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História Regional (Rondônia) Marco Antônio Domingues Teixeira & Dante Ribeiro da Fonseca Professores do Departamento de História da Universidade Federal de Rondônia ii Direitos autorais 1998 de Marco Antônio Domingues Teixeira e Dante Ribeiro da Fonseca. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 5988 de 14/12/73. Nenhuma parte desse livro, sem autorização prévia por escrito de ambos os autores, poderá ser reproduzid a ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográf icos, gravação ou quaisquer outros. ISBN ________________ Capa: Encontro no rio Madeira entre engenheiros da ferrovia e Caripunas nos anos de 1870. Ficha Catalográfica. T266h Teixeira, Marco Antônio Domingues. História Regional/Marco Antônio Domingues Teixeira, Dante Ribeiro da Fonseca. Porto Velho, Rondoniana, 1998. 241 p. 1. Amazônia legal - História. 2 Rondônia - História. I. Fonseca, Dante Ribeiro II. Título CDU: 981.13 Prefácio “História Regional” é uma obra ímpar no cenário das Letras Rondonienses, um marco pioneiro em seu gênero, dado que nada antes existia, em termos de trabalho didático, sobre a nossa história. Os autores, Marco Antônio Domingues Teixeira e Dante Ribeiro da Fonseca, empreenderam minuciosa pesquisa histórica, abordando, inicialmente, os grupos indígenas, elementos marcantes na formação das matrizes culturais rondonienses. A conquista desencadeou a migração de populações indígenas, que af luíram da costa para a bacia do Madeira, fugindo à pressão do colonizador. Ocorreram também migrações interioranas, de modo que, quando os primeiros colonizadores chegaram à essa região, a área já estava povoada, por inúmeras comunidades indígenas. Desses grupos, a maior parte era Tupi, Tupi-Kawahib e Taxapakura, quanto à classif icação lingüística. Muitos grupos sucumbiram a presença do colonizador, chegando à extinção. Outros grupos passaram pelas várias etapas de contato, vivendo ainda hoje, segundo o antropólogo Darcy Ribeiro, isolados, em contatos intermitentes, em contato permanente ou integrados. Todos os grupos indígenas estão, de uma forma ou de outra, passando por processos de aculturação. Quando um grupo indígena entra em contato com a sociedade nacional, começa a sofrer uma série de modif icações endógenas, que respondem às transformações exógenas, resultantes do processo colonizador. Rondônia, longínqua e bravia, nasceu sobre o inf luxo da cultura que desde os primórdios Portugal esforçou-se para implantar na sua colônia. Em 1778, por aqui andou o célebre naturalista baiano, formado em Lisboa, Alexandre Rodrigues Ferreira. Promovendo estudos nas áreas da antropologia, da botânica e da zoologia, autor de “Viagem Filosófica” elegeu o homem nativo e o mestiço como elementos humanos de uma cultura evidentemente nacional, uma vez que os homens f ixados no litoral brasileiro estavam perdendo, como já perderam, o contato diuturno com suas raízes. Isso acontecia no século XVIII, quando a antropologia cu ltural engatinhava. Por aqui passaram outros viajantes e cientistas ilustres, como Severiano da Fonseca e o padre Jesualdo Machetti, que deixaram livros sobre a região. Os autores nos fornecem uma visão da penetração dessa região, por parte dos colonizadores, a partir do século XVII, obedecendo a determinantes econômicos da metrópole, quando do Brasil -Colônia; do Império e da República, quando do Brasil independente; que respondiam sempre aos anseios do mercado externo. Assim é que as primeiras expedições foram impulsionadas pela procura de produtos tropicais, que por volta do século XVIII, t inham mercado certo na Europa. Além da procura de drogas: o ouro, a exploração da terra e escravização de índios. Nos séculos XVII e XVIII, a Igreja, através das missõ es religiosas desempenhou um papel fundamental, uma vez que precedia à entrada do colonizador, visando a catequese dos índios, atingia as regiões mais remotas. Muitas missões foram estabelecidas no Madeira, dentre elas, a dos Tupinambaranas, a de Irurí, a dos Abacaxis, a de Santo Antônio ii das Cachoeiras, a de Sapucaiaoroca e outras mais. Assinalam ainda os autores, a assistência dos missionários espanhóis aos índios do Guaporé no século XVIII, fato que resultou na ocupação estratégica do colonizador português, para assegurar o território foi construído do Forte Príncipe da Beira, patrimônio histórico de Rondônia. As pesquisas bibliográf icas registram sobre uma cidade perdida, erguida em 1775, no rio Madeira. Marco Antônio Domingues Teixeira e Dante Ribeiro da Fonseca falam sobre Balsemão, vilarejo que os portugueses construíram para dar garantia de desenvolvimento aos seus habitantes. Existia lá quase uma dúzia de prédios públicos e particulares e parece ter sido logo abandonada, ou seu povo poderia ter sido dizimado por índios ou doenças. O pesquisador da História Regional, Desembargador Hélio da Fonseca, descobriu num arquivo do Ministério das Relações Exteriores uma planta da cidade. Se existir alguma edif icação, alguma pedra dessa cidade, Balsemão seria, a o lado do Forte Príncipe da Beira, outro monumento da História de Rondônia. A procura do ouro e a conseqüente ocupação estratégica das áreas das minas, bem como a efetivação dos tratados de limites, foram os últ imos principais determinantes que impulsionaram a ocupação portuguesa na região antes do século XIX. Uma vez fundada Vila Bela e Cuiabá, o objetivo principal residia em estabelecer uma via de comunicação rápida e efetiva através dos rios Guaporé, Mamoré e Madeira. Essa rota permitiu a ligação entre esses dois locais com Belém do Pará e a metrópole, além de assegurar a presença portuguesa, devido à vizinhança com os territórios da colônia espanhola. Com a exaustão da exploração mineral a colonização européia na região entrou em decadência Essa ocupaçã o, e o sentido predatório que a caracterizou, desorganizou e mesmo extinguiu drasticamente grande parte da população indígena. Foi a borracha, no século XIX, o principal determinante econômico para a ocupação da área. Entretanto, com uma característica: a presença dos nordestinos e “peruanos” como seringueiros. Inicia-se também um novo ciclo de hostil idades interétnicas. Um exemplo concreto dessa nova arremetida do branco é o rio Madeira. Severiano da Fonseca, em 1875, passa por esse trecho e registra um panorama detalhado da região: “...29 barracas e 277 trabalhadores dedicados à extração da borracha.” Com esse novo tipo de atividade a navegação do Madeira, que entrara em declínio e fora alvo das hostil idades dos Mura e Munduruku no século anterior, foi reativada. Em 1878, tenta-se a construção de um caminho, junto às cachoeiras do Mamoré e Madeira, que deveria alcançar o território boliviano. Este empreendimento é signif icativo pois, além de toda a movimentação que produziu ao longo do rio, é a primeira te ntativa concreta de desbravar essa região em grande escala. Fato que dá origem a inúmeros confrontos entre indígenas e brancos. Contudo, a empresa construtora não teve vida prolongada, devido ao clima, às doenças e aos contínuos ataques dos silvícolas, e a construção é abandonada. A preocupação com as fronteiras e a segurança nacional, bem como a comercialização da borracha, redundaram em dois fatos iii históricos contemporâneos da maior importância para Rondônia: a Comissão Rondon, que seria responsável pela exploração e o levantamento científ ico de grande parte da área e pela inovação no tratamento com os índios, e a construção da Estrada de Ferro Madeira - Mamoré, responsável por uma intensa migração de trabalhadores estrangeiros, além da criação de inúmeras v ilas e cidades. A importância fundamental da ferrovia na formação histórica, social e geo-econômica e na formação geopolít ica do Estado de Rondônia é abordada pelos autores. O “todo cultural” da EFMM transcendeem muito a sua condição inicial de meio de t ransporte, que, já à época, representava uma conexão intermodal ao atendimento das necessidades de escoamento de produtos extrativistas; este, por si só, a constituir um complexo natural e a desafiar a obra humana. Uma vez construída, instalada no territór io com seus assentamentos humanos, inexoravelmente, gerou um processo que, mesmo após o duro golpe da desativação e suas conseqüências, permanece latente, como que aguardando apenas o lógico e justo reconhecimento de que foi e é, uma solução correta e coerente com as necessidades características da região. Destacam, ainda, os autores, o trabalho dos migrantes do Caribe, na ferrovia, presença marcante na configuração social da região, os barbadianos e granadinos aqui permaneceram com suas famílias, totalmente integrados a terra que escolheram para viver. Os seus descendentes são inúmeros e em Porto Velho residem quatorze famílias. São os Allen, Alleyne, Banfield, Blackman, Denis, Holder, Johnson, Julien, Maloney, Rivero, Schockness, Tommy, Winte e Wiles. Posteriormente, o desaquecimento do sistema econômico baseado na borracha levaria a região novamente ao ostracismo. A lenta colonização desta área interiorana foi acelerada, destacam os autores, com a criação dos Territórios Federais, dentre eles o do Guapor é. Entidades federais que se constituíram no meio hábil para penetrar rápido e fundo no organismo Amazônico, levantando as causas da sua apatia e da sua marginalização no processo civil izatório do Brasil. A criação dos Territórios Federais constitui um esboço de reação contra a mentalidade que admitia o determinismo geográfico como regra imutável, segundo a qual, as sociedades humanas estão, em grande medida, subordinadas às condições do meio ambiente natural sem oportunidade de evolução, tal sua inferioridade e incapacidade de assimilação cultural. A criação dos Territórios Federais permitiu uma maior mobilidade social dentro de uma hierarquia específ ica e seletiva de valores, negando o estereótipo generalizado, que representava uma atitude preconceituosa do Brasil desenvolvido em relação à terra e ao povo amazônico. Instrumento de valorização econômica, social e polít ica, o Território Federal do Guaporé, contribuiu de forma decisiva na mudança dos elementos tradicionalmente ambientais e serviu como fator de desenvolvimento, que se superpôs aos limites dos padrões das atividades comunitárias, erigidas às margens dos rios Madeira, Mamoré, Guaporé, Machado e outros, valorizando o homem da ribeira e iv dos barrancos, que deixou de ser um cidadão de segunda classe no corpo da cidadania brasileira. Ainda na metade desse século, a ocupação da região se caracterizou pela descoberta de minérios, sobretudo a cassiterita, que impulsionaria novas levas de migrantes. A partir dos anos 60, as importantes mudanças polít icas com relação ao desenvolvimento da Amazônia seriam responsáveis pelo processo histórico que transformou Rondônia no maior pólo de atração de migrantes de todo o país, modif icando também o caráter de sua economia básica, de extrativista, para agrícola. Quando em 1980 o Território Federal de Rondônia ascendeu à condição de Estado Federado, houve o reconhecimento do acerto da sua criação, pois implícito no conceito da comunidade, a combinação de forças e a aliança de objetivos, se f ixaram em interesses mais amplos e mais coordenados, com direções próprias que desencadearam o processo de transformação. Ao concluir a leitura atenta de História Regional, constatei em toda a obra o patriotismo dos autores. Ninguém deixará a leitura desse livro sem se sentir mais amazônida, mais brasileiro. Constatei, também, que poucos têm conseguido o manejo do método histórico como Marco Antônio Domingues Teixeira e Dante Ribeiro da Fonseca. O rigor na crít ica das fontes e a precisão perfeita nas informações, são admiráveis. Os autores, comprovaram o que Cícero já dizia: “Aos homens são necessárias muitas qualidades, porém duas mais são necessárias ao historiador: primeiro, a de dizer sempre o que sabe que é verdade; segundo, a de não dizer jamais o que sabe que não é verdade .” Por f im, trata-se de um livro que não pode faltar na estante do estudioso comprometido com a multifacetada vivência na Amazônia, e que deve ser l ido e relido por quantos apreciam a sondagem desse mundo verde onde indígenas, brancos e negros, construíram a nossa história. É uma obra imprescindível nas aulas de História Regional nos ensinos de 2o. e 3o. graus. Os autores prestaram um valioso serviço à cultura de Rondônia. Porto Velho, 29 de setembro de 1998. Yêda Pinheiro Borzacov. Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia. v Apresentação. O trabalho que ora apresentamos foi elaborado com a f inalidade de ser util izados nas classes de sala de aula do ensino fundamental e do ensino médio, para vestibulares e concursos. Esta obra consiste em uma versão simplif icada de uma obra maior, ainda não publicada em sua totalidade, em que os autores reuniram suas pesquisas, algumas já publicadas em revistas universitárias sob a forma de artigos. A atual versão didática se propõe a ser uma manual que professores e alunos possam trabalhar, no sentido de uma maior compreensão da história de Rondônia. A proposta dos conteúdos agrega à análise macro -histórica elementos que, até pouco tempo, eram desprezados como objeto do conhecimento histórico. Nesse sentido a nossa proposta tenta compreender a história não apenas a partir da ação unilateral do Estado, através dos chamados “grandes personagens”, ou seja, os generais, reis, diplomatas e polít icos mas como um processo dialéti co, conflituoso, em que os agentes da camadas populares atuam em importantes papéis. Especif icamente, em se tratando da história da Amazônia, a ênfase deve ser dada ao processo de conquista e colonização. A duas palavras não se apresentam de forma casual, por muito tempo os fenômenos aos quais se referem foram tratados como descobrimento e ocupação ou povoamento. O fato porém é que o processo histórico pelo qual passou a Amazônia a partir do século XVII constituiu-se em um processo de conquista, no qual os europeus entraram em guerra contra as populações nativas, conquistando seus territórios, escravizando-as, ou exterminando-as. Não se pode portanto estudar a Amazônia sem observar o processo, a que foram submetidas suas populações nativas, que já povoavam esse espaço. Trata-se, portanto de perceber a história como vida apresentando -a sem o mofo com que muitas vezes é relatada, sem o cheiro do mofo e dos papéis velhos, percebendo-a naquilo que ela possui de mais universal e útil ao conhecimento da humanidade. História Regional é um título polêmico. A primeira pergunta que ocorreria a um leitor atento seria: o que é uma região? Certamente, Rondônia, como espaço, é uma construção de determinados agentes históricos. Destarte acompanhamos a construção de uma dete rminada identidade geo-polít ica, a partir do ponto de vista do colonialismo português. À área dos rios Madeira, Mamoré e Mamoré é atribuída uma certa unidade em face do papel que desempenhou na conquista de parte das regiões Norte e Centro-Oeste. Contudo, os fenômenos históricos que ali se passaram extrapolaram, em sua dinamicidade, as fronteiras e limites estabelecidos pelo Estado. Dessa forma, procuramos perceber o processo histórico em Rondônia sem perder de vista sua conexão mais global. Os capítulos do livro possuem um resumo geral, e as unidades têm sempre ao f inal uma bateria de cinco exercícios para melhor f ixação do conteúdos. A cronologia que segue após o últ imo capítulo destina-se a ajudar o estudante a se situar pois, o tratamento dado às unidades nem sempre tornou possível, e às vezes mesmo tornou vi desaconselhável, uma análise linear. Após a cronologia serão encontrados exercíciosrelativos a todos os capítulos. As repostas para todos os exercícios do livros foram colocadas na parte f inal, no gabarito. Devemos expressar nossos agradecimentos a algumas pessoas: aos professores Apolônio e Miriam Teixeira, Marizélia e Zilá Fonseca, pelo auxílio e estímulo dado à elaboração desse trabalho; a Rosemary Gannon, que é mais que uma livreira, pois sem suas pesquisas não teríamos encontrado muitas das fontes aqui uti l izadas; a professora Yêda Pinheiro Borzacov, que leu e apresentou valiosas sugestões. Apesar do auxílio prestado por essas pessoas os autores assumem inteira responsabilidade pelas possíveis imperfeições encontradas no trabalho. Finalmente, dedicamos esse livro, um esforço modesto de contribuir com o processo educativo, a todos os professores e estudantes do estado de Rondônia. São eles, mais do que ninguém, que sofrem as conseqüências de viverem em um país onde, infelizmente, muito pouco apoio se dá à educação. Porto Velho, 29 de setembro de 1998. Marco Antônio Domingues Teixeira. Dante Ribeiro da Fonseca. vii ÍNDICE Prefácio. Apresentação. Capítulo 1: A conquista e colonização da Amazônia e a submissão do indígena. Os primeiros contatos entre os indígenas e o colonizador. A legislação colonial e a submissão do indígena. A população indígena dos vales dos rios Madeira e Guaporé. O indígena, o povoamento e a colonização. Capítulo 2: A exploração, conquista e ocupação da Amazônia no contexto do antigo regime. O espaço natural. A exploração, as visões e o imaginário do conquistador na Amazônia. Os tratados de limites da Amazônia no período colonial. A diplomacia ibérica e a conformação das frontei ras da Amazônia colonial. A colonização da Amazônia: missionários, europeus e militares em conflito. A colonização da região do Madeira/Guaporé. A defesa das fronteiras: destacamentos e fortif icações. Capítulo 3: O mercantilismo e as políticas de coloniza ção dos vales do Madeira e do Guaporé. A colonização do Vale do Guaporé e a fundação de Vila Bela da Santíssima Trindade. A mineração. A agropecuária. O comércio e as rotas f luviais. A Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Capítulo 4: A sociedade colonial guaporeana, aspectos do cotidiano, a escravidão e a resistência escrava. A sociedade colonial no Vale do Guaporé. Negros, índios. europeus e mestiços: as polít icas de ocupação e defesa do território e as relações de poder e submissão. Doenças e epidemias. Aspectos da escravidão: a organização do trabalho, as ocupações e a família. A resistência escrava. A crise do sistema colonial e o abandono dos vales do Madeira e Guaporé. Capítulo 5: As pressões internacionais sobre a Amazônia brasileira. O imperialismo: as propostas de internacionalização da Amazônia e o etnocentrismo dos viajantes. viii A navegação no rio Madeira e a abertura do rio Amazonas à navegação internacional. Limites e fronteiras: o Tratado de Ayacucho (1867). A abertura do Amazonas à navegação estrangeira. Capítulo 6: A exploração e colonização do oeste amazônico. O primeiro ciclo da borracha. A exploração e colonização do Oeste Amazônico. Colonização brasileira do Madeira. A colonização boliviana do Madeira, o Noroeste Boliviano e a emp resa Suárez & Hermanos. Capítulo 7: O processo de ocupação e expropriação indígena na área do Beni. O indígena na Bolívia: apropriação, submissão e resistência. A legislação indígena e o recrutamento de trabalhadores na Bolívia. Capítulo 8: Mão de obra para os seringais do alto Madeira. A obtenção da mão-de-obra para os seringais e o mecanismo de expropriação do trabalhador direto. A mão-de-obra indígena no período áureo da borracha. Capítulo 9: A questão acreana e a construção da E.F.M.M. Os antecedentes e a Rebelião Acreana. Anexação do Acre ao Brasil. Percival Farquhar. A construção da EFMM. A força de trabalho. Porto Velho. Guajará-Mirim. A comissão Rondon e a linha telegráf ica. Capítulo 10: O Território Federal do Guaporé. Aluízio Ferreira: a intervenção e a nacionalização da EFMM. Precedentes da criação do Território Federal do Guaporé. A guerra pela borracha. A criação do Território Federal do Guaporé. A polít ica no Território Federal do Guaporé. Os garimpos de cassiterita e pedras preciosas. A abertura da BR-364. Capítulo 11: A criação do Estado de Rondônia. A colonização recente Os garimpos de ouro do rio Madeira. A criação do Estado de Rondônia. Exercícios de f ixação. Cronologia. Gabaritos. Obras consultadas. ix Capítulo 1 A conquista e colonização da Amazônia e a submissão do indígena. Os primeiros contatos entre os indígenas e o colonizador. As pessoas comumente pensam no índio como “um outro povo”, diferente dos “brancos e civil izados”, mas os povos indígenas constituem-se em um conjunto diversif icado de culturas, cuja única identidade inquestionável reside no fato de ocuparem a América, antes da chegada do europeu. Apenas falando no aspecto polít ico, nesse primeiro contato, os conquistadores ibéricos encontraram povos que viviam sob o governo de um monarca, como os incas e povos que viviam ainda em pequenas sociedades sem o governo centralizado, como os tupinambás. Assim, viviam esses povos sob variados padrões de relações sociais como também estavam em diferentes estágios de domínio das técnicas para a produção de seu sustento. Onde hoje é a região Norte do Brasil, na área dos estados do Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Pará e Tocantins existiam inúmeros povos indígenas nômades e sedentários, todos praticavam a agricultura mas os primeiros somente ocasionalmente produziam excedentes para trocas com outros grupos e os últ imos produziam artefatos para o comércio como a cerâmica e tecidos de algodão, havendo mesmo entre eles a divisão do trabalho. A organização polít ica desses povos comportava formas complexas como: chefaturas guerreiras e expansionistas sustentadas por impostos, e grupos com sistemas de liderança mais simples. Os Omágua possuíam uma estrutura polít ica que congregava várias aldeias e suas chefias sob a liderança de uma chefia superior. Os grupos indígenas da América comunicavam-se em várias línguas, muitas delas ainda encontradas entre os indígenas da Amazônia Brasileira e distribuíam -se entre os troncos lingüísticos tupi, aruak, karib, tucano, pano e jê. O indígena da Amazônia era um ser perfeitamente integrado ao seu meio, vivia da caça da pesca e da agricultura, que dominava de forma suficiente e econômica: conhecia os terrenos mais férteis (as várzeas) e plantava nas épocas de vazante dos rios a mandioca, o milho, o algodão, o tabaco, certas árvores frutíferas e outros vegetais. Ao entrar em contato com os indígenas da Amazônia, os portugueses observaram que determinados povos indígenas já apresentavam características expansionistas, expulsando ou dominando grupos m ais fracos. Observaram, também, alianças polít icas para defesa comum de grupos ameaçados. O avanço europeu sobre o litoral do Brasil, no século XVI, f izera com que alguns povos indígenas daquela área migrassem para o interior, fugindo ao conquistador, entr ando na Amazônia em disputa pelo controle de territórios. Os primeiros contatos dos ameríndios com os colonizadores iniciaram um processo de alteração violenta no desenvolvimento demográfico e cultural dessas populações nativas que em algumas regiões, como a Amazônia, dura até hoje. Na América do Sul os 11 espanhóis encontraram um império bastante desenvolvido, o Império Inca, cujo território se estendia do Equador até o Chile e era controlado de sua sede no Peru pelo monarca (denominado Inca, que signif ica f i lho do sol) auxil iado por um vasto aparelho burocrático e militar. Francisco Pizarro (c. 1475 - 1541), o conquistador do Império Inca, mandou executar o seu últ imo soberanoAtahualpa (c. 1500 - 1533) desarticulando toda a estrutura polít ica, econômica e social ao colocar- se no governo, em nome do rei da Espanha, daquele império. Os espanhóis abalaram a estrutura social incaica ao abolirem o direito comunal à propriedade da terra, mas souberam aproveitar -se das formas de exploração do trabalho já util izadas entre aqueles povos. Os adelantados, aqueles espanhóis que primeiro conquistavam o território aos indígenas, adquiriam o direito às encomiendas e o controle da população dominada. Os encomenderos adquiriam direitos e deveres semelhantes àqueles que exerciam os caciques nos tempos incaicos, chamados curacas ou hilatacas, ou seja, de mediadores do poder do Inca frente a base social. A encomienda era a sujeição de uma população nativa ao conquistador, em nome do rei e pressupunha alguns serviços dessa população para o Estado, a Igreja e o encomendero. Os mitayos, por exemplo, consistiam na util ização desses indígenas nas minas, na construção de obras públicas e edif icações para o senhorio, o clero e o rei; os yanaconas consistiam no recrutamento forçado do indígena para o serviço doméstico do senhorio. Na Amazônia, o estabelecimento do primeiro núcleo colonial português no início do século XVII, o forte do Presépio, que daria origem a Belém do Pará, destinava-se a garantir a posse de um território ameaçado por estrangeiros, que ali estabeleceram feitorias. No século seguinte era premente o controle dos rios, entre eles o Madeira e o Guaporé, que se situavam no oeste amazônico, tanto para garantir fronteiras contra os espanhóis como para manter as importantes rotas f luviais do comércio colonial e internacional. Haviam ainda os grupos indígenas que reagiam bravamente contra esse avanço, os quais era necessário expulsar e manter afastados das novas áreas de colonização. Assim, iniciou o português o processo de “amansamento”. Era, predominantemente, o indígena “amansado” que colaborava tanto nas expedições que devassaram a Amazônia, a partir do século XVII, quanto como trabalhador direto nos estabelecimentos agrícolas e extrativistas coloniais. A serviço do colono par ticular, do missionário, mas também sujeito ao aparelho burocrático e militar do Estado Português, construíram fortif icações, abrindo estradas, nos destacamentos militares que garantiam as rotas de comércio, nos estaleiros e pesqueiros reais. Havia três fo rmas de sujeição do indígena: os descimentos, os resgates e as guerras justas. Os indígenas descidos situavam-se como livres, embora a liberdade fosse apenas formal. Os indígenas resgatados e provenientes de guerras justas eram legalmente escravizados. Os descimentos consistiam em expedições que entravam em contato com os grupos indígenas com o objetivo de convencê- los a “descerem”, ou seja, saírem de seus 12 territórios tradicionais para situarem-se em missões próximas aos núcleos coloniais. Os resgates eram feitos por meio de expedições dos colonos, que entravam em contatos com certos grupos tribais, praticando o escambo de mercadorias por prisioneiros de guerras inter - tribais. Os resgatados eram chamados índios de corda porque, segundo os portugueses, f icavam amarrados nas aldeias de seus captores. Exercícios. 1. Sobre os Ameríndios à época da conquista podemos af irmar que: a) constituíam-se em um só povo sedentário e produtor de excedentes agrícolas para o mercado. b) apresentavam-se como uma multiplicidade de povos com línguas e culturas diferentes. c) possuíam um padrão de relações sociais bastante homogêneo. d) compunham-se todos de pequenas sociedades sedentárias isoladas entre si. 2. Os indígenas da Amazônia viviam em sua maioria em áreas: a) de montanhas. b) de terra f irme. c) de várzea. d) nas ilhas. 3. Quanto aos incas pode-se af irmar que: a) constituíam-se de um povo nômade, e pouco desenvolvido. b) possuíam vários monarcas independentes. c) constituíam um império governado por um monarca. d) viviam em sistema de propriedade particular, semelhante ao europeu. 4. Sobre as práticas de “amansamento” do ameríndio é certo que: a) visavam sobretudo fornecer mão-de-obra escrava para os portugueses. b) t inham por objetivo beneficiar o indígena, t irando -o do estado de miséria em que vivia. c) ao resgatar o prisioneiro indígena o colono pretendia somente salvar sua vida. Classificação lingüística das línguas indígenas faladas no Brasil Tronco Família Tupi Tupi -Guaraní, Mundurukú,, Juruna, Arikêm, Tuparí, Ramarâma, Mondé. Macro-jê Jê, Maxakalí, Karirí, Borôro. Aruak Aruak e Arawá. Nãoclassif icado Karíb, Makú, Yanoâma, Tukâno, Mura, Pâno, Txapakúra, Nhambikuára, Guaikurú Fonte: Melatti, 1993. 13 d) os descimentos salvavam os indígenas da escravização de seus inimigos tribais. 5. Os indígenas descidos eram considerados: a) escravos por determinado tempo. b) escravos para toda a vida. c) l ivres enquanto estivesse na missão. d) l ivre sem qualquer condição.X A legislação colonial e a submissão do indígena. Desde antes do assentamento do primeiro núcleo colonial português no rio Amazonas, a metrópole preocupou -se com o papel do indígena na nova sociedade americana. Essa preocupação con tinuou durante todo o período colonial. Já no início do século XVII, o Alvará de 30 de julho de 1609 declarava o direito do indígena à liberdade absoluta. No f inal do século, uma nova lei, de 01 de abril de 1680, revelou a necessidade de o Estado declarar aos colonos a mesma condição para o indígena. O que houve, no espaço de 71 anos entre a publicação dessas duas leis, que obrigou a monarquia portuguesa a reafirmar, através de instrumentos legais, o mesmo princípio? No início da colonização da Amazônia as atividades agrícolas, pecuárias, artesanais e de coleta das drogas do sertão eram executadas totalmente pela mão -de-obra indígena. Dada a importância dessa mão-de-obra, conflitos entre colonos, missionários, governo colonial e metropolitano surgiam quando o tema tratava do seu aprisionamento e util ização como força de trabalho. Desde o século XVI decretos reais e bulas papais repetiam as af irmações sobre a humanidade e o direito à liberdade dos indígenas americanos, apesar de o teor desses documentos varia r entre o direito à liberdade absoluta ou condicionada. Mais que isso, reconhecia a legislação do século XVII que os indígenas do Maranhão e Grão -Pará eram os “primários e naturais senhores da terra” e tornava -os, de direito, súditos ao definir que deveriam ser tratados com base na Lei de 12 de setembro de 1653, governados pelas autoridades da administração pública colonial, segundo o princípio da justiça secular. Dois anos após a publicação da Lei de 1609, surgiu uma nova legislação. Através da Lei de 10 de setembro de 1611, a coroa portuguesa instituiu o regime de capitães de aldeia que, na realidade, permitiu dar uma aparência legal à escravização do índio, na medida em que se permitia entregá-lo ao controle do colono, com garantias apenas formais sobre o seu tratamento. Pela Lei de 1611, era o capitão de aldeia que repartia os indígenas descidos, destinando -os a trabalhar para os colonos, missionários ou para o serviço do Estado. Os descimentos, depois de 1611, passaram a ser escoltados por militares e o comandante da escolta era o capitão de aldeia. Os capitães de aldeia que deviam zelar pela integridade do indígena foram os seus maiores exploradores, util izando-os nos estabelecimentos 14 agrícolas, de açúcar, algodão e fumo, na coleta das drogas do sertão, no trabalho de corte da madeira, nas construções e no transporte de produtos. Os índios resgatados eram denominados, na legislação de 1611, índios de corda e o europeu queo adquiria em troca de mercadorias era, então, considerado seu salvador, podendo det ê-lo como escravo durante o prazo de dez anos. Contudo, em 1626, dez anos após o estabelecimento português na Amazônia, quando deveriam ser l ibertados os primeiros indígenas resgatados, a legislação foi mudada permitindo-se a escravização desses indígenas por toda a vida. Os jesuítas adquiriram com a publicação da Lei de 9 de abril de 1655 o direito de autorizar e dirigir as tropas de resgates e as guerras justas. Essa legislação gerou a insatisfação dos colonos que, em 1661, revoltaram-se contra os missionários. Em 1680, esses clérigos retornaram e passaram a controlar as aldeias de repartição, acirrando novamente a fúria dos colonos. A tentativa de introdução do negro africano como escravo na Amazônia, através da Companhia. de Comercio do Maranhão e Grão-Pará, foi adotada pelo governo português, a conselho do padre Antônio Vieira e visava diminuir o peso da mão-de-obra indígena na economia daquela parte da colônia. O custo da mão-de-obra escrava, proibit ivo para a maioria dos colonos, somado ao controle dos repartimentos pelos missionários jesuítas, provocou outra revolta, a dos Beckman, iniciada no Maranhão e que resultou em nova expulsão dos jesuítas. A escassez de capitais na Amazônia impossibil itou a exportação do negro como opção viável de suprimento de mão-de-obra em escala suficiente para atender às necessidades mais gerais da economia. Em 21 de dezembro de 1686, uma nova lei foi aprovada: o Regimento das Missões, mantendo as aldeias de repartimento e retornando o controle dos índios aldeados aos jesuí tas. Contudo, a tarefa de repartição dos índios deveria ser feita por um conselho do qual fazia parte o Superior da Missões, o Governador e dois of iciais da Câmara. Manteve ainda o princípio das guerras justas e das tropas de resgate, permitindo que particulares a realizassem, desde que 20% dos cativos tornassem propriedade da coroa e criando inclusive um fundo para f inanciar essas expedições. Os descimentos, guerras justas e tropas de resgate passaram ao controle da Junta das Missões que as aprovava. Essas medidas revelam a preocupação da coroa com o desperdício do recurso humano indígena e, como as demais, resultaram em interesses contrariados. Na realidade restabeleceram o monopólio do trabalho indígena aos missionários, conduzindo a uma nova insurreição dos colonos. Acusando os missionários de não procederem aos repartimentos e de util izarem a nova legislação em benefício próprio, ou seja, de reterem os indígenas apenas em seus rendosos estabelecimentos os colonos passaram a atacar os aldeamentos missionários para roubar os indígenas. Os missionários das três ordens que atuavam na Amazônia (carmelitas, capuchinhos e jesuítas), que eram considerados funcionários da coroa portuguesa e recebiam a côngrua, uma espécie de salário pelos seus serviços de domestic ação do indígena, entraram também em confronto. Julgavam os capuchinhos e os carmelitas que os jesuítas haviam sido aquinhoados com as áreas 15 de maior população indígena e sentindo-se prejudicados recorreram inclusive ao confronto armado. Os documentos da época revelam que algumas ordens missionárias não foram executoras f iéis da polít ica metropolitana para o indígena. Alguns missionários chegavam mesmo a vender aos que partiam em expedições para a escravização dos nativos, certif icados em branco que declaravam ser os indígenas aprisionados na forma da lei. Já em meados do século XVII os missionários possuíam vasta fortuna que incluía fazendas de criação de gado, estabelecimentos agrícolas e engenhos e a maior riqueza daquela terra, um vasto contingente de trabalhadores indígenas. A demanda de mão-de-obra cresceu ainda mais por volta de 1720, quando uma epidemia grassou entre os indígenas escravizados do Grão-Pará, em Belém e regiões vizinhas. Nesse momento, iniciava -se o boom do cacau que iria durar todo o século XVIII, aumentando a demanda de mão-de-obra e, conseqüentemente, as entradas para a busca de índios. A intensif icação dessas buscas no rio Negro, Japurá e Branco explica-se em função do controle desses rios pelos membros da Ordem Carmelitana que, ao contrário dos Jesuítas, eram bem mais f lexíveis em sua participação, direta ou indireta, no negócio de escravos. Quando o Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo) tornou-se ministro do rei português D. José I, delineou -se uma nova polít ica para a Amazônia. Seu atos relativos à região demonstravam claramente a estratégia de lusitanizar e garantir maior subordinação da economia amazônica aos interesse comerciais metropolitanos. Dentre várias medidas, Pombal modif icou a polít ica indígena; expulsou e confiscou os bens dos jesuítas; estimulou imigração de negros e açorianos para a colonização, criou uma companhia com monopólio do comércio e reformulou a máquina administrativa local. A importância da Amazônia para a polít ica de Pombal revela-se ainda quando nomeou Francisco Xavier de Mendonça Furtado, seu meio irmão, para governar o Grão Pará entre 1751 a 1759. A divulgação dessa nova polít ica indigenista foi cercada de todos os cuidados, revelando