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peixoto 26

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são tão briosos que compram ginetes de 200 e 300 cruzados, e
alguns têm três, quatro cavalos de preço. São mui dados a
festas. Casando uma moça honrada com um viannez, que são os
principais da terra, os parentes e amigos se vestiram uns de
veludo carmesim, outros de verde e outros de damasco e outras
sedas de várias cores e os guiões e selas dos cavalos eram das
mesmas sedas de que iam vestidos. Aquele dia correram touros,
jogaram canas, pato, argolinha, e vieram dar vista ao colégio
para os ver o padre visitador: e por esta festa se pode julgar o
que farão nas mais, que são comuns e ordinárias. São sobretudo
dados a banquetes em que de ordinário andam comendo um dia
dez ou doze senhores de engenho juntos, e revezando-se desta
maneira gastam quanto têm, e de Ordinário bebem cada ano 50
mil cruzados de vinho de Portugal: e alguns anos beberam
oitenta mil cruzados dados em rol. Enfim em Pernambuco, se
acha mais vaidades que em Lisboa”. Em 1587 haveria 60
engenhos em Pernambuco(2).
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Neste pouco mais de século, que vai de 1497, com
Vasco da Gama na Índia, a 1612, com o termo do império
comercial português no Oriente, tem relações muito
interessantes ao Brasil.
Dom João II, com o Cabo de Boa Esperança dobrado, se
morre onerado de dívidas, cujo pagamento pediu ao sucessor,
antevê a fortuna próxima das Índias. No testamento pedia a
Dom Manuel apartasse das rendas do Estado quatro milhões de
reais, anualmente, para amortização de débitos, alguns que
vinham do pai, Afonso V.
Dom Manuel embriaga-se com o Oriente e crê no
otimismo de Afonso de Albuquerque: as especiarias das Índias,
deduzidos os soldos pagos, as perdas do mar e de mercadoria,
valiam um milhão de cruzados. “Veja Voss Alteza, se ha arvore
que este fruyto daa cad ano, se merece sser bem ortado e bem
rregado e bem favorecido”. (Carta de I de Abril 1512, in Alguns
documentos, p. 242). “Nam creo que na cristimdade avera rey
tam rico como Voss Alteza”. (Id. ib., p. 237). Contudo, as
despesas excediam as rendas, tomava-se emprestado, não havia
nem dinheiro, nem mercadoria, vinha a queixar-se o próprio
Albuquerque, e Dom Manuel morre também endividado. Por
testamento instava ao filho vendesse ou empenhasse, faltando
outros meios, jóias, pratas, móveis, o necessário para resgate do
crédito.
Com Dom João III, desde 1528, pelo menos, Portugal
vende padrões de juros, que são como títulos de empréstimo,
apólices ou obrigações da dívida pública, diríamos hoje, para
pagar, em 30, a Carlos V, o direito — “possível” — às
Molucas; para o dote da infanta D. Isabel, raínha de Espanha;
para acudir aos gastos das armadas e das colônias. Em vinte
anos de reinado, confessa el-Rei: para Espanha, consórcios
dinásticos, 1.400.000 cruzados; para despesas extraordinárias
nas Índias, inclusive Maluco, 1.150.000 cruzados; para África,
Mina e Brasil, 560.000 cruzados.
Total: a quebra ou falência inevitável deu-se em 1560,
cessando os credores estrangeiros de ser pagos... Invocou-se,
então, a doutrina da Igreja contra a usura: servia para não pagar
os juros vencidos, porém não impedia os novos empréstimos a
juros, prometidos, e depois condenados. Em 1549 acabara-se
com a feitoria de Flandres, há muito onerosa; em 1570 Dom
Sebastião acaba com o privilégio do comércio das Índias, por
não dar já resultado... O Estado faz contratos, e os contratantes,
estrangeiros ricos, quebram, os Rott, Rovelasco, Welsers,
Höchstellers, Affaitatis...
Dom João III que “viveu sempre em aflições de
dinheiro” (A. Pimenta, D. João III, cit., p. 312), morre na
falência... Dona Catarina continua, na pobreza, como, depois,
Dom Henrique, sem remédio. Entretanto, sobrevém o sonho
heróico e dispendioso de Dom Sebastião, acabado em ruína e
dívidas. Os Filipes são concordes, sem jeito. Em 1585 o porto
de Lisboa é fechado aos hereges inimigos de Espanha: os
Ingleses e Flamengos irão às Índias tomar as colônias de
Portugal, que Espanha, entretanto, não saberá proteger.
Prepara-se o custoso desastre da “Invencível Armada”, (1588),
com toda a frota portuguesa, contra a Inglaterra...
É nessa disposição de falência e ruína, que Portugal
empreende a colonização do Brasil, tendo de vencer a ambição
belicosa de Franceses, a inclemência dos reinóis escravizando
os índios que os Jesuítas protegem, tentando uma obra de
missões organizadas, moral e economicamente, que só no
século XVIII e ao Norte dará resultados sensíveis. Ao tempo
das premências de D. João III, diz uma folha feita pelo Conde
da Castanheira, segundo refere Frei Luiz de Sousa, (op. cit., p.
