se propõem o alcance da realização estética.2 Um caminho escolhido pelo artista na concepção e realização da obra. Cada um tem a sua, definida e inconfundível. Há, claro, uma infinita variabilidade dos caminhos, de sensibilidade e de cultura que levam ao objetivo estético. 1.3.2 – Fantasia e imaginação na arte A atividade criativa surge de uma intuição pura, através do trabalho da fantasia, traduzida em beleza formal. Toda arte então exige do artista uma sensibilidade sui generis e uma singular aptidão da fantasia para organizar imagens e formas, além de um profundo conhecimento da técnica. É, contudo, uma espécie de filtragem mental das emoções e da imaginação que coloca a fantasia no plano criativo. O termo grego Phantasia deriva de Phos (luz), como iluminação mental, interior, que os gregos denominavam phantasmas. A cultura ocidental passou a considerar esses phantasmas como invenções supra-reais de um cérebro excêntrico. As imagens mentais se produzem sobre a base das impressões sensoriais. Nós recebemos impulsos físicos através dos sentidos e os convertemos em imagens mentais. Quando os impulsos passam, ficam as imagens. As imagens mentais não são apenas ilusões, mas também uma forma de percepção da realidade. A imaginação, por seu turno, é uma faculdade criativa que nos permite processar ideias, imagens mentais inexistentes na realidade e convertê-las em coisas visíveis, sensíveis ou imagináveis para os outros. É a imaginação mesma que nos dá as imagens iniciais das quais deriva todo o nosso pensamento. Pensamos por meio de imagens interiores, lembradas ou inventadas. A imaginação é a capacidade de produzir imagens que ultrapassam aquelas meramente 2 Aristóteles afirmava que a tarefa do dramaturgo do teatro trágico grego era provocar a catarse no espectador, ou seja, despertar emoções fortes, o terror e a piedade, conduzindo a um estado de tensão elevado que ao fim ocorre uma descarga dessas emoções. A catarse seria terapêutica, calmante. 18 contempladas pela reflexão mental, como as abstrações e o repertório do imaginário, ou lembradas, como os flash-backs, as encenações do passado pela memória. A fantasia, entretanto, é um motor que precisa da faísca externa para ser acionado e que sirva de estímulo para a criatividade artística. Até mesmo uma encomenda (a Igreja, os reis e nobres; e hoje, a televisão e o cinema são exemplos de contratantes que encomendam obras aos artistas) pode ser o catalisador de fantasias ainda vagas, à espera de uma oportunidade de expressão. Tais condicionamentos externos são preciosos guias no trabalho mental da elaboração da arte. A imaginação do artista confia, por conseguinte, na imaginação do expectador, ao propor uma viagem de rumo imprevisto, da qual não se sabem as consequências. 1.3.3 - Arte e técnica A palavra Techné significava, para os gregos, a capacidade para trabalhar um material e produzir algo novo, com o conteúdo implícito de uma mensagem de beleza. Também designava o conjunto de regras para se dirigir uma atividade humana qualquer. A arte sempre foi estreitamente vinculada à técnica e era comum se nomearem “arte médica”, “arte política”, “arte bélica”, “arte da retórica” etc. Na formação de um artista, por exemplo, de um pianista, a técnica é fundamental para que o músico consiga realizar as suas ideias: precisão rítmica, conhecimentos de harmonização, pedalização, digitalização etc. Todo artista, no entanto, pode reinventar técnicas, conforme as situações o desafiam durante o seu trabalho de criação. O músico que lida com experimentações eletrônicas é um exemplo de constante inventor de novos procedimentos técnicos, muitas vezes ligados às inovações tecnológicas. Os parâmetros variam tanto de 19 uma área para outra que torna-se impossível estabelecer técnicas definitivas para o seu trabalho. A própria recusa da técnica pode também ser pensada como uma técnica. 1.3.4 - O conceito de estilo O termo estilo, do latin stilum, etimologicamente, é uma metonímia que se refere ao estilete utilizado pelos artistas gráficos da Roma Antiga. Seu significado, atualmente, remete ao conjunto de modos de expressão apreendidos como valores permanentes encontrados na obra de um artista. O estilo autoral é considerado uma linha-mestra na maneira do seu fazer e que nos permite identificar e reconhecer a mão de um criador. A estilística, ou seja, o estudo do estilo parte de um conceito metodológico precioso para realizar classificações na história da arte, pois coloca uma ordem na infinita variedade de fenômenos estéticos da cultura humana ao longo do tempo e do espaço. Estilo, em síntese, é um conjunto de elementos dominantes ou uma média de informações presentes no trabalho de um artista, de uma determinada escola ou época histórica. As características do estilo são determinadas em vários níveis diferentes: pelas emoções e pensamentos do indivíduo, e pelas opiniões do grupo, da nação e até mesmo do mundo. Com isso, abre a possibilidade de uma complexa interação da cultura com a obra de arte.3 1.3. 