o temor antevisto pelas autoridades metropolitanas e coloniais em relação as possíveis reações contrárias dos colonos. Assim, entre a promulgação dos alvarás régios de 1755 e sua publicação, dois anos depois, medidas foram tomadas para fazer face às possíveis rebeliões dos colonos e missionários do Grão Pará e Maranhão. Publicado em 1757, o Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão enquanto sua majestade não mandar o contrário (Diretório dos Índios) representava uma enfática intervenção da coroa na questão do indígena. O interess e reiterado de tornar o indígena súdito com plenos direitos, como os luso -brasileiros, assumiu no discurso colonial duas vertentes: a primeira assegurou a liberdade do indígena e a segunda indicou sua aculturação. As duas vertentes resultariam na transformação do indígena em verdadeiro súdito do monarca português, igualado legalmente e para todos os efeitos aos luso-brasileiros. Para melhor subordinar os indígenas aos 16 interesses da coroa, os missionários foram afastados da administração das aldeias, que foram entregues à administração de um Diretor leigo, que f icava responsável também pelos descimentos. Contudo, não era dado ao indígena decidir se queria ou não trabalhar. Antecipando-se ao retorno do indígena aos seus costumes com relação ao trabalho, costumes considerados pelos colonos, missionários e autoridades coloniais como ociosidade e vadiagem, o Capitão-General Mendonça Furtado promulgou, em 1754, um bando confirmado na carta real de 1755. Nesse bando estipulava -se que os indígenas que estivessem sem ocupação fossem cedidos aos colonos que os remunerariam. A reação dos colonos às medidas propugnadas pelo Diretório veio conforme foi prevista pelas autoridade do governo. Além dos protestos formais, os colonos conspiraram no sentido de entregar o Grão -Pará ao monarca francês, desde que esse se comprometesse a manter a escravidão indígena naquela região. Doze anos após a publicação do Diretório, ainda era possível observar a prática corriqueira da escravização do indígena, realizada inclusive pelos próprios diretores que maltratavam e exploravam brutalmente, em benefício próprio, os indígenas sob sua responsabilidade. A Carta Régia de 12 de maio de 1798 extinguiu o Diretório e tornou obrigatório por determinado tempo o serviço do indígena no Corpo de Milícias e no Corpo de Trabalhadores. Quanto aos colonos dava-lhes a liberdade de estabelecerem-se nas áreas ainda sob o domínio do indígena, bastando apenas informar às autoridades sua intenção. Os descimentos promovidos pelos colonos, o comércio direto desses com os indígenas e a contratação dos trabalhadores, desde que estivessem livres doperíodo de serviço para a coroa,. também eram atividades permitidas. Esse estatuto vigorou até a independência, tornando -se mais rigoroso para o nativo ao longo do tempo. Em 1808 e 1809, novas leis ampliaram a permissão aos colonos para capturarem indígenas. Enfim, adotou-se uma permissividade quase absoluta para os padrões das legislações anteriores, ao entregar, na prática, o arbítrio sobre o destino das populações nativas ao colono, que poderia avançar sobre o território em verdadeiras guerras de conquista e escravização ou estimular as guerras inter-tribais para estabelecer a compra de prisioneiros. Com a independência do Brasil reuniu -se a Assembléia Constituinte dentro da qual foi criada uma Comissão de Colonização, Catequese e Civil ização dos Índios. O Ato Adicional de 1834 atribuiu às Assembléias Provinciais a responsabilidade de promover a catequese e civil ização dos indígenas. Contudo, no Grão -Pará, era tarde para quaisquer iniciativas que visassem a resolver o problema do trabalhador. O descaso da elite nacional e local para com a situação do índio e seus descendentes na Amazônia e o aviltamento crescente do trabalhador, ou seja, do indígena, do negro e do mestiço, re sultou num dos maiores levantes populares que há notícia na Amazônia e no Brasil, a Cabanagem. Nesse movimento, que eclodiu em 1835, na Província do Grão Pará, índios aldeados, tapuios, mestiços e negros levantaram -se 17 em revolta contra “tudo aquilo que era branco” ou seja toda a miséria e dizimação a eles imposta pelo europeu e seus sucessores. Essa violenta contestação que durou dez anos, foi violentamente reprimida e os cabanos derrotados, restando do movimento um saldo aproximado de 40.000 mortos. No período da Regência foram revogados os atos de 1808 e 1809 que permitiam a guerra justa a determinados grupos e a escravização de seu membros. Em 1843 o governo, tentando dar conseqüência ao ato adicional à constituição que atribuía ao governo e à Assembléia Geral ações para catequizar e civil izar os indígenas, aprovou a Lei n o. 317 que, entre outras providências, autorizou aos padres capuchinhos os afazeres de catequese. A regulamentação dessa lei distribuiu a responsabilidade entre o diretor de missões e os clérigos. O diretor da missão teria, entre outras, as atribuições de introduzir o indígena em um ofício e f iscalizar os contratos de prestação de serviço. Apesar de o índio ser considerado incapaz e sujeito à proteção legal, estava sujeito ao serviço das a ldeias e ao serviço público e militar. Poderia sofrer a penalidade de prisão de até oito dias a critério do diretor e ser entregue a justiça, ou seja, responder penalmente por suas faltas. Durante o início do período republicano pouca coisa mudou. Como no império a constituição não fazia menção ao indígena e no código civil eram considerados como incapazes a certos atos e a maneira de praticá-los e portanto sujeitos à tutela do Estado. Exercícios. 1. Sobre a legislação colonial portuguesa que tratava da questão indígena no Brasil podemos af irmar que o indígena era considerado: a) um elemento livre sem restrições. b) l ivre em algumas situações. c) sempre sujeito à escravidão. d) sujeito à escravidão apenas quando não aceitasse a fé católica. 2. A legislação de 1611 dotava os Capitães de Aldeia de várias atribuições com relação ao indígena, exceto: a) entregá-lo ao controle do colono. b) repartir os indígenas descidos. c) comandar as tropas de descimento. d) manter os indígenas em suas aldeias originais. 3. Os atritos entre os colonos e os missionários resultavam: a) do mal tratamento que os missionários davam aos indígenas. b) da possibil idade de falta de mão-de-obra com os descimentos. c) dos privilégios que várias leis deram aos missionários. d) da impossibil idade de os missionários dirigirem as aldeias de repartição. 4. Na Amazônia não foi possível substituir, em grande escala, a mão - de-obra indígena pelo negro africano porque: a) o negro africano era mais rebelde e fujão. 18 b) o escravo africano possuía um preço mais alto que o indígena. c) o indígena como mão-de-obra era mais dócil e dedicado. d) havia muita dif iculdade em capturar escravos indígenas. 5. Já no f inal do século XVII, uma outra lei referente ao indígena foi aprovada, nela constava que: a) os jesuítas participavam da Junta das Missões que controla va os repartimentos, aprovava e participava das tropas de resgate, guerras justas e descimentos. b) os funcionários da coroa decidiriam exclusivamente sobre todas as ações que tivessem relação com o indígena. c) o governo não teria nenhum direito sobre os nativos capturados. d) os indígenas não poderiam trabalhar para os colonos, mas apenas para os missionários. A população indígena dos vales do rio Madeira e Guaporé. Na região dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé e nos seus tributários, o português encontrou dois t ipos de grupos indígenas: os habitantes antigos e povos que para lá migraram, em fuga do avanço europeu ou do expansionismo territorial de nações indígenas mais fortes. Desses povos que migraram possivelmente os Tupi foram os primeiros a atingir a bacia deste rio. Vinham recuando de suas povoações que, até o século XVI, estendiam-se da foz do Amazonas até o sul de São Paulo. Os Tupinambarana, descobertos em 1639 pelo padre Acuña no rio Amazonas, na ilha de mesmo nome próximo à foz do Madeira, eram descendentes dos Tupinambá de Pernambuco. Posteriormente, outros grupos migrariam para aquela região, provocando guerras inter -tribais pelo controle do território. Dentre os moradores antigos do Madeira encontraram os Torá, Mura e Matanawí. Quanto aos Mura é necess ários esclarecer que enquanto alguns autores acreditam que o Madeira tenha sido o seu antigo núcleo de povoação, outros defendem a hipótese de que esses indígenas tenham migrado do Peru, fugindo ao domínio espanhol. No f inal do século XVIII, alguns grupos indígenas do Tapajós começaram a entrar em contato com o colonizador. Conhecidos como Kawahib, eram uma nação que se subdividia em vários grupos, dentre eles os Parintintin. Esses Kawahib foram ferozmente perseguidos pelos Munduruku e, expulsos de seus te rritórios, subdividiram-se em vários grupos que se espalharam na região situada entre os rios São Manoel e Madeira. Os Tupí-Kawahib, após a dispersão provocada pelos Mura, situaram-se no rio Branco, af luente do Roosevelt e depois ampliaram seu território até o Ji-Paraná e seus af luentes. Os Kawahib foram encontrados até o f inal do século XIX no campo dos Parecis, entre a foz do Arinos e Juruena. Nessa mesma época o baixo e médio Mamoré foi objeto da migração de outro grupo indígena, os Txapakura. Viviam originalmente no curso do médio e alto rio Blanco (Baures), na área em torno do lago Chitiopa e parte de Concepción de Chiquitos (Bolívia). Os 19 Txapakura foram dominados pelos europeus no início do século XVII e reduzidos aos aldeamentos dos colonizadores. Alguns grupos penetraram a América Portuguesa. Desses, os Urupá e Jarú pertencem a família l ingüística Txapakura e entraram em contato com os portugueses no início do século XVIII. A nação que mais ferozmente reagiu ao avanço português na área do Madeira no século XVIII foi a Mura. Essa nação uma população espalhada, antes do século XVIII, em uma enorme área que compreende os rios Madeira, Negro, Solimões e Japurá. Teria ocorrido que por força da guerra movida contra essa nação, no século XVIII, houve um rápido decréscimo da sua população e a concentração de seu território no rio Madeira. Inimigos tribais ao tempo da penetração portuguesa, primitivamente a agressividade dos Mura e dos Munduruku dirigiu-se ao elemento colonizador que ao longo do tempo aprendeu util izar a rivalidade entre as dois grupos em benefício próprio. A luta simultânea contra o europeue os Munduruku e diversas epidemias ocasionaram uma enorme mortandade entre os Muras. O golpe f inal veio com a aliança entre os Munduruku e os portugueses n o f inal do século XVIII. Alguns grupos Mura pediram a paz em 1786 e durante algum tempo estiveram pacif icados, habitando algumas aldeias ao longo do Madeira e na foz de seus af luentes. Contudo, provavelmente em razão das agressões dos civil izados, voltaram a atacar e depredar na área do Madeira. Os Munduruku foram também um grupo guerreiro cujo expansionismo encontrou obstáculo na penetração portuguesa na Amazônia. Os europeus passaram a realizar expedições punitivas contra esse grupo até que, no f inal do século XVIII, os Munduruku abandonaram os territórios que haviam ocupado recuando para os rios Canumã e seus tributários e para o rio Caruru, tributário do Tapajós. No f inal do século XIX, o Madeira era ainda fartamente habitado por várias nações indígenas. Em 1872, existiam no Madeira várias áreas ainda sob domínio dos indígenas. Na margem direita, em um pequeno trecho do rio Marmelos, havia o território dos Mura; o rio Machado e seus af luentes era região dos Parintintin; o rio Preto pertencia aos Iurá e Arara; o rio Jamarí era território dos Jacanga - Piranga, Urutucurú, Urapa-Manaca; na margem esquerda da cachoeira do Macaco f icavam os Apama, além dos índios já aldeados como os Karipuna situados na cachoeira de Morrinhos. O descobrimento das lavras do Mato Grosso e Cuiabá propiciou uma intensa migração de paulistas, mineiros, goianos e outros habitantes da colônia para a região. Esse processo migratório, marcado pela ousadia, bravura e ganância, esteve associado também à contínua busca de braços cativos dos indígenas da região para o trabalho das minas, lavouras e para o comércio humano de diversas praças coloniais. Entre os grupos preferidos pelos sertanistas e apresadores estão os Borôro e os Pareci, que eram considerados de maior docilidade, mais fácil adaptação aos hábitos e costumes da sociedade colonial mercantil ista que ia sendo implantada nos confins do Guaporé. No entanto, a escravidão do indígena não era feita sem grande resistência 20 dos mesmos, cabendo especial destaque aos inúmeros transtornos e tragédias produzidos pelos Payaguá, Kabixi e Kayapó aos mineiros e às autoridades coloniais. O comércio de indígenas, mesmo proibido, era praticado, às vezes burlando-se as autoridades. Deve-se ressaltar que a precariedade do tráf ico negreiro para a Amazônia em geral e para o Guaporé em particular provocou a abertura de precedentes para que o recurso da mão-de-obra indígena fosse ainda largamente empregado. Contudo, não se pode dizer que houve uma substituição da escravidão indígena pela africana, pois as duas ocorreram ao mesmo tempo. O que se percebe é que, na região guaporeana, ao contrário do Madeira e de outras áreas da Amazônia; a escravidão de negros tomou um vulto muito maior, fazendo com que os números de escravos indígenas fossem percentualmente mín imos. Exercícios. 1. Ao entrar em contato com os indígenas no Amazonas os portugueses observaram que: a) esses grupos não haviam ainda entrado em contato com o europeu. b) alguns desses grupos já haviam entrado em contato e, inclusive, negociavam com os europeus. c) esses grupos indígenas permitiam o fácil avanço dos colonizadores. d) a navegação para o interior era tranqüilamente permitida pelos originais moradores daqueles rios. 2. Na região do Madeira/Mamoré/Guaporé os grupos indígenas encontrados pelos europeus eram: a) todos tradicionais moradores da região. b) todos compostos por migrações recentes. c) alguns habitantes antigos e outros compostos por migrantes. d) uma série de povos trazidos com os europeus. 3. A migração provocava, entre os indígenas, a disputa pelos territ órios e podemos af irmar que os indígenas migravam: a) fugindo ao contato com o conquistador. b) em busca de terras mais férteis para expansão de seus excedentes comercializáveis. c) em busca de territórios ricos em ouro e pedras preciosas. d) à procura do Eldorado. 4. Dentre os motivos da ocupação da região guaporeana podemos destacar: a) principalmente do extrativismo vegetal. b) o aldeamento dos Payaguá e Kabixi. c) a atividade de mineração. d) as guerras justas. 21 5. Dentre as causas da dif iculdade dos colonos em adotarem o esc ravo africano como força de trabalho predominante na região de mineração pode-se destacar: a) a oposição dos indígenas ao negro. b) a inaptidão do africano à vida naquela região tropical. c) o desconhecimento das técnicas de mineração. d) o elevado custo dessa mão-de-obra em relação ao indígena. O indígena, o povoamento e a colonização. Durante o século XIX e séculos seguintes, continuou o trabalho de conquista e ocupação dos territórios indígenas na área hoje pertencente ao Estado de Rondônia. Simultaneamente, o ap resamento do indígena e sua escravização também continuaram sendo práticas comuns. Até aproximadamente 1860, a economia amazônica estava em crise. Com a queda nas exportações do cacau e outros produtos denominados drogas do sertão iniciou-se um daqueles períodos de estagnação econômica que ciclicamente atingem a economia amazônica. A borracha já era exportada porém em pequenas quantidades. A partir de meados do século XIX, inicia a crescer sua demanda, com o crescimento da produção novas áreas de extrativis mo foram incorporadas, resultando no avanço para os af luentes do Amazonas mais a oeste. Esse período foi chamado 1 o. Ciclo da Borracha e durou até a segunda década do século XX. Durante esse ciclo, o avanço sobre os seringais nativos do Madeira, Mamoré e Guaporé, Purus, Juruá e pelos af luentes desses rios encontrou grupos indígenas nativos ou remanescentes do contato com o que europeu nos séculos anteriores que haviam se internado naqueles sertões em fuga para escapar à dizimação. Os remanescentes das maiores nações indígenas, ainda não amansados, continuaram a atacar o colonizador e a guerrear entre si. Entre 1870 e 1874, os Munduruku atacaram os Mura e os Parintintin no rio Madeira. A partir desse ano iniciam a escassear as notícias de ataques dos Mura. Ao contrário, os Parintintin são constantemente citados. Em 1867, atacam no alto Madeira os membros da expedição Keller, a qual deslocara-se para o Madeira a f im de estudar as viabilidades de superação do trecho encachoeirado. Em 1876, assaltaram uma embarcação e mataram toda sua tripulação, sendo objeto de uma expedição punitiva (guerra justa) em que morreram três indígenas e foram aprisionadas duas mulheres e cinco crianças. Severiano da Fonseca relatou em 1878 que os Parintintin eram, nessa época, os piores inimigos do colonizador no Madeira, assaltando os seringais e sendo temidos pelos seus ataques. Os Munduruku, após colaborarem com a repressão aos Mura, foram ocupados na economia extrativista, restando, após trinta ou quarenta anos, poucos remanescentes desses grupos em três aldeamentos of iciais no Tapajós: as aldeias de Santa Cruz, Cory e Ixituba. Tornados tapuios, com todas as conseqüências que essa processo traz, estavam a serviço do 22 colonizador, entregues à embriaguez e constantemente endividados ante aos donos dos barracões ou regatões. Os Arara ainda eram bastante numerosos no Madeira durante meados do século XIX. Tendo recuado para o trecho encachoeirado desse rio, viviam ainda em guerra com os grupos remanescentes da nação Mura. Esses últ imos foram definit ivamente dominados, somente após a segunda metade do século XIX, tendo sido identif icados com a cabanagem foram objetos de intensa perseguição. Alguns grupos Arara estavam já submetidos, vivendo em aldeamentos no Alto Aripuanã, próximos a outros grupos indígenas: Hiauareti -Tapué, Anera-Tapuí e Matanaú. Alguns Karipuna estavam já estabelecidos em aldeias situadasna cachoeira de Morrinhos, no alto Madeira, em 1872. Prestavam serviços ocasionais ao colonizador como remeiros ou carregadores no trabalho de sirga, carga e descarga das embarcações para contornar as cachoeiras. Em 1878, Neville Craig se refere a eles como preguiçosos e ladrões. Com a queda das exportações da borracha arrefeceu o genocídio. Essa situação porém continuou por pouco tempo. Com a Segunda Guerra Mundial cresceu o interesse norte -americano em reativar a produção da borracha amazônica, iniciando um período que se costuma chamar 2o. Ciclo da Borracha. A intensa migração para a Amazônia, que em curto período destinava-se a satisfazer as pretensões norte- americanas, fez aumentar de intensidade a guerra sem tréguas promovida contra esses povos. Notícias da continuidade desse fenômeno prosseguiram mesmo após o f inal do curto 2o. Ciclo da Borracha. A partir de meados do século atual, a descoberta e exploração em território rondoniense de vários minerais e a intensa migração de colonos à procura de terras para a agricultura deu motivo a novas chacinas. A abertura da BR -364, na década de 60, facil itou o processo de ocupação das áreas ao lo ngo de seu leito. Essas terras eram habitadas por diversos povos indígenas, vít imas de grileiros e posseiros que, a exemplo dos portugueses no século XVII, pretendiam tornar “l impas” aquelas áreas, ou seja afugentar o indígena mais para o interior, ocupando seu território. O grande surto migratório da década de 70 em diante completou o quadro de desolação. Apesar desses variados processos que ocasionam a destruição do indígena em vários aspectos, esses povos têm realizado uma heróica luta de sobrevivência. Um recente levantamento, ainda que incompleto, em virtude das lacunas de informação existentes sobre as populações indígena que vivem no Brasil, indica a existência de inúmeros grupos dentro dos limites do Estado de Rondônia. Considerando -se a Amazônia é espantoso observar que muitos desses povos combatem o colonizador desde o século XVII e ainda possuem remanescentes como os Torá, os Mura e os Omágua entre outros. Dos 24 grupos indígenas contatados existentes em Rondônia, há informações sobre a população de apenas 10 grupos e totalizam aproximadamente 3.948 pessoas. Entre esses grupos encontram -se, alguns entre Rondônia e o Amazonas, ou Mato Grosso os seguintes: Cinta Larga, Kaxarari, Karipuna, Pakaas Nova, Suruí e Nhambikwara, 23 além dos já citados. Esses grupos indígenas têm assimilado formas de organização, com estatuto e registro em cartório, que lhes permitem penetrar, com eficácia, no mundo do homem branco de maneira a reivindicar, com sucesso, suas aspirações. Em Rondônia pode -se citar várias dessas organizações dos grupos indígenas: a Organização Metairelá do Povo Indígena Suruí (OMPIS), a Organização Tamaré do Povo Cinta Larga (OTPICL) e a Akot Pytyanipá Associação Karit iana (AKOT). Existe também em Rondônia uma associação que articula os vários povos indígenas do estado entre si, a Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Norte do Mato Grosso e Sul do Amazonas (CUNPIR). Há também organizações não governamentais de apoio ao indígena como o Conselho Indigenista Missionário de Rondônia (CIMI/RO). Exercícios. 1. A intensif icação da ocupação dos principais rios que se situam dentro do espaço de Rondônia durante o século XIX pode ser explicada por: a) o aumento da procura da borracha como matéria -prima. b) uma bem montada estratégia de ocupação por parte do governo. c) durante o século XIX não houve intensif icação da ocupação. d) o extrativismo do cacau e do café nativo. 2. Durante a 2a. Guerra Mundial podemos apontar como um importante fator explicativo do novo surto de ocupação do futuro estad o de Rondônia: a) a fuga de brasileiros do litoral para o interior, temendo a invasão alemã. b) o interesse norte-americano na ocupação estratégica da região. c) o interesse norte-americano em aumentar a produção da borracha amazônica. d) o estabelecimento de indústrias de borracha no sul do Brasil. 3. No início do século XIX, podemos af irmar que a povoação não indígena do Vale do Madeira/Guaporé encontrava -se: a) já amplamente solidif icada possuindo mesmo suficientes núcleos urbanos em toda sua extensão. b) sob predomínio exclusivo dos seringais não havendo nenhum núcleo urbano. c) afora alguns aldeamentos de missionários ou do governo e de poucos núcleos urbanos o estado geral era de abandono. d) somente indígenas não amansados habitavam aquela região. 4. Na segunda metade do século XIX inicia a crescer a produção de borracha que a par das demais atividades econômicas da região util izava naquele momento, predominantemente: a) o trabalho do migrante europeu e nordestino. b) a mão-de-obra escrava, l iberta apenas em 1888. c) a mão-de-obra indígena. 24 d) o trabalho do migrante nordestino. 5. Sobre os indígenas ainda vivendo em sua situação original pode -se dizer: a) não mais representavam preocupação para o colono. b) colaboravam no processo de colonização. c) que apesar da sua dizimação continuaram, até o f inal do século XIX, a combater o colono e a guerrearem entre si. d) foram bem sucedidos em defender seus territórios. Em resumo. Os indígenas que ocupavam o território brasileiro antes da chegada o europeu constituíam-se em um conjunto de culturas diversif icadas. Com a penetração do colonizador português na Amazônia, a partir do início do século XVII, muitos grupos migraram para o interior fugindo ao contato com o colonizador, entrando em guerra pela disputa de territórios com grupos já estabelecidos naquelas regiões. Os espanhóis desarticularam a estrutura social do Império Inca, mas souberam aproveitar-se das formas de exploração do trabalho já util izadas entre aqueles povos. Os adelantados, adquiriam o direito às encomiendas e o controle da população dominada. Na América portuguesa não foi encontrado um império unif icado como o Inca, mas vários povos com línguas e culturas bastante diversif icadas entre si. Contudo, como na América espanhola, faltava ao colonizador braços para o trabalho e homens para defen der as fronteiras. O descimento consistia em convencer os indígenas a “descerem”, ou seja, saírem de seus territórios tradicionais para situarem -se em missões. O resgate era a troca de mercadorias européias por prisioneiros de guerras inter-tribais. A legislação colonial do século XVII considerava o indígena livre, porém sob determinadas condições que permitiam, de fato sua escravização. As diversas alterações da legislação sobre o indígena no século XVII devem ser entendidas como tentativas do governo português de manter sob o seu controle uma vasta população nativa, cujo interesse do estado era transformar em súditos. A tentativa de substituição da mão-de-obra indígena pelo escravo africano não prosperou na Amazônia porque o preço do escravo negro era muito superior ao do escravo indígena, tornando-se inacessível ou pouco interessante para os colonos. O avanço colonizador sobre a Amazônia provocava o deslocamento dos vários grupos indígenas (Tupi, Tupi -Kawahib, Parintintin, Munduruku, Mura e Txapakura) cada vez mais para a região do Madeira/Guaporé, provocando guerras inter -tribais pelo controle do território. A ocupação efetiva da região do rio Guaporé iniciou -se com o descobrimento de ouro, que atraiu migrantes de outras regiões da colônia. A escravização do indígena precedeu à própria descoberta do ouro e, apesar de ser amplamente restringida, continuou sendo 25 praticada. O nativo (Borôro e Pareci) era capturado tanto para a util ização como mão-de-obra nas lavras, minas e faisqueiras como na lavoura e objeto de comércio em outras praças coloniais, outros grupos como os Payaguá, Kabixi e Kayapó resistiram intensamente à submissãoatacando as povoações coloniais. O primeiro ciclo da borracha tirou a Amazônia da letargia econômica em que havia caído no f inal do século XVIII. Em busca de novas áreas de seringais nativos, grupos de seringueiros passaram a penetrar regiões ainda não colonizadas do Madeira, Mamoré e Guaporé e seus af luentes. A força de trabalho indígena continuou, durante esse período, a participar signif icativamente da economia amazônica, seja no extrativismo, na atividade de transporte ou na lavoura. Os indígenas amansado foram entregues às diretorias de índios, cujos dirigentes exploravam cruelmente o trabalho desse elemento, visando dele extrair o maior ganho possível. Eram ainda os nativos vendidos ou trocados dentro da região, havendo também casos de contrabando de indígenas que eram objetos de escambo Durante a 2a. Guerra, a intensa migração nordestina destinada a satisfazer o novo crescimento da demanda de borracha, para o mercado norte-americano, intensif icou a ocupação dos territórios indígenas do Madeira/Mamoré/Guaporé. Nas décadas seguintes a descoberta de metais e pedras preciosas, de cassiterita e a abertura da BR-364 fez com que os terri tórios indígenas fossem ocupados por grileiros e posseiros que promoviam massacres para afugentar os nativos dessas áreas. Apesar de todo esse processo de destruição das populações nativas restam ainda na Amazônia mais de duas centenas de etnias que vivem sob a jurisdição de quatro países diferentes. 26 Capítulo 2 A exploração, conquista e ocupação da Amazônia no contexto do antigo regime. O espaço Natural A Amazônia é um extenso conjunto de terras da América do Sul, situada no centro norte do sub-continente, abrangendo terras do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O território brasileiro corresponde a mais de 50% do total da região geográfica da Amazônia, abrangendo terras do Pará, Maranhão, Amazonas, Tocantins, Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amapá e Roraima. A notável região caracteriza-se por sua extensa planície sedimentar aluvial, coberta pela densa f loresta equatorial e irrigada pela maior bacia hidrográf ica do mundo, a bacia amazônica, que empresta seu nome à região. Os terrenos, de base sedimentar, são dispostos em tabuleiros que descem em direção ao rio Amazonas. Os limites ao sul correspondem ao Planalto Central; ao norte encontra -se o Planalto das Guianas; a oeste situam-se os contrafortes Andinos e a leste os l imites são o Planalto do Nordeste e o Oceano Atlântico. As terras de baixas alt itudes e muito próximas ao Equador são marcadas pela presença do clima equatorial-úmido, diferenciando-se em zonas de acordo com a maior ou menor distribuição das chuvas. Na med ida em que os terrenos possuem altitudes mais elevadas, observa -se a mudança progressiva do clima que, no Planalto Central e no Planalto das Guianas, é do tipo tropical. Por sua vez, a f loresta latifoliada, hidróf ila e perenefólia, chamada por Alexandre Von Humboldt “Hiléia Amazônica”, a f loresta por excelência, domina mais de dois terços da região, sendo substituída em determinadas áreas por variações como a f loresta subcaducifolia e nos limites dos planaltos pelo aparecimento dos campos e cerrados. Os rios, de grande volume em sua maior parte, nascem nas regiões altas e apresentam regimes mistos, predominando nos af luentes da margem direita do Amazonas as cheias em dezembro/março, enquanto que nos da margem esquerda as cheias ocorrem entre maio/outubro. Na planície, esses rios se transformam em grandes “caminhos das águas” e constituíram -se no meio natural de penetração dos colonizadores. Inseridas na Região Amazônica estão as sub -regiões dos vales do Guaporé e Madeira. As extensões guaporeanas abrangem te rras hoje pertencentes ao Mato Grosso, Rondônia e Bolívia. Já o Vale do Madeira com seus 1.244.500 quilômetros quadrados abrange terras pertencentes à Bolívia, a Rondônia e o Amazonas, possuindo um total de 90 af luentes. O meio físico do Vale do Guaporé é notável. O relevo da região é constituído por uma extensa base sedimentar, na qual destacam -se as Serras dos Parecis e Pacaás Novos. Paralelamente às chapadas, o vale do rio Guaporé possui uma topografia de rara beleza, marcada pela 27 presença de planícies onduladas e alagadiças, onde se multiplicam as praias de areias muito f inas e brancas. O rio Guaporé, que nasce na extremidade setentrional da Serra dos Parecis em Mato Grosso, forma uma sub-bacia hidrográf ica, que se integra à grande bacia amazônica através da união do Guaporé com o Mamoré, que é um dos formadores do Madeira, um dos grandes af luentes do Amazonas pela margem direita. Nascendo em uma altitude de 1.800 m, o Guaporé tem um curso total de 1.716 Km, sendo que desse total, 1.500 Km são plenamente navegáveis. Em suas nascentes, o minério de ferro é tão comum que cobre suas águas de vermelho, dando-lhes um sabor típico. O alto Guaporé é marcado pela presença de inúmeras cachoeiras, o que inviabilizou seu total reconhecimento até 1789. A parte navegável vai da foz até a confluência com o rio Alegre (margem esquerda). O clima da região é do tipo quente e úmido, sofrendo variações em função da alt itude. As poucas alterações de temperatura ocorrem nos meses de junho, julho e agosto e recebem o nome de fr iagem, sendo responsáveis por repentinos problemas para a população, desde o início dos processos de ocupação e colonização. Nas regiões de baixas alt itudes da planície do Guaporé ocorrem as temperaturas mais elevadas com médias em torno de 26º C e máximas superiores a 40º C. Nas chapadas, as médias térmicas f icam em torno de 24º C, enquanto as máximas não ultrapassam 36º C. Durante o fenômeno da friagem, as massas frias de anti -ciclones antárticos, oriundos da Patagônia, podem provocar quedas súbitas de temperatura que podem chegar entre 12º C e 0º C, mantendo -se assim por alguns dias. A cobertura vegetal apresenta uma formação exótica e diversif icada, compreendendo extensas áreas de f loresta subcaducifólia no vale do alto Guaporé, que se caracteriza por ser uma região de transição dos domínios amazônicos para os domínios do centro -oeste, onde prevalecem os cerrados e os campos arbustivos. No baixo Guaporé, a f loresta ganha ímpeto, caracterizando -se como uma vegetação típica da f loresta equatorial amazônica. O relevo do Vale do Madeira caracteriza -se pela presença preponderante da grande planície amazônica com grandes extensões inundáveis durante a estação das chuvas que vai de novembro a março. O vale do alto Madeira possui um relevo mais acidentado. A pa rtir da cachoeira de Santo Antônio os terrenos elevam-se até atingir as encostas das serras dos Pacaás Novos e Parecis. O clima do tipo sub - equatorial é marcado por altas temperaturas e índices pluviométricos superiores a 2.000 milímetros anuais. O fenômeno da friagem, mais acentuado no Vale do Guaporé, ocorre também no Vale do Madeira. A vegetação apresenta uma formação típica da f loresta equatorial perenifolia, subcaducifólia e latifoliada. Exercícios. 1. Dentre os países que participam do extenso conjunto de terras que compõe a Amazônia não podemos destacar: a) Bolívia, Guiana e Suriname. 28 b) Chile, Argentina e Paraguai. c) Colômbia, Guiana e Peru. d) Venezuela, Colômbia e Bolívia. e) Equador, Suriname e Colômbia. 2. A Amazônia abrange terras de vários estados brasile iros, dentre eles não podemos citar: a) Rondônia. b) Minas Gerais. c) Mato Grosso. d) Amazonas. e) Acre. 3. Compõe o relevo do Vale do Guaporé: a) a Serra de Ibiapina. b) a Serra dos Órgãos. c) a Serra dos Parecis. d) a Chapada dos Guimarães. e) os Montes Il imani. 4. No relevo do vale do rio Madeira predomina: a) os terrenos montanhosos. b) a planície amazônica. c) rios de pequeno porte. d) os alt iplanos. 