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CAPÍTUlO 2 incluSão eScolar: definição, fundamentação teórica e políticaS incluSivaS A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Compreender as propostas que fundamentam a inclusão escolar. 3 Conhecer os documentos nacionais e internacionais que guiam as políticas de inclusão. 3 Fundamentar a prática escolar inclusiva. 30 Educação Especial e inclusão Escolar 30 31 inclusão escolar: deFinição, FundaMentação teórica e políticas inclusivas 31 Capítulo 2 contextualização O modelo de inclusão escolar não surgiu repentinamente, ou seja, é fruto de uma evolução decorrente de mudanças culturais e sociais. Para compreendermos melhor a filosofia da inclusão escolar e conseguirmos colocá-la em prática, é necessário sabermos em que se baseiam suas propostas. Dessa forma, este capítulo tem o objetivo de definir, por meio de estudos teóricos, o significado da inclusão escolar. Além disso, conheceremos os documentos nacionais e internacionais mais importantes que guiam as políticas de inclusão. aS propoStaS da educação incluSiva nesta seção, discutiremos de maneira mais aprofundada as propostas teóricas que fundamentam o modelo de inclusão escolar, o qual você conheceu no Capítulo i. Conforme já estudamos, a inclusão escolar prevê um ensino que abranja todos os alunos em uma única escola. neste sentido, conheceremos a concepção de alguns autores a respeito desse paradigma. Mittler (2003), por exemplo, considera que as salas de aula inclusivas podem possibilitar aos alunos que se situem em contextos de aprendizagem funcional e significativa. Isto quer dizer que, para Mittler (2003), a inclusão escolar traz benefícios para a aprendizagem de alunos com e sem deficiência. Atividade de Estudos: Mittler (2003) sugere que a inclusão traz benefícios para todos os alunos. Você saberia pontuar alguns desses benefícios? ________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ Também Karagiannis, stainback e stainback (1999, p. 21) chamam a atenção quando afirmam que “[...] o ensino inclusivo é a prática da A inclusão escolar traz benefícios para a aprendizagem de alunos com e sem deficiência. 32 Educação Especial e inclusão Escolar 32 inclusão de todos – independente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural – em escolas e salas de aula provedoras, onde todas as necessidades dos alunos são satisfeitas”. Os autores definem que a palavra “todos”, na inclusão, escolar se refere a todas as pessoas, sem exceção. Mantoan (2003, p. 24) igualmente defende a permanência de todos os alunos nas escolas e sugere uma re-elaboração das filosofias educacionais quando afirma que “a inclusão implica uma mudança de perspectiva educacional, pois não atinge apenas alunos com deficiência e os que apresentam dificuldades em aprender, mas todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral”. Você pode estar se perguntando: Isto significa que uma pessoa com deficiência severa também tem o direito de se matricular na escola regular? Sim! As leis garantem que todos têm o direito de frequentar a escola regular, independente de seu nível de comprometimento. na mesma linha de pensamento dos autores mencionados, os pressupostos de vygotski – (que já considerava importante que as crianças com deficiência frequentassem ambientes sociais, entre eles, a escola), considerado por Beyer (2008) um dos primeiros estudiosos cujas idéias abordaram conceitos centrais do projeto de inclusão escolar e a importância de a criança com deficiência frequentar ambientes sociais, inclusive a escola –, já apresentava o conceito de que, para um bom desenvolvimento infantil e humano em geral, a sócio-gênese é condição fundamental. sócio-gênese: Para vygotski, é a idéia de que as interações sociais são fundamentais para a criança desenvolver estruturas humanas, como o pensamento e a linguagem. Neste sentido, Vygotski (1997, p. 214-215) afirmava que: [...] as funções psicológicas superiores (o pensamento em conceitos, a linguagem racional, a memória lógica, a atenção voluntária, etc.) se formam durante o período histórico do desenvolvimento da humanidade e devem sua origem, não à evolução biológica, [...] mas a seu desenvolvimento histórico como ser social. Beyer (2008) cita que vygotski, ao invés de centrar a atenção na noção de defeito ou lesão, colocava o esforço em compreender de que modo o ambiente social e cultural poderiam mediar as relações entre as pessoas com deficiência e o meio. De acordo com Beyer (2008), A palavra “todos”, na inclusão, escolar se refere a todas as pessoas, sem exceção. Para um bom desenvolvimento infantil e humano em geral, a sócio-gênese é condição fundamental. 