5 – Os materiais da arte A questão acerca do material na criação ultrapassa a noção de que este significa simplesmente “matéria dotada de forma”. O material, obviamente, é tudo aquilo que se tem à disposição. É tudo o que está à mão do artista. Esse material já está atravessado de 3 O termo “gênero”, por sua vez, designa uma distinção quanto às formas internas e intenções expressivas, caráter da obra. 20 relações, sempre investido de uma experiência coletiva. O material, no limite, apenas participa como um regime inicial no trabalho de criação, podendo ele ser até mesmo o mais descartável de todos. Não importa, todavia, que o artista se valha deste ou daquele material, sejam ideias, sejam sons, sejam imagens ou gestos. O artista pode se valer de materiais diversos: pincéis e tintas, telas ou computadores, instrumentos musicais, dispositivos técnicos, o próprio corpo, uma câmera, um gravador, a película fílmica, um lápis, os hábitos culturais, a estrutura midiática, os traços de uma época, uma fórmula, uma figura (um ritmo, um gesto, um rosto etc.). Ele também pode se servir de um sistema sintático, de um significado, de uma gama de timbres, de cores, de objetos etc. Tudo isso já vem carregado de história, de sentido e de símbolos que são em si mesmos materiais. E o material na arte estará, ironicamente, sempre em uma relação paradoxal com a sua própria e necessária abolição. Ademais, pode-se até dizer que um material será sempre mais adequado quanto menor resistência ele tiver para desaparecer. O que se chama usualmente de material, a despeito de se referir a toda matéria que sofre as intervenções do artista, é apenas um pretexto para uma criação que provoca ritmos singulares para a nossa sensação. Vale frisar que toda a amplitude e heterogeneidade de materiais e de recursos técnicos não bastam para garantir qualquer novidade para a experiência estética. Criar, para além de combinar materiais, seria materializar sensações, afetos, pensamentos, reminiscências. O que conta na criação da arte, enfim, é o poder de desestabilizar a memória trivial, recognitiva. PARTE II 2 - ARTE PRÉ-HISTÓRICA Na sua definição estrita, considera-se arte pré-histórica as manifestações que existiram antes do advento da escrita no planeta como um todo. Isso pressupõe, comose pode imaginar, uma heterogeneidade que dificilmente pode ser submetida a uma classificação dentro de características uniformes, como se se tratasse de um movimento artístico dentro 21 da história da arte. De fato, é valido perguntar a partir de que momento começou a existir uma arte pré-histórica e quais são as manifestações que devem ser analisadas como tal. Nesse contexto, a produção do homem pré-histórico, pelo menos a que foi encontrada e conservada, é representada por objetos em grande parte portadores de uma utilidade, seja ela doméstica ou religiosa: ferramentas, armas ou figuras com uma simbologia específica. No entanto, seu estudo e a comparação entre elas permitiram constatar que já existiam então noções de técnica, habilidade e desenho, embora não se possa separar o conceito de arte, em praticamente nenhum caso, dos conceitos de funcionalidade e religião. A arte pré-histórica surgiu na Europa aproximadamente no ano 25000 do período paleolítico (40000 - 8000 a.C.), estendendo-se até o mesolítico (8000 - 5000 a.C.), ao neolítico (5000 - 3000 a.C.) e à idade do ferro (3000 a.C.), na qual iniciou-se a arte proto- histórica, caracterizada por manifestações artísticas muito mais concretas. Isso sempre em relação à Europa, pois é preciso lembrar que no Oriente, a partir do ano 5000 a.C., existiam culturas com um alto grau de civilização, que já tinham iniciado sua história. As áreas da Europa de maior concentração de vestígios pré-históricos correspondem à Espanha, ao centro e o sul da França e ao sul da Itália. Destaca-se em importância, pela quantidade e qualidade dos achados, a região franco-cantábrica, onde estão localizadas as famosas cavernas de Castilho, Altamira e Lascaux, entre outras. Nelas foi descoberta uma quantidade considerável de pinturas rupestres em bom estado de conservação. Tal fato pode ser atribuído em parte à alta densidade demográfica dessas regiões durante o paleolítico médio. 