5. O clima daregião Amazônica é do tipo: a) temperado. b) frio e úmido. c) seco e frio. d) quente e úmido. e) N.R.A. A exploração, as visões e o imaginário do conquistador na Amazônia. A grande expressividade territorial da Amazônia, que só no Brasil abrange 3.581.180 Km² (perfazendo 42,07% do território nacional) contrasta evidentemente com um verdadeiro vazio demográfico, uma região subpovoada onde a vida das populações, bem como os processos de conquista e colonização estiveram sempre intimamente vinculados aos grandes rios. A conquista e a colonização da região amazônica foi motivada por fatores de ordens diversas, prevalecendo sempre a busca contínua de r iquezas minerais, vegetais e a consolidação de uma base de produção mercantil ista que garantisse lucros imediatos às metrópoles. Durante os séculos XVI e XVII, vários foram os exploradores que percorreram os rios da Amazônia: Vicente Yañez Pinzón (c. 1460 - c.1523), descobriu a foz do Amazonas em 1500, batizando -o de Santa 29 Maria do Mar Dulce. Em 1541, Francisco Orellana (c.1490 -1546) desceu o curso do grande rio desde os Andes até o Atlântico, fato que foi repetido entre 1559/1561 por Pedro de Ursúa (1526 -1561) e Lope de Aguirre (1518-1561) que, numa trágica e desvairada aventura tiveram seus nomes perpetuamente associados ao fracasso, ao crime, à traição e a morte. Respondendo à ameaça de ocupação dos espanhóis, partiu de Belém no ano de 1637 a expedição de Pedro Teixeira (m. em 1641) navegou o Amazonas, rio acima, saindo do forte do Presépio. contando com 40 canoas, 7 canoas grandes, 70 soldados e 1.200 índios. Essa expedição durou um ano e fez as primeiras demarcações portuguesas da bacia amazônica. A história da exploração e ocupação territorial dos vales do Madeira e do Guaporé remonta ao século XVII. A expedição mais antiga ao Madeira, de que se tem conhecimento, foi a de Raposo Tavares (c.1598-1658), que partiu de São Paulo em 1647 e, dirigindo -se ao Mato Grosso, atingiu os rios Guaporé e através dele o Mamoré continuando a navegar até encontrar o Madeira, venceu os obstáculos naturais deste rio, atingindo o rio Amazonas chegando a Belém em 1650. A bandeira de Raposo Tavares está inserida no ciclo do bandeirismo apresador. A partir do planalto de Piratininga (São Paulo), bandeirantes devassavam o interior da colônia, dentro e além das fronteiras coloniais, na busca de indígenas e riquezas minerais e dessa forma marcavam a presença portuguesa nessas regiões . Em 1722, organizou-se no Pará a bandeira comandada por Francisco de Melo Palheta (c. 1670 -?), que partiu de Belém em 1723, navegando pelos rios Madeira, Mamoré e Guaporé e atingindo as missões espanholas de Santa Cruz de Cajubava e São Miguel. A intenção dos portugueses em f irmar posição em território mais a oeste do que aquele estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas transparece no contato que estabeleceram com os jesuítas em território espanhol. Num gesto admirável de audácia, Palheta, ao se despedir d os espanhóis, alertou aos seus anfitriões que não ultrapassassem para baixo da boca dos rios Guaporé e Mamoré, pois que pertenciam ao rei de Portugal Em 1742, Manuel Félix de Lima, minerador falido em Mato Grosso, decidiu organizar uma expedição para explorar a existência de ouro e comerciar com os espanhóis. Contrariando o Alvará Régio de 1733, que proibia a navegação pelo Madeira, navegou por esse rio e pelo rio Guaporé de onde entrou no Baure encontrando a missão espanhola de São Miguel. Saindo deste en trou pelo rio Itonama (ou Ubaí) onde encontrou a missão de Santa Maria Madalena. Não obtendo a boa disposição dos jesuítas em comerciarem, tomou o rumo do Mamoré, Madeira e Amazonas. Embora preso ao chegar a Belém, por desrespeitar a proibição régia à navegação do Madeira, a viagem de Félix de Lima mostrou à coroa portuguesa que a navegação pelo Madeira tornava mais segura e ef iciente a ligação entre as minas do Guaporé e o Grão Pará. Charles Marie de La Condamine (1701-1774) foi enviado como chefe de uma expedição da Academia de Ciências de Paris que, na América espanhola, mediria o arco do meridiano do Equador. Permaneceu o cientista no atual Equador entre 1737 e 1743 e, no 30 retorno, navegou o Amazonas em todo seu curso da nascente à embocadura, tomando conhecimento da borracha e descobrindo a ligação entre os rios Negro e Orinoco. Entre os anos de 1783 e 1792, percorreu as capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá a expedição científ ica liderada por Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815). Na Amazônia marcada pelas reformas pombalinas, essa expedição resultou de um projeto congregador de interesses polít icos e econômicos da metrópole recolhendo nessa ‘Viagem Filosófica” um rico acervo em diversas áreas da ciência, da antropologia à botânica e zoologia. Apesar de várias expedições científ icas, predominaram, nos primeiros séculos da conquista, as expedições de reconhecimento e busca de riquezas fabulosas. Entre o paraíso associado ao Eldorado e os conquistadores desejosos de riquezas, juventude e venturas, interpunha-se a grande f loresta e o meio hostil com seus rios , cachoeiras, insetos, índios, feras e doenças tropicais. A esse conjunto de fatores e a essa nova visão, nem paraíso nem inferno, impunha -se a necessidade da colonização, a implan tação do espaço civil izado e cristão, que possibil itaria a obtenção de riquezas, a expansão da fé e a grandeza do Estado e do rei. Urgia definir-se os espaços, mesmo em meio às adversidades. A condição de mergulho nesse mundo tropical e insalubre era fundamental para se processar a empreitada Colonizadora. Os limites de Tordesilhas (1494) não mais estavam sendo respeitados. A terra de fato pertencente a ninguém e de direito à Espanha aguardava por aqueles que estivessem aptos a explorá -la. Nesse contexto, formularam-se diversas “visões” dos descobridores, exploradores e colonizadores que justif icaram e promoveram a empreitada colonial. Seduzidos por lendas, por narrativas de riqueza e crenças em mitos cujas origens remontariam ao período medieval, militares, religiosos e aventureiros percorreram obstinados, os caminhos da ilusão, construindo um espaço colonial real a partir de um fabuloso imaginário que os impulsionava. Relatos feitos pelos nativos aos primeiros exploradores davam conta da existência de riquezas fabulosas, de regiões edênicas e do legendário Eldorado. O que se buscava, na realidade, era aquilo que povoava as funções mentais dos viajantes e cronistas. O fascínio desses relatos dos cronistas jamais se esgotava, confundindo-se com as lendas ouvidas ou obtidas pela força e pela tortura feita aos habitantes naturais da terra. Ao conjunto de especulações, somavam-se a fusão das crenças cristãs com os relatos pagãos, o espanto, o êxtase e o entusiasmo pelo encontro desses viajantes com o desconhecido que lhes descortinava um mundo verde, com uma só estação, sem invernos, com rios gigantescos e perenes e onde abundavam as frutas, a carne, os peixes e as aves. As imagens desse paraíso acompanharam os descobridores e exploradores. Maravilhas e monstruosidades povoam essa terra fantástica, esse novo Éden sem conflitar uns com os outros, pois a própria concepção da época estabelece entre ambas a harmonia, uma vez que o monstruoso surge e é criado para a honra e glória de Deus, sendo 31 encarado de forma específ ica pela ortodoxia escolástica católica apenas como um fenômeno que se opõe à generalidade dos casos, mas não à natureza concebida como totalidade, podendo assim existir em todos os níveis (Humano, Animal, Vegetal, e Mineral) da criação, distinguindo-se por seu aspecto não comum que o afasta do curso habitual da natureza, desviando-lhe a forma, sem ser contudo necessário que perca a beleza pois sua própria existência e diversidade confirma a beleza da obra divina. Paralelamente a essa visão paradisíacaencontra-se a crença de que a Amazônia abrigaria fantásticos tesouros, que por si só proporcionariam riquezas sem f im, honra e glória aos que os encontrassem. A busca de riquezas, objetivo concreto de todos os descobrimentos e, mais tarde, da vasta empreitada colonial, levou os colonizadores a desastrosas aventuras de vida e morte no interior do vasto mundo da f loresta e dos rios amazônicos. Nestas regiões, acreditavam estar situado o Eldorado, escondido sob a densidade da f loresta, protegido por guerreiros temíveis e cercado por criaturas maravilhosas. Tais impressões são comuns nas crônicas dos descobridores do Amazonas e revestem-se, ainda, dos antigos conceitos e idéias dos grandes viajantes e exploradores do oriente no f inal do período medieval. A essa visão idíl ica corresponde uma visão oposta, também apresentada pelos cronistas, que ressaltam o heroísmo de suas expedições, os terrores infundidos por uma natureza que então poderia esconder tramas infernais, onde em nome do Rei e da Cruz as vidas cristãs se perderiam numa luta desigual pela evangelização e civil ização dos povos. A decepção nas buscas de riquezas, as tragédias vividas pelos viajantes, as hostil idades ambientais e dif iculdades de toda ordem proporcionavam, então, uma nova leitura da Amazônia . Charles Marie de La Condamine ressalta que a desilusão pelas buscas infrutíferas feitas a partir de: “ tantos testemunhos, e respeitáveis todos, não permitem duvidar da verdade de tais fatos: contudo o rio, o lago, a mina de ouro, o marco e mesmo a Aldeia D’ouro atestada pelo depoimento de tantos, tudo desapareceu como um palácio encantado, e nos sítios indicados se perdeu até a memória. ” Exercícios. 1. Dentre os primeiros exploradores do rio Amazonas não podemos citar: a) Francisco Orellana e Pedro de Úrsua. b) Lope de Aguirre e Pedro Teixeira. c) Francisco Pizarro e Hernan Cortez. d) Pedro de Úrsua e Lope de Aguirre. e) Francisco Orellana e Pedro Teixeira. 2. A expedição chefiada por Pedro Teixeira tinha como objetivo: a) o apresamento de indígenas. b) a busca de metais preciosos. 32 c) responder a ameaça espanhola sobre os territórios coloniais portugueses. d) estabelecer missões jesuíticas no curso do alto Amazonas. e) demarcar as fronteiras coloniais. 3. A expedição organizada em 1742 por Manuel Félix de Lima, que navegou os rios Guaporé e Madeira, pretendia: a) desrespeitar o Alvará Régio de 1733. b) expulsar os jesuítas das missões espanholas. c) fundar a missão de Santa Maria Madalena. d) atingir a cidade de Quito. e) comerciar com os espanhóis. 4. A expedição chefiada por Charles Marie de La Condamine pretendia medir o arco do meridiano do equador, contudo teve como resultado divulgar na Europa um produto da f loresta, que viria a ser importante para a economia amazônica, esse produto era: a) a borracha. b) o guaraná. c) a quina. d) o ouro. e) o cupuaçu. 5. No primeiro século de conquista predominaram entre os cronistas as visões espetaculares da Amazônia, baseados nos relatos dos indígenas e fundidos com crenças européias surgiram vários mitos sobre a região, dentre esses mitos não podemos citar: a) a existência terrena do Olimpo. b) um lugar chamado El Dorado. c) o paraíso cristão. d) a civil ização Inca. e) N.R.A. Os tratados de limites da Amazônia no período colonial. A expansão marítima e comercial portuguesa, ocorrida durante o século XV, resultou na descoberta de novos caminhos para os distantes mercados asiáticos, fornecedores de produtos para os mercados europeus. Após o contorno da costa da África e o estabelecimento de feitorias ao longo do caminho marítimo para as Índias, Portugal e Espanha, as duas maiores potências navais da época, procuraram garantir a posse de territórios apenas supostos à oeste do Atlântico. Antes mesmo do descobrimento da América (1492), Portugal e Espanha procuraram garantir direitos sobre possíveis territórios a serem descobertos naquele oceano. Já em 1479, as duas potências f irmaram o Tratado de Alcáçovas, confirmado pelo Papa Sisto IV (1414 - 1484) em 1481, estipulando que a Portugal pertenceriam todas as terras descobertas a oeste das ilhas Canárias para baixo, f icando a outra parte sob o domínio da Espanha. 33 Em 1493, o Papa Alexandre VI (1431-1503) promulgou a Bula Inter Coetera, determinando que todas as terras descobertas a partir de cem léguas (660 Km) a oeste das ilhas Açores e Cabo Verde pertenceriam à Espanha. Embora não se soubesse à época, a Portugal corresponderia apenas um pequeno trecho do Brasil atual, a parte mais avançada, em direção ao litoral, de alguns dos atuais estados do nordeste. Portugal, garantindo nesses tratados as terras que fossem descobertas a leste das linhas de fronteira teria o controle do comércio com o oriente, através da costa da África. Contudo, suspeitando que muito pouca terra teria de quinhão no Novo Mundo, procurou negociar outro tratado com a Espanha. Assim, em 1494, quando reinava em Portugal D. João II (1455-1495), foi f irmado o Tratado de Tordesilhas. Como os tratados e bulas anteriores, os limites eram f ixados não por marcos naturais, acidentes geográficos tais como rios e montanhas, e sim por uma linha geodésica, ou seja uma linha imaginária tirada a partir de uma paralela ou meridiano. Nesse tratado, o desconhecimento do território da América recém-descoberta: extensão, rios, e outras particularidades da área, que permitisse um acordo de divisão territorial mais preciso, conduziu à opção do estabelecimento da fronteira através do meridiano de Tordesilhas. Pertenceriam a Portugal todas as terras encontradas até a distância de 370 léguas (2.442 Km) a oeste de Cabo Verde, ponto através do qual passava o meridiano separando as duas possessões; todas as terras mais para oeste dessa linha pertenceriam à Espanha. A linha de Tordesilhas, no Brasil, passaria ao norte pelas proximidades de onde hoje é a cidade de Belém (Pará) e ao sul próxima à atual localidade de Laguna, ou seja, toda a Amazônia seria territó rio espanhol. Descoberto o Brasil em 1500, os portugueses começam a avançar pela via do Amazonas sobre terras situadas muito mais a oeste do meridiano de Tordesilhas. Em 11 de abril de 1713, a França assina com Portugal o primeiro tratado de Utrecht, confinando suas fronteiras ao norte da América do Sul ao Oiapoque passou o Amapá definit ivamente ao domínio português. A Espanha, por sua vez, assinou o mesmo tratado, o que representava uma vitória para Lisboa, na medida em que facil itava a penetração portuguesa além das terras à oeste de Tordesilhas pois garantia aos portugueses a foz do rio Amazonas, de fundamental importância para a penetração lusitana para o interior, rumo às possessões espanholas do norte. No entanto continuaram os conflitos em relação às regiões platinas. Em 06 de fevereiro de 1715 foi assinado o segundo tratado de Utrecht entre Portugal e Espanha que devolveu a Colônia de Sacramento ao domínio Português. Não se definiram, no entanto, as questões relativas ao extremo oeste, para onde conve rgiam novos grupos sertanistas, missionários, mineradores e bandeirantes. Esse novo foco de tensão expandia-se até às margens do rio Guaporé, impulsionado pelas descobertas de jazidas auríferas, lavras e faisqueiras. 34 Após prolongada discussão, foi f irmado, em 13 de janeiro de 1750, o Tratado de Limites, conhecido como Tratado de Madrid, ratif icado em 08 de janeiro por Sua Majestade Católica e a 26 de janeiro pelo Fidelíssimo Monarca de Portugal Pelas cláusulas do Tratado f icava estabelecido que haveria paz permanente entre os súditos de ambos os reinos, mesmo que essa paz fosse violada na Península. Caberia à Espanha a posse da Colônia e a Portugal os Sete Povos, sendo transferidas para o lado castelhano as missões Guarani da região. Resultante do avançoportuguês para oeste de Tordesilhas, prevaleceu no tratado o princípio do Uti Possidetis de Facto , respeitando-se a posse mansa e pacíf ica ou a ocupação real, o que tornou possível f ixar a linha de fronteira, no tocante ao extremo oeste e norte, a partir dos cursos dos rios Guaporé e Mamoré, seguindo até o curso médio do Madeira, próximo à atual cidade de Humaitá, de onde continuaria através de uma linha geodésica até as nascentes do Javari e deste rio subiria até o Solimões e daí até a boca do Japurá, f icando as margens orientais sob o domínio da colônia portuguesa. Mapa D. José I (1714-1777), sucessor de D. João V, signatário do Tratado de Madri, recusou-se a entregar a Colônia de Sacramento à Espanha, conforme previsto no referido tratado, e o fato de os Guaranis levantarem-se em rebelião, recusando-se a se passarem ao domínio português, resultou no acordo de El Pardo (1761), que suspendeu o Tratado de Madri. O Tratado de Santo Idelfonso (1777) determinou novamente que a fronteira, tal como no Tratado de Madri, fosse pelos rios Guaporé e Mamoré até o ponto médio do Madeira, seguindo dali por uma linha até encontrar a margem oriental do Javarí sem que houvesse, no espaço de tempo entre os três tratados, qualquer conhecimento adicional a respeito das nascentes daquele rio. Quanto ao Madeira o tratado considerou que nascia da confluência do Guaporé com o Mamoré. Exercícios. 1. Antes mesmo da chegada dos europeus à América, Portugal e Espanha trataram de dividir territórios apenas supostos a oeste do Atlântico. Esses acordos, baseados em bulas e tratados, caracterizavam-se: a) pela precisão e conhecimento prévio do território. b) pela equidade com que foram estabelecidos. c) por dividir a fronteira a partir de algumas léguas de acidentes geográficos conhecidos. d) por garantir as aspirações de outras potências ao Novo Mundo. e) N.R.A. 2. O Tratado de Tordesilhas foi f irmado em: a) 1750. b) 1867. c) 1769. 35 d) 1494. e) 1500. 3. Uma das conseqüências do Tratado de Utrecht foi: a) o Amapá passou definit ivamente a integrar o território português. b) estabeleceu-se definit ivamente as fronteiras entre Portugal e Espanha. c) permitiu a criação da capitania de São José do Rio Negro. d) pacif icou os conflitos de fronteiras no Mato Grosso. e) determinou definit ivamente a nascente do Madeira. 4. O princípio do uti possidetis de facto, que norteou o Tratado de Madri, signif icava: a) que os territórios coloniais poderiam ser vendidos ou repartidos entre as potências. b) garantir aos contratantes os territórios já ocupados por seus colonos. c) dividir o território com base nos tratados anteriores. d) garantir o direito legal dos contratantes aos seus territórios. e) N.R.A. 5. O tratado de Santo Idelfonso foi f irmado em: a) 1750. b) 1769. c) 1777. d) 1567. e) 1801. A Diplomacia ibérica e a conformação das fronteiras da Amazônia colonial. As fortes tensões entre Portugal e Espanha nos séculos XVII - XVIII vinculam-se às questões dinásticas, à ruptura da União Ibérica e, sobretudo, à disputa das regiões coloniais, como a costa setentrional da Ribeira do Prata, na região da colônia do Sacramento, onde a presença de fortif icação portuguesa era considerada uma ameaça e uma possibil idade muito concreta para a conquista da margem sul do rio da Prata. Ainda existiam, também, os desagrados motivados pela vigorosa expansão portuguesa no norte, na região do Amazonas e o processo de expansão lusa para as terras centrais na região do Guaporé. Não sem razão, a Espanha temia pelas suas posses e integridade dos vice-reinados do Alto Peru e Nova Granada (atual Colômbia). Essa disputa que tinha início no estuário do Prata, prolongava-se pelo rio Paraguai e atingia o Guaporé e, através deste, a bacia amazônica. Ao expandir -se para o oeste, os portugueses procuravam metais preciosos e, encontram, porém, outras riquezas naturais, algumas desconhecidas na Europa, iniciando o ciclo d as drogas do sertão, que f ixou desde o início o destino extrativista da região Amazônica. 36 Essas tensões territoriais eram intensif icadas, ainda, devido a questões européias, dentre as quais f igurava a sucessão do trono espanhol, que, com a morte do últ imo representante da Casa de Áustria na Espanha, Carlos II (1661-1700), passaria ao Bourbon Felipe V (1683-1746), neto do francês Luís XIV (1638-1715). A questão dinástica levou a um antagonismo entre Portugal e Espanha, pois o Estado Português apoiou as pretensões da Inglaterra de elevar o arquiduque Carlos da Áustria ao trono hispânico. As conseqüências imediatas desse fato tiveram ref lexos na América, gerando -se atritos fronteiriços nas regiões ao norte, com os territórios franceses e no centro sul, nas fronteiras com territórios castelhanos. Com o antigo apoio português à França, a tensão regional ganharia rumo diplomático, evitando -se o confronto bélico a partir de 1700, quando pelo Tratado Provisional determinou-se a demolição dos fortes de Araguari e Macapá, permitindo aos franceses o livre acesso à região. No ano de 1701, a Espanha assegurava a Portugal o direito às terras platinas da Colônia. No entanto, o desenrolar da Guerra da Sucessão Espanhola levaria Portugal a romper com os franceses e a operar em prol das pretensões inglesas, o que, de imediato, levou os castelhanos de Buenos Aires a invadir as terras da Colônia em 1705. As soluções das questões coloniais estariam agora ligadas à solução da sucessão dinástica na Europa. Reunidas as partes em questão na cidade de Utrecht, definiu -se como legítimas as pretensões de Felipe de Bourbon, que assumiu o trono espanhol com o nome de Felipe V. Ao longo de mais de 200 anos após a descoberta do Brasil, os portugueses haviam penetrado na região Amazônica de t al maneira que conheciam-na melhor que os espanhóis. Os principais af luentes daquele rio: Tocantins, Tapajós, Madeira, Purus e Juruá tornaram -se, ainda que de forma incipiente, por eles conhecidos. A tensão torna a atingir níveis dramáticos em 1735, mas a intervenção diplomática francesa impede que as desavenças encaminhem-se para um confronto bélico, impondo em 1737 um armistício, que não impede a continuidade do avanço português pelo oeste, na Amazônia ou no sul, na região do Rio Grande. Portugal, objetivando dar continuidade ao processo expansionista, ordena então um detalhado inquérito sobre as regiões fronteiriças, suas possibil idades econômicas, formações geofísicas e possibil idades de defesa. É neste contexto que podemos situar a bandeira f luvial de Francisco Melo Palheta e a viagem de Félix de Lima. Portugal preocupava-se, de imediato, em consolidar suas posições e ampliar ainda mais o processo expansionista. As constantes expedições de sertanistas e bandeirantes, bem como a ininterrupta movimentação de grupos populacionais na busca incessante pelo ouro possibil itavam ao Estado Português uma ampliação substancialmente considerável de seus territórios na América do Sul. Com a morte de Felipe V, em 09 de julho de 1746, a situação de Portugal sofre sensível melhoria no âmbito diplomático espanhol. Fernando VI (1713-1759), o novo rei, casara-se com a infanta 37 portuguesa D. Maria Bárbara de Bragança, f i lha do rei Dom João V (1689-1750), levando ao f im a hostil idade acentuada de Felipe V e Isabel de Farnésio contra a monarquia portuguesa. Nestas circunstâncias, agora favoráveis, surgiram as condições necessárias para um entendimento diplomático entre os dois países. As negociações foram encaminhadas por Dom José Carvajal y Lancaster e por Alexandre de Gusmão 1695-1753), que representavam respectivamente Espanha e Portugal Ao mesmo tempo em que na Europa se discutiam as cláusulas do Tratado de Madrid, a Coroa Portuguesa, internamente, procedia as deliberações que levariam à criação da Capitaniade Mato Grosso em 09 de maio de 1748, f icando os objetivos de defesa, estratégia militar e implementação do povoamento e da produção de ouro a cargo do primeiro governante, o Capitão-General D. Antônio Rolim de Moura. A preocupação das autoridades coloniais e metropolita nas na região detinha-se, portanto, em duas questões específ icas: garantir a posse através de uma efetiva polít ica de defesa e conter o avanço de grupos missionários castelhanos que tentassem se estabelecer nas margens portuguesas do Mamoré e do Guaporé. É portanto, neste contexto que se inicia o processo de colonização e povoamento de Mato Grosso, quando em 1751, D. Rolim de Moura, através de uma ordem régia inicia a construção de Vila Bela da Santíssima Trindade. Apesar da desconfiança em relação à Espanha dessa forma manifestada por Portugal, o tratado de Madri permitiu um relativo alívio das tensões entre as metrópoles, bem como definiu condições para uma convivência parcialmente pacíf ica nas novas áreas fronteiriças. Um segundo aspeto que vale ressalta r é que o tratado substituiu uma fronteira anterior toda baseada em uma linha imaginária, por uma fronteira f ísica, o que revelava um conhecimento do terreno que possibil itava a demarcação através dos acidentes geográficos, rios, montanhas, etc., com exceção da linha do Madeira ao Javarí, indefinida até o início do século XX. Destaque-se ainda a importância dada pela historiograf ia brasileira a este tratado, no qual se delimitou, em grande parte, o território nacional tal como hoje existente. Contudo, cabe colocar em relevo algumas indefinições desses limites cujas conseqüências para a formação histórica de duas das atuais unidades da federação (Rondônia e Acre) são da maior importância. A região entre o Madeira e o Javari era quase que totalmente desconhecida e havia o problema da desinteligência e ignorância em relação às nascentes desses rios. Até o século XIX não havia consenso sobre as nascentes do Madeira e, quanto às do Javari, não se sabia sequer onde f icavam. Alguns af irmavam que o Madeira nascia da confluência do Guaporé com o Mamoré, outros que a nascente era mais ao sul na confluência do Mamoré com o Beni. Claro está que a aceitação de qualquer uma das posições faria com que necessariamente o ponto médio do Madeira f icasse mais ao norte ou mais ao sul. Um cronista que participou da expedição de Palheta, que partiu de Belém em novembro de 1722, retornando àquela cidade em setembro do ano seguinte, descreve que do Amazonas a 38 expedição entrou pelo rio Madeira e esclarece tratar -se do mesmo rio que os espanhóis denominavam Venes ou Beni. Apesar do comum acordo entre as duas coroas quanto à nascente do Madeira, havia a possibil idade da revisão da fronteira. Em 1782, o jesuíta Karl Hirschko enviou através do embaixador espanhol em Viena um Memorial ao Rei de Espanha. O jesuíta, que havia sido encarregado pelo vice-rei espanhol D. José Manso de assistir junto aos portugueses a demarcação de fronteiras resultantes do Tratado de 1750, af irmou que o rio Mamoré era o mesmo que os portugueses chamavam de Madeira. Apesar da af irmação ser contrária ao acordado no tratado de 1777, o memorial foi considerado pela corte espanhola como uma valiosa contribuição e enviado para a instrução dos membros da Junta Espanhola de Limites com Portugal Exercícios. 1. A expedição de Francisco de Melo Palheta pode ser situada dentro do seguinte contexto: a) foi uma expedição de caráter comercial. b) foi uma expedição com objetivos exploratórios. c) visava consolidar e ampliar as conquistas portuguesas. d) t inha por objetivo o conhecimento das cachoeiras do rio Madeira. e) pretendia demarcar as fronteiras do norte do Brasil. 2. A capitania do Mato Grosso foi criada em: a) 9 de maio de 1748. b) 10 de outubro de 1825. c) 9 de maio de 1848. d) 10 de outubro de 1725. e) 14 de janeiro de 1801. 3. O primeiro Capitão-General da capitania do Mato Grosso foi: a) D. José de Albuquerque Melo Pereira e Cáceres. b) D. Antônio Rolim de Moura. c) D. Ricardo Franco de Almeida Serra. d) D. Francisco de Melo Palheta. e) D. Espiridião Marques. 4. A cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital de Mato Grosso, teve sua construção iniciada em: a) 1743. b) 1750. c) 1749. d) 1751. e) 1851. 5. Podemos atribuir como elemento explicativo das dif iculdades de estabelecimento das fronteiras coloniais na Região Amazônica, durante o século XVIII, o seguinte fato: a) desinteresse de Espanha e Portugal pela região. 39 b) total ausência de tratados de limites entre Espanha e Portugal durante aquele século. c) oposição dos colonos ao estabelecimento de fronteiras. d) conhecimento impreciso do território. e) N.R.A. A colonização da Amazônia: missionários, europeus e militares em conflito. No f inal do século XVI, europeus de origem holandesa, inglesa e francesa navegaram pelos rios da Amazônia, tentando f ixar núcleos de povoamento e colonização. Em 1559, os holandeses estabelecer am fortif icações no encontro das águas do Xingu com o Amazonas. Os fortes de Orange e Nassau serviam de base para o contato e comércio com indígenas, bem como para que se desse início ao plantio de cana - de-açúcar e tabaco. Em 1610, o inglês Thomas Roe fund ou núcleos de colonização próximos à foz do Amazonas. Por volta de 1620, já se encontravam núcleos holandeses na ilha de Porcos, ingleses entre os rios Jari e Paru, holandeses nos rios Gurupá e Xingu e franceses no Maranhão. Tal situação motivou a intervenção dos portugueses que, entre 1612-1615, lutaram contra a presença francesa no Maranhão. Vitorioso sobre os franceses, Francisco Caldeira Castelo de Branco (m. em 1619) fundou, na baía de Guajará, em 12 de janeiro de 1616, o forte do Presépio, a partir do qual surgiu a cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará. Portugal, então sob o domínio da União Ibérica (1580-1640), atuou decisivamente na expulsão dos demais europeus do vale do Amazonas, cabendo especial destaque a atuação de Pedro Teixeira, que consolidou a presença portuguesa na região. A partir de uma busca tão áspera mas com obstinada f ixação na idéia de grandes tesouros, as metrópoles ibéricas, agora unidas sob a dominação da Espanha, iniciam um grande esforço para manter a integridade de suas posses territoriais. As ameaças estrangeiras constituíram-se em importante motivo para que se ampliassem os esforços colonizadores. No entanto, a Espanha estava por demais envolvida com as colônias andinas, platinas e mexicanas. Caberia ao Estado Português a tarefa de resguardar, em benefício da União Ibérica, o vale do Amazonas. Pelo Tratado de Tordesilhas quase todo o conjunto da atual região norte do Brasil f icava sob o domínio espanhol. No entanto, a partir de meados do século XVII, os portugueses f ixar am aí sua presença. Com a criação do Estado do Maranhão e Grão-Pará em 1624 pelo rei Felipe IV (1605-1665), monarca da Espanha entre 1621 e 1665 que governou também Portugal entre 1621 e 1640 durante do Período da União Ibérica, foram lançadas as bases da conquista e povoamento da costa e do extremo norte pelos luso-brasileiros. Tendo em vista o aprofundamento da ocupação, a Coroa instituiu algumas capitanias na região como Cametá, Gurupará e Cabo do Norte. Em léguas de terras e costa, contava-se, por volta de 1637, a presença de 1400 a 1500 homens brancos na região. 40 Em seu relato (Novo descobrimento do grande rio Amazonas), o padre Cristóbal Acuña (1597-1675), cronista da viagem de Pedro Teixeira, fala dos grandes núcleos de colonizadores existentes na região: Belém, onde existia um grande castelo para sua defesa; Cametá: decadente e que em décadas passadas fora famosa por seus muitos moradores; Curupatuba e o forte do Desterro localizado na foz do rio Genipapo, com 30 soldados e algumas peçasde arti lharia . A necessidade de imprimir à Amazônia os símbolos da colonização ibérica possibil itaram a expedição de Pedro Teixeira. As autoridades hispânicas em Quito e Lima, no entanto, não se sentiam tranqüilas com essa aventura portuguesa por uma tão vasta e rica região até então unicamente reservada à Espanha. A frágil aliança entre as duas potências estava próxima de seu f im. Mesmo com a União Ibérica, Portugal e Espanha mantiveram -se sempre como nações distintas. Nesse momento (1638), embora pelo Tratado de Tordesilhas a Amazônia fosse espanhola, os portugueses expulsaram os estrangeiros que haviam se instalado com sucesso em terras coloniais espanholas. Os relatos, tanto dos cronistas Rojas e Acuña, quanto os do próprio Pedro Teixeira deixaram clara a necessidade de se iniciar imediatamente o aproveitamento colonial da região, inserindo-a no contexto de uma economia mercantil ista, uma vez que suas terras eram férteis, ricas em recursos minerais, caça, pesca e estavam densamente povoadas por indígenas que, a part ir de um trabalho missionário, poderiam vir a ser ef icientes vassalos de Sua Majestade. Estabelecidos os marcos da posse portuguesa no Amazonas por Pedro Teixeira, a exploração e ocupação continuou pelos séculos XVII e XVIII, cabendo aos missionários jesu ítas, mercedários, carmelitas e franciscanos a função de catequese, pacif icação e f ixação do indígena em aldeamentos. A atuação dessas ordens e congregações religiosas foi regida pelo Regimento das Missões, datado de 1686. Esse instrumento jurídico buscava estabelecer as bases de uma atuação catequética harmonizada com o processo colonizador, f ixando o caráter interdependente das duas atuações. Reinando em Portugal Dom Pedro II (1667-1706), a atuação dos missionários foi extremamente favorecida. Pela Carta Régia de 19 de março de 1693, o território da Amazônia foi dividido entre as diversas instituições religiosas que atuavam na região. Coube aos jesuítas a catequese no distrito sul do rio Amazonas até os limites com as colônias espanholas, incluindo -se o Vale do Guaporé; ainda atuariam no vale do rio Negro e em todo o trecho entre o Urubu e o Negro. Essas determinações foram alteradas pela Carta Régia de 29 de novembro de 1694, que reformava a anterior e estabelecia como área de catequese dos carmelitas o r io Negro, entregando o Urubu aos mercedários e a margem esquerda do Amazonas até o Urubu aos religiosos da Piedade e de Santo Antônio. Exercícios. 41 1. Mesmo antes dos portugueses outros povos se estabeleceram no rio Amazonas, entre eles: a) os ingleses que se estabeleceram no encontro das águas do Xingu com o Amazonas, em 1559. b) os franceses que, na Amazônia, tentaram criar a França Antártida, em 1517. c) os holandeses que se estabeleceram no encontro das águas do Xingu com o Amazonas, em 1559. d) os espanhóis que criaram fortif icação no baixo Amazonas, a partir de 1564. e) N.R.A. 2. O primeiro estabelecimento português no Amazonas foi: a) o forte Príncipe da Beira, em 1763. b) o forte de Coímbra, em 1654. c) o forte de Natal, em 1563. d) o forte do Presépio, em 1616. e) N.R.A. 3. O Estado do Maranhão e Grão-Pará foi criado em: a) 1623. b) 1624. c) 1625. d) 1627. e) 1626. 