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14/04/2015 Objetivos e Princípios da Lei de Falências e Recuperação de Empresas Síntese http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1229 1/6 Quem Somos Assessoria de Imprensa Fale Conosco Telefones Doutrina 145 Objetivos e Princípios da Lei de Falências e Recuperação de Empresas Publicado em 17 de Setembro de 2012 | Autor: João Pedro Scalzilli, Rodrigo Tellechea e Luis Felipe Spinelli Resenha Editorial: Os autores agradecem as sugestões e o auxílio dos colegas Luis Alberto Reichelt e José Rodrigo Dorneles Vieira. Para bem compreender a funcionalidade das regras de um sistema jurídico e o rigor técnicojurídico a elas inerente, é indispensável buscar o objetivo colimado pelo legislador quando da promulgação da norma, para, por meio disso, compreender a racionalidade do regime no qual elas estão inseridas. Em outras palavras, saber identificar os objetivos buscados pelo legislador, que se materializam nos princípios informadores da lei, e entender os mecanismos elaborados por ele para alcançálos é requisito fundamental para manejar e bem interpretar uma lei, seja ela qual for. Nesse sentido, parecenos que conhecer os valores abrigados pelas regras jurídicas e pelos princípios informadores da LFRE (Lei de Falências e Recuperação de Empresas) é pressuposto para bem compreender o alcance dos seus diversos dispositivos. Daí a importância do estudo dos princípios: eles revelam o verdadeiro espírito da lei. Vejamos, pois, os princípios de Direito Falimentar e Recuperatório que informam a LFRE. 1 PRESERVAÇÃO DA EMPRESA O princípio basilar da LFRE é o da preservação da empresa, especialmente diante dos interesses que em torno dela gravitam. Vale dizer, a empresa é a célula essencial da economia de mercado[1] e cumpre relevante função social[2], porque, ao explorar a atividade prevista em seu objeto social e ao perseguir o seu objetivo (o lucro), promove interações econômicas (produção ou circulação de bens ou serviços) com outros agentes do mercado, consumindo, vendendo, gerando empregos, pagando tributos, movimentando a economia, desenvolvendo a comunidade em que está inserida, enfim, criando riqueza e ajudando no desenvolvimento do País, não porque esse seja o seu objetivo final – de fato, não o é –, mas simplesmente em razão de um efeito colateral e benéfico do exercício da sua atividade[3]. A redação do art. 47 da lei é exemplar: A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômicofinanceira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.[4] O princípio da preservação da empresa está concretizado nos regimes recuperatórios legalmente previstos: a recuperação judicial, a extrajudicial e, inclusive, na existência de um regime de recuperação judicial supostamente favorável para as microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), procedimento especial para as ME e EPP. Além disso, o princípio pode ser visto em vários dispositivos espalhados pela lei, consubstanciado em mecanismos auxiliares que buscam viabilizar os regimes recuperatórios, tais como a existência do stay period, que suspende o curso das execuções e ações que possam agredir o patrimônio do devedor por até 180 dias depois de deferido o processamento da recuperação judicial (art. 6º, caput) – no entanto, este benefício não está disponível no regime da recuperação extrajudicial (art. 161, § 4º). Da mesma forma, podemos citar a novação das obrigações pela aprovação do plano, espécie de “blindagem” acerca daquilo que foi negociado e aprovado (art. 59), que se aplica, guardadas as proporções, também à recuperação extrajudicial (art. 165). É possível vislumbrar o princípio da preservação da empresa, igualmente, na regra de estímulo aos novos financiamentos e à manutenção do fornecimento de bens e serviços durante a recuperação judicial (art. 67), que faz dos créditos gerados, durante a recuperação, extraconcursais em caso de falência da recuperanda, além de promover os créditos antigos na razão de um por um para a classe dos créditos com privilégio geral – para cada real em crédito se promove um real do crédito antigo (espécie de upgrade na classificação). Ainda, podese verificar o princípio da preservação da empresa na proibição de retirada dos bens objeto de arrendamento mercantil e alienação fiduciária quando estes forem essenciais à atividade empresarial durante o stay period (art. 49, § 3º) e na possibilidade de alienação do estabelecimento sem a ocorrência de sucessão tributária e trabalhista (art. 60, parágrafo único). Infelizmente, no entanto, estes benefícios estão disponíveis apenas para o regime da recuperação judicial. Também materializa o princípio sob exame a possibilidade de o juiz impor a recuperação “goela abaixo” (cram down[5]) aos credores dissidentes quando o plano restar rejeitado pela assembleia, desde que observadas as condicionantes legais (art. 58, §§ 1º e 2º), hipótese também presente na recuperação extrajudicial relativamente aos credores que a ela não aderiram (art. 163). No mesmo sentido, a regra de manter o devedor no comando da empresa recuperanda (debtorinpossession), ainda mais forte no caso da recuperação extrajudicial, é um benefício que estimula a recuperação, na medida em que o titular da empresa não precisa ter o receio de perder o controle sobre ela para se valer do regime recuperatório, e garante a elaboração de um plano por quem está ciente das questões relevantes do negócio (art. 64, caput)[6]. De mais a mais, o exame da lista exemplificativa dos meios de recuperação judicial prevista no art. 50, também aplicável à recuperação extrajudicial, é mais um elemento que reforça o espírito recuperatório que perpassa a LFRE, cujo objetivo primordial é estimular o devedor a estudar e propor alternativas jurídicas capazes de reerguer os pilares econômicos e financeiros do seu negócio. Finalmente, mesmo na falência percebese a preocupação do legislador com a preservação da empresa, especialmente nas regras previstas nos arts. 95 (que autoriza o devedor a pleitear sua recuperação judicial como meio de defesa, de forma incidental, dentro do prazo legal para contestação de pedido de falência apresentado por determinado credor) e 140 (e seus incisos da LFRE que indicam a preferência legal pela venda do conjunto de estabelecimentos do falido, pelos estabelecimentos singularmente considerados ou, pelo menos, de blocos de bens aptos à utilização produtiva)[7]. Por fim, é importante destacar o papel da jurisprudência dos Tribunais na aplicação e na sedimentação do princípio da preservação da empresa, bem como na correta utilização de institutos próprios da LFRE em prol do soerguimento das empresas recuperáveis. Lembrese que por se tratar de matéria Acesse seu Produto online Produtos Síntese Newsletter Jurídica Últimas Notícias Legislação Serviço de Pesquisa Indicadores 14/04/2015 Objetivos e Princípios da Lei de Falências e Recuperação de Empresas Síntese http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1229 2/6 multidisciplinar e de ordem eminentemente prática, as soluções adequadas ao caso nem sempre se encontram de forma direta e objetiva na letra da lei, requerendo do julgador um exercício dinâmico de interpretação da norma conforme os princípios da legislação e, dentro dos limites impostos pelo ordenamento, às necessidades práticas do devedor em estado de crise[8]. 