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História da Amazônia II 13 de Setembro de 2013 16:22 Marcos Vinicius Neves A história da floresta A Amazônia é desde sua origem um lugar maravilhoso em diversos aspectos. Sua imensidão, sua abundancia, seus mistérios fazem desse lugar um dos mais fascinantes do planeta estimulando as imaginações e utopias de quantos com ela se relacionaram ao longo dos últimos milênios. Mas nem sempre essa região foi a imensa floresta que hoje conhecemos. Pelo contrário, durante o Mioceno e o Plioceno, entre 25 e 1,8 milhões de anos atrás, a grande planície era um grande lago (quase um mar interior chamado pelos cientistas de Belterra). Neste período as águas corriam de leste para oeste, o contrário de hoje. Com o passar do tempo a cordilheira dos Andes se ergueu e os siltes (fragmentos de minerais) e argilas depositadas no lago Belterra também se elevaram suavemente graças a um movimento epirogenético. Isso fez com que o sentido das águas se invertesse e começassem a cavar o leito dos rios amazônicos. Surgia assim a grande floresta tropical que cobre quase sete milhões de quilômetros quadrados de uma extensa planície com 130-200 metros de altitude, até o sopé das montanhas. Apesar da maior parte dessa área ser coberta pela floresta de terra firme, existe ali também florestas fluviais alagadas e florestas montanhosas andinas, sendo que na parte brasileira da Amazônia só existem as duas primeiras configurações florestais. Estas mudanças ecológicas refletem as alterações ambientais que atingiram todo o planeta durante o Pleistoceno (período quaternário que ocorreu entre 1,8 milhão a 11.000 anos atrás). A última grande mudança ocorreu entre 18.000 e 12.000 anos atrás quando o clima frio e seco configurou um ambiente semiárido na região. Durante esse período a floresta de terra firme se encontrava fragmentada e predominavam vegetações do tipo que encontramos nos cerrados, caatingas e campinaranas melhor adaptadas ao clima seco. A floresta sobrevivia apenas em “refúgios” situados em áreas de solos mais altos e com maior disponibilidade de recursos hídricos. Esses refúgios florestais mantiveram por milênios diversas espécies de flora e fauna que, por força do isolamento a que estavam submetidos, começaram a se diferenciar. Quando o clima começou a esquentar novamente, por volta de 12.000 anos atrás, a floresta voltou a se expandir. Os cerrados e caatingas, que predominavam até então, se retraíram constituindo seus próprios refúgios no interior das florestas de terra firme. Há cerca de 7.000 anos o clima do planeta chegou ao auge do calor e da umidade e a floresta se espalhou ganhando o caráter contínuo que possui atualmente. Assim aquelas espécies animais e vegetais que até então estiveram isoladas voltaram a se reunir, porém agora com uma diversificação muito superior à que possuíam anteriormente. Ou seja, foi graças ao fenômeno da formação dos refúgios florestais que a Amazônia se constituiu em um ambiente megadiverso onde convivem mais de 200 espécies de árvores por hectare, 1.300 tipos de pássaros, 1.400 de peixes, mais de 300 espécies de mamíferos, além de outras formas de vida que totalizam mais de 2.000.000 de diferentes seres vivos numa área que reúne 30% de toda a biodiversidade e um terço das florestas tropicais do planeta, na maior bacia de água doce do mundo. Os primeiros habitantes A longa história do povoamento humano na Amazônia começa praticamente junto com a formação da floresta que conhecemos hoje. Foi, provavelmente, entre 20.000 e 12.000 anos aP (antes do presente: Antes do Presente". Tendo por base o ano de 1950,) que os primeiros grupos humanos provenientes da Ásia chegaram de sua longa migração até a América do Sul. Eram grupos nômades de caçadores-coletores que perseguiam as grandes manadas de animais gregários que durante a idade do gelo se espalhavam pelas vastas savanas do mundo. A Amazônia, como vimos anteriormente, era então uma ampla extensão de savanas, com apenas algumas manchas de floresta ao longo dos rios. Nesse ambiente proliferavam grandes animais como o mastodonte, a preguiça gigante (megatherium), o toxodonte, o tigre dentes de sabre e diversos outros exemplares de megafauna que, se supõe, servia de base alimentar para os bandos de caçadores gregários e cujos fósseis podem ser encontrados nos barrancos de muitos dos rios amazônicos, especialmente no Acre. O aquecimento do clima do planeta, a partir de 12.000 anos atrás provocou o aumento da temperatura e da umidade o que levou a expansão dos sistemas florestais. Enquanto os últimos remanescentes da megafauna desapareciam - por causa da retração das áreas de pastagem e talvez também pela pressão exercida por grupos humanos – começavam a proliferar uma fauna de pequeno porte e a fauna aquática através do crescimento dos cursos d’água que ficavam cada vez mais caudalosos. As novas teorias acerca da ocupação pré-histórica da América pretendem recuar a antiguidade do homem americano até horizontes de 50.000 a 30.000 anos, mas não existem ainda provas conclusivas sobre o assunto. O mais correto, apesar de ainda não terem sido encontrados vestígios concretos da presença humana na Amazônia durante o período compreendido entre 20.000 e 12.000 aP, podemos imaginar que o homem aqui já estivesse, junto com os animais da megafauna que caçava. A cultura de floresta tropical A partir do ótimo climático (momento de aumento máximo da temperatura e da umidade do planeta) ocorrido entre 7.000 e 6.000 anos atrás começa uma segunda fase do povoamento humano da Amazônia. E tudo leva a supor que as mudanças que se processavam entre as sociedades nativas em todo o continente americano também atingiam as comunidades amazônicas. Esse tempo de profundas modificações climáticas e ambientais deu oportunidade para o surgimento de novas formas de organização social. Os grupos humanos pré-históricos da América passaram a contar com recursos alimentares mais diversificados, graças ao ambiente de florestas tropicais, e lentamente começaram a desenvolver as primeiras experiências de domesticação de plantas e animais. Enquanto na América Central e nos Andes teve início o cultivo do milho, da batata e de outras sementes, nas terras baixas da Amazônia ocorriam as primeiras experiências do plantio de raízes e tubérculos - especialmente da mandioca - que se tornariam a base alimentar desses grupos. Isso marcou o surgimento, por volta de cinco mil anos atrás, do que os pesquisadores chamam de Cultura de Floresta Tropical, caracterizada por grupos que praticavam uma agricultura ainda insipiente, complementada pela caça, pesca e coleta de frutos e sementes da floresta. A partir dessa nova organização social os grupos pré-históricos amazônicos passaram também a fabricar cerâmica e a ocupar certos locais por períodos mais prolongados. Com isso deixaram grandes sítios arqueológicos que testemunham seu florescimento por toda a Amazônia. Ou seja, a partir do surgimento da Cultura de Floresta Tropical a ocupação humana da Amazônia alcançou o estágio de alta diversificação que os europeus encontraram ao começar a exploração da grande floresta. Enquanto ao longo dos grandes rios - na região das terras baixas alagáveis, as várzeas, que possuíam alta fertilidade natural - se estabeleceram grupos extensos que chegavam a ter milhares de integrantes, nas terras firmes se espalhavam pequenos grupos tribais que exploravam ao máximo a variedade dos recursos florestais. Apesar das enormes distancias características da Amazônia tudo indica que durante esse período o relativo isolamento das comunidades era superado pela existência de extensas redes de comércio e comunicação que interligavam