4. As ordens religiosas que atuavam na Amazônia colonial eram: a) l ivres para agirem. b) t inham sua atuação regulada pelo estado português. c) vinculadas e subordinadas diretamente ao papa. d) submetida aos conselhos coloniais. e) N.R.A. 5. Quanto a atuação das ordens religiosas, a Carta Régia de 1693 determinava: a) a determinação de áreas específ icas de catequese para cada ordem. b) a expulsão dos jesuítas da Amazônia. c) o restabelecimento do direito de padroado. d) a criação do conselho jesuítico. e) a predominância dos mercedários. A colonização da região do Madeira/Guaporé. A f ixação de núcleos de povoamento coloniais iniciou -se no Madeira com o estabelecimento de missões religiosas, para a catequese e pacif icação de indígenas pelos jesuítas. Dentre os vultos da Companhia de Jesus, na região do Madeira, destaca -se o padre João de Sampaio que, em 1728, fundou entre a cachoeira de Santo Antônio e a foz do Jamarí um núcleo de aldeamento, que foi 42 impiedosamente massacrado pelos Mura, considerados então o terror daquele rio. No entanto a presença jesuítica no Vale do Madeira é mais antiga. Entre 1669-1672 os padres Manoel Pires e Garzoni fundaram uma aldeia Tupinambarana na foz do Madeira, dando origem à localidade de Parintins. Na medida em que a catequese ia se dinamizando ao longo do rio, as possibil idades de desenvolvimento de atividades econômicas iam se apresentando. A região era riquíssima em drogas do sertão e sobretudo em cacau. A penetração dos sertanistas, coletores e bandeirantes pelos vales do Madeira e Guaporé foi marcada pela forte hostil idade dos Mura e dos Torá habitantes da Mundurucânia. Coube ao Capitão -mor do Pará, João de Barros Guerra, o combate aos Torá, que foram se estabelecer na desembocadura do Mayci. No entanto, dif iculdades de toda ordem ainda inviabilizariam a ocupação colonial da região do Madeira/Guaporé, de onde chegavam notícias da presença de povos estrangeiros como os castelhanos, que fundavam missões principalmente ao longo do Guaporé. Por esse motivo, organizou-se no Pará uma bandeira f luvial que deveria percorrer todo o Vale do Madeira até suas vertentes. O comando dessa expedição foi entregue a Francisco de Mello Palheta, então Sargento -Mor, que partiu de Belém em 11 de novembro de 1722 e atingiu as missões espanholas de Santa Cruz de Cajubava, no Mamoré e São Miguel, no Guaporé. A expedição de Palheta evidenciava o avanço das missões jesuíticas castelhanas ao longo do Guaporé, já muito próximas às minas de Mato Grosso, o que representava um grande mal-estar para as autoridades coloniais lusitanas. O contrabando do ouro das minas de Mato Grosso era uma das possibil idades mais evidentes. Por outro lado, ao avançar pelos vales do Guaporé, Mamoré e Madeira, os castelhanos ameaçavam a própria soberania e o controle português sobre a bacia amazônica. Diante de tais possibil idades a Coroa Portuguesa tomou a drástica medida de proibir completamente a navegação pelo Madeira, através do Alvará de 27 de outubro de 1733. Nessa época, projetos de uma intensa colonização na região ainda não eram cogitados. Marcada pela insalubridade, pela hostil idade dos Mura e pela dif iculdade de navegação, devido às inúmeras cachoeiras, a região permaneceu longo tempo como um vazio demográfico colonial, ocasionalmente visitado por coletores e compradores das “drogas do sertão” além de sertanistas e bandeirantes que, em busca de riquezas naturais, complementavam a renda de suas empreitadas com a preação e venda de indígenas. Alguns núcleos de colonização de iniciativa do governo colonial e mesmo os destacamentos militares e f iscais foram criados no século XVIII. O primeiro governador do Mato Grosso, o Conde D. Antônio Rolim de Moura, ordenou ao juiz de fora Teotônio Gusmão, em 1759, a fundação do povoado de Nossa Senhora da Boa Viagem do Salto Grande do Rio Madeira, na cachoeira que hoje leva o seu nome. Já no f inal do século, o governo colonial elaborou um plano com o intuito de facil itar a navegação no rio Madeira, manter maior controle sobre o recolhimento dos quintos (impostos) devidos à coroa e defesa contra os ataques dos indígenas. A execução desse plano fez surgir no rio 43 Madeira, na últ ima década do século XVIII, os povoados de São João do Crato e São José do Montenegro, este últ imo um posto militar avançado do Forte Príncipe da Beira no salto do Ribeirão povoado por índios aldeados e escravos da Coroa. Esse destacamento, situado no trecho encachoeirado tinha por objetivo principal o apoio à navegação do Madeira e recolhimento tambémdos quintos do ouro devido à Coroa. Coube ao governador Luiz Pinto Souza Coutinho a fundação, no rio Madeira, do povoado do Balsemão, em 1768. A descoberta do ouro no Vale do Guaporé em 1734, pelos irmãos Arthur e Fernando Paes Barros, atraiu milhares de aventureiros para a região levando a Coroa Portuguesa a criar, em 1748, a capitania de Mato Grosso e Cuiabá, que abrangia a maior parte das terras que hoje integram o Estado de Rondônia. Em 1743, os jesuítas espanhóis em uma ousada investida contra a margem direita do Guaporé, nas proximidades da confluência com o rio São Miguel, fundaram Santa Rosa, uma missão que ref letia o caráter contra -ofensivo e expansionista da colônia espanhola. Coube ao padre Athanásio Theodoro iniciar as atividades catequéticas, apoiado por índios já pertencentes às missões de Mojos e Chiquitos. O local de Santa Rosa f icava a aproximadamente 100 Km acima da confluência do Guaporé com o Mamoré. Essa missão sobreviveu em mãos dos padres castelhanos até 1754, quando então passou ao domínio português, sendo os índios transferidos para uma nova missão na margem esquerda, a poucos quilômetros de distância da que se chamou Santa Rosa Velha. Duas outras missões foram fundadas na margem direita do Guaporé pelos jesuítas de Castela: São Miguel e São Simão. A preocupação dos portugueses era visível, pois a ocupação da margem oriental representava uma grave ofensiva rumo às minas de Mato Grosso. Os receios das autoridades coloniais portuguesas tinham fundamento, o próprio mapa que haveria de servir para a delimita ção do Tratado de Madrid situava Santa Rosa na margem portuguesa do Guaporé. Ademais, o próprio Vice Rei do Peru, o marquês de Castelfuerte, havia concedido aos Mojo, em 1724, armas de fogo após a visita de Francisco Palheta à região. O temor português se completava com a confirmação da presença de índios das províncias de Mojos e Chiquitos nas margens do baixo Madeira, a aproximadamente 100 léguas das missões onde iam à busca de cacau e drogas do sertão. Santa Rosa, São Miguel e São Simão revelavam em seu trabalho catequético a pretensão hispânica à margem direita do Guaporé, uma vez que, embora não houvesse ainda um efetivo povoamento português na região, entendia-se que o território que se ia ocupando pertencia à colônia portuguesa, mesmo que ainda não se houvesse assinado o Tratado de Madrid. A presença dos padres jesuítas espanhóis era vista como uma violação à soberania portuguesa, fonte de tensões e animosidades e sua expulsão deveria ser completada com a f ixação de missionários portugueses capazes de aglutinar indígenas em missões pertencentes ao governo português. Tornava-se necessária a catequese portuguesa, o povoamento das regiões fronteiriças e a 44 expulsão dos espanhóis da margem direita do Guaporé. Para garantir seu domínio sobre a região foi criado o distrito de Pouso Alegre, pela Provisão de 1743 que, anulada pela Provisão Régia de 1746, elevava Pouso Alegre à categoria de município com o nome de Vila Bela da Santíssima Trindade, embora o ato nunca tivesse se concretizado até a chegada de Rolim de Moura. Por outro lado, o Senado da Câmara de Mato Grosso instava a requerer à Coroa Portuguesa o envio de missionários jesuítas para a região, a f im de se estabelecer uma contra ofensiva aos planos dos jesuítas espanhóis. Dessa forma, foram mandados, juntamente com D. Rolim de Moura, dois sacerdotes inacianos, f icando um deles, o padre Estevão de Castro, em Santo Antônio do Madeira, em 1751 e outro dirigindo-se para o Guaporé, com o Capitão-General. Esse jesuíta chamado padre Agostinho Lourenço foi designado por Rolim de Moura para fundar uma missão no local denominado Casa Redonda, no local da desembocadura do Corumbiara com o Guaporé, em terras da margem espanhola. Essa missão foi transferida para a margem direita , situando -se próxima ao rio Mequens, recebendo o nome de São José, mas nunca chegou a prosperar, atacada por febres e epidemias que constantemente dizimavam sua população. No entanto, essa foi a única missão portuguesa no Guaporé, embora o próprio Estado reconhecesse sua valia e af irmasse enfaticamente o desejo de que fossem fundadas novas aldeias para a catequese do gentio e f ixação de povoados na fronteira. Exercícios. 1. As primeiras tentativas de estabelecimento de missões religiosas no rio Madeira couberam aos padres da ordem: a) de Nossa Senhora da Piedade. b) de Nossa Senhora das Mercês. c) de Santo Antônio. d) da Companhia de Jesus. e) da Ordem de São Francisco. 2. O aldeamento jesuítico fundado em f inais do século XVII na ilha de Tupinambarana representou o marco inicial da colonização do Madeira. Naquela ilha viria a surgir a atual localidade de: a) Borba. b) Humaitá. c) Manicoré. d) Parintins. e) Calama. 3. A fundação do povoado de Nossa Senhora da Boa Viagem do Salto Grande do Rio Madeira, em 1759, foi ordenada por: a) Teotônio de Gusmão. b) Alexandre de Gusmão. c) Francisco de Melo Palheta. 45 d) Manuel Pires. e) Antônio Rolim de Moura. 4. O estabelecimento dos núcleos coloniais de São João do Crato e São José do Montenegro, no f inal do século XVIII, representou: a) a tentativa dos colonos de conquistarem o Madeira por iniciativa própria. b) o interesse da coroa em manter maior controle sobre o recolhimento de impostos. c) o sucesso da iniciativa missionária na região do Madeira. d) um perigoso precedente de estabelecimento colonial espanhol na América Portuguesa. e) N.R.A. 5. Na margem direita do Guaporé foram criadas várias missões: a) espanholas, como a de Santo Antônio. b) portuguesas, como a de São Miguel. c) espanholas, como a de São Simão. d) espanholas, como a de Santa Rosa. e) N.R.A. A defesa das fronteiras: destacamentos e fortificações. O litígio entre as metrópoles ibéricas ref letia -se no cotidiano das regiões fronteiriças de suas colônias na América do Sul. Esses conflitos ainda demorariam muito a ser resolvidos, apesar da assinatura do Tratado de Madrid entre Portugal e Espanha em 1750. Na região do rio Guaporé, iriam perdurar até meados da década de 1770, levando os então governadores da capitania de Mato Grosso a uma ocupação militar das áreas fronteiriças. Para tornar mais ef iciente a guarda das fronteiras num momento de graves tensões entre Espanha e Portugal Capitão-General Rolim de Moura criou uma Companhia de Dragões e fundou a Guarda de Santa Rosa Velha, no Guaporé Rondoniense, próximo à barra do Mamoré, no “f lanco da cachoeira que nessa paragem encrespava as águas do Guaporé, apenas deixando estreito canal, encostado à nossa margem.”. A guarnição inicial contava com um alferes, dois cabos de esquadra, vinte e três soldados, dez soldados pedestres, um cirurgião, quatro agregados e dezoito escravos. Em seus arredores estabeleceram-se índios em um total de aproximadamente setenta, procedentes das missões espanholas de Santa Rosa e São Miguel. Essa povoação foi transformada, em 1760, no Forte de Nossa Senhora da Conceição e Rolim de Moura procedeu ainda a criação de uma tropa auxiliar à guarda fronteiriça, composta por sertanistas, mestiços, negros e escravos. O Forte da Conceição foi remodelado em 1765-66, passando a contar com um aumento da guarda a partir da chegada de mais cem soldados, vindos do Pará e melhoria dos armamentos que passaram a incluir mais seis canhões. Essas reformas se realizaram durante o 46 governo do segundo Capitão-General, João Pedro da Câmara, que durou de 1765 a 1768, quando assumiu o poder Dom Luís Pinto de Souza Coutinho (1768-1771), que fundou o povoado de Balsemão na cachoeira do Girau, no rio Madeira, reunindo um total de 151 pessoas ali residentes. Esse governador mudou o nome do forte para Bragança e ordenou a abertura de uma estrada que estabeleceria uma ligação terrestre com Vila Bela com um percursototal de 185 léguas. Garantia- se, dessa forma, o abastecimento do Forte de Bragança mesmo em situações em que a navegação pelo Guaporé fosse inviável devido aos constantes conflitos com a colônia castelhana. Souza Coutinho criou também a Legião dos Auxiliares ou Legião de Cuiabá, composta por um Estado-Maior de 6 militares, 2 companhias de granadeiros de 160 homens, 4 companhias de fuzileiros de 280 homens, 1 companhia de caçadores de 50 homens e 1 companhia de cavaleiros de 50 homens. A consolidação da polít ica de guarda e defesa das fronteiras do Vale do Guaporé se daria com o projeto do Marquês de Pombal de erigir em algum ponto do Guaporé uma grande fortif icação. A manutenção das posses territoriais, a qualquer custo, deveria nortear a ação do quarto Capitão-General, Dom Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cárceres, que governou a capitania de Mato Grosso entre 1772 e 1789, construindo o Real Forte Príncipe da Beira, cujas obras foram iniciadas em 1776 e dadas por concluídas em 1783, embora o forte nunca tenha sido realmente terminado. As plantas da fortif icação foram elaboradas por Domingos Sambucetti, um dos engenheiros contratados em Portugal para a demarcação dos limites norte e oeste da colônia portuguesa. Aprovada a obra pela corte de Lisboa, deu-se o início da construção a partir da escolha de um local situado às margens do Guaporé, na mesma localidade do antigo Forte de Bragança, que fora destruído por uma enchente, em 1771. A localização exata foi 12º25’47” de latitude sul e 21º17’17” longitude oeste em uma área de terras f irmes, l ivre do alcance das enchentes e no dizer do Engenheiro e Sargento -Mor Ricardo Franco de Almeida Serra “estratégico por excelência .” Mapa da Cadeia de Fortif icações das Fronteiras Norte e Oeste da Colônia Brasileira. A construção apresentava um formato quadrangular com 119, 5 m de lado, circundada por um foço de 2 m de profundidade e em cada ângulo um baluarte com guarita e 14 canhoneiras. Sua construção foi marcada pela falta de material, trabalhadores qualif icados, epidemias e fomes. O próprio autor do projeto morreu de malária em 1780 e foi substituído pelo Sargento-Mor Ricardo Franco de Almeida Serra, que mais, tarde construiu também o Forte de Coimbra. José Pinheiro de Lacerda, em carta datada de 1780 e endereçada ao governador Luís de Albuquerque informava que trabalhavam nas obras 378 operários, sendo 157 trabalhadores livres, 67 escravos da coroa e 154 escravos de particulares. O forte era habitado por um total de 795 pessoas entre homens e mulheres. Se considerarmos este to tal e o compararmos ao número de trabalhadores fornecido pela carta de 47 José Pinheiro Lacerda, verif icaremos que quase 50% do total dos habitantes esteve envolvido com os trabalhos de construção. Ao seu redor, desenvolveu-se uma área de cultivo de frutos, mandioca e criação de gado bovino, que nunca chegou a prosperar. As enormes extensões de Mato Grosso passariam progressivamente a contar com um sistema de guarda e defesa das fronteiras que atingiria seu ponto de maior desenvolvimento com a construção das grandes fortif icações como o Príncipe da Beira no Guaporé e o forte de Coimbra às margens do Paraguai, para onde se deslocaram as tensões fronteiriças no século XIX. Por outro lado o recurso para se atrair povoadores ligava-se aos achados auríferos, incentivos f iscais e ao perdão de dívidas e crimes e comutação de sentenças capitais em obrigação de residência nas minas de Mato Grosso. Além de contribuir com a própria participação, a população deveria fornecer armas, munições, suprimentos de víveres, escravos , animais de carga, tração e montaria, bem como colaborar com o pagamento de tributos extraordinários, destinados à manutenção do empreendimento militar. As tensões fronteiriças prolongam -se por toda a segunda metade do século XVIII no Vale do Guaporé, aci rrando-se a partir da anulação do Tratado de Madrid em 1761. No entanto, em Mato Grosso, fazia valer pelas armas, pela colonização e pela formação de contingentes militares a soberania portuguesa sobre a margem direita do Guaporé. Exercícios. 1. A insegurança de Portugal e Espanha quan to à manutenção de seus territórios resultou em iniciativas de defesa fronteiriça, entre elas, uma no rio Guaporé próximo à barra do Mamoré estabelecida por ordem de Rolim de Moura, foi denominada: a) Forte do Presépio. b) Forte Príncipe da Beira. c) Guarda de Santa Rosa Velha. d) Guarda de São Simão. e) N.R.A. Capitães Generais do Mato Grosso Nome Posse Antônio Rolim de Moura Tavares, 1751. João Pedro da Câmara, 1765. Luiz Pinto de Souza Coutinho, 1769. Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cárceres, 1772. João de Albuquerque de Mello Pereira e Cárceres, 1789. Caetano Pinto de Miranda Montenegro, 1796. Manuel Carlos de Abreu e Menezes, 1804. João Carlos D’Oeynhausen Gravenburg, 1806. Francisco de Paula Magessi Tavares de Carvalho, 1819. 48 2. O Real Forte Príncipe da Beira foi construído durante o governo do Capitão-General: a) Antônio Rolim de Moura. b) Luiz de Souza Coutinho. c) Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. d) João Pedro da Câmara. e) N.R.A. 3. Para construir o Real Forte Príncipe da Beira, o governo português contou: a) apenas com recursos próprios. b) o forte foi construído pela população guaporeana. c) com o auxílio espanhol. d) a população colaborou fornecendo trabalhadores, gêneros e pagando tributos extraordinários. e) N.R.A. 4. A polít ica de atração de colonos para a fronteira guaporeana visava melhor garantir aquela fronteira. Dentre os elementos dessa polít ica podemos assinalar: a) um bem montado plano de colonização para o setor agropecuário. b) incentivos f iscais e perdão de dívidas e crimes àqueles que optassem por f ixar-se na região. c) o f inanciamento do estado à colonização. d) o investimento substancial na migração de elementos metropolitanos para a região. e) N.R.A. 5. A construção do Forte Príncipe da Beira fazia parte de um amplo projeto de defesa de fronteiras elaborado pelo ministro português: a) Marquês de Pombal. b) Luiz Melo Pereira e Cáceres. c) Souza Coutinho. d) Almeida Serra. e) Domingos Sambucetti. Em resumo. A Amazônia compreende terras do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela No Brasil a Amazônia compreende s terras do Pará, Maranhão, Amazonas, Tocantins, Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amapá e Roraima Durante o século XVI vários europeus exploraram o rio Amazonas, entre eles Francisco Orellana, Pedro de Úrsua, Lope de Aguirre, Pedro Teixeira. Atribui-se a primeira exploração do rio Madeira ao bandeirante Raposo Tavares que partindo de São Paulo atingiu Belém em 1650. 49 Contudo, outras expedições exploraram posteriormente aquele ri o: Francisco de Melo Palheta em 1723 e Manuel Félix de Lima em 1742. As crônicas das primeiras expedições ao Amazonas estão carregadas de visões imaginárias e fantasias a respeito do meio natural, as plantas, os animais, indígenas e seus mitos muitos deles misturados às concepções do imaginário europeu pelo próprios cronistas. O estabelecimento dos limites territoriais entre a Espanha e Portugal foi um processo longo e marcado por questões dinásticas que afetaram as potências ibéricas, dif icultando os trata dos. Na Amazônia esses tratados eram dif icultados ainda pelo desconhecimento do território, e pelo expansionismo português, o que conduzia a freqüentes correções dos acordos. Portugal, desde o século XVII iniciou por estabelecer uma cadeia de fortif icações na fronteira norte e oeste, concluída no século XVIII esses fortes, como o Príncipe da Beira, o Forte de Coímbra e o Forte de Macapá, formaram o cinturão defensivo interno da colônia. A descobertado ouro no Mato Grosso e do cacau nativo na Amazônia iniciaram um período de agressiva ocupação daqueles territórios, vindo de encontro aos interesses expansionista da coroa portuguesa. No rio Madeira, a primeira tentativa de estabelecimento de um núcleo de povoamento colonial data do século XVII, com a fundação de uma missão na foz do rio Madeira, na ilha de Tupinambarana. Posteriormente outras tentativas foram feitas, inclusive na região do alto Madeira obtendo pouco sucesso. Contudo, no f inal do século XVIII algumas dessas povoações, poucas, conseguiram subsist ir no curso daquele rio. 50 Capítulo 3 O mercantilismo e as políticas de colonização dos vales do Madeira e do Guaporé. A colonização do Vale do Guaporé e a fundação de Vila Bela da Santíssima Trindade. A conquista e posse da região guaporeana, uma terra limítrofe entre a planície e o planalto, entre a f loresta e o cerrado, entre a colônia portuguesa e a espanhola, divisora das grandes bacias hidrográf icas Platina e Amazônica, iniciou -se anteriormente à assinatura do Tratado de Madrid, num vasto empenho d e missionários, sertanistas, mineradores e aventureiros, procedentes tanto do norte, da cidade de Belém, quanto da capitania de São Paulo. Nessas paragens remotas, verdadeira periferia dos núcleos coloniais, as alternativas para enriquecimento situavam -se entre os atrativos das lavras e faisqueiras e a preação de índios. Nunca se observou uma preocupação sistematizada em dotar a região de uma forte produção agrícola, capaz de assentar definit ivamente a população e criar condições de reprodução dos modelos c lássicos de plantation mercantil ista como no Nordeste ou no Sudeste. A uma produção de riquezas sempre instável e incerta correspondeu um modelo de colonização f lutuante e incerto, direcionado sempre pelo fator de descoberta de novas lavras. Sendo essa uma região de acirrada disputa, o recurso encontrado pelo Estado Português foi a implantação de um núcleo urbano administrativo, formado a partir da criação da Capitania de Mato Grosso, bem como a instalação de um aparato militar capaz de inibir as pretensões espanholas de violação às cláusulas do Tratado de 1750. Desmembrada da Capitania de São Paulo pelo Alvará Régio de 09 de maio de 1748, f icava criada a Capitania de Mato Grosso, num momento em que as minas de Cuiabá passavam por uma grave decadência em sua produção, o que contribuiu para uma migração maciça dos habitantes de Bom Jesus de Cuiabá e arredores, rumo às minas de Mato Grosso e a nova vila que seria fundada com a chegada de D. Antônio Rolim de Moura. A posse definit iva da região só seria garantida a partir da efetivação do princípio defendido por Alexandre de Gusmão, o uti possidetis . (A posse da terra é garantida a quem a ocupa). Ao se criar a Capitania de Mato Grosso, t inha-se a clara necessidade de se aparelhar as fronteiras com recursos humanos , bélicos e uma rota comercial. A fronteira oeste vivia permanentemente em estado de tensão, pois de sua defesa dependia a garantia de integridade das minas de Cuiabá, das Minas Gerais e da própria calha amazônica. Partindo dessa premissa, foram desenvolvidas polít icas de colonização, defesa e fortif icações. Para dar início a uma efetiva polít ica de colonização, o Estado Português determinou a fundação de uma vila, capital e sede 51 administrativa da Capitania do Mato Grosso, que deveria estar situada às margens do rio Guaporé. As minas de Mato Grosso, então no auge de sua produção, já haviam levado os mineradores ao estabelecimento de alguns núcleos colonizadores como São Francisco Xavier, Jauru, Santa Ana e Pouso Alegre. Vila Bela da Santíssima Trindade, fundada pelo primeiro governador, Dom Antônio Rolim de Moura, atendia aos imperativos polít icos-administrativos do Estado Português, uma vez que plasmava definit ivamente a presença colonial portuguesa na região, inibindo as expectativas de avanço dos vizinhos castelhanos. A nova capital tornava-se, desde a sua fundação, um ponto visceral na polít ica fronteiriça colonial de Portugal e Espanha. Era o posto mais avançado no conjunto do território colonial português. Sua posição estratégica garantia-lhe fácil acesso à bacia amazônica através do Guaporé e, por essa via, l igava-se as minas do Mato Grosso ao Grão-Pará e ao Porto de Belém. Facilitado também ficaria o acesso à bacia platina pois através do trajeto Vila Bela - Vila Maria (Cárceres) ou Vila Bela - Cuiabá, estabelecia-se ligação com os rios Paraguai -Cuiabá-Taquari- Pardo-Paraná-Tietê, atingindo-se São Paulo (embora o trajeto fosse mais dif ícil do que o do Guaporé-Amazonas). Em todo esse território vibravam as tensões fronteiriças entre as colônias portuguesa e espanhola. Embora revestida de grande importância polít ica, a criação de Vila Bela representa também um ato arrojado de dimensões econômicas, pois estabelece um controle definit ivo sobre a produção de ouro e diamantes das minas de Mato Grosso, inibindo o contrabando e f ixando uma rota comercial de grandes dimensões através do Madeira e Guaporé, a partir da instalação da Companhia de Comércio do Grão -Pará, bem como garante a regularidade no abastecimento de escravos para as minas de Mato Grosso. Em janeiro de 1752, D. Rolim de Moura chegou ao Guaporé e procedeu o reconhecimento dos sítios do local, buscando o melhor lugar para a fundação da Vila. Em suas correspondências, o governador Rolim de Moura apresenta as vantagens do sítio de Pouso Alegre, uma região de águas salobras e abundantes, com muita lenha e pasto para o gado, terra férti l e de muita madeira de boa qualidade, ótima posição estratégica, que facil itaria a defesa militar em caso de ataques, abundância de peixe e caça e uma topografia plana, além d e possuir um clima mais quente e constante do que os das chapadas, que eram mais frios e propensos a pleurisias e febres catarrais e, por f im, a grande proximidade com os sítios auríferos, lavras e faisqueiras. Contudo, o governador desconhecia as condições ambientais da região. Mesmo tendo sido informado sobre as inundações pelos habitantes do Vale do Guaporé, o Capitão -General obstinado e insolentemente manteve sua decisão de fundar a vila em uma área de terras baixas, infestadas de malária e continuamente sujeita a inundações e com um lençol freático af lorante. A nova vila foi erigida em 19 de março de 1752, mudando-se no ano seguinte após a violenta enchente que destruiu as construções. Contudo, mesmo com a 52 mudança para terras um pouco mais altas, as enchentes ainda chegavam a algumas de sua ruas. Os edif ícios públicos tinham uma construção mais elaborada. Neles residia o poder e a grandeza desse Estado que ampliava seu domínio e garantia a seus súditos a ordem, a prosperidade e a lei, nas terras recentemente conquistadas. Todo o material vinha de fora, desde a cal e a pedra canga, até as telhas e material para revestimentos. As obras de construção foram interrompidas diversas vezes devido a epidemias, falta de materiais que demoravam a chegar, falta de ouro na Provedoria da Capitania, carência de mão -de-obra e dif iculdades no abastecimento. Alguns problemas recebiam socorro de forma mais rápida, como a transferência de recursos (ouro) da Provedoria de Goiás para a de Mato Grosso, enviando nos primeiros anos de fundação de Vila Bela entre 6 e 10 arrobas de ouro/ano para dar continuidade às obras da fronteira. As obras públicas eram custeadas pelo governo que também concedia subsídios aos particulares, isentando -os de impostos, permitindo o uso de escravos de mortos ou de ausentes e abrandando o código de obras. Ao f inal do primeiro ano, após o início da construção, a vila contava com alguns edif ícios prontos ou em fase de acabamento. Os prédios públicos não continham a grandiosidade barroca típica dos edif íc ios das Minas Gerais, do nordeste açucareiro, masatestavam em suas linhas elegantes o esforço do governo colonial em f ixar ali sua presença. No entanto, para que a posse de toda a região guaporeana fosse assegurada, bem como f icasse garantida a implantação de um circuito comercial pela rede hidrográf ica do Guaporé -Madeira-Amazonas e ainda se promovesse uma retração do contrabando do ouro de Mato Grosso, pela rede f luvial, tornava-se indispensável aparelhar a capitania com um sistema de fortif icações e um contingente militar que completassem o projeto de assentamento do aparato administrativo colonial na região. A aplicação indulgente da lei, a tolerância governamental e a ambigüidade do poder local, no tocante a arrecadação e ao cumprimento das normas e das convenções, constituía-se numa perfeita estratégia do poder colonial, que conformada pelo poder metropolitano buscava concretizar a estabilidade da posse territorial através do colonização do Vale do Guaporé e de sua capital Vila Bela. A estratégia de dominação colonial de áreas limites aparece claramente em Vila Bela, fundada na liberalização do ordenamento jurídico, na aplicação tolerante e indulgente da lei pela autoridade colonial. Exercícios. 1. Foi a primeira capital de Mato Grosso, fundada em 1752 : a) Vila Bela. b) Cuiabá. c) São Luís de Cárceres. d) Vila Boa. 53 e) Vila Rica. 2. A posse portuguesa da margem direita do rio Guaporé foi garantida com base no princípio do uti possidetis (a terra pertence a quem a ocupa), defendido por Alexandre de Gusmão no Tratado de : a) Ayacucho. b) Santo Ildefonso. c) Badajós. d) El Pardo. e) Madrid. 3. A descoberta do ouro e a f ixação da fronteira oeste do Brasil na margem direita do rio Guaporé levou Portugal a criar em 1748 a Capitania do Mato Grosso e Cuiabá, que teve como primeiro governador: a) Rolim de Moura. b) João Carlos D’Oeynhausen. c) João Pedro da Câmara. d) Caetano Pinto Miranda Montenegro. e) Luís de Albuquerque. 4. Qual dos fatores abaixo não explica a construção de Vila Bela no Guaporé. a) A necessidade de consolidação da posse portuguesa da regi ão através da confirmação do princípio do u t i possidetis . b) A abundância do ouro nas lavras do Guaporé. c) A necessidade de controle militar e guarda das fronteiras. d) O extrativismo da borracha. e) A necessidade de impedir a ameaça da expansão espanhola na margem oriental do rio Guaporé. 5. Quais as medidas tomadas por Rolim de Moura para f ixar a colonização portuguesa na região do Guaporé: R. A Mineração. As descobertas de veios e aluviões auríferos datam ainda da primeira metade do século XVIII, cabendo aos irmãos Fernando e Arthur Paes de Barros, notórios sertanistas e preadores de índios, 54 naturais de Sorocaba, os primeiros descobrimentos em 1734, nos locais que foram chamados arraiais de Santana e São Francisco Xavier. Por essa ocasião a produção das lavras e faisqueiras de Cuiabá já estavam em visível decadência, o que de fato motivou a formação de bandeiras e entradas de sertanistas pelos campos de Mato Grosso, que recebeu este nome devido às densas f lorestas onde correm os rios Jauru e Guaporé, em cujas terras se abrigavam os indígenas Pareci. As descobertas, conforme relata o Barão de Melgaço (Augusto João Manuel Leverger-1802-1880) foram acompanhadas por providências do governo da Capitania de São Paulo no sentido de eliminar, através de uma “guerra justa” os índios Payaguá, que, em inúmeras incursões pelos sertões, provocavam morte, terror e pânico entre a população de Cuiabá e Mato Grosso. Ordenada a guerra contra os Payaguá, observou-se também a quase dizimação dos Pareci, que passaram a ser ut il izados como mão-de-obra cativa nos trabalhos de extração mineral. A conquista do território ao nativo tornava imprescindível para a criação de condições de f ixação de populações coloniais nas novas áreas de mineração. Assim, a Provisão de 6 de março de 1732, editada pelo governo português, contra os nativos Payaguá, passou a oferecer condições para a ocupação de novos sítios de mineração descobertos em 1734. Coube ao Tenente Mestre de Campo General Manuel Reis de Carvalho o comando da empreitada, que com uma milícia de 842 soldados aprisionou 266 índios e matou cerca de 600 outros. A exploração do ouro em Mato Grosso levou os mineiros e faiscadores para as regiões ribeirinhas ao Guaporé, onde foi fundado o arraial de Pouso Alegre. A produção se realizava através da exploração das lavras, que eram estabelecimentos de algum vulto e dispunham de alguns instrumentos, sendo o trabalho dirigido por um feitor que empregava principalmente mão-de-obra de escravos negros ou indígenas. Seria possível explorar também as faisqueiras, onde a produção era intensa e efêmera, feita individualmente por faiscadores nômades, que às vezes se juntavam em grande número em região franqueada, onde cada um trabalhava por conta própria. Havia também dentre esses faiscadores grande quantidade de escravos que deveriam entregar cotas f ixas a seus senhores. Os recursos técnicos util izados nas empreitadas mineradoras eram rudimentares e apresentaram pouca evolução ao longo do século XVII. O baixo desenvolvimento técnico levava a uma grande perda no processo de extração do minério e a um uso elevado de trabalhadores escravos. Para o trabalho de extração eram util izadas a alavanca, o almocafre, a marreta, carumbé e batéias. O “serviço de talho aberto ” correspondia à lavagem do cascalho, o que tornava necessária a existência de água corrente acima da lavra para que fosse desviado até o local de mineração, num trabalho dif ícil, oneroso e que exigia mão - de-obra especializada, de dif ícil obtenção no Vale do Guaporé. Esse baixo nível técnico importava sempre em grandes perdas na produção, ao que se acrescentava o rápido esgotamento das jazidas e faisqueiras, levando a produção a constantes oscilações e condicionando -a à constante renovação dos achados e à facil idade de sua exploração. 55 A produção inconstante levava a um constante movimento das massas populacionais, cuja presença estava sempre vinculada à abundância do metal precioso, imprescindível para a garantia da manutenção da polít ica colonial e da colonização na região, constituindo-se no verdadeiro agente motor da vida econômica local e por extensão em elemento básico, definidor das polít icas sociais e territoriais. O rápido esgotamento das faisqueiras era remediado pelos sucessivos “achados” de outras tantas durante o século XVIII. A fantasiosa idéia de enriquecimento fácil e rápido renovava os sonhos dos mitos do Eldorado e do Lago do Ouro, promovendo uma rotineira mudança das povoações de um sítio de garimpo para outro. A principal conseqüência dessa situação a médio e longo prazo foi, no en tanto, a fragil idade da agropecuária local. A produção do ouro foi, desta forma, a força que impulsionou a vida colonial no Vale do Guaporé. Os Campos D’Ouro, como eram conhecidas as minas do Vale do Guaporé no Pará e na Metrópole, produziram uma impressionante quantidade desse metal. O trabalho nas minas, lavras e faisqueiras era altamente insalubre, provocando um rápido desgaste dos trabalhadores e levando à necessidade constante de rápida reposição da mão-de-obra. Os escravos eram os mais atingidos por essa situação. Empregava-se um grande esforço nos trabalhos de construção de tanques, açudes e córregos para a realização dos trabalhos de mineração. No entanto, o rápido esgotamento dessas faisqueiras provocava um crônico endividamento dos proprietários, sobretudo a partir do últ imo quartel do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX. Vários problemas com os trabalhadores nas regiões, levaram a administração colonial a tomar medidas extremas. A necessidade de reposição da mão-de-obra era constante, mas era muito limitada a capacidade do Estado em socorreros mineiros, por isso os governadores adotavam posturas de relativa transigência em relação à propriedade de escravos, permitindo aos proprietários util izarem -se da escravatura dos mortos e ausentes, evitando-se assim a interrupção ou paralisação dos trabalhos. Ainda, buscando-se alternativa para manter o abastecimento de mão-de-obra para as minas, os governos coloniais tentaram sensibil izar as autoridades portuguesas para a necessidade de intr odução de portugueses na região, explorando-se a fantasiosa idéia da riqueza fácil e facil itando-se a estes a compra de escravos. A migração desses grupos deveria, segundo os governadores, ser estimulada mas também controlada para que se evitasse um número de habitantes superior às capacidades de abastecimento de gêneros alimentícios da região. À produção das minas do Guaporé entrou em decadência nos últ imos trinta anos do século XVIII. O esgotamento das jazidas ou mesmo a extrema redução de sua produção não foi acompanhado por adaptação e reordenação das forças produtivas, como aconteceu em outras regiões como Cuiabá, Goiás e Minas Gerais. Com o declínio das lavras do Guaporé, a região não atraiu recursos nem estímulos para a f ixação de uma prática agropastoril voltada para a exportação, tendo 56 concorrido para isso o seu isolamento geográfico, sua fama de região insalubre e mesmo o desinteresse dos Capitães -Generais, que a partir do f inal do século XVIII passam longos períodos ausentes da região e manifestam clara preferência por Cuiabá. O contrabando, no entanto, impulsionou parcialmente a economia regional, tornando-se uma estratégia possível numa região fronteiriça onde as severas leis coloniais inviabilizavam o intercâmbio regular e legalizado entre as duas colônias. Foi justamente através dessa prática e a conseqüente obtenção da prata que se conseguiu garantir alguma condição de barganha entre o Vale do Guaporé e os grandes centros de poder colonial, o que não foi suf iciente para criar condições de superação da crise provocada pela decadência da mineração. Esse quadro sombrio agravou-se sobremaneira ao longo das primeiras décadas do século XIX. A região passou então por um intenso processo de descolonização, que se ampliou na medida em que os focos da tensão fronteiriça deslocaram-se progressivamente para o vale do Paraguai. Aos poucos, mas ininterruptamente, a decadência foi -se instalando, até que, com a transferência da capital para Cuiabá, o Vale do Guaporé passou a ser uma região notoriamente esquecid a, povoada somente pelos negros, descendentes de escravos que ali permaneceram. Exercícios. 1. Os irmãos Fernando e Arthur Paes de Barros descobriram as primeiras jazidas de ouro no Guaporé em 1734 nos arraiais de: a) Girau e Santo Antônio. b) Santana e São Francisco Xavier. c) Vila Bela e Vila Boa. d) Cuiabá e São Luís. e) Forte Príncipe e Balsemão. 