33 inclusão escolar: deFinição, FundaMentação teórica e políticas inclusivas 33 Capítulo 2 vygotski sempre combateu uma proposta de formação de grupos com igualdade nos perfis, isto é, grupos com tendência a se homogeneizarem a partir particularmente dos critérios de condição intelectual e de desempenho acadêmico. vygotski (1997), além de ressaltar a importância das relações sociais entre pessoas com deficiência e pessoas sem deficiência, também considerava fundamental que houvesse a promoção de acesso e permanência dessas crianças com deficiência no âmbito social, pois, se não houvesse essas oportunidades de participação, seus destinos seriam a segregação e o isolamento, o que desfavoreceria seu desenvolvimento. neste sentido, compreendemos, com base em vygotski (1997), que a segregação de uma escola especial representaria a perpetuação do déficit, da perda e da deficiência. Beyer (2008) foi um pesquisador da inclusão escolar. Em um de seus trabalhos intitulado “Por que lev vygotski quando se propõe uma educação inclusiva?”, o autor fez um estudo sobre a Defectologia, teoria escrita por vygotski (1997). se você tiver interesse por esses estudos, sugerimos que leia esses dois materiais: o artigo de Beyer (2008) e o livro de vygotski (1997) sobre os Fundamentos da Defectologia. Além da preocupação e da concepção dos estudiosos mencionados – Mittler; Karagiannis, stainback e stainback; Mantoan; Beyer; e vygotski – sobre a educação inclusiva, outro aspecto que cabe ressaltar, se refere a quais iniciativas a escola deve tomar para que possa tornar a inclusão uma realidade de seu cotidiano. Mendes (2001, p. 17) explica que, Ao mesmo tempo em que o ideal da inclusão se populariza e se torna pauta de discussão obrigatória para todos os interessados nos direitos dos alunos com necessidades educacionais especiais, surgem as controvérsias, menos sobre seus princípios e mais sobre as formas de efetivá-la. sob a perspectiva de Mendes (2001), podemos compreender que, quanto mais a inclusão se torna parte da realidade escolar, mais discussões surgem em relação a essa nova filosofia, girando em torno, principalmente, da questão prática, ou seja, da forma de realizá-la. Antes de colocarmos qualquer proposta educacional em prática, precisamos conhecer profundamente sua base teórica! Este conhecimento evita que aconteçam distorções e que o trabalho fique comprometido. 34 Educação Especial e inclusão Escolar 34 Afinal, o que é inclusão? A inclusão é um processo que requer muito mais do que transferir crianças da escola especial para a escola regular, mas também fazer parte dela. salientamos que apalavra processo é originária do latim processus e significa, segundo o dicionário (HOUAISS, 2001, p. 2303), “uma ação continuada e prolongada de uma atividade; andamento; desenvolvimento”. Portanto, quando são incluídas crianças em escolas regulares que ainda seguem um modelo baseado na integração, ou seja, em que todas as crianças devem seguir o mesmo método pedagógico, avançar no mesmo ritmo e serem avaliadas da mesma maneira, é preciso ter a clareza de que não ocorrerá uma mudança instantaneamente. neste sentido, propiciar a inclusão é participar de um processo de mudança, fazendo parte da reorganização da escola, onde estar incluído significa ter o direito de aprender junto, independente das condições físicas, lingüísticas, intelectuais, sociais e emocionais. Geralmente ouvimos pessoas envolvidas com a escola afirmarem que é impossível incluir alunos com deficiência na escola regular. De certa forma, esses profissionais têm razão, pois enquanto a escola não compreender os fundamentos da inclusão e esperar que os alunos se moldem às suas metodologias, não conseguirá ser