os rios amazônicos levando e trazendo notícias e produtos de áreas longínquas. Ocorriam assim trocas culturais com os outros centros de civilizacionais mais adiantados dos Andes e América Central. Ao se iniciar o século XVI, portanto, cada grupo familiarou tribal possuía territórios claramente definidos e os relacionamentos entre esses grupos obedeciam não só às semelhanças étnicas e culturais, mas também às alianças que foram sendo estabelecidas ao longo do tempo. Ou seja, durante os milhares de anos em que as aldeias indígenas foram compostas por grandes malocas coletivas, o povo vivia do que lhes dava a floresta e realizava grandes festas por ocasião da colheita ou de ritos de passagem que estabeleciam um sutil equilíbrio econômico, ecológico e social na região. As primeiras explorações A terceira fase da ocupação humana da Amazônia corresponde ao povoamento europeu da região. Lendária, mítica, rico reino do “El Dorado”, a Amazônia se tornou famosa frente aos olhos dos maravilhados europeus que não podiam acreditar que lugar tão portentoso não esconderia tesouros inimagináveis. Porém, para ter acesso a essas fantásticas riquezas seria necessário “descobrir” a Amazônia, tarefa que logo se revelaria de grande complexidade. Inicialmente as duas superpotências da época, Portugal e Espanha, obedeciam à divisão territorial estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, com as bênçãos da Igreja Católica. Por esse acordo grande parte do que hoje conhecemos como Amazônia brasileira pertencia aos espanhóis. Entretanto o contato com as civilizações andinas e mesoamericanas, muito ricas em metais preciosos, fez com que a Coroa espanhola demorasse a tomar efetivas ações de posse sobre a grande floresta. Somente no final da primeira metade do século XVI os espanhóis dariam início ao reconhecimento da região. A primeira expedição europeia ao grande rio foi realizada entre 1540 e 1542 pelo intrépido navegador espanhol Francisco de Orellana que partiu de suas nascentes nos contrafortes andinos em direção a embocadura, no sentido oeste-leste, seguindo a correnteza. Devemos, portanto, ao escrivão dessa expedição, Gaspar de Carvajal, as primeiras descrições feitas sobre a grande floresta amazônica e sua infinitude de ambientes e culturas. Entre as muitas peripécias narradas por Carvajal tornou-se especialmente famoso o feroz ataque que um grupo de mulheres guerreiras realizou contra a expedição de Orellana. Os espanhóis ficaram muito surpresos com a coragem e habilidade daquelas mulheres que pareciam comandar os homens que lutavam junto com elas. Isso fez com que Carvajal se referisse a elas como as lendárias Amazonas, que desde a Grécia antiga povoavam a imaginação europeia. Fantasia ou não, o certo é que desde então este rio ficou conhecido como o “rio de las amazonas”. Nome que além de batizar a maior bacia fluvial do mundo também nomeou sua imensa floresta como Amazônia. Apesar de seu caráter pioneiro a expedição de Orellana não deixou outros frutos duradouros, além da denominação mítica que estabeleceu. A região voltou então a pertencer exclusivamente aos cerca de 5.000.000 (segundo uma das muitas estimativas existentes) de índios que ali habitavam e que também haviam sido motivo da admiração dos relatos de Carvajal, tal sua quantidade e organização. Em suas crônicas de viagem Gaspar de Carvajal descreve a existência de enormes aldeias com quilômetros de extensão ao longo das margens dos rios. A partir dessas grandes aldeias curacas (caciques) poderosos comandavam milhares de guerreiros quando necessário, reforçando os mitos que davam conta do reino de Manoa, do Lago Parima, ou do El Dorado, ocultos no interior da floresta. Entretanto, esses relatos não foram suficientes para motivar novas e imediatas investidas europeias a região. Só duas décadas depois, em 1560-61, outra expedição comandada por Dom Pedro de Ursuá, espanhol Governador de Bogotá percorreu o grande e misterioso “rio de las amazonas”. Esta expedição seguia basicamente o mesmo roteiro da viagem de Orellana. Ou seja, partiu da região das nascentes do rio em direção a sua foz, no sentido oeste-leste, acompanhando a direção da correnteza que facilitava muito sua navegação. Entretanto, o nobre espanhol Dom Pedro de Ursuá não teria a mesma sorte de seu predecessor e nem chegaria a ver o Oceano Atlântico a partir das águas amazônicas. Um motim realizado pelo feroz Lope de Aguirre fez com que fosse assassinado por seus próprios homens. E, tal como a anterior, essa expedição não apresentou nenhum resultado para o povoamento definitivo da região pelos europeus. Muitas décadas se passariam antes que novas investidas sobre a grande floresta fossem realizadas. A colonização portuguesa Como vimos, apesar de sua posse ser garantida pelo Tratado de Tordesilhas, os espanhóis não se interessaram por povoar a Amazônia. Limitaram-se a realizar expedições esporádicas que pouco contribuíram para o conhecimento e a ocupação da região. Assim os espanhóis deixavam a primazia de seu povoamento aos portugueses, a quem segundo Tordesilhas pertencia o baixo Amazonas. E estes não vacilaram em tomar as iniciativas necessárias para seu efetivo controle. Colaborou para isso o fato de que em 1580 ocorreu a União das Coroas Ibéricas sob o comando do Rei de Espanha, o que tornou totalmente inútil o Tratado de Tordesilhas. Os portugueses habilmente se aproveitaram dessa circunstância histórica para ampliar seu domínio sobre a Amazônia que já começava a sofrer ameaças de invasão de ingleses, franceses e holandeses. Urgia ocupar a grande floresta antes que outros o fizessem. A expulsão dos franceses do Maranhão que ali tentaram estabelecer a França Equinocial alertou os portugueses para a importância da defesa da região. Como consequência coube a Francisco Caldeira Castelo Branco fundar em 1616, na foz do rio Amazonas, o Forte do Presépio que além de proteger o grande rio de possíveis invasões estrangeiras, deu origem a atual cidade de Belém e serviu como ponta de lança para o povoamento da Amazônia. Era necessário, entretanto alargar os domínios portugueses para oeste para assegurar a exploração das riquezas ocultas da floresta e que povoavam o imaginário europeu na época. Para tanto foi organizada uma grande expedição que se revelaria decisiva para a conquista portuguesa da Amazônia. Coube ao capitão Pedro Teixeira o comando da expedição composta por cerca de 2.000 pessoas, sendo a grande maioria de índios que estavam acostumados com as características climáticas e ambientais da região. A expedição que partiu em 1637 se lançou rio Amazonas acima, seguindo o caminho inverso de todas as expedições realizadas até ali. A viagem feita contra a força da correnteza foi longa e penosa, durando mais de dez meses. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas Pedro Teixeira conseguiu completo sucesso ao chegar a Quito em plena América espanhola, estabelecendo diversos marcos de ocupação territorial portugueses. A presença do Padre Cristóbal de Acuña como emissário da Coroa espanhola encarregado de registrar todas as atividades da expedição não impediu Pedro Teixeira de estabelecer um marco de fronteira na confluência dos rios Napo e Aguarico em nome de Felipe IV, “Rei de Portugal”. A ousadia de Pedro Teixeira parecia prenunciar a separação das Coroas Portuguesa e Espanhola que ocorreria pouco depois, em 1640. O certo é que por mais de um século, até as negociações do Tratado de Madrid em 1750, as pretensões portuguesas sobre a Amazônia foram balizadas pela expedição de Pedro Teixeira. Até mesmo o relato das riquezas do rio das Amazonas feito por Acuña foi insuficiente para interessar a Coroa Espanhola de estabelecer um domínio verdadeiro sobre a planície amazônica. Pesavam mais para os espanhóis a enorme abundancia de metais preciosos e de mão de obra disponível nas montanhas. Por seu lado os portugueses se lançavam a conquista do espaço amazônico de diferentes maneiras. As expedições de exploração se multiplicavam, bem como o estabelecimento de fortificações que pudessem proteger os pontos estratégicos da grande bacia fluvial. A expedição de Raposo Tavares que saiu de São Paulo, em 1648, atingindo o rio Paraguai e daí até o rio Guaporé, passando pelo Madeira, até chegar ao Solimões-Amazonas, consolidoua integração entre o sul e o norte da colônia portuguesa e estabeleceu os principais limites da expansão portuguesa na América. Era necessário não só conhecer, mas também ocupar definitivamente o espaço amazônico. Para tanto, ao longo do tempo, diversos fortes foram construídos para barrar o caminho de ingleses, franceses e espanhóis e consolidar a conquista da Amazônia para os portugueses. Entre os mais importantes estão dos fortes de São José do Rio Negro, de Gurupá, de São Gabriel das Cachoeiras, de Macapá, de São Francisco Xavier de Tabatinga, de São José de Marabitanas, de São Joaquim e Príncipe da Beira. Além da proteção contra outros europeus os Fortes também serviam ao propósito de estabelecer núcleos de povoamento a partir dos quais pudesse ser estabelecida a colonização. Na Amazônia os principais recursos explorados pelos portugueses foram a mão-de-obra indígena e as “drogas do sertão” (cacau, tabaco, salsaparrilha, entre muitos outros produtos animais e vegetais) que se constituíam em especiarias de alto preço no mercado europeu. Além de serem capturados pelos soldados portugueses, os índios amazônicos passaram a sofrer a ação dos missionários de diversas ordens religiosas que se dedicavam a reduzir e escravizar homens e mulheres para o trabalho de produção de riquezas para a Coroa. Os diversos povos amazônicos resistiram o quanto puderam, mas a avalanche europeia trazia inúmeras armas desconhecidas. Além de uma tecnologia muito mais avançada, os brancos trouxeram também muitas doenças contra as quais os índios não possuíam resistência. O sarampo, a gripe, a tuberculose e outras doenças rapidamente se alastraram entre os grupos indígenas da região dizimando aldeias inteiras diante de pajés que não sabiam como curar aquelas moléstias desconhecidas. Isso sem falar da completa falta de escrúpulos dos europeus quando se tratava de ganhar dinheiro. A escravidão indígena De reino de uma enorme multiplicidade de povos ameríndios que seguiam rumo a um desenvolvimento próprio, a Amazônia havia se tornado, em menos de dois séculos, em território anexo ao reino português. Na organização da colônia a Amazônia portuguesa foi considerada como uma região distinta do restante do Brasil e por isso foi ali estabelecido o Governo do Grão Pará e Maranhão. A crônica dos primeiros cem anos (1640-1750) de efetiva ocupação portuguesa da Amazônia pode ser resumida pela pressão constante que os espanhóis exerceram sobre os domínios portugueses a partir do oeste e, principalmente, pela ação dos missionários religiosos sobre a população indígena da grande floresta. Logo de início ficou claro que nem mesmo toda a tecnologia europeia seria capaz de superar as imensas dificuldades apresentadas pelo povoamento da Amazônia. As distancias enormes, a selva impenetrável, perigos de diferentes naturezas que se multiplicavam e perseguiam quem quer que tivesse coragem de ali penetrar. As doenças palustres ganhavam fama, as condições climáticas se revelavam extremas para os europeus, o esforço necessário para a extração das riquezas ocultas na floresta, tornaram a Amazônia um lugar indomável, indecifrável, impiedosamente selvagem no imaginário do colonizador. A coroa portuguesa se apoiou fortemente então no envio de emigrantes dos Açores para São Luiz no Maranhão e no interesse dos jesuítas, franciscanos, carmelitas e religiosos de diversas ordens na catequese e exploração da mão-de-obra indígena. Portugal pretendia então inserir a Amazônia na economia colonial não só pela exploração das drogas do sertão que dependia fortemente dos índios e caboclos que as coletavam, mas também pela produção de algodão e açúcar. Mas essa produção agrícola para exportação não teve o sucesso esperado até o fim do século XVIII, quando o Maranhão desenvolveu uma importante produção de algodão. Por outro lado o sucesso dos empreendimentos dos missionários católicos foi enorme Os jesuítas e os mercedários foram as duas ordens de maior presença na Amazônia. Suas missões se espalharam pelos rios reunindo e reconcentrando povos dispersos com o objetivo explícito de converte-los a fé cristã. Porém uma boa parte da ação jesuítica dizia respeito à produção de riquezas através do emprego da mão de obra indígena. Passou a predominar assim, por toda a Amazônia, o uso de uma língua franca, de origem tupi, que auxiliava na incorporação dos índios a empresa colonial. A mestiçagem foi estimulada dando origem a formação da população cabocla tão marcante nas terras amazônicas. Enquanto os religiosos davam conta de embranquecer e aculturar os índios através do uso obrigatório de roupas, da proibição de seus rituais tradicionais, do emprego compulsório de seu trabalho, da imposição dos princípios e da fé cristã. Assim, os povos nativos amazônicos ficaram sujeitos ao mesmo tempo aos soldados e colonizadores portugueses que capturavam aldeias inteiras para utiliza-los como escravos e/ou ao “descimento” de populações indígenas de rios inteiros para serem reunidos e “reduzidos” nas missões. Essa disputa pela mão de obra indígena causava conflitos entre os jesuítas e os colonizadores. Com isso se pode imaginar a pressão exercida sobre as populações indígenas da região. Calcula-se que, em 1740, havia cerca de 50.000 índios vivendo em aldeias formadas por jesuítas e franciscanos. O inevitável resultado desse processo foi a intensa redução da população indígena amazônica. Já no final do século XVII, surpresos viajantes registraram que a margem do grande rio, que segundo as observações de Carvajal e Acuña, havia sido tão densamente ocupada por imensas aldeias, estava totalmente despovoada e mesmo nos tributários menores já era difícil encontrar grupos indígenas significativos. A grande maioria desses povos havia desaparecido para sempre graças as doenças trazidas pelos brancos, pela escravidão imposta pelo colonizador ou por meio da ação dos jesuítas. A consolidação portuguesa O estabelecimento do Tratado de Madrid e o início da administração de Pombal, ambos ocorridos em 1750, marcaram uma nova fase na qual a Amazônia brasileira foi em suas linhas gerais enfim definida. Faltavam apenas as conquistas territoriais obtidas na Amazônia Ocidental, no final do século XIX, que se dariam por ocasião do primeiro ciclo da borracha e que veremos mais adiante. O Tratado de Madrid é um dos mais importantes tratados de limites da história diplomática brasileira porque estabeleceu, não só as bases territoriais do Brasil, mas porque definiu o princípio que nortearia todas as questões de limites surgidas posteriormente: o uti possidetis. Na verdade, a assinatura desse tratado se constituiu no mero reconhecimento por parte da Espanha do povoamento e posse de grande parte da Amazônia empreendido pelos portugueses. Os direitos espanhóis estabelecidos no Tratado de Tordesilhas já se tornara letra morta a muito tempo sendo necessário portanto rever a situação legal desses territórios. Por isso o Rei Fernando VI de Espanha concordou com a sugestão de Dom João V de Portugal para resolver o problema deixado por Tordesilhas. Devemos lembrar que em