2.1 - Arquitetura na pré-história Não se pode falar de uma arquitetura pré-histórica no sentido de disciplina artística, apesar do seu caráter funcional. Os primeiros Homo Sapiens refugiaram-se nos lugares que a 22 natureza lhes oferecia. Esses locais poderiam ser aberturas nas rochas, cavernas, grutas ao pé de montanhas ou até no alto delas. Mais tarde eles começariam a construir abrigos com as peles dos animais que caçavam ou com as fibras vegetais das árvores das imediações, que aprenderam a tecer, ou então combinando ambos os materiais. É somente no final do neolítico e início da idade do bronze que surgem as primeiras construções de pedra, principalmente entre os povos do Mediterrâneo e os da costa atlântica. No entanto, como esses monumentos colossais tinham a função de templo ou de câmaras mortuárias, não se tratando de moradias, seu advento não melhorou as condições de habitação. Pelo peso dessas pedras, algumas de mais de três toneladas, acredita-se que não poderiam ter sido transportadas sem o conhecimento da alavanca. Existem três tipos de formações megalíticas: as galerias cobertas, ou dólmens, espécie de corredor que possibilita o acesso a uma tumba; os menires, que são pedras gigantes cravadas verticalmente no solo, em fileira; e os cromlech, que são menires dispostos em círculo. As construções megalíticas mais famosas são as de Stonehenge, em Salisbury, na Inglaterra; as da ilha de Malta e as de Carnac, na França. Todos esses monumentos têm uma função ritual, já que não serviam de habitação. 2.1.2 - Escultura na pré-história A escultura da pré-história corresponde à chamada arte móvel e abrange tanto os objetos religiosos e artísticos quanto os utensílios. A temática dessa disciplina não fugiu dos conceitos pictóricos: animais e figuras humanas. Os gêneros desenvolvidos foram a estatueta e a gravação, tanto em pedras calcárias quanto em argila ou madeira queimada. Os utensílios utilizados na tarefa de modelagem eram de pedra, sendo muitos deles decorados com asas modeladas como se fossem estatuetas. As figuras femininas foram mais numerosas, sem dúvida devido à sua clara relação com o culto à fecundidade. Todos os objetos encontrados, a maior parte pertencente ao período paleolítico (25000 a.C. - 8000 a.C.), mostram uma desproporção deliberada entre os genitais e as demais partes do corpo, o que reforça a teoria de mulher-mãe-natureza. Essas estatuetas são conhecidas entre os 23 especialistas como Vênus Esteatopígeas. Entre elas, as mais famosas são a Vênus de Lespugne, na França, e a Vênus de Willendorf, na Áustria. As gravações repetem os esquemas e motivos da modelagem, ressalvando-se, entretanto, que as representações costumam ser de tamanho maior. Uma das características mais evidentes dessas manifestações paleolíticas é que as figuras representadas são verdadeiras adaptações das formas naturais da pedra, fato que deve ter desafiado a imaginação do artista, mas que com certeza lhe poupou trabalho na etapa de modelagem. No período neolítico (5000 a.C.-3000 a.C.), o homem já conhece o fogo e especializa-se na combinação de materiais. A comprovação desse fato são as peças de cerâmica cozida, em forma de vasos e conchas, com cercaduras decorativas de motivos geométricos gravadas na superfície. A partir da idade do bronze alcançou-se uma diversificação muito grande na arte da cerâmica, em razão da importância que esses artefatos tinham como utensílios domésticos e recipientes para o transporte de alimentos. 2.1.3 - A pintura pré-histórica A pintura pré-histórica recebeu o nome de arte rupestre ou parietal pelo fato de ter se desenvolvido quase que exclusivamente em paredes de pedra, no interior de cavernas e grutas e, com menor freqüência, fora delas. É curioso notar que essa pintura passou por uma evolução muito semelhante à experimentada pela pintura histórica. As primeiras manifestações, de caráter naturalista, foram evoluindo até chegar à abstração total de formas no seu último período. As pinturas do paleolítico (25000 a.C. - 8000 a.C.) concentraram-se em três temas principais: a representação de animais, (principalmente cavalos e bisões e, em menor número, cervos, leões, mamutes e touros); o desenho de signos, cujo verdadeiro significado ainda se desconhece, apesar das diferentes hipóteses; e a figura humana, tanto masculina quanto feminina, ou em combinação com formas animais. As cores empregadas foram o preto e as tonalidades avermelhadas, ocres e violáceas, que são as mais fáceis de se obter na natureza. 