inclusiva. A respeito disso, Rodrigues (2005, p. 46) afirma que “A inclusão encontra-se hoje conceitualmente situada entre grupos que a consideram como utópica, outros, uma mera retórica e outros, ainda, ‘uma manobra de diversão’ face aos reais problemas da escola.” neste sentido, alguns grupos de pessoas consideram a educação inclusiva utópica por diversos motivos, ressaltando que, numa sociedade excludente, não pode haver uma escola inclusiva. Pensar que a inclusão escolar pode ser utópica é compreensível, pois, diferentemente de outros países em que a proposta de inclusão iniciou com ações conjuntas de pais e professores, no Brasil, o movimento de inclusão foi articulado por estudiosos e técnicos de secretarias. Beyer (2008, p. 08) salienta que, Em vez de se constituir como um movimento gradativo de decisões conjuntas entre pais e educadores, com imediata reversão em ações de implementação e adaptação das escolas e dos professores na direção do projeto inclusivo, ocorreu um movimento deslocado das bases para o topo. No Brasil, o movimento de inclusão foi articulado por estudiosos e técnicos de secretarias. 35 inclusão escolar: deFinição, FundaMentação teórica e políticas inclusivas 35 Capítulo 2 Da forma apontada por Beyer (2005), os pais e educadores não puderam refletir e participar das diretrizes político-pedagógicas da educação inclusiva, o que seria de extrema importância, já que eles atuam diretamente com essa questão. A falta de conhecimento e de experiências concretas de inclusão e a sensação de obrigatoriedade imposta pelas autoridades podem ter contribuído mais para a exclusão do que para a inclusão. Por outro lado, se, no Brasil, o projeto de inclusão não fosse de certa forma imposto pelas autoridades e dependêssemos de movimentos de pais e professores, talvez nunca houvesse uma mudança nessa direção. Atividade de Estudos: Inclusão escolar é utopia? A obrigatoriedade de implementação da proposta de inclusão pode ter causado o efeito oposto? Se a inclusão escolar não tivesse sido imposta por lei, as escolas estariam caminhando espontaneamente nessa direção? Baseado(a) nesses questionamentos, emita sua opinião diante da discussão lançada nos parágrafos anteriores. _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ A inclusão à qual fazemos referência neste caderno de estudo, de maneira diferente do que já ficou estigmatizado, não abarca só as pessoas com deficiência ou necessidades especiais, conforme mostra a Declaração de salamanca (1994): [...] escolas deveriam acomodar todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas e outras. [...] incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados. A Declaração de salamanca (1994) elucida que a inclusão engloba, também, os sujeitos que, de alguma forma e por algum motivo, estão sendo deixados de fora das instituições regulares de ensino. Werneck (2008), em entrevista concedida ao Portal Educacional, esclarece o motivo pelo qual a deficiência é destacada quando falamos em inclusão escolar: 36 Educação Especial e inclusão Escolar 36 [...] tenho uma preocupação muito grande quando falo da escola. É uma instituição que todos nós, inclusive eu, ajudamos a construir e que tem de mudar, não porque não é boa para a criança com deficiência, mas porque não está boa para ninguém. Mas, no dia em que ela for boa para uma criança com deficiência, ela vai ser boa para todo mundo, certo? Esse é o fim da linha [...] Ainda na mesma entrevista, Werneck (2008) explica sua opinião sobre a inclusão e defende a idéia da escola inclusiva afirmando que “[...] se eu ponho uma criança com deficiência na escola, eu acelero o processo de mudança. [...] A escola inclusiva nada mais é do que uma escola de qualidade para todos. Mas um ‘todos’ que seja tudo. Um ‘tudo’ sem exceções”. Werneck (2008) e os demais autores que mencionamos, bem como a Declaração de salamanca (1994), apontam aspectos variados que ratificam princípios da escola inclusiva e a fundamentam: importância das amizades e da convivência nas relações sociais entre pessoas com e sem deficiência, iniciativas da escola para torná-la inclusiva, inclusão como processo e articulação da inclusão por pais e professores. sugiro