2. Medida tomada pelo governo colonial em 1732 para facil itar a ocupação das áreas de mineração no Mato Grosso: a) doação de sesmarias no Vale do Madeira. b) guerra aos índios Payaguá. c) combate ao comércio de escravos indígenas. d) cartas de alforria aos escravos que descobrissem novas lavras. e) N.D.A 3. Qual a importância do ouro para a colonização do Vale do Guaporé? R. 57 4. Quando e porque o ouro do Guaporé entrou em decadência? R. 5. Quais as conseqüências da crise da mineração no Guaporé? R. A Agropecuária. Paralelamente ao desenvolvimento das atividades de mineração, instalou-se no Vale do Guaporé a lavoura de subsistência, voltada exclusivamente para as necessidades mais prementes da população regional e ocasionalmente ligada a uma precária exportação de alguns gêneros para o Pará ou para a colônia castelhana, vizinha da margem esquerda do Guaporé, através do contrabando. A agricultura nunca conseguiu desenvolver-se plenamente na região do Guaporé Português, sendo considerada sempre uma atividade intrínseca à mineração e não chegando a atender inteiramente às necessidades do consumo local, embora o conjunto de suas terras fosse férti l e produtiva. A formaçã o de roças que garantissem uma base mínima de sustento alimentar era parte integrante das diretrizes da polít ica colonial regional. A obsessiva preocupação com as lavras e faisqueiras deixavam em planos secundários a produção de gêneros, mas fatores como secas, pestes de ratos, inundações ou pragas de insetos são relatadas por todos os cronistas e viajantes que passaram pela região e atestaram sua carência de alimentos. A carestia atingia níveis insuportáveis. As terras eram férteis e garantiam produção a níveis muito satisfatórios. O meio oferecia consideráveis dif iculdades, exigindo uma grande disponibil idade de mão-de-obra e recursos, o que 58 não era viável nestas regiões de garimpo. Os custos dessa produção de roças eram altos e cumulativos, além de que o retorno era altamente incerto, bastando o surgimento de um novo importante achado para que se perdesse todo o cultivo. A alternativa das roças surgia com maiores atrativos para a fundação dos engenhos, embora as sesmarias doadas pelos governos no Vale do Guaporé estivessem obrigadas ao cultivo das roças e à criação de gado. A produção assumiu características próprias e ligava -se primordialmente ao mercado regional, sendo na maior parte das vezes encarada como uma atividade a mais, desenvolvida por fazendei ros que também eram proprietários de lavras e buscavam diversif icar seus negócios, obtendo lucros nos garimpos com atividades complementares que podiam ou não assumir características de grande vulto. Como não estava voltada para a exportação, a produção du rante o período colonial, não garantiu a expansão interna dos negócios, pois o proprietário era ainda obrigado a importar ferramentas, escravos e outros produtos. As técnicas de produção eram bastante rudimentares possibil itando uma produtividade baixa e insuficiente. O desenvolvimento da pecuária, por seu lado, esteve sempre intimamente ligado à questão da dispensa de direitos da entrada do gado na região e aos interesses externos das regiões tradicionalmente pecuaristas de onde provinha a maior parte da carne consumida. Esse comércio interessava principalmente aos paulistas que introduziam na área de Vila Bela o gado bovino e o muar, a partir de sua obtenção nos campos do Sul e do vale do São Francisco (através da rota do Goiás). O abastecimento precário levava, entretanto, ao estabelecimento do contrabando com os espanhóis das missões da margem esquerda do Guaporé, o que, por sua vez, concorria para a saída clandestina de ouro da capitania e da colônia portuguesa. A preocupação das autoridades situava-se entre os campos diversos. Por um lado era necessário coibir o contrabando com os castelhanos e para tanto seria necessário assegurar um abastecimento regular de carne ao Vale do Guaporé. Por outro, era indesejável que a atividade crescesse a ponto de comprometer o abastecimento de mão-de-obra para a mineração, numa região onde o número de habitantes sempre esteve muito abaixo do desejado. Na segunda metade do século XVIII a pecuária ganhou algum impulso, havendo inúmeros pedidos de concessão de sesmarias par a f ins pecuaristas. A maior fazenda de gado da região foi Casalvasco, fundada pelo governador Luís de Albuquerque de Mello Pereira e Cárceres. O próprio governador Luiz de Albuquerque reconhecia que regiões isoladas como o Forte Príncipe da Beira necessita vam de um abastecimento mais regularizado. O trabalho pecuarista era realizado tanto por indígenas quanto por negros e embora fosse reduzido o número de peões necessários à lida direta com os rebanhos, o número de trabalhadores desviados da mineração tendia a aumentar, em função da construção de cercas, currais, edif ícios residenciais, formação e manutenção depastagens e outras tarefas ligadas ao setor. Assim a pecuária funcionou também como uma atividade acessória ao processo de ocupação e manutenção 59 das lavras e fronteiras, dando margens ao estabelecimento de enormes latifúndios. Daí conclui -se que, de expressão limitada às atividades agropastoris do Vale do Guaporé colonial estiveram sempre subordinadas aos interesses da mineração. Perpetuava -se assim uma situação de abastecimento insuficiente e conseqüente dependência de importações a preços elevadíssimos, o que em última análise importava num quadro de fome, escassez e subnutrição. Exercícios. 1. Quais as características da agropecuária no Vale do Gua poré Colonial? R. 2. Por que Luís de Albuquerque fundou a grande fazenda de gado de Casalvasco? R. 3. Quem realizava os trabalhos agropecuaristas locais? R. 4. De onde provinha a carne bovina e as bestas de cargas util izadas no Vale do Guaporé? R. 60 5. Caracterizou a agropecuária do Vale do Guaporé no século XVIII: a) cultivo voltado para a exportação de produtos como café, açúcar e cacau. b) exportação de carne salgada para Belém, Santa Cruz e Cuiabá. c) lavouras de plantation d) culturas de subsistência, insuficientes para atender o consumo local. e) util ização inexpressiva do trabalho escravo. O comércio e as rotas fluviais. O comércio constituiu-se como principal fonte de abastecimento para o Vale do Guaporé no período colonial. Internamen te a produção agrícola de subsistência abastecia a região de gêneros de necessidade imediata como o milho, a mandioca, o feijão e hortaliças. No entanto os demais produtos vinham de fora, através de rotas estabelecidas entre São Paulo-Cuiabá-Vila Bela, Bahia-Vila Boa de Goiás-Cuiabá-Vila Bela e f inalmente Belém do Pará-Vila Bela, através do roteiro f luvial do Amazonas-Madeira-Mamoré e Guaporé. Entre os produtos trazidos por terra, através das rotas sertanistas, ou pelos rios, através das rotas monçoeiras estavam: escravos, tecidos, utensílios domésticos, armas e munições, gêneros alimentícios como sal, açúcar, vinhos, queijos e carnes, papel, materiais para construção, objetos para culto e celebrações religiosas, objetos para mineração e muitos outros. As rotas monçoeiras. A característica maior desse comércio foi sempre a interdependência com a produção de ouro. As rotas comerciais foram tanto mais ativas quanto maior foi a produção de ouro, e decaíram na medida em que o ouro se tornou escasso. No entanto um outro fator determinante para o abastecimento local através do comércio monçoeiro e sertanista foi a questão da polít ica fronteiriça, que requisitava a franquia de um roteiro f luvial suf icientemente estruturado para garantir o abastecimento bélico, de gêneros alimentícios, medicinais e recursos humanos para os trabalhos e defesa local. Assim, ao se estruturarem os roteiros comerciais do Vale do Guaporé com o restante da colônia teve-se em mente a importância da manutenção da produção aurífera como elemento indispensável para manter o abastecimento local que garantiria por sua vez a guarda ef iciente das fronteiras. Nos primeiros anos, após a descoberta das minas do Vale do Guaporé o comércio se realizava sempre pelas rotas que ligavam a região guaporeana a Cuiabá e esta a São Paulo e Rio de Janeiro. A primeira constatação que se faz neste caso é a precariedade do 61 abastecimento. A falta de gêneros, mesmo os de primeira necessidade era uma possibil idade muito real. Aos curtos períodos de euforia correspondentes à chegada de uma monção ou de uma tropa sertanista sucediam-se longos períodos de crise e desabastecimento, com catástrofes como a fome e o conseqüente aumento das epidemias. A inconstância do abastecimento era motivada por fatores diversos como ataques indígenas, naufrágios, excesso de chuvas, secas, epidemias, crise na produção aurífera ou mesmo práticas de especulação. Justif icando-se, a partir do elevado custo de todo tipo de gêneros e dos constantes períodos de desabastecimento, o governador Rolim de Moura passou a pleitear a abertura da rota f luvial Guaporé -Mamoré- Madeira e Amazonas, que ligaria Vila Bela da Santíssima Trindade a Belém do Pará. Ao pretenderem a ligação comercial com o Pará, através da rota f luvial do Guaporé-Madeira e Amazonas, as autoridades coloniais e metropolitanas tinham em mente não só aliviar o auto custo de manutenção do abastecimento praticado até então através de Cuiabá, mas sobretudo facil itar o escoamento do ouro por um roteiro mais seguro, reduzindo as possibil idades de seu contrabando pelas rotas terrestres para São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Mesmo enquanto esteve legalmente proibida, a prática clandestina desse roteiro era de conhecimento e anuência das autoridades coloniais. A abertura da rota das monções do norte fo i fruto da permanente insistência das autoridades coloniais do Pará e sobretudo de Mato Grosso. Assim, pela Provisão de 14 de novembro de 1752, conhecida em Mato Grosso somente em 1754 f icava permitida e franqueada a navegação pelos vales do Guaporé, Madei ra e Amazonas, estabelecendo-se ligação comercial entre Vila Bela e Belém do Pará, proibindo-se a comunicação entre as duas capitanias por qualquer outro caminho f luvial que não fosse a rota do Madeira. Esse trajeto até então interditado por temor de uma expansão castelhana por territórios coloniais portugueses era agora franqueado, entre outros motivos, para que se inviabilizassem tentativas de contrabando de ouro de Mato Grosso com a colônia castelhana, bem como suas ações expansionistas e o comércio clandestino, realizados entre os colonos de Mato Grosso e as missões da margem esquerda do Guaporé. A abertura da rota f luvial do Madeira deveria ser consolidada com a fundação de arraiais ao longo de alguns pontos estratégicos que garantiriam apoio aos comboieiros bem como a f iscalização de suas cargas. As medidas de prevenção ao contrabando e proteção das fronteiras e rotas f luviais seriam completadas com a criação de destacamentos militares e fortif icações. Baseando -se nestas premissas surgiram os arraiais de Santo Antônio das Cachoeiras do Rio Madeira, a partir de uma missão jesuítica, o povoado de Nossa Senhora da Boa Viagem do Salto Grande, fundado pelo Juiz de Fora Teotônio Gusmão, na cachoeira que hoje leva o seu nome e o arraial do Balsemão, localizado na cachoeira do Girau. O estabelecimento da rota do Madeira levantou protestos por parte da alfândega do Rio de Janeiro que alegava que sofreria graves prejuízos sobre os direitos de entrada dos produtos, mercadorias e escravos para São Paulo e daí para o Mato Grosso. Entretanto, a 62 Capitania do Mato Grosso obteve a permissão régia e passou a ser um atraente mercado consumidor para os comerciantes de Belém do Pará. Após ser franqueada a navegação pelo Madeira o governo estabeleceu permanentemente sua presença, incluindo em todos os comboios embarcações da Coroa. Exercícios. 1. Quais as características do comércio praticado no Guaporé colonial? R. 2. Como eram organizadas as rotas comerciais? R. 3. Que tipo de roteiro foi o mais util izado? R. 4. Quando foi l iberada a navegação pelo Madeira? Porque? R. 63 5. Marque verdadeiro ou falso: ( ) A abertura da navegação no rio Madeira foi uma medida tomada pela Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão. ( ) Mato Grosso escoava, através do rio Madeira, toda sua produção agrícola e de manufaturados. ( ) O contrabando e os ataques castelhanos atemorizavam os dirigentes portugueses e foram considerados causas para a interdição da navegação no Vale do Madeira. ( ) A alfândega do Rio de Janeiro pos icionou-se contra a abertura da rota do Madeira alegando prejuízossobre os preços dos produtos. A Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. A empreitada das monções eram penosas e marcadas sempre por grandes riscos. Além das enormes distâncias a se rem vencidas os comboios enfrentavam ainda obstáculos naturais como as 20 cachoeiras do Madeira e Mamoré; ataques de nações indígenas hostis como os Mura e os Mundurucu, que lutavam contra a invasão de suas terras pelos navegadores, a escassez de alimentos e a fome. Em terra os perigos não eram menores: cobras, pragas de insetos, animais peçonhentos, formigas, onças e plantas de espinhos venenosos. Nos banhos de asseio corria-se o risco de ataques de piranhas, jaús, jacarés, piraíbas, candirús, sucuris e ar raias com ferrões venenosos. Na água, além do perigo das cachoeiras, haviam os gigantescos troncos de árvores (que deram nome ao rio Madeira), cujo choque com as embarcações provocava danos, naufrágios e mortes. Por f im, salientamos ainda o perigo das doenças tropicais, típicas da região, como a malária, o t ifo, a febre-amarela e a lashimoniose. Além de todos esses perigos reais o desconhecido povoava de fantasias e seres fantásticos o imaginário dos viajantes, reforçando superstições, mitos e crendices, contribuindo para aumentar o grau de tensão das viagens. Esse conjunto de fatores, tanto reais quanto imaginários mantinham as tripulações sobressaltadas e inquietas. Levava -se um ano e meio a dois anos e meio para se realizar uma viagem de ida e volta entre Vila Bela e Belém do Pará. O trecho encachoeirado requeria o trabalho de 100 a 120 homens para sirgar as embarcações ou mesmo arrastá-las por terra, o que provocava estragos nos cascos e retardamento na viagem, interrompida para consertos e reparos. Na maior parte das vezes as embarcações deveriam ser esvaziadas e sua carga levada pelos participantes, por picadas e tri lhas nas margens dos rios. Das vinte cachoeiras, somente umas poucas eram atravessadas a remo. As embarcações util izadas eram chamadas igar ités e tinham capacidade para o transporte 1000 a 2000 arrobas (15.000 a 30.000 quilogramas) de cargas, além de possuírem velame. Para se defender dos perigos, eram dotadas de peças de arti lharia na popa e na proa. Rolim de Moura ainda adaptou-lhes bacamartes, foices e chuços de 64 ferro, para protegê-las das abordagens de indígenas, quilombolas, castelhanos ou salteadores. A despeito de todas essas dif iculdades observadas, o comércio que se estabeleceu entre Vila Bela e Belém do Pará foi enormemente rentável. No período áureo das lavras mato- grossenses, entre 1760 e 1780, registravam-se a chegada de duas monções por ano no vale o Guaporé. Esse comércio foi intensif icado com a criação da Companhia do Grão-Pará e Maranhão, que integrou o Vale do Guaporé e as minas de Mato Grosso ao mercantil ismo colonial. Criada pelo Alvará Régio de junho 1775, a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão deveria atender às necessidades de desenvolvimento geral da parte norte da colônia, através da atividade comercial e garant ir a sua integridade territorial. A Companhia promovia mais do que o mero abastecimento, a canalização de toda a produção de drogas do sertão e principalmente do ouro retirado das minas do Mato Grosso, pois por ordem da Secretaria de Estado em Lisboa, toda a produção das lavras seria escoada pela rota do Madeira. Dessa forma fortalecia-se a presença do Estado Colonial na região fronteiriça, estimulava-se o colonização e a exploração do ouro através do abastecimento mais barato e mais regular, efetuado pela companhia e proporcionavam-se maiores lucros à praça de Belém e à Alfândega Real. O abastecimento, embora mais barato e regular do que o anteriormente feito pelas rotas de São Paulo e Rio de Janeiro, sempre foi considerado insuficiente, quer pela população , quer pelas autoridades de Mato Grosso. Esse fato se agravava sobremaneira no tocante ao abastecimento de mão-de-obra escrava. A demanda comercial era sustentada, principalmente, pelos mineiros e pelos governos. Ambos os segmentos não conseguiam assegurar seus pagamentos, premidos por dívidas provenientes de gastos públicos imprescindíveis (no caso do governo) ou, no caso dos mineiros, esmagados pelo alto custo dos escravos, sua baixa produtividade e rápida invalidez e instabilidade das lavras. Dessa forma , as dívidas cresciam e rolavam, como mostram os balanços das Companhia do Grão-Pará e Maranhão. Esse endividamento aumentava a dependência do comércio monçoeiro e limitava as oportunidades de acúmulos internos, o que, em última análise, impedia o crescime nto da capitania e a diversif icação das atividades produtivas. Com a extinção da Companhia do Grão-Pará e Maranhão em 1778, o fornecimento de artigos e escravos sofreu uma brusca e repentina redução, obrigando os comerciantes a rearticularem seus roteiros e elevando ainda mais os já elevadíssimos preços praticados. Nas primeiras décadas do século XIX, a rota comercial do Madeira já se encontrava em profunda decadência, terminando por extinguir -se em meados desse mesmo século. O abastecimento cada vez mais p recário e esporádico passava a ser feito novamente através das rotas do Rio de Janeiro e São Paulo e por intermédio de Cuiabá. A questão da decadência da navegação pela rota do Madeira liga - se primordialmente ao fato da decadência das próprias minas do Mat o Grosso, principalmente as do Vale do Guaporé, o que provocou um crescente endividamento da Capitania, junto à Companhia de Comércio 65 do Grão-Pará. A rota do Madeira atendeu, primordialmente, aos interesses da polít ica do Marquês de Pombal, constituindo -se com as idéias de solidif icação do f isco do ouro e do aparelhamento estratégico - militar, para a defesa de fronteiras num dos elementos que garantiu à empresa mercantil ista portuguesa a plena exploração das riquezas produzidas nas capitanias da Amazônia. A decadência da produção aurífera que gerou uma grande crise econômica e f inanceira na região e a mudança das polít icas diplomáticas e fronteiriças sob o reinado de D. Maria I (1734-1816) e D. João VI (1767-1826) tiveram, portanto, efeitos decisivos sobre o quadro de crise geral que se instaurava no Vale do Guaporé e em todo o Mato Grosso o que, combinado com a desativação da Companhia, terminou por inviabilizar a manutenção da rota comercial Amazonas-Madeira-Guaporé. Exercícios. 1. São dif iculdades percebidas para a navegação no circuito f luvial Madeira, Mamoré e Guaporé; exceto: a) as cachoeiras e as doenças tropicais. b) o ataque de insetos e de índios. c) os naufrágios e o choque das embarcações contra troncos no rio Madeira. d) a pouca rentabilidade do comércio. e) os ataques de peixes e animais ferozes. 2. As embarcações util izadas pela Companhia do Grão -Pará para navegar pelo Madeira eram: a) chatas. b) gaiolas. c) vapores. d) pirogas. e) igarités. 3. Redija um texto explicando o funcionamento da navegação comercial pelos vales do Madeira e Guaporé no período colonial. Texto: 4. Qual a importância do comércio f luvial para as regiões do Madeira e do Guaporé no período colonial? R: 66 5. A quem beneficiava o comércio f luvial realizado pela rota monçoeira do norte? R. Em resumo. A mineração promoveu a colonização do extremo-oeste do Brasil, gerando conflitos e disputas pela posse das terras do Vale do Guaporé entre Portugal e Espanha. A crise da mineração em Cuiabá levou os irmãos Fernando e Arthur Paes de Barros a explorar e descobrir a existência de novas jazidas no Vale do Guaporé na década de 1730. Coube ao Estado Colonialista Português a instalação das bases de um projeto de colonização da região. Em 1748 criou -se a Capitania do Mato Grosso e Cuiabá. Em 1750 foi assinado o Tratado de Madrid. O primeiro governador foi o Capitão-General D. AntônioRolim de Moura, que fundou a capital Vila Bela em 1752, o Forte de Nossa Senhora da Conceição e estimulou a colonização local trazendo escravos, criando companhias mi litares e fundando núcleos colonizadores no rio Madeira, como o povoado de Nossa Senhora da Boa Viagem do Salto Grande do Rio Madeira fundado em 1759 pelo Juiz-de-Fora Teotônio Gusmão na cachoeira que hoje se chama Teotônio. A agropecuária foi sempre uma a tividade secundária no Vale do Guaporé. Sua prática esteve subordinada aos interesses da mineração e da polít ica militar fronteiriça. A maior fazenda de gado da região foi Casalvasco, fundada pelo governador Luís de Albuquerque de Mello Pereira e Cárceres. Para os trabalhos agropecuaristas locais util izava - se a mesma mão-de-obra escrava das minas e o rendimento baixo da produção expunha a região a perigos e surtos de fome. O comércio foi intensamente praticado e a Capitania importava quase tudo o que consumia, desde escravos, até tecidos, utensílios, alimentos, etc. As rotas comerciais eram estabelecidas através da navegação f luvial (rotas monçoeiras do sul ou do norte) e por terra 67 (rotas sertanistas) quando se viajava com as mercadorias em lombo de burro. A Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão monopolizou as atividades comerciais entre 1756 e 1777, através da rota monçoeira do norte (navegando-se pelos rios Madeira, Guaporé e Amazonas). Transportava gêneros alimentícios, escravos, tecidos, mobiliár io, objetos de culto religioso, armas, jóias, remédios. Levava o ouro, as drogas do sertão e objetos obtidos no contrabando com os vizinhos colonos espanhóis da margem esquerda do Guaporé. 68 Capítulo 4 A sociedade colonial guaporeana, aspectos do cotidiano, a escravidão e a resistência escrava. A sociedade colonial no Vale do Guaporé. A vocação para se tornar abrigo dos indesejáveis e depósito dos proscritos do sistema se perpetuaria na região a partir do século XVIII em diante. Tanto os governos colonia is, quanto os governos monárquicos e mesmo os republicanos tratariam a área guaporeana e o Vale do Madeira como uma prisão sem paredes nem grades, onde os desclassif icados poderiam, f inalmente, servir de alguma util idade para o poder. Brancos endividados ou criminosos de outras regiões viriam a ser, no Vale do Guaporé, a elite dos colonizadores e, excluindo -se os cargos de primeiro escalão da administração pública e funções clericais, passariam a ocupar os principais postos e cargos da sociedade e do poder locais. Já o conjunto anônimo dos trabalhadores comuns era constituído predominantemente de indigentes de outras áreas, prevalecendo aí uma população negra ou mestiça. O governador Rolim de Moura ressalta, em vários pontos de sua correspondência, o percent ual ínf imo de brancos que existia na região, evidenciando ainda o percentual expressivo de negros e mulatos. Destaca, também, a sub -colonização, a constante necessidade de se fazer adentrar na região um maior contingente de colonos, as dif iculdades impostas pelo abastecimento precário e pelo meio hostil e as constantes ameaças castelhanas. Essa carência de recursos humanos era ampliada pela distância dos demais centros coloniais e pelas dif iculdades de se garantir o abastecimento. A precariedade da situação exigia das autoridades a util ização de todos os habitantes da Capitania em ocasiões onde fossem necessárias a atuação militar. Acreditava-se em meados do século XVIII que as riquezas das minas do Vale do Guaporé eram suficientemente abundantes para garantir sua prosperidade, a da Capitania e de parte das sempre crescentes necessidades do Estado Português. Essa prosperidade deveria ser construída a partir do estabelecimento de uma população f ixa, produtora de riquezas e que espelhasse os padrões sociais do s demais núcleos coloniais, formando uma sociedade de ordens ou estados alicerçada sobretudo na prática do escravismo. Em Vila Bela e no Vale do Guaporé as distinções sociais cavavam verdadeiros abismos entre os seguimentos da sociedade, embora sua constituição fosse marcada predominantemente por excluídos sociais (pobres e miseráveis) de diversos pontos da colônia, incluindo -se aí brancos pobres, endividados ou culpados junto á justiça; forros negros ou mestiços, indígenas e escravos. A polít ica desenvolvida pelos governadores, a partir de Rolim de Moura permitia aos brancos, mamelucos e mestiços de cor mais clara a reconquista de um status social, que seria impossível de se obter em 69 outras regiões da colônia. a concessão do “privilégio de couto” (ação de resguardar-se das penalidades judiciais) e o perdão das dívidas junto à justiça era um instrumento destinado a atrair habitantes para a região, notadamente entre os setores mais desclassif icados da sociedade. Mesmo assim é interessante observar, que a escassez absoluta de brancos para a constituição da elite social da região levou o governo a aproveitar os poucos brancos e mestiços claros da melhor forma possível. Longe de ser apenas uma mera venda de cargos, títulos e honrarias, a redefinição do status social desses brancos os transformavam em homens bons, aptos a participar da vida pública do Vale do Guaporé, e úteis ao sistema que os governava e com novo prestígio diante da imensa maioria negra ou de mestiçagem escura. Paralelamente a essa minoria branca que foi se transformando na elite social da região, observa-se uma imensa maioria de mestiços, negros e índios, que integraram os patamares mais baixos da sociedade, preenchendo as lacunas sociais desde a condição de escravos até a de pequenos e médios funcionários públicos (como os membros da Companhia dos Homens Pardos e a dos Pedestres) ou ainda como pequenos comerciantes, faiscadores, lavradores e comboieiros. A sociedade guaporeana formava-se a partir de uma complexa gama de extratos sociais, tendo ao topo a elite branca encabeçada pelos governantes e seus auxiliares diretos, além dos ricos proprietários de lavras, sesmarias e grandes comércios. As camadas medianas compunham-se de pequenos e médios comerciantes, proprietários de plantéis reduzidos de escravos e donos de pequenas lavras. A seguir encontravam-se os homens pobres livres, geralmente trabalhando como autônomos em regiões de mineração franqueadas a todos, ou ainda cultivando pequenas roças ou mesmo integrando expedições sertanistas para busca de ouro e índios. Por f im, na base da pirâmide social encontravam-se os escravos tanto índios quanto negros. Exercícios. 1. Como se constituiu a sociedade colonial do Vale do Guaporé? R. 2. Que polít ica foi adotada pelo governo colonial para atrais habitantes para a região? R. 70 3. Como era organizada a pirâmide social do Vale do Guaporé colonial? R. Marque a alternativa correta: 4. Não integrou a sociedade colonial guaporeana: a) o clero católico. b) uma elite militar branca. c) os escravos africanos. d) uma burguesia industrial e mercantil. e) um grupo de exilados vindos de outras partes da colônia em troca do perdão de seus crimes 5. Formavam a base da população colonial guaporeana, exceto: a) escravos e pobres livres. b) portugueses que administravam a colônia. c) índios e caburés escravizados ou livres. d) comerciantes de Belém e Lisboa, senhores de engenho e de minas e) militares e missionários religiosos. Negros, índios. europeus e mestiços: as políticas de ocupação e defesa do território e as relações de poder e submissão. O Vale do Guaporé abrigou no período colonial uma sociedade mercantil ista e escravocrata. A maior distinção social assentava -se sobre a condição livre/escravo, o que caracterizava a posição do indivíduo perante o ordenamento jurídico: pessoa ou propriedade, cabendo a uns o direito à cidadania e a outros não. As distinções entresenhores e escravos atingiram toda a sociedade, permeando os mais variados segmentos sociais e atingindo todos os aspectos da vida comum. Essa dicotomia exter iorizava-se nas relações raciais negro/branco, adquirindo nuances variáveis, como as próprias gradações de cor que estabeleciam. As relações de poder e submissão entre senhores e escravos davam-se diretamente no convívio diário, 71 havendo poucas intervenções do poder colonial na prática cotidiana dessas relações. A elite guaporeana formou-se a partir de sertanistas e aventureiros, que contemplados pela sorte ou obcecados pelo sonho do ouro e da riqueza aventuraram-se pelos sertões em busca de índios e jazidas auríferas. Aos que descobriam tais riquezas era passado o título de guarda-mor das minas descobertas e “ receberia um hábito das Ordens militares com tença de 50.000 réis .” Vencer indígenas hostis, aprisioná-los e escravizá-los era uma forma de se adquir ir prestígio, honras e cargos. Aos descobridores de lavras e faisqueiras reservava - se ainda a parti lha das terras, garantindo -lhes os melhores sítios. A descoberta das lavras e a tomada de posse das mesmas por uma reduzida porcentagem de mineiros, através de requerimentos feitos ao Estado, com base em serviços prestados ao governo local (combate a indígenas como os Kayapó e Payaguá), relevantes serviços nas lutas de fronteira, ou à própria Metrópole (informações sobre veios, rotas de navegação e serviços de espionagem), levaram a formação de algumas poucas e gigantescas fortunas na região. As ocupações polít icas também davam prestígio e possibil itavam a ascensão social. Integrar a Câmara do Senado era uma oportunidade de aproximação dos habitantes locais com as elites portuguesas no exercício do poder, conferia prestígio e nobreza, aumentando as chances de bons negócios e de bons conhecimentos. Ser nomeado um militar de alta patente também era sinal de status , e mesmo pertencer às irmandades religiosas poderia conferir prestígio e regalias. A posse de grandes fortunas implicava em estratégias de multiplicação de investimentos, diversif icação de atividades e posses. Assim era-se ao mesmo tempo senhor de lavras, comerciante ligado às rotas monçoeiras, agricultor e pecuarista, voltado tanto para a exportação quanto para a subsistência. A instabilidade das lavras exigia a diversif icação das atividades a f im de se garantir o patrimônio. A grandiosidade e o fausto vivido pelas elites do Vale do Guaporé são bastante evidentes. As festas eram então marcadas pela grande suntuosidade proporcionada pelo ouro, que possibil itava às elites suas ricas vestimentas de seda e o conforto de um mobiliário luxuoso. Todo esse esplendor foi regulado pela intensidade da produção do o uro, pela regularidade do comércio monçoeiro com o Pará e pela manutenção da polít ica de fronteiras. Ao decaírem os pilares de sua sustentação as elites de Vila Bela e de todo o Vale do Guaporé procuraram os rumos de Cuiabá que desde os f inais do século XVIII já suplantava Vila Bela em riqueza e desenvolvimento. Quanto às camadas populares onde predominavam mestiços de todos os tipos prevaleceram os pequenos proprietários que cultivavam pequenas roças de subsistência, pequenos comerciantes que revendiam produtos oriundos das monções e que terminaram constituindo os grupos de mascates, os sertanistas preadores de índios, os aventureiros e uma inf inidade de pobres livres it inerantes que vagueavam de um arraial para outro ao sabor da produção das lavras. Esse mesmo segmento de livres pobres era considerado ainda um estorvo e um prejuízo, pois, situados à margem do processo produtivo, 72 transformavam-se em um problema social e um ônus para o Estado, que no objetivo de adequá-los à realidade da produção mercantil is ta recorria e legit imava o uso da força e da coerção.. A grande massa popular anônima era util izada basicamente para todo tipo de serviços. Considerada inútil e marginalizada pelo sistema, a ela coube parte considerável do ônus da conquista, posse, manutenção e produção da Capitania. Assim Dom Antônio Rolim de Moura criou em 07 de fevereiro de 1755 uma esquadra de pedestres, adidos à Companhia de Dragões. Essa esquadra compunha -se do segmento mais baixo dos homens livres da região. Trabalhadores especializados integram o reverso do grupo de homens livres pobres. Em geral t inham uma vida bem mais cômoda do que os demais e adequavam-se com exatidão às exigências do sistema, sendo imprescindíveis a qualquer núcleo de colonização e trabalho. Sendo a população guaporeana um conjunto humano predominantemente masculino, mestiço ou negro, é natural que a região tenha sido notavelmente marcada por um elevado índice de criminalidade e violências de toda ordem, como aliás é típico das regiões de mineração e de frontei ra. Os desatinos se multiplicavam e as autoridades, embora se empenhassem em reprimir aquilo que consideravam como contravenção, jamais conseguiram conter a impetuosidade dos aventureiros e mineiros do Guaporé. Os crimes das elites ligam-se à corrupção e exploração, não havendo registros nas Correspondências dos Capitães-Generais ou nas Crônicas e Memórias de crimes comuns. Poucos eram os limites impostos às autoridades; os acontecimentos de menor relevância, que não envolviam perdas para o Estado eram escamoteados, ignorados ou perdoados. Exercícios. 1. Como era formada a elite social guaporeana? R. 2. Que tipo de atividades econômicas esta elite desenvolveu? R. 73 3. Como viviam as camadas populares pobres e livres desse período? 4. Marque V ou F. ( ) As camadas populares livres não foram aproveitadas pelo regime colonial no Guaporé. ( ) Os donos de lavras e mineiros formavam a base da sociedade local. ( ) O trabalho escravo indígena foi muito util izado no Guaporé colonial. ( ) A comutação das penas e o perdão dos crimes foram instrumentos util izados pelo poder colonial para garantir o povoamento do Guaporé colonial. 5. Assinale a alternativa adequada. Desenvolveu o povoamento da região guaporeana e criou a esquadra militar dos pedestres, constituída por homens livres muito pobres: a) Luís de Albuquerque. b) Rolim de Moura. c) Pascoal Moreira Cabral. d) Luís Pinto Souza Coutinho. e) João Pedro da Câmara. Doenças e epidemias. O cotidiano da população guaporeana foi marcado também pela elevadíssima quantidade de doenças e epidemias. A morte era uma possibil idade sempre muito real e próxima em toda a região, chamada por Rolim de Moura de “O terror da América”. A Malária (malárias), maculos ou corruções, febres catarrais, pneumonias, diarréias sanguinolentas, tuberculose, febre amarela, t ifo e cólera foram as grandes causadoras de morte e terror entre os habitantes do Guaporé, ajudando a consolidar a triste fama da região, de ser uma sepultura a céu aberto. O pavor provocado pelas doenças era manipulado polit icamente, principalmente durante o século XIX. De Cuiabá os Capitães-Generais expressavam seu horror à grande incidência de doenças das minas do Vale do Guaporé. Embora fossem duramente atingidos pelas doenças regionais, os brancos por estarem menos expostos a adversidade ambiental eram relativamente menos vulneráveis às endemias. As doenças, além do ônus grave à saúde e à vida, constituíam-se em sérios problemas para 74 a administração colonial. Em uma região tão infectada por males tropicais como o Vale do Guaporé, o ritmo dos trabalhos e da produção em geral era seriamente comprometido pelo surgimento e dispersão dos surtos epidêmicos dentre os quais as malária eram as mais comuns. Paralelamente a estes surtos epidêmicos “menores” e de conseqüências menos t rágicas para o conjunto da população, t inha -se ainda as grandes endemias, que vit imavam a muitos como a de 1758 marcada por violentos cursosde sangue e tosses ou a de 1814, quando a varíola varreu o Forte Príncipe da Beira, levando o governo a tomar medidas para evitar o alastramento do mal. Epidemias de bexiga, sarampo, verminoses f lagelavam a população e aumentavam os índices de mortalidade da região. A esse conjunto é importante acrescentar a questão das péssimas condições sanitárias que se tornavam ainda piores nos picos das enchentes entre março e abril. As pragas e epidemias completavam -se com os mosquitos que, em algumas épocas, também tornavam impossível o trabalho e levavam ao desespero as populações. No “Diário de navegação pelo rio Madeira”, expedição comandada por Francisco Mello Palheta, há referência a uma praga de piuns junto às cocheiras do Madeira que impedia a realização dos trabalhos. Os ciclos das doenças e as sucessões epidêmicas mantinham as populações sob a constante ameaça de tremendas fatalidades. Pouco se sabe sobre os modos de combatê-las util izados pelos mineiros, militares e autoridades do século XVIII e princípio do século XIX. O Barão de Melgaço fala da existência de um médico francês na região de Pedras, em 1751, de nome Jean Baptiste Andrileu que já atuava na região há quase 10 anos. Os tratamentos eram normalmente feitos à base dos conhecimentos da medicina popular, uti l izando -se muito do saber índio e africano. No entanto, algumas doenças eram tratadas com produtos da farmacopéia da Europa. Para a síf i l is uti l izava -se o mercúrio, já para as malária o remédio empregado desde o século XVIII era o quinino, extraído da Árvore da Quina, descoberto na Capitania no governo de Caetano Pinto de Miranda Montenegro em 1798. O maculo era tratado com um preparado de erva-de-bicho, l imão, pólvora pimenta e cachaça. Para as doenças pulmonares, febres catarrais e pleurisias o remédio mais util izado era a aguardente. Ao romper o século XIX, a região do Guaporé registrava todo tipo de problemas para sua manutenção. Entre esses problemas a questão da descolonização e do alto índice de mortalidade f iguravam como muito preocupantes. Buscando reverter o quadro caótico da saúde local o governador João Carlos D’Oeynhausen Gravenburg mandou criar e m 15 de agosto uma Aula de Anatomia e Cirurgia em Vila Bela, festejando dessa forma a chegada da Família Real ao Brasil. O projeto de Oeynhausen, no entanto, não foi adiante. Exercícios. 