2 RETIRADA DOMERCADO DA EMPRESA INVIÁVEL Não obstante, é importante ressalvar que nem toda empresa merece ser preservada. Não existe, no Direito brasileiro, ou em qualquer outro dos que temos notícia, um princípio da “preservação da empresa a todo custo”. Na verdade, a LFRE consagra, no sentido exatamente oposto, um princípio complementar ao da preservação da empresa que é o da retirada do mercado da empresa inviável. Isso porque não é possível querer que se mantenha uma empresa a qualquer custo, pois quando os agentes econômicos que exploram a atividade não estão aptos a criar riqueza e podem prejudicar a oferta de crédito, a segurança e a confiabilidade do tráfico mercantil, devem ser retirados do mercado o mais rápido possível para o bem da economia como um todo, sempre com a finalidade de evitar a criação de maiores problemas[9]. Manter empresas absolutamente inviáveis operando, ainda que sob a titularidade de novos sujeitos, significa transferir o risco do negócio aos credores, o que é inadmissível[10]. A recuperação somente se justifica na medida em que o resultado da equação de reorganização da empresa for positivo para todos os envolvidos – devedor, credores, empregados, fornecedores, comunidade – isto é, resulte, ao fim e ao cabo, em valor econômico superior ao montante que poderia ser obtido com a liquidação imediata e venda dos ativos do devedor[11]. Do ponto de vista estritamente econômico, a falência não é má em todos os aspectos, pois se os recursos (capital, trabalho) são escassos – como de fato o são –, esses devem ser realocados para aqueles agentes que tenham efetiva capacidade de gerar riqueza[12]. Temse, portanto, que somente deve ser passível de recuperação a empresa economicamente viável[13]. Nesse sentido, cabe aos credores da empresa em dificuldades, justamente porque a eles interessa a manutenção de negócios saudáveis, o poder de julgar a viabilidade da empresa, seja aceitando o plano de recuperação apresentado judicialmente pelo devedor, seja pela adesão ao plano de recuperação extrajudicial. Finalmente, é importante observar que a própria LFRE possui vários “filtros de viabilidade”, materializados nos requisitos subjetivos e objetivos previstos nos arts. 48 e 51 da LFRE e também nas hipóteses de convolação da recuperação judicial em falência, entre as quais se destacam: a não apresentação do plano no prazo legalmente estipulado (art. 73, II), a rejeição do plano (art. 73, III) e o descumprimento do plano durante a sua execução (art. 73, IV). Com efeito, entende a lei que, se o devedor não apresenta o plano, se o mesmo não é aprovado ou não é passível de cumprimento, não existe viabilidade, devendo a empresa quebrar. 3 PARTICIPAÇÃO ATIVA DOS CREDORES Diferentemente do que ocorria no regime anterior, em que a concordata era imposta aos credores após a avaliação judicial acerca do simples cumprimento de certos requisitos legalmente previstos, a LFRE reservou um papel de destaque aos credores nos regimes de crise, tanto na recuperação judicial quanto na recuperação extrajudicial, além de têlo feito, também, na falência. O credor passa, então, de coadjuvante a protagonista na cena dos regimes da LFRE. Na recuperação judicial, a aprovação do plano depende da chancela dos credores reunidos em assembleia (aprovação expressa) ou, no mínimo, da não apresentação de objeções (aprovação tácita), conforme se depreende do exame dos arts. 55 e 56. Por outro lado, a desistência do devedor do pedido de recuperação já deferido depende de prévia aprovação (da desistência) pela assembleiageral de credores, nos termos do art. 35, I, d, c/c art. 52, § 4º, da LFRE. Ademais, lembrese que a rejeição do plano pela assembleiageral de credores implicará na convolação da recuperação judicial em falência (art. 73, inciso III), ressalvada a hipótese do art. 58, § 1º. Quanto à recuperação extrajudicial, a participação dos credores é, igualmente, essencial, pois a adesão ao regime é, por regra, facultativa (art. 162). E na recuperação extrajudicial é possível, também, a impugnação judicial do plano, sem que exista, no entanto, o risco de ser decretada a quebra do devedor em caso de procedência de tal impugnação (art. 164). Mesmo nas hipóteses de cram down (seja na recuperação judicial, seja na recuperação extrajudicial), situação em que o plano é imposto à minoria dissidente, é possível verificar a importância da adesão dos credores ao plano, pois, ainda assim, um número mínimo deles deve têlo aprovado para que seja imposto (arts. 58, § 1º, e 163). A fórmula do “cram down à brasileira” nada mais é do que um rebaixamento do quórum de aprovação à luz da verificação, no caso concreto, da função social da empresa; não significa, em hipótese alguma, uma desconsideração total relativamente à vontade dos credores. As regras que preveem uma participação ativa dos credores consistem em uma importante mudança de perspectiva; bastante salutar, inclusive, já que são os credores quem sofrerão os efeitos da recuperação, portanto nada mais justo que o poder decisório acerca disso recaia sobre eles. Ademais, partese da premissa que os credores tenderão a cooperar para a solução da crise do credor, pois os resultados advindos da conduta cooperativa costumam ser economicamente mais eficientes. No que se refere especificamente à falência, também é possível verificar a materialização do princípio em exame em uma série de regras, entre as quais a previsão genérica que estabelece a necessidade de deliberação da assembleiageral[14] sobre qualquer matéria que possa afetar o interesse dos credores (art. 35, II, d), e as específicas que requerem sua manifestação nas hipóteses de constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e a sua substituição (art. 35, II, b), na adoção de outras modalidades de realização do ativo (art. 35, II, c, c/c art. 145) e na autorização do Comitê de Credores, quando constituído, para celebrar contratos que produzam renda para a massa falida (art. 114). 