que você leia parte da entrevista intitulada “inclusão reflete riqueza humana” que Werneck (2008) concedeu ao site www. educacional.com.br. nessa entrevista, a jornalista esclarece sobre os Direitos Humanos. Para ler mais, acesse www.educacional.com.br/ entrevistas/entrevista0073.asp. O que a incomodou e a fez abraçar a inclusão? Eu acho que não dá para você escolher as condições humanas que vão estar com você nos ambientes. É como se você negasse a característica mais típica da humanidade, a diversidade. Comecei a querer ir além nos meus trabalhos e, um dia, descobri que isso tinha um nome, inclusão. Em 1997, escrevi o primeiro livro publicado no Brasil sobre sociedade inclusiva, esse que é um conceito da OnU, o de sociedade inclusiva ou sociedade para todos. A propósito, o que preconiza a ONU no que se refere à sociedade inclusiva? A principal característica da inclusão é propor uma sociedade para todos, uma escola para todos, de forma incondicional. É para todos mesmo! Se alguém ficar de fora, não é mais inclusão. A inclusão propõe 37 inclusão escolar: deFinição, FundaMentação teórica e políticas inclusivas 37 Capítulo 2 uma ruptura dos paradigmas que já existem, a construção de um novo trabalho, um novo lazer, uma nova escola. são propostas que vão melhorar a vida de cada um de nós porque são de alta qualidade, de alto refinamento para os relacionamentos humanos, onde quer que eles aconteçam. Eu repito: não são propostas exclusivamente para pessoas com deficiência. Se a inclusão não se aplica apenas a pessoas com necessidades especiais, por que em certos discursos dão a impressão que as duas coisas são uma só? Quando pessoas que pensam como eu — ainda são poucas no Brasil — falam de inclusão, usam a deficiência como estratégia. É por isso que ela é tão importante: a deficiência éo fim da linha, é o que sempre fica de fora. Até quando você ouve os discursos mais atualizados sobre inclusão social, da parte de militantes de esquerda — se é que ainda dá para usar essa expressão —, percebe que eles também não englobam a deficiência. Por isso, você tem que colocar a deficiência como meta quando se fala de sociedade ou escola para todos. Confundir integração com inclusão, achar que ela é uma proposta restrita aos deficientes... Como desfazer esse nó na escola e ajudá-la a trabalhar por uma sociedade inclusiva? Esse é o problema central: vivemos numa grande crise de comunicação. Eu noto que o avanço tecnológico nos empurra tanto que deixamos de dedicar o tempo e a reflexão que novas questões sociais merecem. Como o social não avança com a velocidade do tecnológico, as reflexões não podem ser assim tão apressadas, senão acabamos nos atropelando entre conceitos e começamos a não nos comunicar mais. Com integração e inclusão, é isso que acontece. na maioria das vezes, as pessoas falam de uma coisa pensando que é outra. Aparentemente, podem estar contra, mas, no fundo, podem estar a favor. Muitas das discussões acontecem simplesmente porque as pessoas não percebem de que conceitos estão falando. É como se você chamasse marxismo de capitalismo e ficássemos horas discutindo (risos). É preciso muito tempo e esforço para desfazer esse nó. Às vezes, vou a uma empresa, converso horas com as pessoas sobre inclusão e aí espero, lógico, a hora certa para mostrar que estou me referindo a outra inclusão... É comum as pessoas falarem assim: “nossa, Cláudia, só agora eu entendi. A minha inclusão era outra, era a de quem passa fome, de quem não tem onde morar”. Ou seja, a vítima do sistema, que também vive uma 38 Educação Especial e inclusão Escolar 38 situação horrível, lógico. Agora, se você não acrescenta a deficiência, você não vai ao final da sua reflexão. Você também pode discutir três horas sobre crianças com deficiências, mas, se não enxergar como é a vida dessas crianças, então, não falou do problema ainda. A senhora diria que certas escolas adotam, em relação aos portadores de deficiência, um comportamento que beira a discriminação? Reclamamos o tempo todo que somos um país corrupto, que as pessoas não são sérias, que somos um país pouco ético, onde as leis não são cumpridas, onde os profissionais não estão atentos às minorias, mas a escola