504), do ano de 42: — “No Brasil tem Vossa Alteza gastado
muyto dinheiro, e começou a gastar no anno de 1530. Mysterio
foy grande fazer-se a primeira despesa afim de cousa que o não
merecia (isto é, sem lucro imediato) e seguir-se della
desarreigarem-se daquella terra os franceses, que já nella se
começavão a prantar e lançar raízes (sc. e mais ainda se gastou
para botar fora os franceses, já estabelecidos)”. Gastava para
povoar e defender, o que não rendia...
É nessa disposição de espírito, agoniado pela falência,
repito, que Portugal “a quarta parte nova os campos ara”...
(Lus., VII, 14). “Por não sei que descuido esteve esta terra por
povoar”, dirá na frase tão citada Frei Vicente do Salvador;
entretanto ele mesmo reconhece que há pouco “que se começou
a povoar, já se hão despovoado alguns lugares”, (op cit., p. 15):
não foi descuido senão falta de gente. Depois, o mesmo
historiador nacionalista acusa o Português de viver no litoral, a
arranhar as praias, como caranguejos... Não é bem assim:
começa a transpor as baixadas e a penetrar no sertão, indo a
Piratininga, descendo pelo Tietê, indo ao vale do São Francisco,
entradas e bandeiras incipientes. E nas praias, em 1548, já há 16
vilas e povoados, fortificados e defendidos contra os intrusos.
Não há dinheiro, mas, para fundar a Bahia, Tomé de Sousa
gasta 300.000 cruzados ou mais de 60 mil contos de hoje.
Em 1583 já se calculam 25.000 brancos, 18.000 índios
civilizados, 14.000 negros cativos. Esse povoamento do Brasil
pelos Portugueses tem mesmo um aspecto tocante, porque é
feito até a contragosto, às vezes, de Portugal e do Brasil.
Simbólico será, no primeiro dia, isto que narrou Pero Vaz de
Caminha: “além destes dous degredados, que aquy ficam, ficam
mais dous grometes, que esta noute se sairam d esta naao no
esquife em terra fogidos, os quaes nom vieram mais, e cremos
que ficaram aquy, porque de manhãa, prasendo a Deos,
fazemos d aquy nosa partida”. (In Alguns documentos, cit. p.
121). Nas instruções à nau Bretoa, de 511, cit., já se previne
contra a deserção de marujos.
Provisão régia de 6 de Março de 1565 impediu que as
naus destinadas à Índia, que lá não pudessem chegar, de modo
algum arribassem ao Brasil, mas tornassem a Portugal, além de
outros motivos porque, dessas freqüentes arribadas, resultava
fugir a gente de bordo para terra: marca a preferência dos
Portugueses pelo Brasil, à Índia ou ao Reino. Prefiro crer no
gosto da aventura, do que apenas no medo ao enjôo. Passados
três séculos e mais, não é a mesma coisa? Contra o interesse de
Portugal, que os preferiria nas suas colônias, eles aqui vêm,
vencendo obstáculos. Contra disposições legais do Brasil —
quem o diria?! eles aqui vêm, sem cartas de chamada, seja
como for. É uma cegueira: só amor, que não tem explicação, o
explica.
A princípio era só a exportação de pau-brasil, bichos
raros, alguns índios escravos; depois o pau-brasil continua — e
vai até o fim do período colonial — e já Gandavo, nesse século
XVI, fala da grande quantidade de açúcares e do infinito
algodão: “Alem das plantas que produzem de si estas fruitas, e
mantimentos que na terra se comem, ha outras de que os
moradores fazem suas fazendas, convem a saber, muitas canas
de açucre, e algodoaes, que he a principal fazenda que ha
nestas partes, de que todos se ajudam e fazem muitoproveito
em cada uma destas Capitanias, especialmente na de
Pernambuco que sam feitos perto de trinta ingenhos e na Bahia
do Salvador quasi outros tantos, donde se tira cada um anno,
grande quantidade de açucares, e se dá infinito algodam, e
mais sem comparação, que em nenhuma das outras” (História
da Província Santa Cruz, cit., cap. V, p. 20). — O tabaco
prosperou, exportado para a Europa e principalmente para a
África. O Rio de Janeiro exporta farinha de mandioca para
Angola.
Dominou a todos o açúcar: em 1580 já o
exportado orça por dois milhões e oitocentos mil
arrobas. (P. de Almeida, Hist. de Port., t. III, p.
556). Simonsen insiste sobre “o papel decisivo
que desempenhou o açúcar na fixação do
europeu no Brasil e na formação de nossos
primeiros capitais. Foi ele quem gerou os
grandes problemas da mão de obra, cuja solução
imprimiu feição característica ao desbravamento
das terras brasileiras com as variadas
conseqüências...” (Op. cit., t. I, p. 178). A pecuária, mostra este
historiador, o gado é função do açúcar: o sertão ao serviço do
litoral ou o litoral obrigando à ocupação do sertão: o Brasil
intercomunicante.
Ora esse país que se viria a dizer “essencialmente
agrícola”, arou-o Portugal, e por engenhos fê-lo produtivo,
povoando-o, defendendo-o, moralizando-o, civilizando-o,
quando não tinha recursos para si. O sonho da Índia passara,
mas o trabalho no Brasil continuou... Esse Brasil foi uma

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