4 SEPARAÇÃO DOS CONCEITOS DE “EMPRESA” E “EMPRESÁRIO” “Empresa” é a atividade (econômica organizada, exercida profissionalmente, para a produção ou a circulação de bens ou de serviços); “empresário” é quem exerce a atividade em nome próprio, o seu titular, que pode ser uma pessoa física (empresário individual) ou uma pessoa jurídica (sociedade empresária ou empresa individual de responsabilidade limitada – Eireli)[15]. O foco da lei é, declaradamente, a “empresa”, não o “empresário”[16]. Tanto é assim, que são possíveis as seguintes soluções para vencer a crise, todas elas prevendo a substituição do titular da atividade empresarial: (a) a transferência da empresa – leiase “estabelecimento empresarial” – para outro titular, como o caso de sociedade constituída pelos próprios empregados, a quem podem ser alienados ou arrendados os estabelecimentos do devedor a fim de preservar a atividade exercida (art. 50, VII); (b) o usufruto da empresa pelos credores (art. 50, XIII); (c) a constituição de sociedade de propósito específico (SPE) para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor (art. 50, XVI). Ou seja, a lei quer proteger a atividade, não necessariamente o devedor, e o faz prevendo várias hipóteses de transferência dos estabelecimentos do devedor. Se esse puder se soerguer juntamente, ótimo; do contrário, salvase a empresa tão somente. No mesmo sentido, o art. 140, que indica na falência a preferência pela alienação da empresa como um todo (leiase o conjunto de estabelecimentos, os estabelecimentos singularmente considerados ou, ao menos, blocos de bens suficientes para a utilização produtiva) à alienação dos bens individualmenteconsiderados. 5 REDUÇÃO DO CUSTO DO CRÉDITO Mais um objetivo declarado da lei é a redução do custo de crédito no Brasil. É possível verificar em vários dispositivos da LFRE regras que criam direitos especiais para as instituições financeiras, reduzindo os riscos que elas normalmente enfrentariam em suas operações de crédito, razão pela qual poderiam elas cobrar juros proporcionalmente mais baixos do empresariado, segundo a lógica: quanto menor o risco, menores os juros (exemplificativamente, vale mencionar a previsão dos arts. 49, §§ 3º e 4º, 86, II, e 161, § 1º, e 199, §§ 1º, 2º e 3º, que põem a salvo as relações negociais fundadas em contratos tipicamente bancários, como a alienação fiduciária em garantia, o arrendamento mercantil, o adiantamento a contrato de câmbio, o leasing de aeronave e suas partes, entre outros). Ainda, vejase, a título de exemplo, que na composição das classes que formam a assembleiageral de credores, o art. 41, II (c/c art. 45) da LFRE inseriu os titulares de garantias reais (cujos principais destinatários são os credores bancários) em uma classe própria, e mais, com poderes para deliberar sobre o plano de recuperação judicial proposto pelo devedor, tendo a relevante prerrogativa de vetar a proposta apresentada pelo devedor[17]. Além disso, a própria posição do crédito bancário na classificação dos créditos em caso de falência, prevista no art. 83, II, denuncia a postura “pró banco” da LFRE: o crédito com garantia real, a modalidade típica de garantia exigida pelos bancos em suas operações de financiamento ocupa o segundo grau na ordem de pagamento dos créditos concursais, logo abaixo dos trabalhistas e acima do Fisco[18], sem dúvida um feito muito contundente do chamado “lobby bancário”[19]. 14/04/2015 Objetivos e Princípios da Lei de Falências e Recuperação de Empresas Síntese http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1229 3/6 A grande questão que ainda se põe é a seguinte: a LFRE, de fato, reduz(iu) o custo do crédito no Brasil? Parecenos que não. 6 PROTEÇÃO AO TRABALHADOR Quis o legislador proteger, também, aqueles que trabalham na empresa assolada pela crise, como já ocorria na vigência da lei anterior. É o princípio da proteção do trabalhador, consubstanciado em vários dispositivos da LFRE, entre eles na própria classificação do crédito trabalhista no quadro dos credores concursais: em primeiro lugar entre os créditos concursais (art. 83, I – além do previsto no art. 151, que prevê o pagamento imediato de determinadas verbas salariais), principalmente em razão da sua natureza eminentemente alimentar e da conhecida hipossuficiência do trabalhador, que não consegue negociar garantias em seu contrato de trabalho, tampouco embutir em sua remuneração uma taxa de risco, tal como o fazem as instituições financeiras e os grandes fornecedores, por exemplo. E como se não bastasse, ao prever que os créditos trabalhistas cedidos a terceiros possam ser rebaixados da classe que lhes é própria (1º lugar) para a classe quirografária (6º lugar), estabelece um importante desincentivo à criação dos perversos mercados de crédito trabalhista (art. 83, § 4º), na medida em que, ao desestimular a compra oportunista desses, protege os próprios trabalhadores que não se verão tentados a alienar o seu crédito com abusivo deságio para aqueles interessados em lucrar com o simples decurso do tempo. Também protetiva é a regra que considera extraconcursal o crédito dos trabalhadores pelo serviço prestado depois da decretação da falência da empresa (art. 84, I). Ademais, no âmbito da recuperação judicial, no qual o próprio dispositivo preambular do regime já contém uma norma de natureza programática no sentido da necessária tutela do trabalhador (“A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômicofinanceira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores...”), o art. 54 prevê um prazo máximo de um ano dentro do plano de recuperação para o pagamento dos créditos trabalhistas já vencidos (caput) e um prazo de 30 dias para o pagamento dos créditos de natureza estritamente salarial, vencidos até três meses antes do pedido de recuperação, no limite de até cinco saláriosmínimos por trabalhador (parágrafo único). Em outras palavras, a natureza alimentar do crédito trabalhista faz dele um crédito superprivilegiado, no sentido de que o seu pagamento deva ser quase imediato[20]. Por outro lado, a LFRE, com a intenção de tutelar os seus interesses, exclui os credores trabalhistas do regime da recuperação extrajudicial (art. 161, § 1º), crendo que uma negociação extrajudicial teria o condão de causar graves prejuízos à classe, possivelmente em razão da dificuldade de coordenação de tais credores, da extrema necessidade que pode gerar o inadimplemento do crédito destinado ao sustento do empregado e de sua família e de outras peculiaridades envolvendo esse tipo de crédito. 