1. Que tipos de doenças foram mais comuns na região guaporeana? R. 75 2. Em seu conjunto o que essas doenças ref letem? R. 3. Quando as doenças se tornaram mais intensas? R. 4. Como eram realizados os tratamentos? R. 5. Qual foi a doença mais comum do Guaporé Colonial? a) maculo. b) t ifo. c) febre-amarela. d) malária. e) pneumonia. 76 Aspectos da escravidão: a organização do trabalho, as ocupações e a família. Os trabalhos dos escravos nas grandes sesmarias, lavras e faisqueiras, era controlado por feitores que intermediavam as relações entre os senhores e os cativos. Esses feitores eram investidos de grande autoridade e poder e não raro eram oriundos da própria escravaria, sendo em grande parte das vezes mulatos, pardos ou negros. Na f igura do feitor de escravos repousou a autoridade e disciplina do trabalho nas médias e grandes propriedades. Foi através dele que se tornou possível ao grande proprietário a manutenção de sua imagem distante e patriarcal, que pairava acima dos confrontos e conflitos cotidianos, comuns ao meio e que decidia as grandes questões de forma eqüidistante. Entre os pequenos proprietários de escravos inexistiu a f igura do feitor e, na maior parte das vezes, as relações entre o senhor e seus cativos foram mais próximas, o que permitia uma melhor condição de vida para os escravos. Isso no entanto não impedia que fossem util izados os diversos recursos disponíveis para a coerção e imposição da vontade desses pequenos proprietários sobre seus reduzidos plantéis. Relativamente ao trabalho escravo, no Mato Grosso em geral e especif icamente no Vale do Guaporé, é necessário salientar ainda a questão dos Pretos Del-Rey, um numeroso plantel de escravos pertencentes ao Estado Português, adquirido pelos governadores da Capitania em épocas e situações diversas com o objetivo de tocar obras públicas e servir aos mais diversos propósitos, incluindo-se mesmo a atividade militar em momentos de forte tensão fronteiriça, cult ivo de sesmarias, trabalhos nas lavras, pastoreio e criação de gado, fabricação de pólvora e muitos outros serviços. A escravaria Del -Rey nunca foi considerada suficiente ou satisfatória, o que sempre obrigou o Estado a recorrer aos escravos de particulares, que eram alugados para a realização de diversos trabalhos, como na construção do forte Príncipe da Beira. O trabalho escravo era requisitado mesmo para f ins militares. Em 1752, o governador Rolim de Moura criou uma Companhia de Homens Pretos, preparando-se para uma possível guerra contra os vizinhos castelhanos. Já o Barão de Melgaço ressalta que durante a situação de guerra entre Portugal e Espanha em 1763, o Capitão-General Antônio Rolim de Moura organizou uma tropa com “o número pouco mais ou menos de quinhentos homens, sendo a maior parte escravos e entrando também carijós, muitos de uns e outros sem armas de fogo .” Constituindo-se o escravo em um bem de grande valor e custo elevado, em meio a uma economia predominantemente instável, é notável a sua util ização em guerras, onde poderia morrer, fugir, ferir -se ou tornar-se um inválido para o trabalho. Além de todos esses fatores, a participação de escravos em campanhas militares ressalta, conseqüentemente, o seu afastamento de toda e qualquer atividade economicamente produtiva, tornando-o um bem ainda mais caro. No 77 entanto a escassez de população, as constantes ameaças estrangeiras ou de indígenas hostis e a força da polít ica de defesa fronteiriça foram argumentos suficientemente ef icazes para permitir e estimular a util ização de negros escravos, também nesse ramo de atividades. Sobre a escravidão no Vale do Guaporé é necessário ainda abordar os temas da constituição da família escrava, seu lazer e sua religião no contexto da escravidão colonial entre a segunda metade do século XVIII e a primeira do século XIX. A família escrava, no Vale do Guaporé, estruturou-se em seus aspectos mais gerais a part ir do modelo tradicional da família cristã portuguesa, mas buscando adaptar - se às circunstâncias e dif iculdades locais, onde problemas graves como a desproporcionalidade do número entre homens e mulheres da região eram muito evidentes. O desequilíbrio entre os sexos motivava a busca de soluções alternativas que amenizassem o problema e permitissem aos escravos a formação de uniões estáveis, raras e pouco mencionadas na documentação referente ao século XVIII, no Vale do Guaporé. Mesmo util izando-se de mulheres indígenas e mestiças, a desproporção e o desequilíbrio entre os sexos era tão elevado que a maior parte da escravaria f icava sem poder contar com a proteção, o amparo e o socorro que o grupo familial poderia oferecer. A religião dos escravos do Guaporé , como de todo o restante da colônia, foi o catolicismo imposto pelo colonizador. Foi através do próprio cristianismo que a escravidão foi legit imada. Constituindo -se em uma religião de obrigações formalistas, o catolicismo colonial pregou os alicerces da ordem senhorial e da dominação escravocrata, onde a caridade paternalista é ditada pelo signo do temor e onde a aceitação pacíf ica do sofrimento e da miséria são traduções da penitência, que salva e assemelha ao próprio Cristo. As exterioridades do catolic ismo eram impostas aos escravos, que no mais das vezes mesclavam-nas com práticas religiosas étnicas oriundas da África e de culturas ameríndias. O catolicismo imposto aos escravos uniu-sea um conjunto de práticas ritualísticas e mágico - divinatórias de or igem afro-indígena, que multifacetava a prática da religião entre os escravos e também entre os segmentos mais baixos da população livre, predominantemente mestiça ou negra. Essa religião sincrética organizou-se a partir dos moldes do catolicismo popular, praticado em toda a colônia e que no Guaporé foi intensamente marcado pelo culto de São Benedito, o santo preto dos pretos. Vítimas de abusos de toda sorte, vivendo no Vale do Guaporé, um verdadeiro inferno, sujeitados a maus tratos, castigos e suplícios, perseguidos e mortos ou vendidos pelos indígenas aos castelhanos, os negros do Guaporé buscavam também por formas diversas escapar às angústias do cativeiro que os atormentava. Suas atitudes em busca de melhores condições de vida, chegavam à medidas de re beldia que exigiam extrema coragem e vigor. Os escravos do Vale do Guaporé construíram assim uma história de lutas e resistência à escravidão, que deixou marcas na colonização desse rio, perceptíveis até os dias atuais. Exercícios. 78 1. Qual o papel dos fe itores na sociedade escravista? R. 2. O que eram os pretos Del-Rey? R. 3. Como constituía-se a família escrava no Guaporé? R. 4. Como era a religião desses escravos? R. 5. Não se vincula à escravidão guaporeana: a) escravidão mais intensa durante o ciclo da borracha no século XIX. b) negros eram o contigente mais numeroso da população. c) iniciou-se com a exploração do ouro. d) quilombos formavam a base da rebeldia escrava. 79 e) fugas constantes, facil itadas pela proximidade com as fronteiras.. A resistência escrava. No Vale do Guaporé, durante a segunda metade do século XVIII, foram comuns as fugas de escravos e o seu ajuntamento em quilombos, alguns dos quais resistiram, por longos períodos, como é o caso do Quariterê (ou Piolho), que se manteve ativo por quase meia década, desde sua fundação em 1752, até seu total extermínio em 1795. A resistência negra ao cativeiro assumiu, em Mato Grosso, o caráter de atos individuais de violência e inconformismo, da redução do ritmo dos trabalhos de forma intencional, aproveitando-se de fatores ambientais e f ísicos, como as doenças e pragas naturais e a insubordinação pura e simples. De qualquer forma, durante o século XVIII, o temor das insurreições escravas tomou corpo na colônia do Brasil e não passou despercebido em Mato Grosso, onde embora não se tenham registrado levantes da escravatura, pairava o medo de que tal fato pudesse vir a acontecer. Medidas restrit ivas eram constantemente tomadas, procurando combater as possibil idades de rebelião, motins ou simplesmente desordens de escravos. Além da prática de inúmeros crimes e contravenções, os escravos do Guaporé buscaram nas fugas a maneira mais imediata e ef icaz de se libertarem do domínio do cativeiro. No Vale do Guaporé, as fugas eram multiplicadas pela atração exercida pelas fronteiras. Aproveitando -se das constantes divergências entre as coroas de Portugal e Espanha e da inevitável tensão fronteiriça reinante na região, muitos escravos buscavam a liberdade, fugindo para a vizinha colônia castelhana, muitas vezes contando com a colaboração clandestina dos próprios castelhanos, que lhes ofereciam couto e proteção e deles obtinham informações quanto ao sistema de defesa e guarda das fronteiras e mesmo os util izavam para o desenvolvimento de técnicas para cul tivo da cana-de-açúcar e o algodão. Bandos e Alvarás expedidos pelas autoridades coloniais puniam com 400 açoites no pelourinho, o escravo capturado após a fuga ou com a marcação em ferro quente e, em caso de reincidência, a amputação de uma das orelhas. A devolução dos negros foragidos para os domínios castelhanos foi um problema vivido por todas as autoridades coloniais da Capitania de Mato Grosso que, invariavelmente, se viam às voltas com delicadas questões diplomáticas que obstaculizavam as remessas d e escravos mato-grossenses que viviam nos domínios coloniais dos Reis Católicos. Como mecanismo da resistência, as fugas se completavam com a formação de quilombos, que se configuravam na face mais concretamente estudada dos processos de resistência ao ca tiveiro. Exercícios. 1. Foi o principal quilombo do Vale do Guaporé: a) Mutuca. b) Cidade Maravilhosa. c) Serra da Barriga. 80 d) Piolho. e) Palmares f) N.D.A. 2. Quais as formas de resistência adotadas pelos escravos no Vale do Guaporé? R. 3. Que tipos de castigos eram aplicados aos fugitivos? R. 4. Que fatores facil itavam a fuga dos escravos? R. 5. Não pode ser considerado fato ligado à resistência escrava no Vale do Guaporé: a) a fuga de escravos para a colônia espanhola. b) o suicídio e os crimes contra os senhores. c) a formação de quilombos. d) as revoltas armadas de escravos. e) a negociação com os senhores e os feitores. A crise do sistema colonial e o abandono dos vales do Madeira e Guaporé. 81 Ao romper o século XIX, Vila Bela e todo o Vale do Guaporé mergulharam em um profundo estado de decadência e abandono. Progressivamente a cidade e a região tornaram-se letárgicas e incapazes de reagir à intensa crise oriunda de fatores diversos. À precariedade sem solução de toda a região, os senhores donos de escravos responderam com sua retirada para áreas mais prósperas, nas proximidades de Cuiabá. O próprio poder colonial só se manteve no Vale do Guaporé durante as primeiras décadas do século XIX. Na realidade os Capitães-Generais passavam muito pouco tempo em Vila Bela. A região, aos poucos, transformou-se em uma única e últ ima herança deixada aos negros pelo poder senhorial, que se retirava, em definit ivo, do insalubre Vale do Guaporé. Por outro lado, as enormes dif iculdades ambientais e a presença constante de sociedades indígenas hostis inviabilizaram as poucas tentativas feitas pelos capitães generais do Mato Grosso, de estabelecer bases de colonização, postos militares e f iscais, ao longo do vale do alto Madeira. A extinção da Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão acelerou o processo de decadência dos vales do Madeira e Guaporé, na medida em que a atividade mercantil voltou -se, principalmente para as rotas sertanistas do centro -sul da colônia e, posteriormente, do império. Outro fator importante para a compre ensão desse processo de decadência está na expulsão da Companhia de Jesus da região, o que implicou no abandono das atividades catequéticas e missionárias, que na Amazônia foram, tradicionalmente, pólos de formação dos centros coloniais. Os vales do Madeir a e do Guaporé, abandonados pelos jesuítas, f icaram entregues à colonização de iniciativa dos particulares, dedicados ao decadente extrativismo do cacau e das drogas do sertão. O deslocamento das tensões fronteiriças para o vale do Paraguai e a quebra da atividade mineradora definiram o quadro de desinteresse pelas regiões do Guaporé e do Madeira, estabelecendo uma contínua retirada de efetivos e recursos. A insuficiência de colonos nas regiões de Guaporé e do Madeira foi constantemente registrada pelas autoridades governamentais. Essa situação f ica evidenciada na atitude do governador João de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, que alforriou os quilombolas aprisionados pela bandeira de Francisco Pedro de Mello, ordenando - lhes a fundação da aldeia da Carlota, batizando-os e estabelecendo com eles a relação de compadrio e doando-lhes sementes, mudas, ferramentas e animais, que garantissem a consolidação do povoamento da Carlota Já em 1825, a região era conhecida por suas ruínas e pelo abandono do povoamento europeu. Ao longo de todo o século XIX e durante a maior parte do século XX, o Vale do Guaporé caracterizou -se como uma regiãoerma, habitada somente por grupos indígenas e negros. Ocasionalmente o vale foi visitado por expedições científ icas e exploradores que ressaltaram seu abandono e precariedade. Quanto ao Vale do Madeira o desenvolvimento das atividades extrativistas ligadas à borracha determinaram um novo período de prosperidade e colonização. 82 Exercícios. 1. Quais eram as bases da polít ica colonial portuguesa no Guaporé? R. Presidentes da Província do Mato Grosso durante o Império. Posse Nome. 1825 - José Saturnino da Costa Pereira. 1831 - Antônio Corrêa de Costa. 1834 - Antônio Pedro de Alencastro. 1836 - José Antônio Pimenta Bueno. 1838 - Estevão Ribeiro de Rezende. 1840 - José da Silva Guimarães. 1843 - Zeferino Pimentel Moreira Freire. 1844 - Ricardo José Gomes Jardim. 1847 - João Cipriano Soares. 1848 - Joaquim José de Oliveira. 1849 - João José da Costa Pimentel. 1851 - Augusto João Manoel Leverger (Barão de Melgaço). 1858 - Joaquim Raimundo de Lamare. 1859 - Antônio Pedro de Alencastro. 1862 - Herculano Ferreira Pena. 1863 - Alexandre Manuel Albino de Carvalho. 1865 - Augusto João Manoel Leverger (Barão de Melgaço). 1867 - José Vieira Couto de Magalhães. 1869 - Augusto João Manoel Leverger (Barão de Melgaço). 1870 - Francisco Antônio Raposo. 1871 - Francisco José Cardoso Júnior. 1872 - José de Miranda da Silva Reis. 1875 - Hermes Ernesto da Fonseca. 1878 - João José Pedrosa. 1879 - Rufino Enéas Gustavo Galvão (Barão de Maracaju). 1881 - José Maria de Alencastro. 1883 - Manoel de Almeida Gama Lobo D’Eça (Barão de Batovi). 1884 - Floriano Peixoto. 1885 - Joaquim Galdino Pimentel. 1887 - Álvaro Rodovalho Marcondes dos Reis. 1887 - Francisco Rafael de Mello Rego. 1889 - Antônio Heculano de Souza Bandeira. 1889 - Ernesto Augusto da Cunha Matos. 83 2. Porque a sociedade guaporeana entrou em decadência? R. 3. Foi fato que caracterizou a polít ica colonial guaporeana: a) a expulsão dos jesuítas, que arruinou as missões portuguesas da região. b) o reduzido número de escravos africanos. c) o grande crescimento do povoado do Forte Príncipe da Beira no século XIX. d) o f im do comércio f luvial no século XVIII. e) a perda de território para os espanhóis em 1759. 4. Contribuiu para a decadência da região guaporeana: a) o ciclo da mineração. b) o ciclo da borracha. c) o ciclo das drogas do sertão. d) a insalubridade ambiental. e) a abolição da escravidão. 5. Qual a importância do trabalho escravo para o Vale do Guaporé? R. 84 Em resumo. A sociedade colonial guaporeana constituía -se de uma reduzida elite branca reaproveitada de outras regiões coloniais do Brasil. A essa pequena parcela da sociedade foi destinada a posse das minas e lavras e os altos cargos públicos da administração colonial. Eram padres, funcionários públicos, militares e comerciantes. Possuíam grandes propriedades rurais e escravos. Os mestiços eram aproveitados pelo sistema colonial local de acordo com a cor da pele. Quanto mais claros, melhor a sua sit uação social. Foram soldados, pequenos comerciantes e proprietários de terras e escravos, além de funcionários de baixo escalão. Os índios sofreram violentos massacres promovidos por aventureiros e exploradores, mas sua util ização como escravos no Vale do Guaporé foi sempre muito reduzida. O Estado Português e a Igreja Católica fundaram diversas missões jesuítas para sua catequese e aproveitamento econômico nos vales do Guaporé e Madeira. A preocupação com a guarda militar das fronteiras foi sempre um ponto vital da polít ica colonial portuguesa na região. Sempre foi mantido um importante contigente militar na área fronteiriça para prevenir invasões dos espanhóis ou tentativa de conquista de novos territórios. O Forte Príncipe da Beira, construído entre 1776 e 1783, foi o principal marco dessa polít ica militar. Sua construção ocorreu no governo de Luís de Albuquerque de Mello Pereira e Cárceres. As doenças tropicais (malária, febre tifo, febre amarela. Pneumonias, maculo, etc.) foram o terrores da região e eram responsáveis por numerosas baixas entre trabalhadores, autoridades, militares e escravos. Vez por outra o Vale do Guaporé foi assolado por grandes epidemias de varíola, t ifo, sarampo, etc. A falta de uma infra -estrutura sanitária mínima, de remédios e de boa alimentação e higiene foram as causadoras desses graves problemas. A escravidão africana impulsionou a economia regional, a colonização e o estabelecimento dos portugueses na região. Os negros eram util izados em todos os tipos de trabalho. A resistênc ia à escravidão foi mais expressiva na formação dos quilombos do Guaporé, dos quais o mais notável foi o do Quariterê ou Piolho, governado pela rainha Tereza de Benguela. A repressão aos quilombos foi realizada por grupos militares em 1770 e 1795. Os presos sofreram penas de suplício e exposição pública e posteriormente foram util izados na polít ica de povoamento portuguesa da terra, fundando a aldeia da Carlota. A crise da mineração, o deslocamento dos focos de tensão fronteiriça militar do Vale do Guaporé para o Vale do Paraguai e a má fama de insalubridade das regiões do Guaporé e do Madeira determinaram sua decadência e abandono no início do século XIX, Somente os negros permaneceram no Vale do Guaporé e garantiram a posse territorial f ixada no século anterior. 85 Capítulo 5 As pressões internacionais sobre a Amazônia brasileira. O imperialismo: as propostas de internacionalização da Amazônia e o etnocentrismo dos viajantes. A expansão do capitalismo industrial e f inanceiro mundial, a partir do século XIX, levou a uma crescente adoção das práticas e polít icas imperialistas que, promovidas pelas grandes potências da Europa, o Japão e os USA, tiveram como alvo os territórios da África, Ásia, Oceania e América Latina. Em meados do século passado, os avanços na tecnologia, nos transportes e nos meios de produção, ocasionaram o surgimento de gigantescas corporações que resultaram da fusão entre o capital f inanceiro e o capital industrial. O avanço desse processo de concentração de capitais culminou com a criação de trustes, cartéis e, mais tarde, para fugir às legislações antitruste, holdings . Essas corporações visavam à obtenção de contratos privilegiados, quanto ao monopólio de determinados mercados, contando, para esse intento, com a colaboração da diplomacia e, freqüentemente, quando esta falhava, do exército de seus países, além da prática do dumping para eliminar os concorrentes. Os investimentos do capital monopolista na Amazônia resultaram no controle de importantes concessões de serviços públicos, como portos e navegação, além da exclusividade nas operações de exportação da matéria-prima, o que dava às casas exportadoras uma ampla margem de controle dos preços da goma elástica. É interessante observar os aspectos polít ico e militar desse processo, na me dida em que forjaram determinada mentalidade que, de forma bem precisa, migrou para a Amazônia, juntamente com capitais e técnicos estrangeiros. Essa mentalidade desenvolveu-se a partir da forma mais extremada do imperialismo, efetivada na África e no Orie nte, particularmente na China. Ao f inal do século XIX, uma série de doutrinas expansionista e seus corolários desenvolveram a noção de um certo “Destino Manifesto”, a ser realizado pelos Estados Unidos. Basicamente, a doutrina do destino manifesto parte da idéia de que certos países possuiriam atributos, raciais, geopolít icos e/ou econômicos, que os tornariam superiores aos demais. Esses atributos justif icariam seu domínio sobre os países “inferiores”, com o objetivo de expansão e defesa. Por outro lado os países dominados ou sob a esfera de inf luência dessas potências, têm a lucrar,com o desenvolvimento econômico e social trazidos com o domínio estrangeiro. As pretensões de estrangeiros, não somente sobre a navegação, mas também sobre o destino e a exploração do vale do Amazonas criaram, ao longo de todo o século XIX, sérias desconfianças por parte do Governo Imperial. Chegando mesmo D. Pedro II (1825 -1891) a registrar, em seu diário pessoal de 1862, receio em relação às pretensões dos E.U.A sobre o Amazonas. As desconfianças do governo 86 imperial foram herdadas pelo governo republicano e são de fundamental importância para a compreensão da Questão Acreana. Uma série de viajantes estrangeiros que correram o vale, desde o período colonial, descreveram de forma apaixonada e idealizada as potencialidades da terra. No século XIX podemos citar: Will iam H. Edwards (1822-1909), um naturalista norte-americano que desembarcou na Amazônia em 1846 e o naturalista inglês Richard Spruce (1817 - 1893), que desembarcou no Bras il em 1849 e permaneceu na Amazônia até 1864. De uma maneira geral, as conclusões são as mesmas: a terra era naturalmente dadivosa, porém pobre e despovoada, apenas em razão da indolência de seus povoadores. A solução então seria entregar aquela terra ao gênio operoso do europeu ou do anglo -saxão para transformá-la em um paraíso de fartura e prosperidade. Havia também aqueles que viam de maneira negativa, tanto os dotes naturais da terra, como os de sua população, estabelecendo comparações pouco lisonjeiras entre a natureza Européia e a Americana. Esse era o caso do Conde Joseph-Arthur de Gobineu (1816- 1882), embaixador da França no Brasil entre abril de 1869 e maio de 1870, que se julgou também habilitado a emitir opiniões sobre a terra, a cultura, a natureza e o homem tropical. O conde, autor de um trabalho intitulado “Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas” (1853 - 1855), descreveu nesse trabalho a natureza do país: cheio de insetos e seres rastejantes, constituído por um povo de malandros e ociosos, composto de mestiços de todo o tipo, no qual era impossível ver a pureza do sangue europeu. Exceto a família real, evidentemente, eram os brasileiros a ralé do gênero humano. Exercícios. 1. Que regiões foram os grandes alvos do imperialismo euro -americano na 2ª metade do século XIX? O que de pretendia? R. 2. Que tipos de “visões” os exploradores emitiram sobre a América tropical entre os séculos XVII e XVIII? R. 87 3. Que doutrinas imperialistas orientaram o governo norte -americano em suas relações com a América Latina? R. 4. A teoria sobre a inferioridade dos povos das zonas tropicais de Gobineau baseia-se na idéia de que o clima e a natureza prejudicam a espécie humana. Que conseqüência essas idéias tiveram no século XX? R. 5. O que defenderam os norte-americanos interessados em explorar as riquezas da Amazônia Boliviana em 1853? R. A navegação no Madeira e a abertura do Amazonas à navegação internacional. Durante praticamente todo o século XIX a navegação, pelo trecho encachoeirado do rio, foi realizada por bolivianos, tanto para a exportação e importação dos gêneros necessários à indústria extrativista, quanto para o escoamento de produtos agrícolas e 88 pecuários provenientes do Beni. A quina ou cascarilha, provi nha da província de Caupolican, de onde o produto era transportado até Reyes e Yacuma, e daí até o rio Mamoré, seguindo para o Madeira. Apesar de a Bolívia exportar a maior parte de sua produção pelo oceano Pacíf ico, a via do Madeira era de fundamental importância para o comércio do noroeste boliviano, pois o Atlântico estava mais próximo dela. Até o últ imo quartel do século XIX o porto mais próximo do Madeira, onde se encontrava linha regular de vapor, era o de Serpa (Itacoatiara), na foz desse rio, para onde os produtos das regiões do Beni e do alto Madeira eram transportados, em embarcações movidas a remo. Descia pelo Madeira, em direção a Itacoatiara, a produção extrativa e agropecuária do Beni, embarcada em batelões, que depois retornavam com produtos industrializados, vergalhões, ferramentas, armas e munições, bebidas, atavios. Em 1864, desceram por esse rio, provenientes do Beni, 70 canoas com produtos (cacau, charutos, charque, couros, graxa e gado em pé) que se destinavam à exportação pelo porto de Belém e ao consumo interno da Amazônia brasileira. No ano seguinte o número de canoas subiu para 98. Dessa forma, era interesse dos habitantes do noroeste boliviano o estabelecimento de linhas de navegação à vapor pelo Madeira, e uma solução, estrada ou canal, que resolvesse o problema da travessia do trecho encachoeirado desse rio, que beneficiaria, além do Beni, a ampla região de Santa Cruz e Cochabamba. À província do Amazonas interessava estimular esse comércio por razões f iscais. A questão da livre navegação no rio Amazonas e seus af luentes, assim como a resolução do problema do trânsito entre o alto Madeira e o Mamoré era o centro das preocupações dos empresários ligados à indústria extrativa, de polít icos e do governo imperial. Em face da descapitalização da economia regional, a proposta mais freqüentemente feita era a de atrair o capital estrangeiro para o setor dos transportes. A partir do início da segunda metade do século XIX, o governo norte-americano manifestou interesse em abrir a Amazônia aos ca pitais daquele país, particularmente no setor da navegação f luvial, cuja exploração por navios de bandeira estrangeira era proibida pelo governo imperial. Em 1849, o representante norte -americano no Brasil apresentou ao governo imperial um projeto de abert ura do rio Amazonas à navegação internacional, recusado pelo governo em nota de 22 de abril de 1851. As primeiras investidas das companhias de navegação, para revogar essa proibição, também foram mal sucedidas. Assim, o governo imperial recusou autorização para que a Amazon Steam Navigation Co. Ltd. operasse no vale Amazônico, fato que resultou em imediata reação da parte contrariada. Alegou o governo dos Estados Unidos que a posição brasileira era representativa da polít ica de isolamento, semelhante à chinesa, sendo contrária aos interesses da humanidade, na medida em que a abertura da Amazônia ao capital estrangeiro viria trazer a civil ização, sem nenhum perigo para a soberania nacional. O governo brasileiro pensava exatamente o contrário, ou seja, que se repetisse no Brasil o que ocorreu na China, ao f inal da Guerra 89 do Ópio. Reforçava o temor do governo imperial o fato de que, nos Estados Unidos, um oficial da marinha norte -americana, Matthew Fontaine Maury (1806-1873), movia intensa campanha através de artigos publicados em jornais, sob o pseudônimo de Inca, e mesmo em um memorial (The Amazon and the Atlantic slopes - O Amazonas e a rota do Atlântico) em 1853 endereçado ao seu governo, sustentando que as riquezas naturais da Amazônia mereciam ser explorada s pela civil ização, através da conquista científ ica, econômica e polít ica. A recusa do governo imperial às pretensões da Amazon Steam Navigation Co. Ltd., deu motivo para a campanha de Maury crescer em intensidade, do que resultou em denúncia secreta envia da pelo representante brasileiro em Washington, Teixeira de Melo, ao ministro das relações exteriores daquele país, considerando o fato uma ameaça à soberania brasileira. A polít ica, baseada no temor de uma agressão á integridade territorial nacional, levada adiante pela chancelaria brasileira fazia sentido. Eram os norte-americanos com suas doutrinas Monroe e do Destino Manifesto que se sentiam os mais autorizados a interferirem na soberania dos países do continente americano, repelindo quaisquer pretensões européias. Em 1851, os Tenentes Will iam Lewis Herndon (1813 - 1857) e Lardner Gibbon, da marinha norte -americana, viajaram pelo rio Amazonasentre 1851 e 1852 para investigar as possibil idades de util izar a região para transmigrar a escravidão de seu paí s para a Amazônia. Em um ano de expedição, pouco se conseguiu coletar em termos de informações sobre o potencial agrícola e a transmigração em massa de fazendeiros do sul dos E.U.A, e seus escravos, para o vale, contudo o relato da viagem (Exploration of t he Valey of the Amazon - Exploração do vale do Amazonas) despertou interesse suficiente para a realização de outras expedições ao Amazonas. Um novo complicador veio à adicionar -se a situação quando, em 27 de janeiro de 1853, o presidente boliviano Manuel Isidoro Belzu (1808-1865) negociou com os norte-americanos o translado dos negros recém libertos para o norte amazônico e abriu os rios do noroeste boliviano à navegação internacional oferecendo, a título de estímulo, concessões de terras, a quem quisesse explorar àquela região. Em 15 de abril daquele mesmo ano o governo peruano permite a navegação de navios estrangeiros em seus rios. O resultado da negociação estimulou tentativas mais agressivas sob a forma de expedições. Naquele mesmo ano anunciava-se, em Nova Iorque, uma nova expedição de exploração do rio Amazonas, comandada por um certo Tenente Porter. De forma bastante agressiva os expedicionários alegavam que o controle desse rio pelo Brasil, não lhe dava o direito de impedir a l ivre navegação dos navios dos países vizinhos em direção ao oceano Atlântico. Em notícia publicada no New York Times, de 4 de agosto de 1853, os expedicionários expuseram seus pontos de vista: foram convidados por nações, cujos af luentes desembocavam no rio Amazonas, a subirem aquele rio e comerciar com esses países. Pretendiam defender o direito das nações vizinhas ao Brasil à l ivre navegação do Amazonas. Afirmavam o ponto de vista que, caso o Brasil tentasse impedir o 90 intento da expedição, esta teria o direito de reagir, bem c omo de ser protegida pelos E.U.A. O acento ameaçador dessas declarações e a publicidade dada ao assunto, f izeram com que o Departamento de Estado norte-americano se manifestasse, desautorizando os porta vozes da expedição. A resposta foi clara: o Brasil não permitiria a livre navegação no vale do Amazonas, porque temia o expansionismo norte -americano, a recente questão da propriedade do território do istmo do Panamá, por onde passava uma ferrovia norte-americana, deixava clara sua intenção de apropriar-se daquele território, temendo o governo brasileiro uma ação de igual teor no Amazonas. Como medida preventiva, e f irmando uma posição sobre o assunto, o governo brasileiro decretou a monopolização da navegação no Amazonas. Em 1852, tendo aceitado uma oferta de subsídio f inanceiro de 160 contos de réis e o monopólio, com duração de 30 anos, da exploração da navegação no rio Amazonas feita pelo governo, Irineu Evangelista de Souza, Visconde e Barão de Mauá (1813 -1889) fundou a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, com parte do capital investido pelo próprio Barão e o restante obtido através de subscrição das ações pelos comerciantes de Belém e Manaus. O primeiro vapor l igou Belém a Manaus naquele mesmo ano. Foi esse o meio encontrado pelo governo para reagir às pressões estrangeiras e proteger sua soberania territorial. Exercícios. 1. Viajou pelo Vale do Amazonas entre 1851 e 1852 investigando as possibil idades de trazer para a Amazônia os negros escravos dos E.U.A: a) Tenente Lardner Gibbon. b) Louis Agassis. c) Richard Spruce. d) Matthew Fontaine Maury. e) Thayer. 2. Qual o projeto do norte-americano Matthew Fontaine Maury para a Amazônia? R. 3. Companhia fundada por Mauá em 1852 para monopolizar a navegação a vapor pelo rio Amazonas: a) Amazon Steam Navigation. 91 b) Companhia de Comércio e Navegação do Amazonas. c) Companhia de navegação f luvial do Pará. d) Amazon Company Navigation. e) Companhia de navegação do Alto Amazonas. 4. Qual a importância do rio Madeira para a Bolívia no século XIX? R. 5. Como eram feitos os transportes de carga pelo rio Madeira? R. Limites e fronteiras: o Tratado de Ayacucho (1867) Até os anos 60 do século passado, a se tomar como base os limites estabelecidos pelos tratados de Madri e de Santo Ildefonso, a fronteira do Brasil com a Bolívia, correria do ponto médio do rio Madeira, próximo onde hoje é cidade de Humaitá, até a nascente do rio Javarí. Descendo o rio Madeira, até Humaitá, todo o lado esquerdo pertenceria à Bolívia, o que incluiria parte do Amazonas e todo o atual Estado do Acre. Contudo dois fatores devem ser lembrados: primeiramente que, por essa época, ainda não havia sido descoberta a nascente do Javarí, não se sabendo precisamente, onde devia situar -se a linha de fronteira; em segundo lugar era uma região pratica mente despovoada por cidadãos de ambos os países. Essa situação iniciou a mudar com o aumento do interesse internacional pelo látex a partir de meados do século XIX. Com a Bolívia, assim como os demais países latino -americanos, o Brasil sempre encontrou d if iculdade em estabelecer tratados de limites, em função da instabilidade polít ica que esses países atravessavam. Quarteladas e Golpes de Estado faziam com que esses governos mudassem, constantemente, sua orientação, quanto a polít ica externa, pondo a perder o trabalho de longas negociações, até que, em 1867 foi assinado o Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e 92 Extradição entre Bolívia e Brasil. Conhecido também como Tratado de Ayacucho, e como Tratado Muñoz-Netto, sobrenome dos ministros representantes dos países signatários do tratado: Mariano Donato Muñoz, Ministro das Relações Exteriores da Bolívia e Felipe Lopez Netto, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil, fez recuar a fronteira em benefício do Brasil. O presidente, à época do Tratado de Ayacucho, General Mariano Melgarejo (1818-1871), chegou ao poder após destituir seu antecessor durante o desenrolar da campanha eleitoral. Seu período de governo foi caracterizado por grande prosperidade, em conseqüência da descoberta de novas jazidas de prata, de guano e salitre. O potencial desses recursos naturais atraiu o capital estrangeiro, ao qual Melgarejo, para resolver rapidamente o problema do crescente endividamento do Estado, fez exorbitantes concessões. A elite da prata, concentrada no Potosí, aceitava todas as concessões de Melgarejo, desde que o Altiplano f icasse reservado às suas próprias inversões. A região do alto Madeira, apesar de ser naquela época povoada predominantemente por bolivianos, que se dedicavam à exploração da goma elástica, passou, por força do tratado de 1867, a pertencer ao Brasil. É compreensível, contudo, a facil idade com que foi f irmado o tratado de 1867: nem o governo boliviano, nem a elite polít ica e econômica que o apoiava, t inham interesses no noroeste do país, a região que hoje compreende os departamentos de Pando e Beni. A Bolívia perdeu algo mais importante que o território, perdeu um porto f luvial que, após as cachoeiras, pela via Madeira -Amazonas chegasse sem obstáculos ao Atlântico, isto porque renunciou de participar da margem esquerda do rio Madeira, de condomínio entre os dois países, das suas nascentes até o seu ponto médio, quando permitiu que a linha de fronteira passasse a situar -se em Villa Bella. Por paradoxal que possa parecer, a navegação do Madeira continuava importante para o comércio com o noroeste boliviano, conforme revelam os termos do tratado. De 30 artigos que contém o documento: 1 declara paz entre as partes contratantes, apenas 5 tratam de limites, 8 versam sobre extradição e a maior parte, 16 artigos, sobre comércio e navegação. Da mesma maneira evidenciam esses dezesseis artigos os temores e cuidados do governo imperial com relação à liberdade de navegação.No 6o. e 7o. artigos declara reciprocamente livre o comércio e a navegação mercante, com isenção de impostos, nos rios que, passando pela nova fronteira, vão desembocar no Oceano Atlântico, ressalvando porém que o privilégio é apenas para navios de bandeira brasileira ou boliviana. O artigo 8 o. revela precauções, em caso de o Brasil conceder a abertura da navegação do Madeira aos navios de bandeira estrangeira. Prevê o referido que, se houvesse tal concessão, continuaria o monopólio da navegação, previsto nos artigos anteriores, de Santo Antônio para cima, ou seja, desse ponto em direção à fronteira toda a mercadoria, mesmo estrangeira, deveria ser transportada por súditos e embarcações de um dos dois países. A ressalva pode ser entendida como uma forma de, futuramente, impedir o comércio direto da Bolívia com embarcações estrangeiras, pela via 93 Madeira/Amazonas, tal como vinha pretendendo desde 1853 (Belzu), derrubando a proibição brasileira à navegação internacional naqueles rios. Esse últ imo artigo era de fato meramente preventivo. O trecho de Santo Antônio para cima é todo encachoeirado, sendo impossível nele o trânsito de navios. O comércio por essa parte era todo feito por canoas e batelões. É inteligível, contudo, porque já havia, na época, estudos para solucionar a dif iculdade de trânsito através do trecho encachoeirado. Dentre esses estudos, um que previa a construção de um canal que tornasse possível a navegação de navios de grande calado. As franquias comerciais e f iscais, estabelecidas nos artigos 7 o. e 8o., em favor da Bolívia, somente valeriam, para toda e xtensão do rio Madeira, às embarcações de bandeira boliviana. No caso de prevalecer a opção pelo canal, as mesmas franquias valeriam, para os navios estrangeiros mesmo que transportando mercadorias bolivianas, somente no trecho do rio Madeira que vai de sua foz até Santo Antônio, não valendo, daquele trecho em diante. Exercícios. 