meados do século XVIII, o conhecimento que se possuía do interior do continente americano era ainda muito impreciso. O Mapa das Cortes que foi elaborado por ordem do brasileiro Alexandre de Gusmão, que possuía inteira confiança do rei de Portugal, serviu de base para as negociações do Tratado de Madrid e possui uma clara e forte distorção do curso dos rios que cortam das terras a oeste do Brasil. Cabe ressaltar que essas distorções eram propositais, puxando o traçado dos rios sempre mais para leste para diminuir artificialmente a área pretendida pelos portugueses, e cumpriram perfeitamente o objetivo desorientar os negociadores espanhóis. Além disso, os diplomatas portugueses, foram hábeis em estabelecer o princípio do Uti Possidetis (segundo o qual a terra pertencia ao pais de origem dos homens que nela morassem) como a base para a divisão territorial que pretendiam. Como a ocupação portuguesado espaço amazônico era muito mais ampla do que a espanhola coube aos primeiros a parte do leão na divisão das terras sul-americanas Se consolidava assim a presença portuguesa no imenso território que hoje constitui o Brasil. Não menos importante do que o Tratado de Madrid para a inauguração de uma nova fase da história amazônica foi a administração empreendida pelo Marques de Pombal. Nomeado por Dom José I tão logo este subiu ao poder, ainda em 1750, Pombal pretendia tirar Portugal da situação de atraso que experimentava frente às outras potencias europeias e da dependência da Inglaterra de quem recebia proteção contra a França e a Espanha. Pombal criou a Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão que deveria oferecer preços atraentes para as mercadorias ai produzidas e consumidas na Europa, tais como o cacau, a canela, o cravo, o algodão e o arroz. Começou também a introduzir na Amazônia mão-de-obra escrava de origem africana que, devido as enormes dificuldades financeiras dos colonos da, não foi significativa e acabou sendo redirecionada para as minas de Mato Grosso. Entretanto uma das ações mais controvertidas do Marques de Pombal iria mudar completamente o cenário amazônico. Ainda em 1579 Pombal determinou a expulsão dos jesuítas de Portugal e seus domínios com o confisco de todos os seus bens. Essa ação se baseava na necessidade de reforçar a centralização da administração portuguesa e tolher a liberdade das ordens religiosas, que possuíam objetivos distintos dos da Coroa Portuguesa. Na verdade os missionários, e em especial a Companhia de Jesus, eram acusados que pretender criar um estado próprio dentro do reino português. Pombal pretendia também consolidar o domínio português nas fronteiras do norte e do sul do Brasil através da integração dos índios à civilização portuguesa, o que contrariava os interesses dos jesuítas. Por isso, tomou uma série de outras medidas em relação aos povos indígenas, a começar pela proibição da escravidão de índios, estabelecida em 1757, passando pela transformação de diversas aldeias amazônicas em vilas sob administração civil, até a implantação de uma legislação que estimulava o casamento entre brancos e índios. Esse conjunto de ações empreendidas por Pombal até o fim de sua administração em 1777 minimizaram por um tempo as condições de opressão e exploração a que estavam submetidas as populações indígenas da Amazônia mas não as solucionaram. O princípio do século XIX encontraria uma sociedade amazônica fragmentada e conflituosa. A Cabanagem e a crise da economia colonial A adesão do Pará à independência do Brasil em 1823 provocou uma forte frustração nacionalista de parte da elite amazônica que se ressentia por ser afastada das decisões políticas e econômicas do país. O poder no Império brasileiro continuaria concentrado nas mãos dos conservadores que exploravam o Pará desde o tempo da colônia. Some-se a isso o fato de que estrutura social da região não tinha a estabilidade de outras províncias brasileiras. A Amazônia brasileira era então um mundo constituído por índios dispersos, mestiços, trabalhadores escravos ou dependentes de uma minoria branca formada por comerciantes portugueses e alguns ingleses e franceses. Com uma nomeação infeliz para o governo da província os sentimentos nativistas represados explodiram. Em 1835 irrompia no Pará a Cabanagem, que recebeu esse nome devido a grande presença entre os revoltosos de homens simples, que por morar em cabanas eram chamados de “cabanos”. Com uma tropa formada predominantemente por negros, mestiços e índios os rebeldes atacaram e tomaram Belém proclamando a Independência do Pará em relação ao Brasil. Cabe ressaltar, porém, que a cabanagem não foi simplesmente uma revolta popular ou movimento articulado em torno de um objetivo claro, mas reunia os mais diversos interesses e segmentos sociais amazônicos. Sob a égide de movimento nativista a cabanagem era mais uma frente ampla que congregava burgueses nacionalistas insatisfeitos, militares que desejavam alcançar mais altos postos, políticos que queriam maior fatia de poder, escravos que ansiavam pela liberdade, índios e mestiços movidos por séculos de dominação e opressão portuguesa. Com a tomada do poder pelos rebeldes ficou claro que não havia uma proposta alternativa para a organização da Província. Os diversos grupos presentes no movimento não tardaram a se digladiar em razão de suas diferenças de interesses. Os escravos, por exemplo, que lutava pela liberdade, foram surpreendidos pela não abolição da escravidão na região. Faltavam líderes capazes de unificar o movimento, que logo se espalhou por todo o interior da província seguindo o curso dos rios e das revoltas seculares até então represadas no coração da sociedade amazônica. As lutas prosseguiram até 1840. As tropas legalistas conseguiram vencer a rebelião após bloquear a entrada do rio amazonas e vencer uma série de longos e violentos confrontos. No final, o saldo da Cabanagem foi de 30.000 mortos entre rebeldes e legalistas, quase um quarto da população paraense na época. Belém foi quase totalmente destruída e sua economia devastada. A Amazônia brasileira permaneceria ainda por muitos anos mergulhada em uma situação de grave decadência econômica e social. Só com a criação da Província do Amazonas, em 1850, por desmembramento do Grão-Pará e os primeiros movimentos de valorização da borracha extraída da seringueira à região experimentaria um novo alento. O ciclo do ouro negro A Amazônia finalmente conheceu seu apogeu econômico durante o grande “rush” da borracha que ocorreu entre 1870 e 1913. Neste período o látex extraído das seringueiras passou a ser conhecido com ouro negro (assim chamado pela cor escura das “pelas” de borracha defumada) por se constituir em matéria prima de alto valor para a revolução industrial que florescia na Europa e nos Estados Unidos. Na verdade a extração da borracha vinha ganhando impulso desde 1850 com considerável aumento em sua procura e um emprego cada vez mais amplo nos países europeus e nos Estados Unidos. Solados de sapato, capas de chuva impermeabilizada com látex e uma grande variedade de outros produtos começava a ser exportada a partir de Belém do Pará. Mas o verdadeiro impulso se verificou com a invenção do processo de vulcanização da borracha por Charles Goodyear que permitiu não só a fabricação de pneus para automóveis e bicicletas como possibilitava um infinito número de outras aplicações para a borracha natural. A partir de então a borracha extraída da seringueira, do caucho, da balata e de outras espécies gumíferas se tornou matéria prima essencial do processo industrial característico do Imperialismo europeu e norte-americano. A enorme demanda pela borracha e a consequente alta em seus preços no mercado