7 PRESERVAÇÃO E MAXIMIZAÇÃO DOS ATIVOS DO FALIDO Para atender um maior número de credores na falência e para aumentar as chances de recuperação da empresa em crise, a LFRE oferece vários mecanismos para assegurar a obtenção do máximo valor possível pelos ativos do falido, (a) evitando a deterioração provocada pela demora excessiva do processo, (b) priorizando a venda da empresa em bloco, para evitar a perda dos intangíveis, assim como dá ao administrador judicial (c) a possibilidade de celebrar contratos que gerem renda a partir da exploração dos bens da massa falida, enquanto esses não forem alienados. Nesse sentido, vislumbramos o objetivo de preservar e maximizar os ativos do falido (i) na regra que permite ao administrador judicial fazer ele mesmo a avaliação dos bens do falido arrecadados, se tiver conhecimento técnico para tanto, possibilitando, ainda, (ii) a avaliação dos bens em bloco se isso for possível (art. 108); (iii) na permissão, em razão dos custos e no interesse da massa falida, de aquisição ou adjudicação, de imediato, pelos credores, dos bens arrecadados, pelo valor da avaliação, atendida a regra de classificação e preferência entre eles, desde que autorizado pelo juiz e ouvido o Comitê, se houver (art. 111); (iv) na hipótese de venda antecipada dos bens perecíveis, deterioráveis, sujeitos à considerável desvalorização ou que sejam de conservação arriscada ou dispendiosa (art. 113); e (v) na permissão de celebrar contratos para gerar renda a partir dos bens da massa (art. 114). Ademais, é possível observar a materialização deste princípio na preferência legal pela venda do mais abrangente conjunto de bens possível (art. 140), iniciando pela venda da empresa em bloco, com todos os seus estabelecimentos (art. 140, I); a alienação da empresa por estabelecimento (art. 140, II); a alienação de bens em bloco (art. 140, III); e, como última opção, a alienação individual de bens (art. 140, IV), hipóteses iniciais que permitiriam obter um maior valor de venda e até a continuação da atividade nas mãos de outro empresário. É importante, ainda, lembrar as técnicas de recuperação que importam o trespasse do estabelecimento (art. 50, VII) e o usufruto da empresa (art. 50, XIII), hipóteses essas que consideram que o conjunto de bens pode gerar valor para o devedor. Por fim, ressaltamos que a noção de maximização e de preservação dos ativos do devedor está ínsita aos regimes recuperatórios (judicial e extrajudicial). 8 CELERIDADE, EFICIÊNCIA E ECONOMIA PROCESSUAL O princípio da celeridade, da eficiência e da economia processual prescreve que as normas procedimentais sejam aplicadase interpretadas de modo a privilegiar uma condução ágil, adequada e econômica dos regimes falimentar e recuperatórios. Nesse sentido, o art. 75, parágrafo único, textualmente afirma que o “processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual” (sendo que no mesmo caminho está a previsão contida na Constituição Federal, art. 5º, LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”)[21]. Cabe perquirir, no entanto, qual seria a aplicação prática desses dispositivos? José Pacheco da Silva, abordando especificamente a questão no processo falimentar, esclarece que o Magistrado, “ao definir as questões incidentais ocorrentes no processo, deverá pautarse pelas decisões que tenham uma produção jurídica de efeitos mais rápida, pois a demora no processo traz a deterioração do patrimônio e sua perda de valor econômico, acarretando prejuízo irrecuperável tanto para o devedor como para os credores”. E complementa: “o princípio da economia visa a garantir ao credor o menor gasto possível na busca da satisfação de seu crédito, bem como na definição por parte do Magistrado, acompanhado pela manifestação do Ministério Público, de medidas menos burocratizantes que não só prolongarão a tramitação do processo como também o tornarão mais oneroso”[22]. Isso porque um processo caro e longo tornase desinteressante ao credor, que acabará buscando formas alternativas para a satisfação do seu crédito, ou mesmo poderá, diante da ineficiência sistêmica, restringir sua participação na atividade econômica do País, buscando mercados mais seguros com regimes jurídicos eficientes[23]. Sem falar que um processo demorado está na contramão da necessidade de preservação dos bens do devedor, inclusive os intangíveis envolvidos na exploração da atividade empresarial e da sua destinação para uma atividade produtiva capaz de preservar a empresa. A LFRE buscou, em diversas oportunidades, concretizar tais princípios. O art. 79, por exemplo, dispõe que os processos de falência e os seus incidentes preferem a todos os outros na ordem dos feitos, em qualquer instância[24], sendo possível questionar se não se aplicaria a mesma regra à recuperação judicial e à recuperação extrajudicial, uma vez que havia disposição semelhante a essa da falência para a concordata preventiva, como determinava o art. 203 do DecretoLei nº 7.661/1945. Igualmente, fazemos referência à previsão do art. 40, o qual impede o deferimento de qualquer medida judicial para a suspensão ou adiamento da assembleiageral de credores em razão de pendência de discussão acerca da existência, quantificação ou da classificação de créditos. E, ainda, lembramos as regras que possibilitam a prática imediata de atos ao longo do procedimento falimentar. (e.g. alienação dos ativos do falido logo após a arrecadação, independentemente da formação do quadrogeral de credores, de acordo com os arts. 139 e 140, § 2º). Enfim, a LFRE possui uma série de normas que buscam a eficiência dos processos por ela regulados. Por fim, vale salientar que cumpre a todos os envolvidos no processo (de falência, recuperação judicial e recuperação extrajudicial), e especialmente ao Magistrado, concretizarem tais princípios, adotandose uma perspectiva instrumentalista da jurisdição, afastandose do formalismo exagerado em prol da efetividade[25]. 