24 Avançando em direção ao mesolítico (8000 a.C.), surgem os seixos pintados, ou amuletos, com símbolos e cercaduras, entre geométricas e abstratas. Já no neolítico (5000 a.C. - 3000 a.C.), além das primeiras peças de cerâmica decoradas, encontram-se verdadeiras cenas murais que documentam a vida de então. Pelo estudo dos desenhos, pode-se deduzir que o homem pré-histórico não só pintava com os dedos, mas também com pincéis e espátulas, além de empregar um sistema de nebulização para obter os sombreados de mão em negativo. Por volta do ano 2000a.C., em plena idade do bronze, produziu-se uma evolução cuja tendência era voltada para a abstração, principalmente nas representações rupestres. As figuras, signos e símbolos atingiram um nível muito próximo ao da escrita. No decorrer dos períodos pré-histórico e proto-histórico, a pintura cumpriu diferentes funções, seja como parte de um ritual religioso ou mágico, na representação e celebração da fecundidade, seja com relação ao culto totêmico aos antepassados. 2.2 - A arte na Mesopotâmia No início do século XX,importantes expedições arqueológicas de cientistas americanos, ingleses e alemães se deslocaram para os vales circundados pelos rios Tigre e Eufrates para prosseguir com o trabalho dos pesquisadores que, em meados de 1819, haviam desenterrado os primeiros restos da civilização mais antiga do Oriente Próximo: os sumérios. Esse povo, que por volta do ano 3500 a.C. havia se estabelecido nas terras da Mesopotâmia, erigiu uma das civilizações mais esplendorosas do mundo antigo. Nas escavações realizadas nas tumbas do vale, os objetos encontrados, tanto os de uso diário quanto os suntuosos, além das ruínas arquitetônicas, permitiram também fazer um traçado da história e dos costumes de outros povos importantes que posteriormente ocuparam a região: babilônios, assírios e persas, entre outros. A cidade mais antiga até hoje desenterrada pelas expedições arqueológicas é Uruk, mencionada na Bíblia como Erech, circundada por uma extensa muralha e com um templo pré-histórico. Não menos 25 importantes foram as escavações em Ur, na Caldéia, e na Babilônia, com sua Porta dos Deuses e os Jardins Suspensos, sem esquecer Assur, berço da cultura assíria; Nínive, com a Biblioteca de Assurbanipal; Lagash, onde aparece a primeira estela de narrações épicas; a esplêndida Dur-Sarrukin, de Sargão; e Nimrud, sede do palácio de Salmanasar. O passar dos séculos não conseguiu apagar totalmente os estilos das primeiras cidades sumérias, mas, ao contrário, garantiu e estilizou, às vezes aprimorando, as formas originais. Talvez o período em que a evolução da arte na Mesopotâmia se revele melhor seja o compreendido entre os séculos VIII e VI a.C., sob os reinados de Ciro, o Grande, e Dario. Os limites do império persa se estendiam muito além da região mesopotâmica, mas na totalidade das manifestações aquemênidas é possível encontrar referências muito concretas à ourivesaria suméria, ao baixo-relevo babilônico e à estatuária assíria com certos detalhes egípcios, hebreus ou jônicos, como nas cidades de Persépolis, Pasárgada e Susa. 2.2.1 - A arquitetura mesopotâmica A arquitetura da Mesopotâmia empregou nos seus estágios iniciais tijolos de barro cozido, maleáveis, mas pouco resistentes, o que explica o alto grau de desgaste das construções encontradas. As obras mais representativas da construção na Mesopotâmia - os zigurates ou templos em forma de torre - são da época dos primeiros povos sumérios e sua forma foi mantida sem alteração pelos assírios. Na realidade, tratava-se de edificações superpostas que formavam um tipo de pirâmide de faces escalonadas, dividida em várias câmaras. O zigurate da cidade de Ur é um dos que se conservaram em melhor estado, graças a Nabucodonosor II, que ordenou sua reconstrução depois que os acádios o destruíram. O templo consistia em sete pavimentos e o santuário ficava no terraço. Acredita-se que na reconstrução tentou-se copiar a famosa Torre de Babel, hoje destruída. O acesso ao último pavimento era feito por escadarias intermináveis e estreitas que rodeavam os muros. O templo era dedicado ao deus Nannar e à esposa do rei Nabucodonosor, Ningal. 26 A arquitetura monumental aquemênida retomou as formas babilônicas e assírias com a monumentalidade egípcia e o dinamismo grego. Os primeiros palácios de Pasárgada, de Ciro, o Grande (559 a.C. - 530 a.C.), possuíam salas de fileira dupla de colunas acaneladas com capitéis em forma de cabeça de touro, de influência jônica. Para centralizar o poder, Dario (522 a.C. - 486 a.C.) transformou Susa e Persépolis respectivamente em capitais administrativa e religiosa. Seus palácios, obras do renascimento oriental, foram as últimas testemunhas da arquitetura oriental antiga. No que se refere às tumbas, os monarcas aquemênidas, que não seguiram a tradição zoroástrica de expor seus cadáveres às aves de rapina, mandavam escavar suntuosos monumentos funerários nas rochas de montanhas sagradas. Uma das tumbas mais conhecidas é a de Dario I, na encosta do monte Hussein- Kuh. Sua fachada imita o portal de um palácio e é coroada com o disco do deus Ahura Mazda. Este foi o modelo seguido posteriormente nas necrópoles. 