1. Tomando por base os tratados de Madrid e de Santo Ildefonso as fronteiras entre Brasil e Bolívia, nas áreas do atual estado de Rondônia situariam em quais pontos? R. 2. Que problemas justif icavam a indefinição das fronteiras amazônicas no século XIX? R. 3. Que tipos de populações predominavam no alto Madeira até a 2ª metade do século XIX? R. 94 4. O que foi o Tratado de Ayacucho? R. 5. Assinaram o tratado de Ayacucho em 1867: a) Barão do Rio Branco e Melgarejo. b) D. Pedro II e Melgarejo. c) Donato Munhoz e Felipe Lopez Neto. d) D. Pedro II e Belzu. e) Belzu e Herndon. A abertura do Amazonas à navegação estrangeira. A questão da navegação internacional, no rio Amazonas e seus af luentes, não cessou depois da criação das companhias de navegação nacionais. Vários segmentos, nacionais aliavam-se ao interesse do capital internacional no sentido de obter a liberação do governo brasileiro. Havia, mesmo no congresso naciona l, uma bancada de deputados adeptos e defensores ardorosos do livre cambismo que se opunham ao monopólio dado pelo estado à companhia de navegação de Mauá. Cedendo às pressões dos livre -cambistas, foi revogado no ano seguinte o monopólio concedido a Mauá, ocasionando, nos anos de 1860, o surgimento de mais duas companhias de navegação, formadas por capitais nacionais: a Companhia Fluvial Paraense e a Companhia Fluvial do Alto Amazonas. Ao mesmo tempo, a luta continuava sendo travada, também, ao nível da ideologia e da propaganda. Em 1865 foi a vez da expedição Thayer, chefiada por um renomado naturalista suíço, Louis Agassiz (1807-1873) e endossada pelo governo dos E.U.ª Uma participante do evento Elizabeth Cary Agassiz (1822-1907), esposa do Sr. Agassiz, defendeu que, para melhor proveito dos recursos da Amazônia, seria necessária sua internacionalização, para que a explorasse uma população mais operosa que os amazônidas. Em 1872 foi, f inalmente, aberto o Amazonas à navegação internacional. Em 1874 a Amazon Steam Navigation Company comprou 95 as três empresas de navegação que operavam na bacia Amazônica, monopolizando o transporte f luvial na região, inclusive até Santo Antônio, esse últ imo percurso subsidiado pelo governo provincial. Curiosamente, ao contrário do que ocorreu em 1852 com a companhia de navegação de Mauá, o subsídio estatal e o monopólio de fato da Amazon Steam Navigation Company sobre a navegação no Amazonas não causou protestos dos livres-cambistas. Em 1875 o Madeira já era navegado, irregularmente, por vapores particulares de diversos calados, em busca da goma elástica. Vinte anos depois, um número considerável de navios particulares e fretados, respondiam à demanda de transporte até Santo Antônio. O aumento da navegação de embarcações, movidas à vapor, no Madeira, justif ica-se em função do crescimento da importância da produção do látex na Amazônia Ocidental. O porto de Manaus, que durante a maior parte do século XIX, havia mantido uma posição secundária na atividade exportadora, em relação ao porto de Belém, cresceu em importância, superando -o no volume de exportações. Dado o volume de produção e o valor da borracha produzida no Madeira, o interesse pela exploração na navegação daquele rio continuou. Ainda em 1907 continuava a Amazon Steam Navigation Co. provendo o transporte na região. A sexta linha fazia o percurso de Belém a Santo Antônio, com parada nas localidades mais importantes do Madeira. Exercícios. 1. O que é o livre cambismo? R. 2. Quais as companhias de navegação f luvial que passaram a concorrer com Mauá nos serviços de navegação a vapor no Amazonas? R. 3. Quais os efeitos da abertura da navegação do Amazonas aos navios estrangeiros? 96 R. 4. Qual era a situação da navegação pelo rio Madeira no início do século XX? R. 5. Defendeu a internacionalização da Amazônia: a) Oswaldo Cruz. b) Visconde do Rio Branco. c) D. Pedro II. d) Barão de Mauá. e) Elizabeth Agassiz. Em resumo. As necessidades de novos mercados produtores de matérias -primas, produtos tropicais e combustíveis levaram os E.U.A., a Europa e o Japão a adoção de polít icas imperialistas que foram responsáveis pelo neocolonialismo na África, Ásia. Oceania e parte da América Latina. Progressivamente consolidou-se uma relação de desigualdade e de dependência econômica, onde as regiões tropicais eram sempre submetidas aos interesses capitalistas das grandes potências. Na Amazônia o imperialismo foi praticado principalmente por ingleses e norte-americanos que controlaram setores importantes e estratégicos da economia como a comercialização do látex e a navegação f luvial. Viajantes e exploradores estrangeiros que percorreram as vastidões amazônicas manifestaram seu interesse pela internacionalização da região e a sua exploração controlada por europeus e norte -americanos. Dentre esses viajantes citam-se Will iam H. Edwards, Richard Spruce, Louis Agassis, Henry Bates, Wallace e outros. A produção econômica do noroeste boliviano (quinino, charutos, cacau, borracha, charque e gado) era remetida para os portos do Atlântico através da rota f luvial do Madeira. Navegava -se pelo Beni, Mamoré, Madeira e Amazonas. Algumas localidades bolivianas e 97 brasileiras tornaram-se importantes portos de embarque e desembarque dos produtos que saiam ou eram levados para a Bolívia. Dentre essa s localidades destacaram-se Itacoatiara, Borba, Santo Antônio, São João do Crato, Guayaramerín, Cachuela Esperanza e Villa Bella. A polít ica de países como a Bolívia e os E.U.A. levaram o governo imperial de D. Pedro II a entregar, em 1852, o monopólio da navegação a vapor pela Amazônia ao Visconde de Mauá, Irineu Evangelista de Souza, que fundou a Companhia de Navegação e Comérciodo Amazonas. Em 1867 Brasil e Bolívia assinaram o Tratado de Ayacucho versando sobre amizade, comércio, l imites, fronteiras, extradição e navegação. Por este tratado, a região do alto Madeira, que era habitada primordialmente por bolivianos, passou a pertencer ao Brasil. A bancada parlamentar l ivre-cambista do 2° Reinado passou a defender a internacionalização da navegação pelo r ios da Amazônia, aliando-se aos interesses do capital internacional. O monopólio concedido por D. Pedro II a Mauá foi revogado em 1854 e em 1860 já existiram outras duas companhias de navegação operando na região: a Companhia Fluvial Paraense e a Fluvial do Alto Amazonas. Em 1867 a navegação f luvial foi internacionalizada e parte dos rios da Amazônia passaram a ser navegados por navios de bandeira estrangeira. Em 1874 a companhia norte -americana Amazon Steam Navigation monopolizava o transporte f luvial amazônico e seus vapores chegavam até Santo Antônio do Rio Madeira onde eram embarcadas as cargas provenientes do noroeste boliviano, do Guaporé e do Mamoré brasileiros. 98 Capítulo 6 A exploração e colonização do oeste amazônico. O primeiro ciclo da borracha. Desde os primeiros contatos com os nativos da Amazônia, os europeus tomaram conhecimento do proveito do látex através dos indígenas Omágua, que o util izavam para a fabricação de vários artefatos, mesmo antes do descobrimento da América. Mas até o princípio do século XIX, esse produto era util izado em pequena escala na Europa, basicamente como borracha de apagar (rubber em inglês) e ainda, sob forma de outros utensílios como: bombas de sucção, bolas e botas, esses últ imos exportados sob a forma de manuf aturados que eram produzidos em Belém no início daquele século. Até a metade do século XIX, a exploração desse produto estava concentrada nas proximidades de Belém e nas ilhas da foz do rio Amazonas, particularmente na ilha de Marajó. Apesar de ser extraíd a em toda a Amazônia nesse período, a produção da borracha revestia -se de pouca importância no conjunto da economia local. Duas características naturais do produto constituíam-se em entraves para o aumento de sua demanda em escala industrial: a pouca resis tência ao calor, que tornava os manufaturados de borracha moles e pegajosos, e o excessivo enrijecimento, quando exposta a baixa temperatura. A descoberta do processo de vulcanização da borracha feita por Charles Goodyear (1800-1860) em 1839, e o advento do automóvel e da bicicleta, que têm pneumáticos de borracha entre seus componentes, a demanda de látex, pelos centros industriais europeus e norte - americanos, cresceu enormemente. Assim, algumas pré-condições naturais e históricas tornavam o vale do Amazonas um fornecedor privilegiado da goma elástica tais como: abundância natural das árvores, qualidade e produtividade e uma secular tradição extrativista. Certas condições sociais e econômicas deveriam ser cristalizadas, para atender em quantidade suficiente , ao aumento da demanda industrial. Tais requisitos a serem preenchidos pela região relacionavam-se à disponibil idade de capitais que permitissem o aumento da produção. Esses capitais seriam investidos na abertura de novas áreas produtoras, no f inanciament o de novos seringais, no recrutamento de mão-de-obra e no setor dos transportes. No início da exploração comercial da borracha na Amazônia, os capitais necessários ao processo extrativo eram inexpressivos, podendo ser obtidos dentro do país ou mesmo dentro da Região Norte, mas o enorme crescimento da procura pelo produto no mercado internacional tornou impossível aos capitais nacionais a inversão em escala suficiente para atender à demanda. Em função da exigüidade dos capitais nacionais, prontamente foram atraídos os capitais estrangeiros que, com o passar do tempo, obtiveram o controle do processo produtivo, f inanciando as importações, o capital de giro e, freqüentemente os governos locais. 99 Dessa dinâmica resultou que, já em 1910, o endividamento absorvia aproximadamente 25% da renda intra -regional da Amazônia, que era gasto com o serviço do capital estrangeiro. A renda regional naquele ano totalizou, em mil réis, $485.833. Desse montante, $120.283 eram destinados ao pagamentos dos juros e parcelas dos empré stimos contraídos junto ao capital exterior. Destarte, nas últ imas décadas do século XIX, capitais estrangeiros controlavam a navegação f luvial através das f irmas Amazon Steam Navigation Co. Ltd. e Amazon River Steam Navigation Co. Ltd., ambas de capital i nglês. O capital estrangeiro controlava também vastos seringais e os portos de Belém e Manaus, por ele construídos e recebidos como concessões dos governos locais. Os maiores mercados consumidores do látex eram a Inglaterra e os Estados Unidos, países que mais investiam na Amazônia. A parte do f inanciamento direto à produção funcionava da seguinte maneira: as casas aviadoras, em geral pertencentes a brasileiros ou portugueses, cuidavam da importação dos produtos necessários à manutenção dos seringais, abrindo créditos para o abastecimento dos seringalistas, créditos esses pagos com a própria produção. Apesar da existência de alguns regatões, que navegavam pelos rios amazônicos, trocando diretamente nos seringais os aviamentos pela borracha e também de alguns seringalistas que negociavam sua produção diretamente com as casas exportadoras, a maior parte da comercialização do produto era realizada entre os seringalistas e as f irmas aviadoras, através do sistema dominante de crédito e aviamento. Essas casas aviadoras, por sua vez, eram f inanciadas pelo capital estrangeiro, especialmente inglês e norte -americano, e pagavam os empréstimos com a própria borracha. Essa é a razão pela qual as casas exportadoras monopolizavam o comércio de exportação da borracha, comprada das casas aviadoras, impondo os preços em razão desse monopólio. Assim, a obtenção da borracha para a exportação era feita através da presença das grandes companhias de capital transnacional, com f il iais nas grandes cidades da Amazônia. O monopólio da exportação efetuado pelas casas exportadoras européias e norte-americanas resultava no controle dos preços da goma elástica, gerando descontentamento das casas aviadoras. O capital regional, representado pelas casas importadoras, fez algumas tentativas para abolir esse monopólio da exportação, todas fracassadas. O controle do comércio de exportação da borracha na Amazônia pelo capital estrangeiro deve ser entendido, historicamente, dentro do contexto do período imperialista. O capital monopolista implantava suas indústrias nos países periféricos, monopolizando a oferta ao mercado consumidor e controlando o comércio das matérias primas desses países. A queda nos preços da borracha, a partir de 1912, fez com que todo esse surto de exploração fosse estancado. A riqueza produzida em décadas não fora invertida em qualquer atividade, que permitisse o fortalecimento econômico da região. Findo o auge do extrativismo, a região do Madeira entrou em colapso, com alguns sinais de 100 recuperação da atividade econômica, duran te a primeira e segunda guerras. Exercícios. 1. Não faz parte da economia amazônica durante a segunda metade do século XIX e princípios do século XX: a) a extração do látex. b) o controle da produção pelo capital estrangeiro. c) a submissão dos seringueiros ao barracão. d) o cultivo sistematizado das seringueiras. e) a decadência das atividades agropastoris 2. São rios do oeste amazônico explorados por seringueiros nordestinos: a) Madeira, Paraguai e Jamari. b) Purus, Xingu e Tocantins. c) Tapajós, Nhamundá e Negro. d) Juruá, Purus e Pardo. e) Purus, Juruá e Madeira. 3. Relacione as colunas. (1) Alexander Wickham ( ) processo de vulcanização. (2) Charles Goodyear ( ) contrabandeou sementes de seringueira paraa Inglaterra. (3) La Condamine ( ) aperfeiçoou o processo de impermeabilização da borracha. (4) Philipp Von Martius ( ) naturalista austríaco que estudou a Amazônia no século XIX. (5) Macintoch ( )classif icou a seringueira. 4. Marque V ou F. ( ) A única árvore a produzir o lá tex, uti l izado para a fabricação da borracha, é a seringueira. ( ) O extrativismo da borracha promoveu a anexação de novos territórios pelo Brasil em f ins do século XIX e princípios do século XX. ( ) O controle do comércio da borracha esteve sempre ligado ao capital imperialista europeu e norte-americano. ( ) As casas aviadoras não trabalhavam com o f inanciamento da produção da borracha. 5. Que fatos explicam a crise da borracha na Amazônia a partir de 1912? R. 101 A exploração e colonização do Oeste Amazônico. No século XVIII, o padre João Daniel (Tesouro descoberto no rio Amazonas) constatava a inexistência de qualquer núcleo de povoamento, seja de brancos ou índios mansos, entre o Madeira e o Javarí. Apesar dos esforços de colonização nas décadas posteriores, ainda em 1866, , exceto as imediações do Pará, o que havia na Amazônia era o “deserto”. No entanto, passadas algumas décadas, aquela região encontrava-se ocupada como nunca o fora antes. Manaus surgiu como uma moderna cidade, não com tanta rap idez, mas acompanhando o avanço do surto extrativista. Aumentou também a colonização dos rios Purus, Juruá e Madeira. Com o crescimento da demanda internacional de goma elástica, intensif icou-se a exploração, que aliada às formas predatórias de extração, que matavam em pouco tempo a hévea, exauriram as zonas iniciais de produção do látex. Assim, novas áreas de extração tiveram que ser incorporadas, não somente para substituir as áreas esgotadas, mais próximas das capitais de Belém e Manaus, como também par a aumentar a produção. Em conseqüência desse processo, houve um avanço sobre os seringais nativos das regiões interiores, dos rios próximos a Belém para os rios Tapajós, Madeira, Purus, Juruá e à região do Acre, ainda quando pertencente a Bolívia. Na Amazô nia, as regiões do Acre e do Madeira detinham não somente as maiores reservas do produto como também foi nelas onde se passou a extrair, o látex de melhor qualidade. Ao processo de ocupação de novas áreas antecedeu a ação do estado, no sentido de melhor explorar e reconhecer a bacia hidrográf ica composta pelos af luentes do alto Amazonas. A província do Amazonas foi criada em setembro de 1850, tendo como capital a cidade de Manaus, desmembrada da província do Grão-Pará, compreendendo a área da antiga capitania de São José do Rio Negro. O deputado João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha foi nomeado seu presidente, tomando posse em janeiro de 1852. Ao assumir o governo em Manaus no mês de dezembro do ano seguinte, ocupou-se, entre outras tarefas, de estabelecer uma rota de ligação mais fácil para o Mato Grosso, pois nas rotas tradicionais, pelo Madeira e pelo Tapajós, existiam saltos e cachoeiras que tornavam dif ícil a navegação. A partir de seu governo, uma série de expedições exploraram e deram conhecimen to mais exato da bacia hidrográf ica da Amazônia Ocidental. Os presidentes que o sucederam no governo da província, seguiram seu exemplo. Expedições de reconhecimento foram enviadas aos principais rios, com o objetivo de estabelecer uma rota com melhores c ondições de navegabilidade: uma expedição dirigiu -se ao rio Abacaxis, procurando uma saída para o Arinos; uma segunda explorou o Purus, procurando comunicação com o Beni; e outra expedição foi observar as 102 condições de navegabilidade do Juruá. Em 1860, nova expedição, como as anteriores, também patrocinada pelo Governo do Amazonas, chefiada por Manuel Urbano da Encarnação, um sertanista de origem indígena Mura e grande conhecedor da região, descobriu o rio Acre (Aquiri). O governo do Amazonas não estava só, no seu interesse em conhecer a hidrograf ia da região. Entre 1861 e 1865, Will iam Chandless, chefiando uma comissão da Sociedade Geográfica de Londres, auxiliado por Manuel Urbano da Encarnação aproximou -se das cabeceiras do Purus e explorou o rio Acre em toda sua extensão navegável, observando ali, somente a existência de indígenas. Chandless investiu também sobre o Alto Juruá, já conhecido desde 1857, e navegou por um de seus af luentes, o Liberdade. Contudo, sua expedição f icou impedida de avançar, sofrendo violentos ataques dos índios Nauá, recuou. Nesse entretempo, em 1864, uma expedição saiu de Manaus com a intenção de devassar o Ituxí (Iquirí) que, supunha -se, l igava-se ao Madeira. Essa expedição entrou pelo rio Mucuim indo parar realmente no Madeira, porém no Salto do Teotônio, o segundo acidente dos vinte e dois existente até o Beni/Mamoré. Nesse mesmo ano, mais de cem anos depois do Tratado de Madri, ainda se mantinha a antiga controvérsia sobre a nascente do Madeira. Para esclarecer a dúvida, outra expedição do Amazonas foi pesquisar se o Beni era af luente ou o verdadeiro tronco do Madeira, concluindo que o Beni, juntamente com o Mamoré e o Guaporé eram os formadores do Madeira. Em 1878, o Coronel Antônio R. Pereira Lábrea formou uma expedição que, partindo da barraca Maravilha, no rio Madre de Dios, cruzou o sertão entre o Madeira e o Purus, chegando, após dezenove dias de viagem, à barraca Flor de Ouro, no rio Acre. Expedições posteriores descobriram a comunicação entre o rio Tahuamanu, af luente de Madeira, com o Alto Acre. Ao mesmo tempo novos seringais eram organizados, aproximando-se cada vez mais até adentrar em território boliviano e ocupando cada vez mais mão-de-obra de fora da província. O extrativismo predatório provocava a exaustão das ser ingueiras, forçando a migração de populações inteiras de Cametá, Santarém, Óbidos e outros lugares do Pará, para o Purus, Juruá, Solimões, Autazes e Madeira, onde, passando as fronteiras do Amazonas, iniciaram a explorar seringais no Mato Grosso. Assim, em 1852, estabeleceu-se no Purus o pernambucano Manuel Nicolau da Conceição, trazendo escravos e trabalhadores, recrutados no baixo Amazonas e rio Negro. Em 1862, José Manuel da Rocha Tury recrutou maranhenses e fundou, às margens do Solimões, o povoado de Codajás. Em 1869, chegaram os primeiros cearenses, recrutados por um seringalista que se f ixou no Baixo Purus. Em 1871, foi fundado o povoado de Lábrea com uma leva de imigrantes maranhenses. Ao mesmo tempo em que os rios do Acre eram explorados e povoados por brasileiros, estabeleciam-se as comunicações f luviais por meio de vapores. 103 A indefinição de fronteiras, bem como determinadas facil idades hidrográf icas, definiram os rumos do colonização brasileira e boliviana na fronteira oeste. Limitações geográficas: a dif iculdade de deslocamento dos Andes até o Amazonas e o fato do Acre estar isolado do sistema hidrográf ico boliviano, tornavam dif ícil aos bolivianos o acesso àquela parte do seu país. O acesso à região do Acre era mais fácil para os brasileiros, que controlavam a embocadura do Amazonas,. Para os brasileiros, penetrando pelo Purus descortinava -se uma via de acesso desimpedida de acidentes naturais para aquele rio. Assim, as expedições de reconhecimento promovidas pela Província do Amazonas revelaram, nos af luentes do alto Amazonas, uma área rica em seringueiras e habitadas apenas por índios, despertando a cobiça e o espírito empreendedor que fez com que, durante os anos próximos a 1880, os brasileiros ocupassem a área do Alto Purús, Yaco, Alto Juruá e Tarauacá. Exercícios. Responda util izando os dados abaixo: (1) se todas as alternativas forem verdadeiras. (2) se todas as alternativas forem falsas. (3) se somente as alternativas I e II forem verdadeiras. (4) se somente as alternativas II e III forem verdadeiras. (5) sesomente as alternativas I e III forem verdadeiras. 1. ( ) I. A província do Amazonas foi criada em 1850 e Tenreiro Aranha foi seu primeiro governante Amazonas. II. O rio Acre (Aquiri) foi explorado pelo sertanista Mura Manoel Urbano da Encarnação. III. A exploração dos rios e sertões do oeste amazônico buscava oferecer subsídios para a definição das fronteiras. 2. ( ) I. As maiores reservas de látex da Amazônia sempre se localizaram nos rios Tocantins e Xingu. II. Nos rios Juruá, Madeira e Purus a borracha era considerada boa e de alta qualidade. III. A margem esquerda do Madeira, até as proximidades de Humaitá pertenceu ao Peru até 1867. 3. ( ) I. Manaus ergueu-se como uma moderna cidade no século XIX, em função da borracha. II. No século XVIII foram descobertos inúmeros núcleos de colon ização européia no território entre os rios Madeira e Javari. III. O povoado de Lábrea foi fundado em 1871 com uma leva de migrantes maranhenses. 104 4. Quais os resultados obtidos pelas expedições que exploraram o oeste amazônico? R. 5. Que áreas foram ocupadas nos anos de 1880 no oeste amazônico por seringueiros brasileiros? R. A colonização brasileira do Madeira. A ocupação e colonização da região dos vales dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé foi foco de preocupação dos governos do Brasil, desde o período colonial, em função de ser uma região de fronteira estratégica, tanto no que se refere às relações com as nações vizinhas, quanto ao comércio entre o Mato Grosso e o Pará. Ao contrário da região do Acre, a região do Madeira -Mamoré-Guaporé já era suficientemente bem conhecida desde o século XVIII. Durante o período colonial foram feitas várias tentativas de colonização da região do Madeira e do Guaporé rondoniense, particularmente no século XVIII, quando esses rios passaram a ser importantes vias de ligação para o rio Amazonas, através da qual se realizava o comércio entre Belém do Pará e as minas de Mato Grosso. Além da importância comercial da rota, esses povoados tinham por objetivo garantir a posse territorial e a integridade das fronteiras, delimitadas pelos tratados de limites. Contudo, o Madeira manteve -se esparsamente povoado pelo europeu. As tentativas de colonização concentraram-se da região das cachoeiras para baixo, conseguindo, f inalmente, algum sucesso no médio Madeira. Os motivos pa ra o fracasso da empresa colonizadora do Madeira encontram explicação mais comum na ferocidade dos indígenas. As povoações de Borba e Itacoatiara (no rio Amazonas, próximo à foz do Madeira) mudaram de local várias vezes no século XVIII em função dos ataque s dos Mura. 105 Uma outra explicação diz respeito à insalubridade da região, que teria sido responsável pelo insucesso, entre outros núcleos, da primeira tentativa de estabelecimento da povoação de São João do Crato. No entanto, com o declínio da mineração no Mato Grosso, a região do Madeira-Mamoré-Guaporé se despovoou e entrou em decadência, f icando abandonada até meados do século XIX. A partir de meados do século XIX e durante todo o primeiro ciclo da borracha, a oportunidade de colonização permanente da região do Guaporé e do Madeira viria concretizar-se e as margens dos rios Madeira, Ji -Paraná, Machado, Mamoré e Guaporé foram ocupadas por grupos isolados de seringueiros. Os brasileiros, em busca da goma elástica, ocuparam a região boliviana do Acre, pela via do Amazonas, Purus e Juruá. Essa ocupação foi facil itada por alguns fatores que valem ser ressaltados: a indefinição de fronteiras, a existência de grandes áreas ainda abertas à colonização e a facil idade para os brasileiros em navegarem até aquele território colaboravam com a sua ocupação. No caso do alto Madeira a situação se invertia: para os bolivianos mais fácil era o acesso à região através dos rios Orton, Madre de Dios e Beni, embora obstaculizados por acidentes naturais. Assim, foram ocupando os se ringais nativos do Madeira e seus af luentes: o Mutum-Paraná, o Jaci-Paraná, o Jamarí e o Ji-Paraná. Os núcleos de colonização, seringais e povoações, de propriedade e com população migrada da Bolívia, particularmente da região do Beni, eram exclusivos no t recho encachoeirado e predominantes em seu curso médio. Os seringais bolivianos estendiam - se porém até o baixo Madeira, onde conviviam com os seringais pertencentes aos brasileiros. Alguns núcleos de colonização de iniciativa do governo colonial e mesmo os destacamentos militares e f iscais revitalizaram -se no transcorrer do século XIX, tornando-se povoações de certa importância. São João do Crato, criado no f inal do século XVIII foi, em 1802, transferido para um trecho entre as embocaduras dos rios Baetas e Arara, próximo aos igarapés Maguarani e Purus, e depois de várias outras mudanças de lugar conseguiu f ixar -se, tornando-se um núcleo de povoamento de certa importância. Já em 1866, entre a cachoeira de Santo Antônio e a foz do Madeira as povoações mais im portantes eram Crato e Borba. Borba e Itacoatiara (Serpa), povoados fundados também no período colonial, eram em 1862 os maiores portos de exportação da província do Amazonas, superando ambos a Manaus. Tavares Bastos dá notícia de uma população de 8.862 habitantes no Vale do Madeira, assim distribuídos: em Borba 2.335 habitantes, no Crato 5.998, em Canuma 529 e algumas praças em Santo Antônio. Em 1886 a população total do Vale do Madeira era pouco superior a 40.000, habitantes e em 1895 a região já contava com 70.000 habitantes, sendo dignos de nota, nessa época, apenas Manicoré e Borba como centros de colonização. Dos novos seringais vieram a surgir povoações que são hoje cidades à beira do Madeira. Em 1869 instalou -se, próximo ao igarapé do Mirari, o comendador José Francisco Monteiro, abrindo aí um seringal Sendo atacado freqüentemente pelos Parintintin o seringalista desceu o rio e, na margem esquerda, a duas milhas do Crato fundou Humaitá. Antes mesmo de Humaitá, foi criada a povoação de Manicoré 106 na margem direita do Madeira, entre os rios Manicoré e Mataurá e tornada comarca em 1878. As margens do Manicoré também estavam, em 1878, ocupadas por vários seringais e aldeamentos de indígenas Mura, Turá e Genipapo, já domesticados. Entre a cachoeira de Santo Antônio e a foz do Ji -Paraná vários seringais já existiam, em geral na foz de rios ou igarapés. Na cachoeira de Santo Antônio, à margem direita, surgiu no século XIX a povoação de Santo Antônio do Rio Madeira, posteriormente vila e cabeça do município de Santo Antônio, pertencente à província de Mato Grosso. Como as demais povoações do Madeira, surgiu também em função da atividade extrativista. Era o ponto de embarque e desembarque para quem se dirigia a Belém ou Manaus ou subindo o rio em direção ao Mato Grosso e à Bolívia. Dependendo do caso, iniciava ou terminava naquela povoação o trecho encachoeirado do rio. Sendo um entreposto comercial, um ponto de passagem e descanso em uma região agreste, sua população f ixa era minúscula, poucas famílias ali resid iam permanentemente, embora a aglomeração humana fosse signif icativa para os padrões do Madeira. Aventureiros, remadores, comerciantes e seringalistas da grande área de inf luência dos rios Beni, Madre de Dios, Guaporé e Mamoré, querendo mais facilmente receber ou despachar suas mercadorias para os mercados da Europa e dos Estados Unidos, pela via de Belém e Manaus, t inham que passar por Santo Antônio. Com o estabelecimento da navegação a vapor, uma linha regular passou a suprir regularmente a localidade, além de vapores particulares, e era de Santo Antônio que as mercadorias passavam dos batelões para os navios, ou vice -versa. Na últ ima década do século XIX a povoação teve alguma prosperidade. Santo Antônio era um entreposto que parecia ter um futuro promissor. Crescia a produção da borracha, vaporesque até poucas décadas não chegavam naquela localidade atracavam agora em profusão. Vários seringalistas estabeleceram ali seus negócios, barracões para o estoque da borracha e dos aviamentos, e mesmo residência. O povoado fora elevado à categoria de vila e tudo indicava que seria aquela uma das cidades mais importantes do Madeira. No início do século XX, entre 1907 e 1912, f inalmente, foi construída a ferrovia, que contornou o trecho encachoeirado do Madeira. C ontudo, a f irma construtora a Madeira-Mamoré Railway Company, estabeleceu que o ponto inicial da ferrovia distaria sete quilômetros rio abaixo e surgiu então um novo núcleo de povoação, a cidade de Porto Velho. O ponto f inal da ferrovia seria Guajará -Mirim a qual, nos idos de 1890, não era sequer uma pequena povoação, após a construção da ferrovia surgiu em torno da estação a cidade. Como conseqüência da criação de Porto Velho, o movimento de carga e descarga próximo ao trecho encachoeirado centralizou -se cada vez mais naquela cidade. Santo Antônio, foi sendo pouco a pouco despovoado. Durante alguns anos, ainda, os vapores da Amazon Steam Navigation Co. fariam seu movimento de carga em Santo Antônio. Com o abandono da vila, as casas foram transformando -se em ruínas e o movimento portuário passou definit ivamente para Porto Velho. 107 Exercícios. 