9 SEGURANÇA JURÍDICA E PREVISIBILIDADE A segurança jurídica e a previsibilidade quanto aos seus efeitos deveriam ser objetivos colimados por toda e qualquer lei que viesse a lume[26]. É imprescindível que as normas relativas à falência e à recuperação judicial e extrajudicial confiram previsibilidade e clareza ao mercado. Nesse sentido, andou bem o legislador quando previu a novação das dívidas renegociadas no âmbito da recuperação judicial (art. 59), assegurando proteção aos termos acordados, efeito que, em certa medida, também ocorre na recuperação extrajudicial (art. 165). Além disso, a não ocorrência de sucessão do adquirente nas dívidas tributárias e trabalhistas, precedentes do devedor quando da alienação dos seus ativos na recuperação judicial e na falência (arts. 60, parágrafo único, e 141, II), é uma importante medida, apesar de inexistir tal garantia no âmbito da recuperação extrajudicial (como veremos adiante, muitas discussões ainda existem sobre o tema). Por derradeiro, lembrese que os atos praticados no curso da recuperação judicial não podem ser declarados ineficazes ou revogados em caso de 14/04/2015 Objetivos e Princípios da Lei de Falências e Recuperação de Empresas Síntese http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1229 4/6 falência (art. 131) – o que, infelizmente, já não ocorre no regime da recuperação extrajudicial. 10 FAVORECIMENTO DAS EMPRESAS DE MENOR PORTE Outra inovação trazida pela LFRE foi a busca por um regime que propiciasse um tratamento (supostamente) favorecido ao microempresário (ME) e ao empresário de pequeno porte (EPP), cuja matriz constitucional está nos arts. 170, IX, e 179. Nesse sentido, foi projetado o plano especial de recuperação judicial previsto nos arts. 70 ao 72, que buscou realizar o princípio da simplificação da recuperação das empresas de menor porte. O objetivo é que tal espécie de empresa não seja onerada injustificadamente pelo trâmite da recuperação judicial tradicional, geralmente lenta e custosa. A partir dessa lógica (cujas consequências práticas são bastante discutíveis), tais empresas teriam ampliado seu acesso à recuperação. No âmbito da recuperação judicial conduzida pelo procedimento especial para as ME e EPP, aquilo que mais chama a atenção é a não ocorrência da assembleiageral de credores, pois o juiz concederá a recuperação se atendidas às exigências da lei e desde que não sofra a impugnação de mais da metade dos créditos abrangidos pelo plano. De resto, o alcance reduzido do plano (só abrange os credores quirografários) e a predeterminação dos meios de recuperação – parcelamento em até 36 parcelas mensais, iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12% ao ano, com o pagamento da primeira parcela em até 180 dias contados da distribuição do pedido de recuperação –, cujo objetivo seria acelerar a tramitação do processo, tendem a ser fatores a inviabilizar a recuperação da ME ou EPP que opte pelo plano especial em razão da sua reduzida maleabilidade para resolver as diferentes crises empresariais, relegando esse regime especial a um papel secundário[27]. 11 RIGOR NA PUNIÇÃO DOS CRIMES FALIMENTARES E RECUPERATÓRIOS Finalmente, mas não menos importante, outro dos objetivos da lei é o rigor na punição dos crimes falimentares e recuperatórios, o que é fundamental para coibir os atos fraudulentos realizados na seara recuperacional e falimentar, buscandose, ao final, a tutela dos credores e do próprio mercado. Nesse sentido, a lei reservou um capítulo inteiro (VII – arts. 168178) para as regras referentes à punição dos crimes praticados em tais contextos. Estão tipificados, entre outros, os crimes relacionados à fraude contra credores (art. 168), à violação de sigilo empresarial (art. 169), à divulgação de informação falsa (art. 170), à indução a erro (art. 171), ao favorecimento de credores (art. 172), ao desvio, à ocultação ou à apropriação de bens (art. 173), à aquisição, ao recebimento ou ao uso ilegal de bens (art. 174), à habilitação ilegal de crédito (art. 175), ao exercício ilegal de atividade (art. 176), à violação de impedimento (art. 177) e à omissão dos documentos contábeis obrigatórios (art. 178). 12 NOTA CONCLUSIVA Em apertada síntese, esses são os princípiose objetivos da LFRE. O objetivo do presente ensaio foi o de tão somente apresentálos de forma sistematizada e em conjunto, em complemento à forma como vêm sendo expostos pelas várias obras da doutrina especializada. Quanto à aplicação dos princípios, notese, entretanto, que nem sempre será possível atendêlos de forma harmônica e conjunta, especialmente quando vierem a conflitar entre si, situação na qual deverá o intérprete da lei realizar o devido sopesamento entre os princípios, levandose em consideração o caso jurídico em concreto e as consequências socioeconômicas de eventual decisão[28]. Doutorando em Direito Comercial pela USP, Mestre em Direito Privado pela UFRGS, Advogado. Doutorando em Direito Comercial pela USP, Advogado. Doutorando em Direito Comercial pela USP, Mestre em Direito Privado pela UFRGS, Advogado. [1] COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, Nova Série, a. 22, n. 50, p. 5774, abr./jun. 1983; ANTUNES, José Engrácia. Estrutura e responsabilidade da empresa: o moderno paradoxo regulatório. Revista Direito GV, v. 1, n. 2, p. 2968, 2005. [2] Cf. COMPARATO, Fabio Konder. Estado, empresa e função social. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 732, a. 85, p. 3846, out. 1996; e COMPARATO, Fabio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, Nova Série, a. 25, n. 63, p. 7179, jul./set. 1986. [3] Sobre as externalidades – positivas e negativas – decorrentes do exercício da empresa, ver, exemplificativamente: KRUGMAN, Paul; WELLS, Robin. Introdução à economia. Trad. Helga Hoffmann. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 395408; NUSDEO, Fábio. Curso de economia – introdução ao direito econômico. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 152161; YAZBEK, Otávio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 4749; VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, v. 1, 2006. p. 174180. [4] Ainda que de forma indireta, a acomodação de interesses em torno da empresa em crise e a discussão conjunta acerca da melhor forma de recuperála retoma as premissas dos debates doutrinários acerca do interesse social, em especial das correntes ligadas ao contratualismo e o institucionalismo. Calixto Salomão enxerga na essência do art. 47 o ideário institucionalista, consubstanciado no princípio da preservação da empresa, “verdadeiro ponto comum de encontro” dos interesses dos trabalhadores, dos credores, da comunidade, dos acionistas da sociedade devedora, entre outros. Sobre o interesse social, institucionalismo, contratualismo e poder de controle, temas fundamentais para o estudo do direito societário, mas, também, e para aquilo aqui que nos interessa, para o direito recuperatório e falimentar, ver: RATHENAU, Walther. Do sistema acionário – uma análise negocial. Tradução e introdução de Nilson Lautenschleger Jr. Reprodução do texto clássico. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, Nova Série, a. 41, n. 128, p. 199223, out./dez. 2002; JAEGER, Pier Giusto. L’interesse sociale. Milano: Giuffrè, 1972; JAEGER, Pier Giusto. Interesse sociale rivisitato (quarant’ anni dopo). Giurisprudenza Commerciale, n. 1, p. 795812, 2000; BERLE, Adolph A. Corporate powers as powers in trust. Harvard Law Review, v. 44, p. 10491079, 1931; DODD JR., Merrick E. For whom are corporate managers trustees? Harvard Law Review, v. 45, p. 11451163, 1932. HANSMANN, Henry; KRAAKMAN, Reinier. The end of History for corporate law. Georgetown Law Journal, Washington, n. 89, p. 439468, jan. 2001; CLARK, Robert. Corporate law. Boston: Little Brown and Company, 1986, p. 20, 675681, 702; EASTERBROOK, Frank H.; FISCHEL, Daniel R. The economic structure of corporate law. Cambridge: Harvard University Press, 1996; COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005; LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Comentários à lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1980. p. 248; GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Sociedade anônima: poder e dominação. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, Nova Série, a. 23, n. 53, p. 7380, jan./mar. 1984; GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Sociologia do poder na sociedade anônima. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, Nova Série, a. 29, n. 77, p. 5056, jan./mar. 1990; BULGARELLI, Waldirio. Regime jurídico da proteção às minorias. Rio de Janeiro: Renovar, 1988, p. 7074; FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Conflito de interesses nas assembléias de S.A. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 2163; MUNHOZ, Eduardo Secchi. Empresa contemporânea e direito societário: poder de controle e grupos de sociedade. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 3660; SALOMÃO FILHO, Calixto. Interesse social: a nova concepção. In: ______. O novo direito societário. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 2751; SZTERLING, Fernando. A função social da empresa no direito societário. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. [5] Crammed down in the throats of the objectors, na expressão em inglês. [6] Há que se referir, no entanto, à hipótese de afastamento, apenas possível na recuperação judicial – parágrafo único do art. 64. [7] A propósito da preservação da empresa em contexto falimentar, ver o ótimo ensaio de Toledo. A preservação da empresa, mesmo na falência. In: DE LUCCA, Newton; DOMINGUES, Alessandra de Azevedo (Coord.). Direito recuperacional: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 517534. [8] Essa ideia foi originalmente defendida por Ligia Paula Pires Pinto Sica (SICA, Ligia Paula Pires Pinto. Recuperação extrajudicial de empresas: 14/04/2015 Objetivos e Princípios da Lei de Falências e Recuperação de Empresas Síntese http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1229 5/6 desenvolvimento do direito de recuperação de empresas brasileiro. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 251302, em especial nas p. 283302). Nesse sentido, vale destacar interessante precedente da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS, Agravo de Instrumento nº 70040733479, Rel. Des. Ney Wiedemann Neto, 6ª Câmara Cível, J. 28.04.2011). A leitura da ementa do caso é suficiente para apreender o sentido da interpretação adotada pelo Tribunal: “Agravo de instrumento. Recuperação judicial. Pedido de convocação de nova assembléia de credores, formulado pela empresa recuperanda, com o intuito de apresentar proposta de modificação do plano anteriormente aprovado. Situação não prevista pela lei que, ao mesmo tempo, não está nela vedada. As particularidades do caso concreto, em face do princípio da preservação da empresa, pela sua função social, na forma do art. 47 da Lei nº 11.101, recomendam seja concedida a oportunidade. Recurso provido”. A matéria objeto de recurso foi bem examinada e resumida no seguinte trecho do voto de autoria do Desembargador Ney Wiedemann Neto: “Como bem captou a culta Procuradora de Justiça, em seu parecer, o agravante antecipou que nesta assembléia pretende apresentar a proposta de dação em pagamento, o que está expressamente previsto no art. 50, inciso IX, da Lei nº 11.101. E, assim, mal algum haveria em oportunizar aos credores que se manifestem a respeito do desiderato. Além do mais, é fato incontroverso que a agravante está em mora quanto ao cumprimento do plano, o que de certo modo teve a concordância tácita de todos os que estãoafetos ao plano, porque até então não se insurgiram. Como já se passaram tantos meses, não há mal algum em concederse essa derradeira oportunidade de readequação do plano, com o objetivo maior da preservação da empresa, que exerce na comunidade local importante função social, antes já destacada”. [9] A lição de Paula Forgioni é precisa: “O direito mercantil não é concebido para socorrer o agente individualmente considerado, mas o funcionamento do mercado; o interesse da empresa é protegido na medida em que implica o bem do tráfico mercantil”. “O patrimônio jurídico do direito comercial deve ser analisado sob essa ótica; o ordenamento considerará e admitirá a racionalidade econômica do agente apenas enquanto mostrarse útil ao sistema, dentro da racionalidade jurídica.” “Mesmo normas que tutelam empresas em situação de inferioridade, como a repressão ao abuso da dependência econômica, de fato visam a incrementar as garantias para a atuação no mercado, impedindo que tenham lugar explorações desestimuladoras do tráfico.” “Poderíamos seguir analisando inúmeros institutos, desde a coibição do abuso do poder econômico até a disciplina dos contratos e das sociedades comerciais. Alcançaríamos sempre a mesma conclusão: o direito mercantil não busca a proteção dos agentes econômicos singularmente considerados, mas da torrente de suas relações” (FORGIONI, Paula A. A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 1718). [10] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 6. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2006. p. 233234. [11] TABB, Charles J.; BRUBAKER, Ralph. Bankruptcy law: principles, policies, and practice. Cincinnati: Anderson Publishing Co., 2003. p. 595596. [12] KRUGMAN, Paul; WELLS, Robin. Op. cit., p. 5 e ss. [13] TABB, Charles J.; BRUBAKER, Ralph. Op. cit., p. 595. [14] Parte da doutrina critica a possibilidade de participação dos credores no processo de falência. Jorge Lobo destaca algumas das razões que sustentam as críticas: (i) nítido aspecto de autotutela dos próprios direitos e interesses; (ii) dificuldades de reunir um número expressivo de credores; (iii) indiferença da maioria dos credores – absenteísmo nas assembleias; (iv) incapacidade de os credores verificarem os atos do devedor; (v) as vultuosas despesas de convocação, instalação e realização de assembléias; (vi) pífios resultados dos conclaves –sobretudo pela ausência de incentivo para investirem tempo e dinheiro para participar das assembleias de credores, sem perspectiva de retorno (cf. LOBO, Jorge. Seção IV: da assembleia geral de credores. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 142171, p. 142 143). As críticas fazem sentido e merecem melhor reflexão. Mesmo assim, sem desconsiderar o mérito dos argumentos ventilados, parecenos que o apoio dos credores é uma das bases essenciais sobre a qual iniciará o processo de preservação da empresa (seja na falência – ainda que com menor força – ou na recuperação judicial ou extrajudicial), sendo necessário, no entanto, que o planejamento desenhado apresente boas perspectivas de pagamento dos débitos de titularidade da maioria dos credores, em condições e prazos razoáveis. Sem esse estímulo de ordem econômica, inexistirá clima para condutas cooperativas por parte dos agentes econômicos atingidos diretamente pela crise que acometeu o negócio do devedor. [15] Vide regra dos arts. 966, 980A, 982 e 983 do Código Civil. Nesse sentido, ver: ASCARELLI, Tullio. Corso di diritto commerciale. Milano: Giuffrè, 1962. p. 145 e ss; ASCARELLI, Tullio. A atividade do empresário. Trad. Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França. Revista de Direito Mercantil Industrial, Financeiro e Econômico, São Paulo, v. 42, n. 132, p. 203215, out./dez. 2003; ASCARELLI, Tullio. O empresário. Trad. Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil Industrial, Financeiro e Econômico, São Paulo, n. 109, p. 183189, jan./mar.1998; ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Trad. Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 104, p. 108126, out./dez. 1996; MARCONDES, Sylvio. Problemas de direito mercantil. São Paulo: Max Limonad, 1970, p. 138, 129161; MARCONDES, Sylvio. Questões de direito mercantil. São Paulo: Max Limonad, 1977, p. 128; GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 33 e ss; FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Empresa, empresário e estabelecimento. A nova disciplina das sociedades. In: ______. Temas de direito societário, falimentar e teoria da empresa. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 511530. [16] Vale destacar que o direito concursal desconheceu por muito tempo a distinção entre empresário ou sociedade empresária (como titular) da atividade e empresa (como atividade). Nesse particular, interessante é a construção de Fábio Konder Comparato: “[...] A empresa segue a sorte do empresário como se fora simples objeto de sua propriedade” (COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos jurídicos da macroempresa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. p. 102). Em outra passagem, o professor da USP defende que a diferenciação entre o titular da atividade econômica (o empresário) e a atividade econômica em si (a empresa) penetrou de forma muito menos audaciosa e rápida no direito comercial que o fez no direito trabalhista, por exemplo. Isso ocorreu porque no direito laboral a evolução no tratamento do problema da sucessão nas dívidas e obrigações trabalhistas, quando da transferência do controle societário, ressaltou o fato da empresa transcender o empresário (COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. Op. cit., p. 282284). O Professor Calixto Salomão Filho ressalta a tentativa da Lei 11.101/05 de dissociar a ruína da empresa da ruína do empresário, de modo a possibilitar que a primeiro sobreviva ao último (SALOMÃO FILHO, Calixto. Recuperação de empresas e interesse social. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antonio Sergio A. de Moraes (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falências. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 4354). [17] Nos termos do § 1º do art. 45 da LFRE, para os titulares de créditos com garantia real (e também para os titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados) é necessária a aprovação por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes. [18] Não se pode olvidar da existência e da preferência que a lei outorga ao pagamento das despesas indispensáveis à administração da falência (art. 150), das verbas salariais imediatas (arts. 151), do pagamento das restituições (especificamente em dinheiro) (arts. 85 a 93 e 149) e dos créditos extraconcursais (art. 84), passandose, somente então, ao pagamento dos créditos concursais (art. 83) – para, posteriormente, serem pagos os juros vencidos após a decretação da quebra (art. 124), sendo o saldo entregue ao falido após o pagamento de todos os credores (art. 153). [19] Por tudo isso, como observa Manoel Justino Bezerra Filho, a “Lei de Recuperação de Empresas” passou a ser referida, jocosamente, no meio jurídico, como “Lei de Recuperação do Crédito Bancário”, ou, ainda, “Lei Febraban”. (BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e de falências comentada. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 43 e ss) [20] Temse visto a aprovação de planos de recuperação judicial em que ao credor é concedido um prazo de quase 10 anos para o pagamento de suas obrigações. No entanto, por força dos dispositivoslegais ora em comento, os créditos trabalhistas, todos eles, deverão ser pagos dentro do prazo máximo de um ano. [21] Sobre o tema da efetividade do processo, que traz em si a noção de capacidade de o processo oferecer certos resultados, qualidade da prestação jurisdicional e celeridade, ver: BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2010; ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010; CONRADO, Paulo Cesar. “Efetividade” do processo, segurança jurídica e tutela jurisdicional diferençada. Revista do Tribunal Regional Federal 3ª Região, n. 76, p. 4765, mar./abr. 2006; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Efetividade do processo: por um processo socialmente efetivo. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre: Síntese, v. 2, n. 11, p. 514, 2001; ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Efetividade e processo de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, v. 16, p. 719, 1999; MARINONI, Luiz Guilherme. Direito fundamental à duração razoável do processo. Interesse Público, Belo Horizonte, v. 10, n. 51 , p. 4260, set./out. 2008; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito fundamental à duração razoável do processo. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 5, n. 29, p. 8398, mar./abr. 2009; TORRES, Juliana. O direito fundamental à razoável duração do processo na Constituição Federal brasileira. Cadernos do Programa de PósGraduação em Direito, Porto Alegre/RS: PPGDir./UFRGS, v. 6, n. 7/8, p. 293339, set. 2007; ASSIS, Araken de. Duração razoável do processo e reformas da lei processual civil. Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 56, n. 372, p. 1127, out. 2008; TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais da duração razoável e da economia processual no projeto do Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 36, n. 192, p. 193209, fev. 2011; ROSITO, Francisco. O princípio da duração razoável do processo sob a perspectiva axiológica. Revista de Processo, São Paulo, v. 33, n. 161, p. 2138, jul. 2008; YARSHELL, Flávio Luiz. A reforma do judiciário e a promessa de “duração razoável do processo”. Revista do Advogado, v. 24, n. 75, p. 2833, abr. 2004. [22] Além disso, José da Silva Pacheco, ao comentar o princípio da economia processual, chega a propor que “[...] o ideal seria que imperasse o princípio da gratuidade, a fim de que se permitisse a todos, de um modo geral, o pleno exercício do seu direito de invocar o Poder jurisdicional do Estado para obter a realização do direito”. “Não sendo, todavia, possível esse ideal, há de se contentar com o princípio da economia processual que preconiza: a) economia de gasto ou despesas para as partes e economia de custo do mecanismo judiciário, em que se desenvolve o processo; b) economia de tempo e de esforço, para que haja solução rápida. No que se refere ao aspecto da letra a acima, temse em vista tornar a prestação jurisdicional barata e acessível a todos que dela precisarem. Objetivase, também, que o judiciário e os órgãos envolvidos, no processo, atuem com o menor custo possível. Com referência à letra b, tratase de economizar esforço e tempo. Para que haja justiça pronta e rápida, sem procrastinação.” (PACHECO, José da Silva. Processo de recuperação judicial, extrajudicial e falência. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 240). [23] VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 272273. 14/04/2015 Objetivos e Princípios da Lei de Falências e Recuperação de Empresas Síntese http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1229 6/6 [24] Para Vera Helena de Mello Franco e Rachel Sztajn, o art. 79 da lei traria positivado “o princípio da precedência” (FRANCO, Vera Helena de Mello; SZTAJN, Rachel. Falência e recuperação da empresa em crise. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 26). E quanto ao tema, vale lembrar as palavras de Carlos Klein Zanini: “Nem sempre, contudo, terá o dispositivo eficácia prática. No primeiro grau, a existência de vara especializada de falências – situação comum apenas nas capitais – tornao de certo modo inócuo, devendo prevalecer a ordem natural do serviço. De outra parte, inexistindo vara especializada, impõese lhe seja dada interpretação razoável, não se podendo olvidar de outros processos cuja urgência é indiscutível, a exemplo dos habeas corpus, alimentos e cautelares em geral”. “A mesma regra vale para o Tribunal, dela decorrendo a necessidade de atualização dos regimentos, que não poderão olvidar a existência da preferência, a ser interpretada com a mesma razoabilidade.” (ZANINI, Carlos Klein. Capítulo V: da falência. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 337356) [25] Idem, p. 339. Sobre perspectiva instrumentalista, ver: DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. Da mesma forma, ver: BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo – Influência do direito material sobre o processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. De outro lado, vale referir, como contraponto: ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. (que sustenta que o formalismo valorativo seria uma fase que já haveria superado a do instrumentalismo). [26] Nesse sentido, um dos principais desafios do direito falimentar brasileiro, desde o Império, foi conseguir promulgar leis que traçassem diretrizes capazes de exteriorizar um alto grau de certeza e previsibilidade aos agentes do mercado, mormente no que se refere à insolvência da entidade empresarial (cf. OCHOA, Roberto Ozelame; WEINMANN, Amadeu de Almeida. Recuperação empresarial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 129). [27] Sobre os problemas que afetam o regime especial em questão, ver: SPINELLI, Luis Felipe; SCALZILLI, João Pedro; TELLECHEA, Rodrigo. Regime especial da Lei nº 11.101/2005 para as microempresas e empresas de pequeno porte. Revista Síntese de Direito Empresarial, a. 4, n. 23, p. 94121, nov./dez. 2011. [28] Cf. Parecer nº 534, de 2004, da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o PLC 71, de 2003, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência de devedores pessoas físicas e jurídicas que exerçam a atividade econômica regida pelas leis comerciais e dá outras providências, de relatoria do Senador Ramez Tebet. 145 Experimente o Jurís Síntese Online e ganhe mais produtividade no seu dia a dia. Copyright 2015 SÍNTESE. Uma empresa do Grupo Sage. Todos os direitos reservados Quem Somos Assessoria de Imprensa Fale Conosco Telefones Imprimir Favoritos Google Digg Lifestream Messenger Blogger Mais... (290) Configurações... AddThis
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