2.2.2 - A escultura e a ourivesaria mesopotâmicas As primeiras esculturas descobertas na Mesopotâmia datam de 5000 a.C. e são em sua maioria figuras que lembram muito as Vênus pré-históricas encontradas no restante da Europa. No milênio seguinte reflete-se uma estilização das formas tendentes ao naturalismo e são encontradas peças de mármore, tais como bustos, estelas comemorativas e relevos. A mais importante é a estela encontrada em Langash, não apenas por ser considerada a mais antiga do mundo, como também porque é nela que aparece pela primeira vez a representação de uma batalha. As estátuas mais características são figuras de homem ou mulher em pé, chamadas de oradores, trajados com túnicas amplas, com as mãos postas na altura do peito, sendo o rosto a parte mais chamativa do conjunto, devido ao superdimensionamento dos olhos, normalmente elaborados com incrustações de pedra. Quanto aos relevos, sua importância é indubitavelmente fundamental para a compreensão da história, da iconografia religiosa e do cerimonial dos povos mesopotâmicos. 27 Existiam vários tipos, entre eles os esculpidos em pedra e os realizados sobre ladrilhos esmaltados, como é o caso dos poucos restos encontrados da famosa "Porta dos Deuses" (o que, na verdade, significa Babilônia) e os de argila. Dependendo do povoado e da cidade, os temas e os estilos variavam: durante as dinastias acádia e persa, a temática era a narração da vitória dos reis, enquanto na época dos babilônios a preferência era pelas representações das divindades ou das tarefas cotidianas do povo. A ourivesaria mesopotâmica constitui uma das descobertas mais interessantes das escavações de tumbas reais e templos. O trabalho com os metais era uma das atividades artísticas mais importantes nas cidades da Mesopotâmia. E observe-se que a maioria das tumbas foi saqueada durante os sucessivos assentamentos populacionais, quando as pessoas descobriam os tesouros ao escavar para construir suas casas. Alguns chegaram intactos até os dias de hoje, como o tesouro dos reis de Ur, descoberto pelo arqueólogo Charles Wooley. Entre as peças mais valiosas desse tesouro está o toucado de uma das sessenta e quatro cortesãs enterradas na tumba real, cuja suntuosidade e concepção são fora do comum, com finíssimas lâminas de ouro que imitam folhas e pétalas de flores. Restos de um utensílio trabalhado em ouro e inúmeras estatuetas de cobre, um dos metais mais trabalhados, bem como colares e braceletes de cornalina, lápis-lazúli e prata e instrumentos musicais com incrustações de pedras completavam o tesouro mais antigo do mundo oriental. Nas formas e na moldagem do metal revela-se um naturalismo um tanto ingênuo, com obsessão pelo detalhe ornamental. É difícil elaborar um estudo do estilo geral da ourivesaria mesopotâmica devido à grande variedade de povos e culturas que habitaram sucessivamente o território. Em todos os objetos, entretanto, evidencia-se o valor transcendental das forças da natureza e a esperança do homem em uma vida após a morte, o que explica o fato de os objetos mais valiosos serem encontrados nessas tumbas. Também durante o império persa (VI a.C.) a ourivesaria experimentou um florescimento. Os tesouros encontrados nas escavações são uma prova da habilidade dos artesãos na confecção de belíssimos utensílios e objetos de decoração de ouro e prata e com incrustações de pedra. Destacam-se principalmente as peças do último período do império. 28 O inusitadonaturalismo das estatuetas destinadas aos hipogeus e o dinamismo alcançado pelos persas no campo da decoração refletem a influência dos artistas gregos. 2.3 - Arte egípcia Em todos os tempos, a civilização egípcia foi, sem dúvida, uma das culturas orientais mais admiradas e estudadas pelas nações ocidentais. As investigações sobre essa antiga e misteriosa civilização atingiram o auge na Idade Média e no renascimento, mas foi somente no período neoclássico que avançaram decisivamente. Com base na pedra Rosetta, encontrada por um soldado de Napoleão, o cientista francês Jean-François Champollion decodificou em 1799 uma série muito importante de hieróglifos, levando em conta as traduções em grego e em escrita demótica feitas na pedra. A partir de então constituiu-se a ciência da egiptologia. Sua aplicação imediata serviu para a tradução e interpretação dos textos pintados e gravados em muros e esculturas de templos funerários. Esses textos, por sua vez, revelavam a sua função: repouso de reis e nobres e de seus incalculáveis