internacional motivou o maior movimento migratório da história da amazônica. Num piscar de olhos afluíam para a grande floresta homens vindos de todas as partes do mundo. Eram ingleses, franceses, italianos, sul-americanos, sírio-libaneses e brasileiros de todas as partes fascinados pelos novos mitos do Eldorado amazônico. A navegação a vapor colaborava tornava as possibilidades comerciais dos rios amazônicos extraordinárias. Rios que nunca haviam merecido a atenção dos colonizadores passaram a atrair a atenção e a serem ocupados por homens sedentos por riqueza. Até mesmo a forte seca que nos anos de 1877 e 1878 flagelou o nordeste brasileiro e alimentou a grande intensidade do povoamento da região. Calcula-se que tenham migrado para a Amazônia durante esse período cerca de 300.000 nordestinos. Mas frente às histórias de enriquecimento rápido e fácil que percorriam de cima a baixo os rios amazônicos, os retirantes que fugiam da secas do sertão iam pelo caminho sendo assombrados pelas histórias de fome, de impaludismo (hoje mais conhecido como malária), de beri-beri e das feridas brabas que nunca saravam. A floresta da fortuna, das terras inesgotáveis e inexploradas, das árvoresfartas em um leite que valia como ouro e do enriquecimento rápido, logo se transformava diante dos olhos incrédulos dos imigrantes nordestinos, gaúchos, cariocas, espanhóis, italianos e sírio-libaneses em terrível “inferno verde”, devorador de almas. Para boa parte desses homens não havia retorno possível. Para os fugitivos da Guerra de Canudos, para os rebelados dos pampas gaúchos, para os tangidos pela seca, para os repudiados de toda sorte, não parecia haver outro caminho possível senão a floresta que a todos acolhia e escondia. A única opção era mesmo encarar a solidão dos seringais e das colocações de seringa, dias e dias internados mata adentro. Por outro lado era a idade de ouro dos seringais amazônicos. Quando, graças à fortuna da borracha, seringalistas podiam mandar seus filhos estudar nos grandes centros metropolitanos, ou passear em Paris durante a entressafra do corte da seringa. Ou, ainda, exibir sua riqueza ao acender charutos cubanos com notas de 500.000 réis (a mais alta em circulação) nos bares e cassinos de Manaus e Belém, as duas opulentas metrópoles amazônicas. Essa evidente contradição no quadro social do Ciclo da Borracha se devia ao fato de que sob a capa da prosperidade econômica proporcionada pelo ouro negro havia sido implantado um perverso sistema de exploração que consumiu a vida de milhares de homens. O sistema de aviamento se constituía numa rede de créditos e se espalhou nos imensos seringais que foram abertos em todos os vales amazônicos. O sistema do aviamento ligava os seringueiros a seu patrão (o seringalista) através do fornecimento a crédito de tudo o que era necessário à produção. Desde as roupas que o seringueiro vestia, passando pelas ferramentas empregadas na extração do látex, até a alimentação que consumia durante as longas temporadas de isolamento na selva. Tudo era anotado como dívida do seringueiro para ser abatida na entrega da borracha produzida. O problema é que o seringueiro era proibido de negociar com outro que não o seringalista que assim podia estipular tanto o preço das mercadorias vendidas quanto o da borracha comprada. Além disso, o seringueiro não podia deixar o seringal enquanto não quitasse sua dívida com o patrão. Era a famosa escravidão por dívidas denunciada por Euclides da Cunha no princípio do século XX. Essa era apenas uma das pontas do sistema de aviamento. Na outra ponta os seringalistas se ligavam a casas aviadoras, estabelecidas principalmente em Belém e Manaus, que forneciam a crédito (aviavam) todas as mercadorias que os seringalistas precisavam para fornecer aos seringueiros e que seriam pagas com a produção anual do seringal. No final do processo se apurava o saldo em dinheiro que o seringalista deveria receber da casa aviadora. As casas aviadoras por sua vez davam seguimento a rede de créditos desse original sistema e recebiam das firmas exportadoras - na maioria de origem inglesa, holandesa ou alemã – as mercadorias que iriam fornecer aos seringalistas pagando-as com a borracha que recebia dos seringais que aviava. Cabia, finalmente, a essas firmas exportadoras se capitalizar através dos bancos europeus e norte-americanos para financiar todo o processo de créditos concedidos e receber um extraordinário lucro com a venda da borracha nos mercados industrializados. Há que se reconhecer que durante algumas décadas verdadeiras fortunas foram construías às custas da borracha. Belém se orgulha de ter sido a primeira cidade brasileira iluminada por luz elétrica. O que se deu graças ao ouro negro. Manaus também cresceu a ponto de rivalizar com Belém com quem disputava a preferência das casas aviadoras e firmas exportadoras mais importantes. Mesmo entre os seringueiros houve aqueles que conseguiram voltar para suas regiões de origem ricos, apesar disso se constituir quase que numa exceção, já que o regime de exploração imposto ao seringueiro era-lhe extremamente desfavorável. Entretanto a euforia econômica proporcionada pela borracha amazônica - que chegou ao posto de segundo produto da pauta de exportações brasileira, só perdendo para o café - foi efêmera. Em menos de três décadas a velha pirataria europeia deu cabo de destruir todos os sonhos de grandeza amazônica. Nesse caso a façanha foi realizada com extremo sucesso por um biopirata inglês que, ainda em 1874, contrabandeou da Amazônia grande quantidade de sementes de seringueiras para o Jardim Botânico de Londres. Rapidamente se descobriu que as mudas de seringueira obtidas das sementes contrabandeadas se adaptavam perfeitamente na Ásia. Logo os ingleses implantaram enormes seringais de cultivo no sudeste asiático, racionalizando e modernizando a produção da borracha. Assim conseguiram reduzir de forma drástica os custos de produção, que na Amazônia eram extremamente altos, e derrubaram os preços internacionais. "Sob o pretexto de buscar penas de cores vibrantes para chapéus femininos das inglesas da Era Vitoriana, o inglês Henry Wickham desembarcou em fins do século 19 (1874-76) no coração da Floresta Amazônica com outro plano em mente: furtar sementes de seringueira, enroladas em folhas de banana, para serem entregues ao Jardim Botânico Real da Inglaterra. Foi assim que a árvore nativa da Amazônia foi retirada de seu hábitat natural e, apesar das especulações de que não resistiria em outros climas, algumas sementes (cerca de 2,7 mil das 70 mil furtadas) germinaram e foram enviadas à colônias da Inglaterra, como a Malásia, Cingapura e Ceilão." A derrocada da produção amazônica foi fulminante. Em 1906 a produção da borracha asiática começou a chegar ao mercado internacional. Já em 1913 a produção dos seringais de cultivo asiáticos ultrapassavam toda a produção amazônica. As firmas exportadoras rapidamente passaram a comprar a borracha de cultivo mais barata, abandonando os negócios com as casas aviadoras de Belém e Manaus que descapitalizados pela queda nos preços da borracha não conseguiam mais financiar o aviamento dos seringais. Por sua vez, em poucos anos, os seringais já não conseguiam mais financiar a extração da borracha. A rede de crédito do sistema de aviamento era como um castelo de cartas que desabou inteiro uma vez que foi rompido pelos grandes compradores internacionais. As décadas de 20 e 30 assistiram então a milhares de seringueiros nordestinos abandonar suas colocações de seringa e voltar derrotados para suas regiões de origem. A Amazônia brasileira se despovoou e entrou em um novo ciclo de decadência econômica, enquanto o sudeste