que temos é uma escola não ética! É uma escola que gera segregação, competição a qualquer preço e, além dessa proposta segregadora ser muito bem disfarçada, a escola, com raras exceções, tem um ambiente que não é real. É um ambiente anômalo, que não comporta todas as condições humanas. se você tira algumas dessas condições, está criando uma farsa, e as crianças e jovens vivem nessa espécie de farsa do ponto de vista humano — não estou querendo dizer que o professor, que o diretor é mau, mas que a instituição “escola brasileira” é baseada, na maioria das vezes, em uma humanidade que não existe, porque não representa o humano como ele é. Os jovens crescem nesse ambiente e, quando entram no ambiente de trabalho, o que se exige deles? Que sejam profissionais éticos, sensíveis, articulados, com capacidade de trabalhar em equipe, que sejam atentos às minorias... Mas como que eles vão conseguir? Existe essa mágica, de um dia para o outro você dormir e acordar diferente? Essa segregação de que a senhora fala não acontece porque a escola ainda segue o modelo de apontar o que o aluno tem de errado, o que ele tem de deficiente, em vez de incentivar o que ele tem de bom? Exatamente. A inclusão diz o seguinte: cada pessoa tem o direito de contribuir com o seu talento para o bem comum. Talentos que todos nós temos e que a escola não está preparada para perceber ainda. Eu sou filha de professores e tenho uma preocupação muito grande quando falo da escola. É uma instituição que todos nós, inclusive eu, ajudamos a construir e que tem de mudar, não porque não é boa para a criança com deficiência, mas porque não está boa para ninguém. Mas, no dia em que ela for boa para uma criança com deficiência, ela vai ser boa para todo mundo, certo? Esse é o fim da linha, o meu objetivo, a minha meta principal. E se eu ponho uma criança com deficiência na escola, eu acelero o processo de mudança. Essa coisa tem de estar muito clara: 39 inclusão escolar: deFinição, FundaMentação teórica e políticas inclusivas 39 Capítulo 2 nós estamos propondo uma escola melhor para todos. Todos mesmo. A escola inclusiva nada mais é do que uma escola de qualidade para todos. Mas um “todos” que seja tudo. Um “tudo” sem exceções. Atividade de Estudos: sugiro a você que aponte os aspectos mais interessantes da entrevista de Werneck e comente sobre eles. _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ documentoS internacionaiS e a legiSlação BraSileira Destinamos esta seção à apresentação dos documentos nacionais e internacionais que guiam as políticas da inclusão escolar. É fundamental conhecermos esses documentos para podermos buscar junto aos órgãos responsáveis os direitos e os deveres dos membros que fazem parte das instituições escolares. Destacamos alguns dos mais importantes documentos referentes a essa temática: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Conferência Mundial sobre Educação para Todos (1990), a Declaração de salamanca (1994) e a Convenção interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência (1999). note: Atualmente, não é mais utilizada a palavra “portador(a)”. Todavia, fazemos uso desse termo neste capítulo, pois assim consta nos documentos pesquisados. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) estabeleceu que “Os direitos humanos são os direitos fundamentais de todos os indivíduos. Todas as pessoas devem ter respeitados os seus direitos humanos: direito à vida, à integridade física, à liberdade, à igualdade e à dignidade, à educação”. (Gil, 2005, p. 17). Essa Declaração, apesar de não especificar o local, garante que todas as pessoas têm direito à educação. “Os direitos humanos são os direitos fundamentais de todos os indivíduos. Todas as pessoas devem ter respeitados os seus direitos humanos: direito à vida, à integridade física, à liberdade, à igualdade e à dignidade, à educação”. 40 Educação Especial e inclusão Escolar 40 A Conferência Mundial sobre Educação para Todos, de 1990, aprovou a “[...] Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Conferência de Jomtien, Tailândia) e o Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem”, bem como promoveu a “[...] universalização do acesso à educação”. (Gil, 2005, p. 18). A Declaração de salamanca, de 1994, impulsionou o direito à educação para pessoas com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino, pois, segundo Gil (2005, p. 18), “reconhece a necessidade de providenciar educação para pessoas com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino”. A Convenção interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência, define o termo “discriminação” que significa “[...] toda a diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência [...] que tenham efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais”.Também define que não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado Parte para promover a integração social ou desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesmo o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação. (BRAsil, 2008). O Brasil começou a pensar em um modelo educacional de integração a partir da década de 1970, após reivindicações de grupos de pais, profissionais e pessoas com deficiência pelo direito e pela oportunidade educativa igual para todos. Em resposta a essas reivindicações, foi criado, em 1973, no Ministério da Educação, o Centro nacional de Educação Especial (CEnEsP), que atuou até 1986 e, posteriormente, se transformou em secretaria da Educação Especial (sEEsP), cujo objetivo principal era centralizar e coordenar as ações de política educacional voltadas para as pessoas com necessidades especiais. Os movimentos e a reivindicações iniciados na década de 1970 foram intensificados nos anos de 1980, com a Constituição Federal de 1988 que, em seu art. 206, inciso i, determinou como um dos princípios para o ensino “a igualdade de condições de acesso e permanência na escola”. (BRAsil, 2008). O termo “igualdade” refere-se a todos; portanto, a partir dessa lei, todos passaram a ter o direito de frequentar a escola. A Declaração de Salamanca, de 1994, impulsionou o direito à educação para pessoas com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino. 41 inclusão escolar: deFinição, FundaMentação teórica e políticas inclusivas 41 Capítulo 2 Ainda sobre o atendimento aos alunos com necessidades especiais, a Constituição garantiu, no art. 208, inciso iii, “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRAsil, 2008, grifo nosso). segundo o documento intitulado O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns na Rede Regular (BRAsil, 2004, p. 8), o advérbio grifado “refere-se a ‘atendimento educacional especializado’, ou seja, àquilo que é necessariamente diferente do ensino escolar para melhor atender às especificidades dos alunos com deficiência”. Isto significa que o atendimento especializado não substitui a educação oferecida pela rede regular de ensino. A Constituição de 1988 garante atendimento especializado aos alunos com necessidades especiais. Porém, esse serviço não pode ser substitutivo do ensino da escola regular. Em 1996, após ter assumido o compromisso com a Declaração de salamanca (1994), o Brasil promulgou a lei n. 9.394/96, denominada lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (lDBn) – Educação Especial que, em seu capítulo v, art. 58, inciso ii, entrou em controvérsia com a Constituição, pois determinou que o atendimento educacional especializado fosse feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não fosse possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular (BRAsil, 2008). O referido artigo, ao determinar que o atendimento educacional especializado seja feito em escolas ou serviços especializados permite o entendimento de que a substituição do ensino regular pelo especial seja possível, o que constitui uma interpretação equivocada, tendo em vista que somente o atendimento educacional especializado pode ser oferecido fora da rede regular de ensino. Em 2001, o Brasil se tornou signatário do documento expedido, em 1999, pela Convenção interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência, realizada na Guatemala. Esse documento foi aprovado pelo Congresso nacional por meio do Decreto legislativo nº 198, de 2001 (BRAsil, 2008), e promulgado pelo Decreto nº 3.956, igualmente em 2001 (BRAsil, 2008). De acordo com o documento O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns na Rede Regular (BRASIL, 2004, p. 11), a Convenção interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência “tem tanto valor quanto uma lei ordinária, ou até mesmo [...] como norma constitucional, já que se refere a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, estando acima de leis, resoluções e decretos”. 