tesouros, após sua morte. Muito pouco, no entanto, resistiu até os nossos dias. Os magníficos tesouros dos faraós foram, em sua época, alvo de assaltantes e ladrões, que ignoraram seu caráter intocável e sagrado. As obras conservadas mais significativas pertencem ao chamado império novo. A imponência e beleza dos templos de Luxor e Carnac e o delicado trabalho de ourivesaria também em objetos de uso diário refletem o apogeu de uma cultura que perseguiu, na beleza indescritível das manifestações artísticas, uma sincera oferenda a suas inúmeras divindades, cada qual para uma situação. Essas entidades costumavam ser representadas por esculturas com corpo de homem e cabeça de animal, vestidas com os mesmos trajes usados pelo faraó, um deus na terra. 2.3.1 -A arquitetura egípcia 29 As pirâmides são sem dúvida o paradigma da arquitetura egípcia. Suas técnicas de construção continuam sendo objeto de estudo para engenheiros e historiadores. A pirâmide foi criada durante a dinastia III, pelo arquiteto Imhotep, e essa magnífica obra lhe valeu a divinização. No início as tumbas egípcias tinham a forma de pequenas caixas; eram feitas de barro, recebendo o nome de mastabas (banco). Foi desse arquiteto a idéia de superpor as mastabas, dando-lhes a forma de pirâmide. Também se deve a Imhotep a substituição do barro pela pedra, o que sem dúvida era mais apropriado, tendo em vista a conservação do corpo do morto. As primeiras pirâmides foram as do rei Djeser, e elas eram escalonadas. As mais célebres do mundo pertencem com certeza à dinastia IV e se encontram em Gizé: Quéops, Quéfren e Miquerinos, cujas faces são completamente lisas. A regularidade de certas pirâmides deve-se aparentemente à utilização de um número áureo, que muito poucos arquitetos conheciam. Outro tipo de construção foram os hipogeus, templos escavados nas rochas, dedicados a várias divindades ou a uma em particular. Normalmente eram divididos em duas ou três câmaras: a primeira para os profanos; a segunda para o faraó e os nobres; e a terceira para o sumo sacerdote. A entrada a esses templos era protegida por galerias de estátuas de grande porte e esfinges. Quanto à arquitetura civil e palaciana, as ruínas existentes não permitem recolher muita informação a esse respeito. 2.3.2 - Escultura e ourivesaria egípcias A escultura egípcia foi antes de tudo animista, encontrando sua razão de ser na eternização do homem após a morte. Foi uma estatuária principalmente religiosa. A representação de um faraó ou um nobre era o substituto físico da morte, sua cópia em caso de decomposição do corpo mumificado. Isso talvez pudesse justificar o exacerbado naturalismo alcançado pelos escultores egípcios, principalmente no império antigo. Com o passar do tempo, a exemplo da pintura, a escultura acabou se estilizando. As estatuetas de barro eram peças 30 concebidas como partes complementares do conjunto de objetos no ritual funerário. Já a estatuária monumental de templos e palácios surgiu a partir da dinastia XVIII, como parte da nova arquitetura imperial, de caráter representativo. Paulatinamente, as formas foram se complicando e passaram do realismo ideal para o amaneiramento completo. Com os reis ptolemaicos, a grande influência da Grécia revelou-se na pureza das formas e no aperfeiçoamento das técnicas. A princípio, o retrato tridimensional foi privilégio de faraós e sacerdotes. Com o tempo estendeu-se a certos membros da sociedade, como os escribas. Dos retratos reais mais populares merecem menção os dois bustos da rainha Nefertite, que, de acordo com eles, é considerada uma das mulheres mais belas da história universal. Ambos são de autoria de um dos poucos artistas egípcios conhecidos, o escultor Thutmosis, e encontram-se hoje nos museus do Cairo e de Berlim. Igualmente importantes foram as obras de ourivesaria, cuja maestria e beleza são suficientes para testemunhar a elegância e a ostentação das cortes egípcias. Os materiais mais utilizados eram o ouro, a prata e pedras. As jóias sempre tinham uma função específica (talismãs), a exemplo dos objetos elaborados para os templos e as tumbas. Os ourives também colaboraram na decoração de templos e palácios, revestindo muros com lâminas de ouro e prata lavrados contendo inscrições, dos quais restaram apenas testemunho. 2.3.3 - Pintura egípcia A pintura egípcia teve seu apogeu durante o império novo, uma das etapas históricas mais brilhantes dessa cultura. Entretanto, é preciso esclarecer que, devido à função religiosa dessa arte, os princípios pictóricos evoluíram muito pouco de um período para outro. Contudo, eles se mantiveram sempre dentro do mesmo naturalismo original. Os temas eram normalmente representações da vida cotidiana e de batalhas, quando não de lendas religiosas ou de motivos de natureza escatológica. 