asiático se tornava a principal região produtora de borracha natural do mundo. A Batalha da Borracha �Durante a longa noite da exploração da borracha a sociedade amazônica teve que encontrar novos caminhos para manter a economia regional. Os seringais se modificaram e passaram a ser unidades produtivas mais complexas. A agricultura, que durante todo o ciclo áureo da borracha havia sido desprezada pela maioria dos seringalistas por desviar trabalhadores do corte das seringueiras, passou a ser praticada para garantir a subsistência dos trabalhadores dos seringais. A exploração de outros produtos florestais como a castanha, a madeira e as peles de fantasia (da caça de animais da fauna amazônica) diversificou a economia e constituiu legitimas experiências de manejo dos recursos florestais. Mas o clima geral era de pessimismo. A experiência do fausto e riqueza da borracha havia deixado marcas profundas no tecido social amazônico. Enquanto isso, a segunda grande guerra mundial tomava rumos muito perigosos em fins de 1941. Os países aliados viam o esforço de guerra consumir rapidamente seus estoques de matérias primas estratégicas, especialmente da borracha, cujas reservas estavam tão baixas que o governo americano foi obrigado a tomar uma série de duras medidas internas de restrição ao uso civil da borracha. A entrada do Japão no conflito, a partir do ataque de Pearl Harbour, impôs o bloqueio definitivo dos produtores de borracha. Já no princípio de 1942 o Japão controlava mais de 97% das regiõesprodutoras asiáticas, tornando critica a disponibilidade da borracha para a indústria bélica dos aliados. Com isso as autoridades norte-americanas entraram em pânico e voltaram suas atenções então para a Amazônia, o grande reservatório natural da borracha, com cerca de 300.000.000 de seringueiras prontas para a produção de 800.000 toneladas de borracha anuais, mais que o dobro das necessidades americanas. Entretanto, nessa época, só havia na região cerca de 35.000 seringueiros em atividade com uma produção de 16.000-17.000 toneladas na safra de 1940-41. Seriam necessários, pelo menos, mais 100.000 trabalhadores para reativar a produção amazônica e eleva-la ao nível de 70.000 toneladas anuais no menor espaço de tempo possível. Para alcançar esse objetivo ocorreram intensas negociações entre autoridades brasileiras e norte-americanas que culminaram com a assinatura dos Acordos de Washinton. Ficou acertado então que o governo americano passaria a investir fortemente no financiamento da produção de borracha amazônica, enquanto ao governo brasileiro caberia o encaminhamento de milhares de trabalhadores para os seringais, no que passou a ser tratado como um heroico esforço de guerra. Para o governo brasileiro era juntar a fome com a vontade de comer, literalmente. Somente em Fortaleza cerca de 30.000 flagelados da seca de 41-42 estavam disponíveis para serem enviados imediatamente para os seringais. O DNI (Departamento Nacional de Imigração) ainda conseguiu enviar para a Amazônia, durante o ano de 1942, quase 15.000 pessoas, sendo a metade de homens aptos ao trabalho. Esses foram os primeiros soldados da borracha, ainda muito poucos diante das pretensões norte-americanas. Para acelerar ainda mais a transferência de trabalhadores para a Amazônia e aumentar significativamente sua produção de borracha os governos norte-americano e brasileiro encarregaram diversos órgãos da realização da “Batalha da Borracha”. Pelo lado americano estavam envolvidas a Rubber Development Company, a Board of Economic Warfare, a Rubber Reserve Company, a Reconstruccion Finance Corporation e a Defense Supllies Corporation. Enquanto que pelo lado brasileiro foram criados então o SEMTA (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia), depois substituída pela CAETA (Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia), a SAVA (Superintendência do Abastecimento do Vale Amazônico) e o BCB (Banco de Crédito da Borracha), entre outros. Em todas as regiões do Brasil aliciadores tratavam de convencer trabalhadores a se alistar como soldados da borracha para auxiliar na vitória aliada. A mobilização de trabalhadores para a Amazônia foi revestida por toda a força simbólica e coercitiva que os tempos de guerra possibilitavam. No nordeste, de onde deveria sair o maior número de soldados, o SEMTA convocou padres, médicos e professores para o recrutamento de todos os homens aptos ao esforço de guerra que tinha que ser empreendido nas florestas amazônicas. Foi produzido farto material de divulgação acerca da “realidade” que esperava os soldados da borracha. Nos cartazes coloridos os seringueiros apareciam recolhendo baldes de látex que escorria como água de grossas seringueiras. Histórias de enriquecimento fácil circulavam de boca em boca. “Na Amazônia se junta dinheiro com rodo”. Os velhos mitos do eldorado amazônico voltavam a ganhar força no imaginário popular. O paraíso verde, a terra da fartura e da promissão, onde era sempre verde e a seca desconhecida. A colorida propaganda oficial garantia que todos os trabalhadores teriam passagem grátis e seriam protegidos pelo SEMTA. Mas se isso não fosse o suficiente sempre restava o bom e velho recrutamento forçado de jovens. Muitas famílias do sertão nordestino tiveram que escolher se seus filhos partiriam para os seringais como soldados da borracha ou então seguiriam para o front lutar contra os italianos e alemães. Muitos preferiram a Amazônia. Os navios do Loyd saiam dos portos nordestinos abarrotados de homens, mulheres e crianças de todas as partes do Brasil. Primeiro rumo ao Maranhão e depois para Belém, Manaus, Rio Branco e outras cidades menores onde as turmas de trabalhadores seriam entregues aos patrões (seringalistas) que deveriam conduzi-los até os seringais onde, finalmente, poderiam cumprir seu dever para com a Pátria. Aparentemente tudo muito organizado. Pelo menos frente aos olhos dos americanos que estavam fornecendo ao Brasil centenas de embarcações e caminhões, toneladas de suprimentos e muito, muito, dinheiro. Na verdade, a partir do Maranhão não havia um fluxo organizado de encaminhamento de trabalhadores para os seringais. Frequentemente era preciso esperar muito antes que as turmas tivessem oportunidade para seguir viagem. A maioria dos alojamentos que recebiam os imigrantes em transito eram verdadeiros campos de concentração onde as péssimas condições de alimentação e higiene acabavam com a saúde dos trabalhadores antes mesmo que fizessem o primeiro corte nas seringueiras. Apesar dos financiadores americanos insistirem que não se devia repetir os abusos do sistema de aviamento na pratica o contrato de trabalho assinado entre seringalista e soldado da borracha quase nunca foi respeitado. A não ser para assegurar os direitos dos seringalistas. Todas as tentativas de implantação de um novo regime de trabalho, como o fornecimento de suprimentos direto aos seringueiros, fracassaram diante da pressão e poderio das casas aviadoras e dos seringalistas que continuavam dominando o processo da produção de borracha na Amazônia. Mesmo com todos esses problemas cerca de 60.000 pessoas foram enviadas para os seringais amazônicos entre 1942 e 1945. Desse total quase a metade acabou morrendo em razão das péssimas condições de transporte, alojamento e alimentação durante a viagem. Como também pela absoluta falta de assistência médica, ou mesmo pelos inúmeros problemas ou conflitos enfrentados nos seringais. O crescimento da produção de borracha na Amazônia nesse período foi infinitamente menor do que o esperado. O que levou o governo norte-americano, tão logo a Guerra Mundial chegou ao fim, a se apressar em cancelar todos os acordos