42 Educação Especial e inclusão Escolar 42 Dessa forma, a Convenção da Guatemala contribuiu para dar um rumo aos desconformes legais entre a Constituição Federal de 1988, que respalda e garante a educação para todos no ensino regular, e a lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (1996), que sugere que a substituição do ensino regular pelo ensino especial seja possível. isto porque, conforme o documento O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns na Rede Regular (BRAsil, 2004, p. 10), “toda lei nova revoga as disposições anteriores que lhes são contrárias ou complementa eventuais omissões”. neste sentido, os Estados Partes da Convenção da Guatemala reafirmaram que as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o de não ser submetido a discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano. (BRAsil, 2008). Se as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos que outras pessoas, como prevê a Convenção, então podemos interpretar que esse direito se refere, também, ao de estudar na escola regular, como e com os alunos sem deficiência. Mesmo assim, sabemos que apenas a promulgação de leis não garante a implementação de um modelo inclusivo, mas é necessário criar meios que suscitem mudanças no sistema educacional. Em 2003, o Ministério da Educação, por meio da secretaria de Educação Especial, assumiu o compromisso de apoiar os estados e municípios em sua tarefa de fazer com que as escolas brasileiras se tornassem inclusivas. Para tanto, criou o Programa Educação inclusiva: Direito à Diversidade, que tem por objetivo compartilhar, com todos os estados brasileiros, novos conceitos, informações e metodologias por meio de uma fundamentação filosófica que afirma uma concepção da educação especial, tendo como pressuposto os direitos humanos. no próximo capítulo, estudaremos, além de outras questões, quais mudanças são necessárias para começarmos a tornar as escolas inclusivas, começando pela filosofia da escola, ou seja, o Projeto Político-Pedagógico até as metodologias de ensino utilizadas em sala de aula. Para conhecer os documentos e a legislação brasileira de educação especial e inclusiva, acesse o site: www.mec.gov.br e clique no link ‘Educação Especial’. A seguir, expomos uma lista com documentos 43 inclusão escolar: deFinição, FundaMentação teórica e políticas inclusivas 43 Capítulo 2 internacionais e nacionais referentes a essa temática. Documentos internacionais: • 1971 – Declaração dos Direitos das Pessoas e Mentalmente Retardadas, • 1975 – Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (ONU), • 1980 – Carta para a Década de 80 (ONU), • 1983-1992 – Década das Nações Unidas para as Pessoas com Deficiência, • 1993 – Normas sobre Equiparação de oportunidades para Pessoas com Deficiência (ONU), • 1994 – Declaração de Manágua, • 1999 – Declaração de Washington, • 2002 – Declaração de Caracas, • 2002 - Declaração de Sapporo, Japão, • 2002 – Congresso Europeu de Pessoas com Deficiência, • 2003 – Ano Europeu das Pessoas com Deficiência e • 2004 – Ano Iberoamericano da Pessoa com Deficiência. legislação nacional: • 1854 – Instituto Benjamin Constant (IBC), • 1857 – Instituto Nacional de Educação de Surdos(INES), • 1989 – Lei nº 7.853, • 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), • 1998 – Parâmetros Curriculares Nacionais, • 1999 – Decreto nº 3.298, • 2000 – Lei nº 10.098, • 2000 – Lei nº 10.048, • 2001 – Plano Nacional de Educação, • 2001 – Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, • 2001 – Decreto nº 3.956, • 2001 – Parecer CNE (Conselho Nacional de Educação)/CEB (Câmara de Educação Básica n° 17 e • 2004 – Decreto n° 5296, de 02 de dezembro. Atividade de Estudos: 1) Com base nas leituras realizadas neste capítulo, responda: A inclusão é uma proposta educacional direcionada para quem? Justifique sua