31 As figuras típicas dos murais egípcios, de perfil mas com os braços e o corpo de frente, são produto da utilização da perspectiva da aparência. Os egípcios não representaram as partes do corpo humano com base na sua posição real, mas sim levando em consideração a posição de onde melhor se observasse cada uma das partes: o nariz e o toucado aparecem de perfil, que é a posição em que eles mais se destacam; os olhos, braços e tronco são mostrados de frente. Essa estética manteve-se até meados do império novo, manifestando- se depois a preferência pela representação frontal. Um capítulo à parte na arte egípcia é representado pela escrita. Um sistema de mais de 600 símbolos gráficos, denominados hieróglifos, desenvolveu-se a partir do ano 3300 a.C. e seu estudo e fixação foi tarefa dos escribas. O suporte dos escritos era um papel fabricado com base na planta do papiro. A escrita e a pintura estavam estreitamente vinculadas por sua função religiosa. As pinturas murais dos hipogeus e as pirâmides eram acompanhadas de textos e fórmulas mágicas dirigidas às divindades e aos mortos. É curioso observar que a evolução da escrita em hieróglifos mais simples, a chamada escrita hierática, determinou na pintura uma evolução semelhante, traduzida em um processo de abstração. Essas obras menos naturalistas, pela sua correspondência estilística com a escrita, foram chamadas, por sua vez, de Pinturas Hieráticas. Do império antigo conservam-se as famosas pinturas Ocas de Meidun e do império novo merecem menção os murais da tumba da rainha Nefertari, no Vale das Rainhas, em Tebas. 2.4 - A arte na Grécia Antiga Os gregos foram os primeiros artistas realistas da história, ou seja,os primeiros a se preocupar em representar a natureza tal qual ela é. Para fazerem isso, foi fundamental o estudo das proporções, em cuja base se encontra a consagrada máxima segundo a qual o homem é a medida de todas as coisas. Podem-se distinguir quatro grandes períodos na evolução da arte grega: o geométrico (séculos IX e VIII a.C.), o arcaico (VII e VI a.C.), o clássico (V e IV a.C.) e o helenístico (do século III ao I a.C.). No chamado período 32 geométrico, a arte se restringiu à decoração de variados utensílios e ânforas. Esses objetos eram pintados com motivos circulares e semicirculares, dispostos simetricamente. A técnica aplicada nesse trabalho foi herdada das culturas cretense e micênica. Passado muito tempo, a partir do século VII a.C., durante o denominado período arcaico, a arquitetura e a escultura experimentaram um notável desenvolvimento graças à influência dessas e outras culturas mediterrâneas. Também pesaram o estudo e a medição do antigo megaron, sala central dos palácios de Micenas a partir da qual concretizaram os estilos arquitetônicos do que seria o tradicional templo grego. Entre os séculos V e IV a.C., a arte grega consolida suas formas definitivas. Na escultura, somou-se ao naturalismo e à proporção das figuras o conceito de dinamismo refletido nas estátuas de atletas como o Discóbolo de Miron e o Doríforo de Policleto. 2.4.1 - A arquitetura grega Na arquitetura, o aperfeiçoamento da óptica (perspectiva) e a fusão equilibrada do estilo jônico e dórico trouxe como resultado o Partenon de Atenas, modelo clássico por excelência da arquitetura dessa época. No século III a. C., durante o período helenístico, a cultura grega se difunde, principalmente graças às conquistas e expansão de Alexandre Magno, por toda a bacia do Mediterrâneo e Ásia Menor. Não resta dúvida de que o templo foi um dos legados mais importantes da arte grega ao Ocidente. Suas origens devem ser procuradas no megaron micênico. Este aposento, de morfologia bastante simples, apesar de ser a acomodação principal do palácio do governante, nada mais era do que uma sala retangular, à qual se tinha acesso através de um pequeno pórtico (pronaos), e quatro colunas que sustentavam um teto parecido com o atual telhado de duas águas. No princípio, esse foi o esquema que marcou os cânones da edificação grega. Foi a partir do aperfeiçoamento dessa forma básica que se configurou o templo grego tal como o conhecemos hoje. No princípio, os materiais utilizados eram o adobe - para as paredes - e a madeira - para as colunas. Mas, a partir do século VII a.C. (período arcaico), eles foram caindo em desuso, 33 sendo substituídos pela pedra. Essa inovação permitiu que fosse acrescentada uma nova fileira de colunas na parte externa (peristilo) da edificação, fazendo com que o templo obtivesse um ganho no que toca à monumentalidade. Surgiram então os primeiros estilos arquitetônicos: o dórico, ao sul, nas costas do Peloponeso, e o jônico, a leste. Os templos dóricos eram em geral baixos e maciços. As grossas colunas que lhes davam sustentação não dispunham de base, e o fuste tinha forma acanelada. O capitel, em geral muito simples, terminava numa moldura convexa chamada de eqüino. As colunas davam suporte a um entablamento (sistema de cornijas) formado por uma arquitrave (parte inferior) e um friso de tríglifos (decoração acanelada) entremeado de métopas. A construção jônica, de dimensões maiores, se apoiava numa fileira dupla de colunas, um pouco mais estilizadas, e apresentava igualmente um fuste acanelado e uma base sólida. O capitel culminava em duas colunas graciosas, e os frisos eram decorados em altos-relevos. Mais adiante, no período clássico (séculos V e IV a.C.), a arquitetura grega atingiu seu ponto máximo. Aos dois estilos já conhecidos veio se somar um outro, o coríntio, que se caracterizava por um capitel típico cuja extremidade era decorada por folhas de acanto. As formas foram se estilizando ainda mais e acrescentou-se uma terceira fileira de colunas. O Partenon de Atenas é a mais evidente ilustração desse brilhante período arquitetônico grego. Na época da hegemonia helenística (século III a.C.), a construção, que conservou as formas básicas do período clássico, alcançou o ponto máximo de suntuosidade. As colunas de capitéis ricamente decorados sustentavam frisos trabalhados em relevo, exibindo uma elegância e um trabalho dificilmente superáveis. 2.4.2 -A escultura grega 34 As primeiras esculturas gregas (século IX a.C.) não passavam de pequenas figuras humanas feitas de materiais muito brandos e fáceis de manipular, como a argila, o marfim ou a cera. Essa condição só se alterou no período arcaico (séculos VII e VI a.C.), quando os gregos começaram a trabalhar a pedra. Os motivos mais comuns das primeiras obras eram simples estátuas de rapazes (kouros) e moças (korés). As figuras esculpidas apresentavam formas lisas e arredondadas e plasmavam na pedra uma beleza ideal. Essas figuras humanas guardavam uma grande semelhança com as esculturas egípcias, as quais, obviamente, lhes haviam servido de modelo. Com o advento do classicismo (séculos V e IV a.C.), a estatuária grega foi assumindo um caráter próprio e acabou abandonando definitivamente os padrões orientais. Foi o consciencioso estudo das proporções que veio oferecer a possibilidade de se copiar fielmente a anatomia humana, e com isso os rostos obtiveram um ganho considerável em expressividade e realismo. Mais tarde introduziu-se o conceito de contrapposto - posição na qual a escultura se apoiava totalmente numa perna, deixando a outra livre, e o princípio do dinamismo tomou forma nas representações de atletas em plena ação. Entre os grandes artistas do classicismo estão: Policleto, Miron, Praxíteles e Fídias. Contudo, não se pode tampouco deixar de mencionar Lisipo, que, nas suas tentativas de plasmar as verdadeiras feições do rosto, conseguiu acrescentar uma inovação a esta arte, criando os primeiros retratos. Durante o período helênico (século III a.C.), verificou-se uma ênfase nas formas herdadas do classicismo, e elas foram se sofisticando. O resultado disso foi o surgimento de obras de inigualável monumentalidade e beleza, como O Colosso de Rodes, de trinta e dois metros de altura. É interessante esclarecer que, tanto por sua função religiosa quanto pela sua importância como elemento decorativo, a escultura estava estreitamente ligada à arquitetura. Isso se evidencia nas estátuas trabalhadas nas fachadas, colunas e interiores dos templos. 2.4.3 -A pintura dos vasos gregos 35 Para falar da pintura grega é necessário fazer referência à cerâmica, já que foi precisamente na decoração de ânforas, pratos e utensílios, cuja comercialização era um negócio muito produtivo na antiga Grécia, que a arte da pintura pôde se desenvolver. No começo, os desenhos eram simplesmente formas geométricas elementares - de onde se originou a denominação de geométrico conferida a esse primeiro período (séculos IX e VIII a.C.) - que mal se destacavam na superfície. Com o passar do tempo, elas foram gradativamente se enriquecendo, até adquirir volume. Surgiram então os primeiros desenhos de plantas e animais guarnecidos por adornos chamados de meandros. Numa etapa próxima, já no período arcaico (séculos VII e VI a.C.), começou a ser incluída nos desenhos a figura humana, que apresentava um grafismo muito estilizado. E, com o aparecimento de novas tendências naturalistas, ela passou a ser cada vez mais utilizada nas representações mitológicas, o que veio a aumentar sua importância.
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