referentes à produção de borracha amazônica. Afinal de contas, o acesso às regiões produtoras do sudeste asiático estava novamente aberto e o mercado internacional não demorou a se normalizar. Era o fim da Batalha da Borracha, mas não da guerra travada por seus soldados. Muitos, imersos na solidão de suas colocações no interior da floresta, sequer foram avisados que a guerra tinha terminado, só vindo a descobrir isso anos depois. Alguns voltaram para suas regiões de origem como haviam partido, sem um tostão no bolso, ou pior, alquebrados e sem saúde. Outros conseguiram criar raízes na floresta e ali construir suas vidas. Poucos, muito poucos, conseguiram tirar algum proveito econômico dessa batalha incompreensível, aparentemente sem armas, sem tiros, mas com tantas vítimas. O pós-guerra na Amazônia Com o fim da Grande Guerra e, por consequência, da Batalha da Borracha, a exploração dos seringais amazônicos parecia condenada a extinção. Na década de 40 a região amazônica apresentou, no geral, uma taxa negativa de crescimento populacional (-13,72%), provocada principalmente pelo retorno dos nordestinos às suas terras de origem. Afinal de contas, o aumento dos preços da borracha verificado durante a guerra voltou aos níveis anteriores pela retomada da produção asiática e faltavam estímulos financeiros para a permanência dos nordestinos nos seringais. Entretanto, essa não foi uma regra geral. Em muitos lugares, como no Acre, o governo local implementou uma série de medidas que visavam fixar o homem na região. Entre essas medidas se destacou a implantação de diversas colônias agrícolas próximas das cidades onde eram disponibilizados lotes de terra aos que abandonavam os seringais. Com isso, além de se evitar a emigração em massa, a exemplo do que ocorrera no fim do primeirociclo da borracha, se estimulava a produção de grãos, pequenos animais e outros produtos agrícolas que diminuiriam a dependência em relação à importação de alimentos. Tal como no fim do primeiro ciclo, a decadência econômica da borracha esvaziou muitos seringais, mas não conseguiu acabar com sua existência. Milhares de homens e mulheres haviam se adaptado perfeitamente às condições de vida na floresta amazônica. Se a borracha não tinha preço, a floresta tinha muitos outros produtos para oferecer aos extrativistas. O ritmo calmo das beiras de rio, das terras firmes, das várzeas e alagados estabelecia vínculos insuspeitos com as comunidades que ali habitavam. Em vários pontos da Amazônia o extrativismo de outros produtos como a copaíba e os cocos de babaçu assumiam papel cada vez mais importante. Além disso, outras culturas agrícolas começaram a ser exploradas de forma cada vez mais intensa como a juta, a malva e a pimenta do reino. Colaborou também para essa diversificação o movimento de imigrantes de origem japonesa, verificado nos anos 50, que se espalharam por várias regiões amazônicas estabelecendo novas práticas agrícolas. Quanto à borracha em si, a situação era, no geral, muito ruim. Depois da guerra o governo brasileiro manteve o monopólio da compra da borracha através do Banco de Crédito da Amazônia (como foi rebatizado o Banco da Borracha). O que não impediu, já em 1951, que o Brasil tivesse que importar borracha proveniente da Ásia devido à produção menor que a demanda das industrias brasileiras. Os produtores brasileiros simplesmente não conseguiam concorrer com os preços asiáticos. Ou seja, produzir borracha nos seringais nativos dava prejuízo. Em 1953 o governo criou a SPVEA (Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia) cujo objetivo principal era a implantação de seringais de cultivo na região amazônica de forma a racionalizar a produção e baratear seus custos. Sem obter grandes resultados, no início dos anos 60, o governo brasileiro decidiu substituir a borracha natural pela borracha sintética aumentando a produção desta última. Em 1967 foi criada a Sudhevea (Superintendência da Borracha) para tentar conquistar a autossuficiência nacional na produção de borracha natural. Logo em seguida foi instituída a TORMB (Taxa de Organização e Regulação do Mercado da Borracha) para manter a paridade do preço da borracha nacional com a borracha importada. Tudo em vão. Os áureos dias da borracha amazônica pareciam ter acabado definitivamente. A nova política desenvolvimentista O início do período da Ditadura Militar, em meados dos anos 60, trouxe novas e profundas modificações para a Amazônia. Além das perdas dos direitos políticos, que atingiram a toda sociedade brasileira, os amazônidas tiveram que engolir a formulação de uma nova interpretação para a importância estratégica que a Amazônia representava para o Brasil. Os militares, agora à frente dos destinos do país, se apoiavam no eterno interesse demonstrado pelas grandes potências econômicas em relação à Amazônia para apontar o perigo eminente de sua internacionalização. E sob a égide de um forte sentimento nacionalista, deram início a um período marcado pela implantação de grandes projetos que, segundo se dizia, visavam desenvolver economicamente o norte do país. Com o discurso oficial de “integrar para não entregar” o governo militar estimulou um novo movimento de ocupação da Amazônia a partir de grandes projetos mineradores, madeireiros e agropecuários que deveriam receber financiamento e incentivos fiscais em nome da defesa da soberania brasileira. Para tanto, ainda em 1965, o Presidente Castelo Branco anunciou a Operação Amazônia e em 1968 criou a SUDAM (Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia) com amplos poderes para distribuir incentivos fiscais e autorizar créditos para investimentos na indústria e na agricultura. O objetivo principal era criar diversos pólos de desenvolvimento espalhados por toda a bacia amazônica. O período do milagre econômico que atingiu o país durante o governo Médici, entre 1969 e 1973, acelerou ainda mais a velocidade dos investimentos em infraestrutura tais como a abertura de estradas e grandes projetos de colonização. Teve início então a construção da Transamazônica que deveria integrar todo o sul da Amazônia ao corta-la no sentido leste-oeste e asseguraria, pelo menos teoricamente, o controle brasileiro da região. Já a abertura da rodovia Perimetral Norte teria o mesmo papel para o norte da bacia amazônica. Foi dado prosseguimento também aos trabalhos de abertura e pavimentação das rodovias Belém-Brasilia e Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco que haviam sido iniciados por Juscelino Kubitschek nos anos 50, sempre em nome do almejado “progresso econômico” da região. Ainda no princípio dos anos 70, o Presidente Médici, ao se chocar com a dura realidade nordestina, prometeu que iria realizar uma obra capaz de oferecer “Terras sem homens para homens sem-terra” que era como ele avaliava a situação das terras amazônicas com sua baixa densidade demográfica. Estabeleceu então o PIN (Plano de Integração Regional) segundo o qual deveriam ser reservados cem quilômetros de cada lado da estrada para o assentamento prioritário de nordestinos. Na verdade, o deslocamento de grandes massas camponesas rumo aos espaços vazios amazônicos, especialmente nas regiões de fronteira, contribuía para amenizar as pressões sobre a terra no sul e no nordeste do país. Ao mesmo tempo, a SUDAM começou a aprovar freneticamente grandes projetos agropecuários para a Amazônia, fazendo a taxa de desmatamento subir assustadoramente, e o INCRA aumentou também o índice de distribuição de terra para fazendeiros. Apesar dos amplos financiamentos concedidos na época - e que abrangiam os mais diferentes setores, tais como a mineração na Serra dos Carajás, a construção de hidrelétricas, a