resposta. _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ 44 Educação Especial e inclusão Escolar 44 2) Conforme estudamos neste capítulo, os documentos mais importantes referentes à inclusão escolar são: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Conferência Mundial sobre Educação para Todos (1990), a Declaração de salamanca (1994) e a Convenção interameri- cana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência (1999). Preencha o quadro que segue, relembrando o que cada um desses documentos garante. algumaS conSideraçõeS neste capítulo, você compreendeu as propostas que fundamentam a inclusão escolar. Além disso, você conheceu os documentos nacionais e internacionais que guiam as políticas brasileiras de inclusão. A seguir, retomaremos os principais aspectos estudados no referido capítulo. Documento O que garante Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) Conferência Mundial sobre Educação para Todos (1990) Declaração de Salamanca (1994) Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência (1999) 45 inclusão escolar: deFinição, FundaMentação teórica e políticas inclusivas 45 Capítulo 2 A respeito do conceito de inclusão escolar vimos que: • propiciar a inclusão escolar é participar de um processo de mudança, reorganizando a escola, onde estar incluído significa ter o direito de aprender junto, independente das condições físicas, lingüísticas, intelectuais, sociais e emocionais; • a inclusão escolar é para todos os alunos, sem exceção. Em relação às leis e documentos que embasam as políticas públicas de inclusão compreendemos que: • a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) garante que todas as pessoas têm direito à educação; • a Conferência Mundial sobre Educação para Todos de 1990 promoveu a “[...] universalização do acesso à educação”. (Gil, 2005, p. 18); • a Declaração de Salamanca de 1994 impulsionou o direito à educação para pessoas com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino; • a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência, define o termo ‘discriminação’ que significa “[...] toda a diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência [...] que tenham efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais”. (BRAsil, 2008). Ao final, você estudou como os órgãos governamentais brasileiros vêm se posicionando diante das propostas da educação inclusiva e quais ações estão adotando para implantá-las nas escolas, entre elas a implantação do Programa Educação inclusiva: Direito à Diversidade, que tem por objetivo compartilhar, com todos os estados brasileiros, novos conceitos, informações e metodologias por meio de uma fundamentação filosófica que afirma uma concepção da educação especial, tendo como pressuposto os direitos humanos. referênciaS BEYER, Hugo Otto. Inclusão e avaliação na escola: de alunos com necessidades educacionais especiais. Porto Alegre: Mediação, 2005. _________. Por que lev vygotski quando se propõe uma educação inclusiva? Educação Especial. Disponível em: <www.ufsm.br/ce/revista>. Acesso em: 10 ago. 2008. 46 Educação Especial e inclusão Escolar 46 BRAsil. O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular. Fundação Procurador Pedro Jorge de Melo e Silva (Org.). Ministério Público Federal: 2. ed. Brasília: Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, 2004. _________. Educação Especial, legislação. Disponível em: <www.mec.gov.br>. Acesso em: 15 out. 2008. DEClARAÇÃO DE sAlAMAnCA: Princípios, Política e Prática em Educação Especial. 1994. Disponível em: <www. direitoshumanos.usp.br> Acesso em: 26 maio 2008. Gil, Marta (Coord.). Educação Inclusiva: O que o professor tem a ver com isso? São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005. HOUAiss, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. KARAGiAnnis, Anastasios; sTAinBACK, Willian; sTAinBACK, susan. Fundamentos do ensino inclusivo. in: sTAinBACK, susan; sTAinBACK, Willian. Inclusão: um guia para educadores. Trad. Magda França lopes. Porto Alegre: Artes Médicas sul, 1999.p. 21-34. MAnTOAn, Maria Tereza Égler. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003. MEnDEs, E. G. 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