implantação do pólo tecnológico e industrial da Zona Franca de Manaus, a exploração do garimpo de ouro e diamantes, a construção de rodovias e os projetos de colonização dirigida – o resultado mais evidente da nova política desenvolvimentista não foi à prosperidade econômica da Amazônia como muitos pretendiam, mas a degradação e o acirramento das relações sociais em toda a região. A Aliança dos Povos da Floresta Os impactos da política desenvolvimentista do governo militar foram desiguais nas diversas regiões da Amazônia. Se um novo ciclo de prosperidade econômica teve início em Manaus, graças a Zona Franca, o mesmo não pode ser dito do Noroeste amazônico que conheceu um terrível período de tensões sociais que redundaram na morte de centenas de líderes populares. Com o fim do monopólio estatal da borracha, a partir do fim dos anos 60, e a implantação do Probor I, II e III - que estimulou a produção de borracha não só na Amazônia como também em outras regiões do país como São Paulo e Bahia - muitos seringais faliram e foram vendidos por preço muito baixo. No Rio de Janeiro e em São Paulo, a propaganda oficial anunciava a Amazônia como “um sul sem geadas, um nordeste sem seca”. E foram muitos os empresários que acreditaram no novo eldorado amazônico trazendo para cá todo seu capital. Mas junto com esses vieram também um sem-número de grileiros e especuladores que pretendiam instalar a exploração madeireira e a agropecuária nos antigos seringais amazônicos. Assim, a Amazônia ajudaria a aliviar os conflitos rurais da região sul do país ao mesmo tempo em que ganhava uma nova diretriz econômica que, segundo seus apologistas, seria capaz de substituir com vantagens o já combalido extrativismo da borracha. A implantação do POLONOROESTE, que era um programa intensivo de colonização, em 1981 pelo Presidente Figueiredo, potencializou ainda mais as mudanças que já vinham ocorrendo de forma acelerada. Neste período Rondônia registrou um crescimento populacional espetacular com uma taxa anual de 16%, superior de longe a qualquer outro Estado. Para que se tenha uma ideia da rapidez da ocupação, basta saber que Rondônia tinhacerca de 110 mil habitantes em 1970, chegando a 1,1 milhão em 1990. O resultado de todo esse processo acabou arrebentando, como sempre, sobre o lado mais fraco: as populações tradicionais da floresta. Repentinamente, índios, seringueiros, ribeirinhos e colonos viram suas terras sendo invadidas e devastadas em nome de um novo tipo de progresso que transformava a floresta em terra arrasada. Acelerou-se então a migração para as cidades amazônicas. Mas a maior parte da população migrante não tinha outra profissão além da colheita dos produtos da floresta. A maioria sequer sabia ler e escrever, tamanho era o abandono oficial em que tinham vivido até então. Expulsas da terra, muitas vezes por jagunços armados que ateavam fogo em seus barracos, milhares de famílias encostaram-se na periferia urbana, formando assim os primeiros bairros populares em terrenos insalubres onde a miséria e a doença tinham campo fértil para se espalhar. A partir de 1975 as populações tradicionais da floresta começaram a se organizar e a desenvolver diferentes estratégias de resistência. Foram fundados os primeiros sindicatos de trabalhadores rurais no Acre e em outros estados da Amazônia. Em muitos lugares os segmentos mais progressistas da igreja católica reforçaram a luta popular a partir das Comunidades Eclesiais de Base. Intelectuais, artistas, estudantes e trabalhadores em geral criaram organizações civis e um intenso movimento social se verificou nas cidades de várias regiões fortemente impactadas pela política oficial. Não foi uma luta fácil, nem rápida. Apesar dos trabalhadores rurais possuírem formas pacíficas de luta como a realização de empates com a participação de mulheres e crianças para impedir as derrubadas da floresta, os conflitos foram se tornando cada vez mais explosivos e perigosos. Em 1980, Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Brasiléia, foi assassinado, assim como por toda a Amazônia muitas outras lideranças populares sem que a opinião pública brasileira sequer tomasse conhecimento da situação. Por isso, em 1985 foi realizado em Brasília o primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros durante o qual foi criado o CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros) que, apesar do nome, reunia também outros setores populares da Amazônia, tais como os índios, os ribeirinhos, os castanheiros, entre outros. Ao mesmo tempo o movimento ambientalista internacional voltava seus olhos a intensa devastação da floresta que estava ocorrendo graças à implantação dos projetos que possuía as bênçãos governamentais. Surgiu assim uma forte consciência de que a devastação da floresta amazônica não era somente uma questão ambiental, mas também social. O discurso de líderes como Chico Mendes começaram a apontar na direção da formação de uma Aliança dos povos da floresta que reunisse todas as populações tradicionais da Amazônia em defesa de seu bem comum: a grande floresta. Se índios e seringueiros haviam sido inimigos durante o primeiro ciclo da borracha agora precisavam se unir para lutar contra o inimigo comum. Nem toda a notoriedade e legitimidade obtidas pelo movimento dos povos da floresta impediram que seus líderes continuassem sendo mortos. Ainda em 1988 Chico Mendes, uma das principais lideranças dos seringueiros do Acre, foi assassinado dentro de sua própria casa apesar da proteção de dois policiais que o acompanhavam 24 horas por dia. Porém, o movimento ambientalista mundial havia tornado Chico Mendes uma figura pública conhecida e reconhecida em todo o mundo por sua luta em defesa da floresta e de suas populações tradicionais. Apenas um ano antes de seu assassinato, Chico Mendes havia recebido o prêmio Global 500 concedido pela ONU. Por isso, sua morte criou uma enorme pressão sobre os organismos financeiros internacionais, que foram obrigados a rever seus critérios de investimento na Amazônia, levando o governo brasileiro a mudar a política de desenvolvimento da região. Infelizmente Chico Mendes teve que pagar com sua própria vida para que as coisas começassem a mudar de verdade. Ele teve que morrer para que a Amazônia passasse a ser respeitada por sua importância, não só para o Brasil como para o mundo, e os povos das florestas pudessem voltar a viver de acordo com seus hábitos tradicionais assegurando seu direito à cidadania e à autodeterminação como todos os outros brasileiros. A Amazônia do Terceiro Milênio � A resistência dos povos da floresta ganhou visibilidade depois que associou a sua luta a defesa do ambiente de maior biodiversidade do mundo e ganhou a atenção do movimento ambientalista internacional. Graças a essa conjugação de forças o mundo adquiriu consciência de que a Amazônia é não só o lugar privilegiado da biodiversidade, mas também é o lugar da sócio-diversidade. As civilizações continuarão tentando dominar a floresta ao longo dos próximos séculos. Ainda são poucos os que percebem que dentro dessa floresta, ao mesmo tempo tão indomável e tão frágil, moram populações tradicionais que conseguiram realizar o que parecia impossível: desenvolver modos de vida compatíveis com as características especiais desse ecossistema. Mas a história da Amazônia nos revela, também, que esse processo faz parte da construção de uma consciência ambiental e social mais equilibrada pela humanidade. Um dia os governos desistirão de tentar implantar suas concepções de progresso desenfreado na Amazônia. Nesse dia irão descobrir que milhões de pessoas moram e são felizes na floresta. 13 de Setembro de 2013 16:22 Marcos Vinicius Neves