1. Como desenvolveu o processo de colonização dos vales dos rios Guaporé e Madeira no século XIX? R. 2. Quais os vales hidrográf icos rondonienses mais famosos por sua produção de borracha? R. 3. Como surgiu e qual a localização de Santo Antônio? R. 4. Qual o motivo do crescimento de Santo Antônio no f inal do século XIX? R. 108 5. Que fatores explicam a decadência de Santo Antônio? R. Colonização boliviana do Madeira, o noroeste boliviano e a empresa Suárez & Hermanos. O início do processo de ocupação do Madeira pelos seringalistas bolivianos dá-se por volta da década de 1860, essa ocupação se estenderia por todo o rio até a últ ima década do século XIX. O extrativismo da quina no Beni e outras regiões bolivianas, estendia também o contato daquela região com o Madeira. Enquanto que no Madeira, bolivianos já exploravam a seringa, a quina explorada no Beni era escoada por esse rio. Batelões, impulsionados por indígenas bolivianos, escoavam, até Santo Antônio do Madeira, a produção que antes chegava ao Mamoré, vinda da província de Caupolican através de Reyes e Santa Cruz de Yacuma. A quina era o principal produto de exportação do noroe ste boliviano até que, em torno de 1870, intensif icou -se a concorrência da quina produzida nas plantações inglesas da Ásia e África com o produto boliviano. A concorrência resultou do contrabando de sementes de quina do Peru efetuado em 1840 pelo súdito inglês Clements Markham. Desse modo, a extração da goma elástica como produção alternativa do Beni iniciou naquele período e se intensif icou a partir de 1878, quando os preços da quina entraram em queda vertiginosa em face do aumento da produção das colônias inglesas. A seringa tornou-se um substituto imediato para o setor extrativista beniano, sendo encontrada na área de Caupolican e em vários rios da Amazônia boliviana, inclusive no próprio Beni. O sistema de aviamento, ou habilito como é chamado na Bolívia , foi o arranjo que permitiu o acesso ao capital inicial com que os seringalistas pioneiros naquele rio iniciaram o corte da hévea. Já nesse momento, a empresa Suárez & Hermanos desponta como a principal aviadora do empreendimento, vindo a tornar -se, durante o auge do primeiro ciclo da borracha, no maior potentado econômico da região. O poder econômico dessa f irma, que util izava -se do Madeira como artéria principal de comércio, se fez sentir inclusive em Belém e Manaus, através de suas f i l iais. Nas décadas posteriores a 1870, os seringalistas bolivianos, que estavam instalados no Madeira, iniciaram seu retorno ao Beni, para ali continuarem sua atividade extrativista. Contudo, apesar do declínio da hegemonia boliviana no Madeira, ao f inal do século XIX, há no tícias de 109 seringalistas bolivianos que, nessa época, ainda estavam se estabelecendo naquele rio. Esse retorno dos seringalistas ao território bolivianos durou alguns anos, deixando como marca do pioneirismo, em território brasileiro, o nome de várias local idades do rio Madeira. A maior e mais próspera povoação boliviana nesse rio era Jumas, um aldeamento localizado entre Crato e Humaitá, habitado por aproximadamente 180 homens e 90 mulheres, que falavam um dialeto que não era nem o português nem o espanhol , provavelmente algum dialeto dos indígenas mojenhos. Nesse povoado, produzia -se gêneros de subsistência: bananas, macaxeira, arroz; produtos extrativos como a castanha do Pará; além da cana de açúcar, que era transformada em caldo do qual se produzia aguardente em uma usina da própria localidade. Embora, no declinar do século XIX, o Barão de Marajó, ao citar povoações de alguma importância naquele rio, ainda indicasse nessa categoria Jumas, as demais povoações ou eram seringais brasileiros ou missões relig iosas, com exceção apenas de Santo Antônio, vila brasileira povoada por bolivianos. A inf luência boliviana declinava no Madeira e as povoações mais movimentadas daquele rio eram aquelas fundadas pelos portugueses ou brasileiros. Não é possível analisar a inf luência da colonização boliviana sobre o Madeira sem se referir a família Suárez, embora sua penetração naquele rio possa ser considerada tardia. Nos anos ao redor de 1877, quando o alto Madeira estava sendo explorado e povoado por bolivianos, D. Nicolás Suárez Callaú administrava uma casa aviadora instalada por seu irmão Francisco em Reyes. A f irma, denominada Suárez Hermanos, era composta por vários irmãos, que praticamente monopolizavam o ramo do aviamento dos seringais e a exportação da goma elástica produzida no Beni. Posteriormente, D. Francisco passou a representar a f irma em Londres, providenciando o envio das mercadorias para D. Nicolás, que despachava os carregamentos de goma para a Europa. Em 1880, esses irmãos decidiram transferir a matriz da f irma uma localidade próxima ao Madeira, no Beni, iniciando por dominar, além do setor de importação e exportação, uma imensa área de seringais. Em 1881, a f irma Suárez fundou a povoação de Cachuela Esperanza, matriz de seus negócios no Beni. A partir desse ano, a f irma Suárez & Hermanos vai se constituir na mais poderosa empresa de capital regional a operar no ramo do extrativismo do látex. Essa f irma dominou, ao longo do tempo, 16 milhões de acres de seringais; estendeu suas f i l iais até as praças de Belém, Manaus e Londres; controlou o circuito da importação dos aviamentos para sua área de inf luência e, mais espantoso, conseguiu burlar o monopólio das companhias européias e norte-americanas, exportando diretamente para aqueles países. Em 1896, a vila comercial projetada por Suárez & Hermanos, Cachuela Esperanza, estava em pleno desenvolvimento com edif ícios de residência para o pessoal administrativo e braçal, este últ imo composto por indígenas mojenhos, edif icações para os depósitos de mercadorias e uma pequena ferrovia para contornar a cachoeira de onde a localidade tirara seu nome. 110 Em 1892, foi criado o departamento do Beni ,o que facil itou a sua invasão pelos comerciantes de origem espanhola do alt iplano (carayanas). Esses comerciantes iniciaram por so licitar o registro de terras indígenas e a acelerar o processo de exploração da mão -de-obra local. Em 1894 foi fundada a povoação de Riberalta, atual capital do departamento de Pando. A área, compreendida pelas localidades de Riberalta, Guayaramerín, Cachuela Esperanza e Baures, era o pólo dinâmico da economia do noroeste boliviano nessa época. Essaslocalidades, constituíam-se como núcleos comerciais de despacho e recebimento de mercadorias para os seringais. Baures contava então com uma população estimada de 5500 pessoas, sendo a maioria indígenas, fora os elementos em trânsito ocupados no transporte das mercadorias. Na últ ima década do século XIX, viviam nessa localidade muitos seringalistas que durante as década anteriores haviam se dedicado à extração da goma elástica no Madeira. Jose Coímbra cita alguns: Pastor Oyola, que dominara a região entre Santo Antônio e Morrinhos, Balvino Franco, Rafael Ruiz, Manuel José Justiniano, Benigno Vaca Moreno, Manuel Ruiz, Fernando y Arístides Antelo, Urbano Melgar e José Manuel Martínez. Já a capital do Beni, Trinidad, vivia um estado de decadência e esvaziamento populacional. Com sua economia baseada na agricultura e, principalmente, na pecuária, sofreu o impacto da volumosa migração de mão-de-obra, para a atividade extratora. Em 1887, sofrera essa capital uma rebelião indígena, que ocasionou a fuga da mão -de-obra para as margens do rio Sécure, onde resistiu às tentativas de dominação dos fazendeiros trinitários. No f inal do século XIX, já se tem notícias de povoamen to brasileiro rio acima, além das cachoeiras dos Madeira. Nos anos 90 daquele século, há referências ao povoado de Vila Murtinho, situada no rio Mamoré, quase em sua junção com o Beni, em frente ao povoado boliviano de Villa Bella, que contava com a popula ção de 800 habitantes, muito signif icativa para a época. A então nascente povoação brasileira se abastecia na Bolívia. Mesmo sendo Vila Murtinho um núcleo de povoação habitado por brasileiros, a sua maior propriedade pertencia a um boliviano. Tratava -se de Gran Cruz, pertencente a D. Perez de Velasco, que viria a ser o primeiro vice - presidente da Bolívia durante o conflito no Acre. Por volta de 1896 não existia o povoado brasileiro de Guajará - Mirim, no rio Mamoré, cercanias da cachoeira de mesmo nome, embo ra já houvessem seringais pertencentes aos brasileiros naquele local. Contudo, na margem oposta existia a povoação boliviana de Guayaramerím habitada pelos seringalistas bolivianos Manuel e Memesio Jordán e Leonor de Castro. Na povoação propriamente dita, a população estimada, em 1903, era de 20 habitantes ocupados nas atividades de transporte de mercadorias entre Trinidad, Villa Bella e Riberalta. A inf luência de Suárez Hermanos ainda se mantinha f irme na região e, no Madeira, continuavam a manter depósitos e empregados na vila de Santo Antônio. Exercícios. 111 1. Faça um breve texto sobre a presença boliviana no Vale do Madeira no século XIX. 2. Que motivo levou os seringalistas bolivianos a ocupar o Vale do Madeira? R. 3. Caracterize o povoado de Jumas. R. 4. Quando se define o povoamento brasileiro nos vales do alto Madeira? R. 5. Qual o seringal do rio Mamoré que pertencia ao futuro vice - presidente boliviano Dom Perez Velasco? a) Santo Antônio. 112 b) Aliança. c) Três Irmãos. d) Gran Cruz. e) Concepción de Morrinhos. Em resumo. A borracha já era util izada pelos indígenas desde períodos anteriores a conquista ibérica. Cristóvão Colombo levou exemplares de bolas de borracha fabricadas pelos indígenas da América Central para a Espanha, no século XVI. No século XVIII, Charles Marie de La Condamine denominou Hévea brasil iensis a árvore que produzia o látex na Amazônia. No princípio do século XIX já se exportavam produtos emborrachados de Belém para a Europa e EUA. No entanto, só com a descoberta do processo de vulcanização e do aperfeiçoamento das técnicas de impermeabilização, feitos por Charles Goodyear e Macintoch, é que a borracha conquistou os mercados mundiais. A exploração do látex levou à formação de vastos seringais, que passavam a pertencer a latifundiários, mais tarde chamados seringalistas ou coronéis de barranco. Os trabalhadores eram os seringueiros, que podiam ser nativos (mansos) ou nordestinos (brabos). O regime de trabalho estruturava-se na dependência entre o trabalhador e o propr ietário através de um sistema de crédito/dívida conhecido como regime do toco ou do barracão. A produção era f inanciada (aviada) pela casas de aviamento de Belém e Manaus. A maior parte do lucro f icou com as grande empresas estrangeiras e com grupos de aviamento nacionais. Na década de 1870, o inglês Alexander Wickham contrabandeou sementes de seringueira, que foram cultivadas em Kew Garden, em Londres e de lá foram levadas para a Malásia. A produção asiática derrubou a produção amazônica entre 1912 e 1913. Seringueiros nordestinos promoveram a interiorização da exploração da borracha pelo oeste amazônico, desbravando os vales dos rios Juruá, Purus, Acre, Madeira e Javari. Este fato levou a problemas diplomáticos entre Peru, Bolívia e Brasil. As disputas territoriais entre o Brasil e a Bolívia, levaram esses países a formar equipes de exploração e estudos das nascentes dos rios fronteiriços, numa tentativa de ser estabelecerem suas fronteiras.. Ao mesmo tempo, formavam-se novos seringais pertencentes a brasileiros em áreas de fronteiras ainda incertas como os rios Purus, Juruá, Acre. Os vales do Madeira, Mamoré e Guaporé já eram bem conhecidos desde o século XVIII. A borracha já era explorada nestes rios por seringueiros bolivianos. Com o aumento da demanda n a segunda metade do século XIX, a região foi invadida por seringueiros brasileiros, que ocuparam também o Acre, boliviano. O povoamento realizado por seringueiros no Vale do Madeira foi expressivo, mas levou a inúmeros conflitos com as populações indígenas da região. 113 Missões, povoações militares, povoações portuárias, seringais e antigos núcleos de populações coloniais como Borba e Manicoré foram as bases de exploração e colonização do Vale do Madeira. No entanto, o trecho encachoeirado era ainda uma região adversa e hostil aos exploradores. A Vila de Santo Antônio do Madeira foi um povoado estruturado no século XIX, servindo como entreposto f iscal e comercial para as cargas que subiam ou desciam o Madeira, vindas da Bolívia, de Serpa ou do Mato Grosso. Com as tentativas de construção da EFMM, Santo Antônio viveu um breve período de prosperidade. No entanto, o povoado decaiu com o crescimento de Porto Velho. Grandes proprietários bolivianos controlaram extensos seringais no Madeira. Dentre eles destacaram-se a empresa Suárez & Hemanos, D. Ramon, D. Inácio Arauz, D. Pastor Oyola e Santos Mercado. Nos seringais bolivianos eram freqüentes as grandes lavouras de subsistência de arroz, macaxeira, bananas, café e cana -de-açúcar. No f inal do século XIX, já se tinha notícias de ocupação brasileira nas terras do alto Madeira. Na década de 1890 a povoação de Vila Murtinho no Mamoré situava-se em frente ao povoado boliviano de Vila Bela. A f irma boliviana Suárez e Hermanos monopolizou o comércio de látex e os aviamentos dos seringais do Beni e a partir da década de 1880, avançou pelo seringais do Madeira dominando uma área de 16 milhões de acres de terra, exportando borracha diretamente para a Europa. A fundação do departamento do Beni (1892) facil itou a atividade dos comerciantes de origem espanhola, provenientes do Altiplano andino, que passaram a dominar as terras indígenas e a explorar seu trabalho. Formaram-se diversos núcleos de povoamento e exploração como Baures, Guayaramerín, Cachuela Esperanza e Riberalta. A mão -de-obra tradicionalmente empregada nas lavouras e pecuária foi sendo progressivamente transferida para o extrativismo da quina e depois, da borracha. 114 Capítulo 7 O processo de ocupação e expropriação indígena na área do Beni. O indígena na Bolívia: apropriação submissão e resistência No noroeste boliviano, durante o século XIX, a intensificação do processo de exploração da mão-de-obra indígena, como no Brasil, ocorreu pari passu com a ocupação de seus territórios. Contudo, a história do processo de ocupação da terras e exploração do trabalho indígena, na Bolívia, nesse momento, contém, em relação ao Brasil, algumas peculiaridades. Durante o período colonial todos os indígenas, do sexo masculino, com idade entre 18 e 50 anos, eram obrigados a pagar um tributo. Esses tributos chegavam a participar em 25% da renda da coroa. No transcorrer do processo de independência da Bolívia, Simon Bolívar promulgou, entre 1824 e 1825, decretos que aboliam o recolhimento de tributos sobre os indígenas. A assembléia nacional, daquele país, ratif icou esses decretos mas, imediatamente após, percebeu que a aceitação dessa nova norma colocaria em dif iculdades a fazenda nacional, restabelecendo de pronto o tributo, que passou a representar 60% do recolhimento f iscal na Bolívia. Apesar de representar um pesado fardo, a carga tributária contribuiu para a conservação da terra em posse do indígena, contra a ameaça dos brancos. A decadente atividade mineradora não satisfazia às necessidades de ingressos f iscais e, assim, também con trariando os decretos de Bolívar, que colocavam em dúvida o direito do indígena sobre sua terra ancestral, a assembléia nacional, ratif icou, como legítimo, o governo comunal dos indígenas e seus títulos de propriedade da terra. Tratava-se, portanto, de garantir a atividade agropastoril, importante fonte de ingressos f iscais, para a manutenção do governo boliviano, naquele momento. Em 1831, durante o governo de Andrés de Santa Cruz (1792 - 1865), foram restabelecidos os direitos às terras comunais dos indígenas bolivianos. Contudo, esses direitos não valiam para as terras do noroeste boliviano, de Mojos, Yucararés e Chiquitos, abertas à colonização de todo aquele que desejasse estabelecer fazendas, ou explorar a indústria extrativista. No entendimento do gover no, aquelas terras não possuíam proprietários e, portanto, pertencia ao governo o direito de dispor delas. Desconhecia, dessa forma, o direito às terras pelos grupos indígenas daquela região. Em 1851, foi abolida a obrigação de todo indígena estar submiss o a um patrão. Essa instituição, remanescente dos direitos dos adelantados , primevos colonizadores brancos na América Espanhola, chamada, na época colonial, de encomienda, subordinava, como se viu, o trabalho indígena ao colonizador, em troca de sua “educa ção” e “proteção”. A partir dos anos 60 do século XIX, com o aumento da produção mineral na região andina e o conseqüente crescimento dos mercados urbanos, decresceu a importância dos tributos indígenas, como fonte de ingressos governamentais. Com a ascensão ao poder do 115 General Mariano Melgarejo, em 1864, a elite mineradora andina tomou o poder naquele país, passando, então, a dominar as polít icas livre cambistas. O decreto de 1866, novamente, colocou em risco a propriedade comunal das terras, intensif icando-se então a ocupação da propriedade indígena por grupos de imigrantes brancos (carayanas), que se dirigiram ao Beni para desenvolver a agricultura comercial. As medidas legais, da década de 1880, permitiram amplas concessões de terras, na região do Beni, e ao mesmo tempo aboliram o imposto indígena. A conquista do Beni, e o domínio do indígena mojenho pelo colonizador, é um episódio que se repete, basicamente, como nas demais regiões da América do Sul. O acirramento de antipatias entre os grupos de nativos, e os demais instrumentos de cooptação, visando colocar o indígena a serviço da tarefa colonialista, são componentes comuns, tanto na América Espanhola como na América Portuguesa. Contudo, o domínio das nações indígenas, apesar de ser exercido de forma violenta, visando garantir a sujeição do trabalhador às atividades produtivas determinadas pelo colonizador, não era definit ivo. Durante o século XIX vários levantes foram promovidos pelos indígenas do Beni. Já no início do século, em 1811, os trinitários e demais povos de fala mojenha, l iderados por um indígena denominado Pedro Ignacio Muíba, iniciaram um movimento contra os colonizadores brancos. Os colonizadores (carayanas) com o auxílio dos Canichana, l iderados pelo cacique Juan Maraza, reprimem violentamente a revolta. Ao f inal da repressão, Juan Maraza recebeu, das autoridades coloniais, uma série de privilégios, como prêmio pela sua cooperação. Os Canichana, eram aliados antigos dos espanhóis e, desde o período colonial, haviam colaborado no esforço militar de domínio territorial e controle de fronteiras. Anos depois, em 1822, o governador Francisco Javier de Velasco, revogou todos os privilégios dados ao cacique, Maraza, insatisfeito, dirigiu-se a Trinidad, com a intenção de reclamar o retorno dos privilégios. Ao entrevistar-se com Velasco, no palácio do governo, Maraza foi assassinado. Os canichanas do pueblo de San Pedro, profundamente ofendidos com o ato do governador, tomaram Trinidad mataram o governador, e seus assistentes, e incendiaram o paláci o do governo. Muitas vezes, a fundação de novos pueblos indígenas em regiões afastadas, para escapar à exploração do colono, provoca o conflito. Em 1842, um grupo de indígenas se instala na região entre os rios Sécure e o Mamoré, fundando a povoação de Trinidadcito. Durante a década seguinte acentua-se o processo de evasão. O endividamento, junto ao colonizador, e a conseqüente perda de sua propriedade, que o faz tornar-se peão nas hacienda , intensif ica esse processo. Há notícia de uma rebelião indígena, em 1855, na povoação de San Ignacio de Mojos, em que foi executado o corregedor local. Em 1877, um novo processo de resistência, de maiores proporções, faz crescer as povoações, surgidas com o recuo do indígena beniano. Um líder messiânico, Andrés Guayocho, prega, entre os indígenas, a existência de uma terra de liberdade e abundância, longe do domínio do colonizador. Sua pregação tem larga aceitação, e 116 a população indígena passa a abandonar as fazendas e mesmo a capital do Beni, Trinidad, dirigindo-se para o povoado de San Lorenzo. Apesar de pacíf ico, o ato de revolta indígena foi respondido com violência, as autoridades de Trinidad, preocupadas com o êxodo da mão-de-obra, enviaram uma expedição, para reprimir o movimento e fazer os indígenas retornarem aos t rabalhos nas fazendas. Os revoltosos, combateram a expedição de Trinidad nas proximidades da povoação de Trinidadcito e, apesar de alguns povoados terem sido destruídos e sua população enviada à Trinidad, o povoado de San Lorenzo conseguiu resistir, vivendo ali os indígenas livres da exploração do colonizador até a segunda década do século XX. Na maior parte das vezes, porém, após verem suas terras invadidas por esses comerciantes, os indígenas eram subjugados, ou recrutados por feitores, e enviados ao trabalho semi-escravo nas fazendas ou estabelecimentos extrativistas. Exercícios. 1. É forma apropriação compulsória do trabalho indígena, comum na América no período pré-colonial e colonial: a) colonato e precarium. b) beneficium. c) comitatus. d) encomienda. e) patrocinium. 2. Liderou o movimento rebelde em 1811 dos indígenas trimitários contra os colonizadores brancos (carayanas): a) Francisco Javier. b) Pedro Ignácio Muíba. c) Juan Maraza. d) Andrés Guayocho. e) Emiliano Zapata. 3. Pregador messiânico que conduziu uma resistência pa cíf ica dos indígenas do Beni, em 1877, levando-os a abandonar Trindad, em busca de uma nova terra de liberdade, San Lorenzo: a) Diego Arauz. b) Pastor Oyola. c) Andrés Guayocho. d) Pedro Muíba. e) Juan Maraza. 4. Que fatores levaram os indígenas benianos a se revoltarem contra os carayanas no século XIX? R. 117 5. Que fato resultou na sublevação dos Canichana contra as autoridades espanholas em 1842? a)a revogação dos privilégios dados ao seu cacique e seu posterior assassinato. b) a colonização dos elementos de origem espanhola no Beni. c) sua colaboração no esforço militar para dominar os demais grupos indígenas. d) a fundação do povoado de São Pedro. A legislação indígena e o recrutamento de trabalhadores na Bolívia. As formas de recrutamento, do indígena no Beni, para o trabalho no setor extrativista, eram muito semelhante àquelas util izadas no Brasil. O recrutamento formal, consistia em convencer o indígena a trabalhar: como remeiro dos batelões, que levavam e traziam mercadorias pelo trecho encachoeirado do Madeira, ou como extrator, nos seringais pertencentes aos bolivianos, naquela região. Fazia parte, do acordo entre o agente recrutador e o trabalhador, o adiantamento das despesas de deslocamento e, no local do trabalho, outro adiantamento, composto por gêneros, necessários ao início da produção como: ferramentas, armas, alimentos e vestuário. Esse processo de obtenção da mão-de-obra, que no Brasil é conhecido por recrutamento , tem, na América Espanhola, vários nomes como: concertage (no Peru) e enganche (na Bolívia). Algumas vezes, era o próprio cacique indígena que f icava responsável pela contratação de trabalhadores, para a atividade gomífera. Apesar das diferentes denominações, o acordo, pelo qual se recrutava o trabalhador, representava o início de uma nova forma de exploração da mão-de- obra. Essa nova forma de exploração era diferente, daquelas conhecidas desde o início da colonização, pois as despesas iniciais com o extrator, resultavam no endividamento, através da compulsoriedade do abastecimento do seringueiro no barracão (armazém) do dono do seringal, e da majoração dos preços dos produtos. O enganche era realizado também a custa de coerção física, por parte de bolivianos que: ou possuíam seringais no Brasil, ou eram contratados, para atrair os indígenas a esses seringais. Cite-se como exemplo, Dom Fermin Merizalde prefeito do Beni (o equivalente a governador de estado no Brasil), que elaborou um relatório e o enviou ao governo de La Paz, dando notícia que outro prefeito, que o antecedeu, executou um massacre de indígenas, na praça central da capital daquele departamento (Trinidad), e depois mandou 250 dos sobreviventes para um seringal, de sua propriedade, no Brasil. Havia, também, o caso da contratação do indígena aculturado e sua posterior 118 venda no país vizinho. No caso dos grupos bravios, era util izado o recurso do combate e escravização. Respondendo à reação dos indígenas, à invasão de seus territórios, o colono util izava -se do terror, massacres e mutilações eram instrumentos de intimidação. Estima-se que já em 1858, somente no alto Madeira, havia uma população de cinco mil pessoas. Essa população, cresceu muito após os anos 60. Certamente, contribuiu para esse crescimento o elemento indígena boliviano. Esse movimento populacional, de tão intenso, tornou-se motivo de preocupações. Denúncias, contra o abuso do transporte indiscriminado de indígenas para os seringais do Madeira, foram levadas ao público pela imprensa, causando certa comoção na Bolívia. O governo de La Paz, ciente do problema, preocupou -se, não com as crueldades cometidas, mas com a descolonização da região beniana, emitindo, em 1882, uma ordem de governo, que enviou ao prefeito do Beni, mandando impedir o tráf ico, sob o risco de ser despovoada aquela região, já então a menos povoada da Bolívia. Algumas evidências, demonstram a forte preocupação do governo boliviano, em defender os interesses econômicos, localizados dentro de seu território, ou seja, dentro do Beni. Por um lado, alertado para o perigo do despovoamento e, conseqüentemente, da escass ez da mão- de-obra, que migrava para os seringais no Brasil, o governo boliviano proibiu o seu recrutamento, para o trabalho nos seringais brasileiros, o que dif icultou, aos seringalistas bolivianos situados no Madeira, a obtenção de trabalhadores. Por outro lado, a mesma lei evidencia a importância da navegação da via Madeira -Amazonas, ao permitir, e mesmo facil itar, o recrutamento de trabalhadores para aquele setor. A Lei de 24 de novembro de 1883, orientada por um livre cambismo completamente favorável àqueles que exploravam a força de trabalho indígena, tornou livres os contratos de recrutamento, particularmente, aqueles relativos ao abastecimento de remeiros, para a via Madeira-Amazonas. Ao contrário de abolir o enganche, a legislação tendia a fortalece-lo. Apesar de, formalmente, a legislação de 1883 defender o trabalhador indígena, ao considerar o aviamento como uma simples dívida, que não sujeitava o trabalhador; proibir os castigos físicos e ao limitar o contrato de trabalho, ao período de oito meses, o processo de endividamento, e o poder de coerção dos seringalistas, permitiam que o extrator f icasse sujeito, por período indeterminado, sob o argumento formal da obrigação de pagar sua dívida. Assim, a realidade do isolamento e da ausência do estado, n as remotas regiões extrativistas, tornavam essa legislação letra morta. Nos anos seguintes, ampliou-se o arcabouço legal que, formalmente, protegia o indígena da exploração patronal. Em 1895, surge nova legislação, l iberando o seringueiro para abastecer -se fora do barracão e impedindo a vinculação, do produto da extração do seringueiro, ao adiantamento, em gêneros. No ano seguinte, outra legislação estabelece, de forma contraditória, a matrícula do contratado ante um tabelião. As transformações legais, rela tivas ao trabalho do indígena, ocorridas na Bolívia, durante o período áureo do extrativismo da borracha, satisfaziam, plenamente, à demanda de mão -de-obra do 119 setor. Contudo, tendiam a defender os interesses econômicos estabelecidos dentro de suas fronteiras. A intensif icação da exploração da goma elástica, no noroeste boliviano, a partir da década de 70 e o seu surto, nos anos 80 do século XIX, aumentaram a demanda, de mão - de-obra indígena, dentro do Beni e as medidas legais, aprovadas pelo governo daquele país, vieram a dif icultar o recrutamento, que vinham fazendo os seringalistas do Madeira desde os anos 60. Exercícios. 1. Como se realizavam os enganches? R. 2. Que conseqüências teve o enganche de indígenas benianos para os seringais do Madeira? R. 3. Sistema de recrutamento de trabalhadores indígenas bolivianos feito por agentes contratadores: a) barracão. b) toco. c) concertage. d) enganches. e) aviamento. 4. Sobre a lei boliviana de 24 de novembro de 1883, que tratava do indígena beniano, podemos dizer que a) contrariava os interesses do setor de transporte no trecho encachoeirado do rio Madeira. b) regulava os contratos de recrutamento de trabalhadores. c) considerava o aviamento uma simples dívida. d) permitia castigar f isicamente os trabalhadores indígenas. e) permitia que o contrato de trabalho do indígena fosse por tempo indeterminado. 5. Sobre as transformações legais relativas ao trabalho indígena no noroeste boliviano podemos dizer que: a) tendiam a proteger os interesses econômicos do noroeste, na medida em que dif icultava a transferência de mão-de-obra indígena para o Madeira. b) visavam apenas regular os contratos de trabalho, na medida em que havia uma oferta il imitada de mão-de-obra. c) surgiu com o crescimento da exploração da quina. d) foi uma resposta ao crescente surto de industrialização daquela região. e) facil itava os contratos de trabalho para o setor extrativista localizado no Brasil. Em resumo. A mão-de-obra indígena foi largamente util izada pelos europeus na América Espanhola desde o período colonial. No noroeste bolivia no, 120 durante o século XIX, intensif icou-se a exploração dessa mão-de-obra, na medida em que ocorreu a ocupação daquelas terras. Em 1831, durante o governo de Andrés de SantaCruz foram restabelecidos os direitos às terras comunais dos indígenas bolivianos do alt iplano. O mesmo direito não foi estendido às terras pertencentes aos indígenas das terras baixas: Mojos, Yucararés e Chiquitos. Em 1851, foi abolida a encomienda e em 1864, com a ascensão do General Melgarejo ao poder instalou-se uma polít ica livre-cambista que permitiu a ocupação das terras indígenas do Beni por grupos de imigrantes brancos (carayanas). Os indígenas pagavam pesados tributos pela posse comunal de suas terras. Esse tributo chegou a representar 60% da arrecadação do governo boliviano. Com a instalação do livre-cambismo e do direito de se explorar e ocupar as terras indígenas esse imposto foi abolido na década de 1880. A extração do látex nos seringais do alto Madeira, durante a 2ª metade do século XIX foi feita principalmente por indígena s mojenhos. Durante o século XIX ocorreram diversos levantes de indígenas do Beni contra a dominação dos colonizadores. A resistência indígena implicou em atos de rebelião armada fugas e alianças com colonizadores para o combate contra outros povos indígenas. Na maior parte das vezes, os indígenas eram subjugados e submetidos ao trabalho semi -escravo. A obtenção de trabalhadores para o alto Madeira f icava a cargo de agentes recrutados. O processo de recrutamento chamava -se enganche. O trabalhador recebia ad iantamento das despesas de deslocamento e os gêneros necessários ao início da produção ( esse processo é conhecido como aviamento no Brasil e na Bolívia chama -se habilito). O enganche podia ocorrer de forma violenta e através da prevaricação. Ocorria também o caso de contratação de indígenas aculturados e sua posterior venda no país vizinho. O habilito ou aviamento submetia o trabalhador ao patrão, enquanto não fosse liquidada a dívida para com o barracão. O processo de enganche de indígenas benianos destin ados ao Madeira chegou a ameaçar de despovoamento a região do Beni, o que levou o governo boliviano a tomar providências. No entanto o isolamento da região sempre dif icultou a ação do Estado e facil itou a exploração do trabalhador por parte dos grandes proprietários e dos agentes contratadores. Durante o século XIX e o seguinte continuou a ocupação dos territórios indígenas que hoje compõem o estado de Rondônia. A intensif icação da ocupação dessa região ocorreu em função da busca de novos seringais nativos. No Madeira esse avanço encontrou nativos remanescentes da fuga para o interior, ocorrida nos séculos anteriores. Como nos séculos anteriores o processo constitui -se pela reação do nativo, e massacres e retaliações dos colonos. Durante a 2a. Guerra a intensa migração nordestina destinada a satisfazer o novo crescimento da demanda de borracha para o mercado norte-americano aumentou a ocupação dos territórios indígenas do Madeira/Mamoré/Guaporé. 121 Nas décadas seguintes a descoberta de metais e pedras preciosas, de cassiterita e a abertura da BR-364 fez com que os territórios indígenas fossem ocupados por grileiros e posseiros que promoviam massacres para afugentar os nativos dessas áreas. Apesar de todo esse processo de destruição das populações nativas, restam ainda na Amazônia mais de duas centenas de etnias que vivem sob a jurisdição de quatro países diferentes. Práticas comuns no passado continuaram a fazer parte do cotidiano da destruição material ou espiritual das culturas indígenas, como por exemplo a denominação que os agentes do governo atribuem aos povos contatados. Povos como os Omágua, Torá e Mura que são objetos da destruição do conquistador desde o século XVI ainda sobrevivem em reservas indígenas da Amazônia. Muitos dos remanescentes desses grupos vivem já desaldeados, ou seja, nas cidades ou no campo. 122 Capítulo 8 Mão de obra para os seringais do alto Madeira A obtenção da mão-de-obra para os seringais e o mecanismo de expropriação do trabalhador direto. Durante a segunda metade do século XIX, em duas regiões distintas do Brasil, o norte e o sul, havia, simultaneamente, forte demanda de mão-de-obra. O crescimento da demanda do látex, nos países que consumiam essa matéria -prima em suas indústrias, estimulou o aumento da produção extrativa, o que f ez aumentar, enormemente, a procura por mão-de-obra na região amazônica. Nos estados do sudeste, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, f irmava - se a lavoura de café, monocultura que substituiu a decadente produção do açúcar como maior produto de exportação brasileiro. Contudo, a ampliação das áreas de monocultura cafeeira dependia da força de trabalho do escravo negro, que naquele momento sofria as restrições resultantes da pressão da Inglaterra, para que o Brasil extinguisse o trabalho escravo. O governo brasileiro, gradualmente, aprovou leis que dif icultavam o aumento do número de escravos nas fazendas. A abolição do tráf ico, a lei que tornava livres os escravos nascidos após sua promulgação (Lei do Ventre Livre), a lei que tornava livres os escravos que atingissem sessenta anos (Lei dos Sexagenários) e, f inalmente, na abolição da escravidão, forçaram à elite cafeeira à busca de soluções para o problema da mão -de-obra. Os efeitos das restrições, à ampliação do plantel de escravos foi, primeiramente, suprido pela compra de escravos das regiões açucareiras do nordeste. Com a abolição, o estímulo à imigração de europeus foi o meio de suprir a necessidade dos cafezais. Na Amazônia, a crescente demanda de trabalhadores, resultante do aumento da procura externa pela goma elástica, foi resolvida em parte, inicialmente, pela migração intra -regional. Para as novas áreas extrativistas do oeste amazônico, deslocaram-se as populações dos antigos núcleos de colonização. Esse processo migratório, atingiu proporções que chegaram a preocupar as autoridades do Pará, com a perspectiva de descolonização daquelas regiões. Mas o deslocamento de mão-de-obra das regiões tradicionais, para as novas áreas extrativistas da Amazônia, não foi suf iciente para atender ao aumento de produção, à altura das necessidades do mercado. Assim, o apresamento do índio continuou e até aumentou, no últ imo quartel do século XIX. Esses indígenas eram obrigados, pelos donos dos seringais, à coleta do látex e de outros produtos da f loresta. Contudo, seu apresamento tornava-se cada vez mais dif ícil e era insuficiente, para a demanda dos seringais. Apesar de o movimento de nordestinos em direção à Amazônia, para trabalharem nos seringais, datar das primeiras décadas do século XIX, intensif icou-se, com o aumento da demanda da matéria -prima e com a pior seca do século (1879/80). Enquanto os cafezais do Sudeste 123 foram abastecidos com trabalhadores europeus, os seringais da Amazônia receberam trabalhadores nordestinos, que para lá migraram, de forma espontânea ou induzida, com a ajuda de deslocamento fornecida pelo Governo Brasileiro, principalmente em função de fortes secas que assolaram o nordeste no f inal do século passado. Resolvida a questão do abastecimento de mão-de-obra para o crescente setor extrativista, resta examinar o mecanismo de exploração dessa mão-de-obra. A queda da produção regional de alimentos, simultaneamente ao aumento da demanda de produtos primários, é ocorrência típica das regiões monocultoras e de extrativismo intensivo, e foi um dos maiores problemas na região amazônica. Destarte, o desabastecimento, no auge do primeiro ciclo da borracha, foi a culminância do crescimento, ao longo de várias décadas do século XIX, do aumento da demanda de matéria -prima. Há, porém, no caso da borracha, um elemento que não pode ser ignorado, pois se vincula intimamente à questão do desabastecimento: o aumento da demanda externa ocorreu, simultaneamente, com o processo de intensif icação da exploração da mão-de-obra. Essa dinâmica é comum também nas áreasmonocultoras, contudo resultou, na Amazônia, no aperfeiçoamento e domínio de uma forma típica de apropriação do excedente do trabalho, conhecido como sistema do barracão. O fenômeno pode ser simplif icado da seguinte forma: um motor externo à região, o aumento da demanda de matéria-prima, faz com que o seringalista exija que o seringueiro dedique, crescentemente, seu tempo na extração; o seringueiro, gradualmente, vai abandonando a lavoura de subsistência e passa a adquirir, cada vez mais, produtos no barracão do seringalista; a produção aumenta e o seringalista, em face da crescente dependência do seringueiro em abastecer -se no barracão, majora os preços. Como conseqüência dessa majoração, a produção do seringueiro nunca é suficiente para liquidar as dívida s. Acrescente-se que o preço pago pela borracha extraída pelo seringueiro é manipulado pelo seringalista. Assim, a resultante f inal é que o produtor direto f ica preso ao seringalista pela dívida, prisão evidentemente garantida, não pela honra ao compromisso, mas por mecanismos de coerção física. Dois pressupostos necessários ao esquema da borracha estão satisfeitos, aumentou-se a produção e garantiu-se a continuidade do processo de extração, ao prender o extrator à produção através do endividamento. Uma terceira conseqüência, não menos importante, é que se garantiu também, pelo mesmo processo, o aumento do excedente apropriado pelo seringalista. Ao contrário do conhecimento comum, o abastecimento de gêneros alimentícios não provinha todo de áreas externas à região extrativista, mas havia um setor econômico interno dedicado à produção de alimentos, o que permitia estabelecer uma estratégia de aquisição dos produtos, destinados ao abastecimento das regiões produtoras da borracha, vinculada a diversos fatores ec onômicos e geográficos. Por exemplo: nas regiões mais próximas às nascentes dos af luentes do alto Amazonas e, particularmente, no alto Madeira, em função do seu trecho acidentado, onde o abastecimento externo de produtos do Pará e do exterior era mais precário por causa das 124 distâncias, antes do estabelecimento das linhas de navegação à vapor, procurava-se a região produtora de alimentos mais próximas, não necessáriamente dentro do país. Assim é que, o abastecimento do trecho encachoeirado, e talvez de boa parte do alto e médio Madeira, por volta de 1868, era feito com gêneros produzidos nos departamentos bolivianos de Pando e Beni. Produtos da agricultura e pecuária, queijos, gado, couros e aguardente daquela região rica em planícies, eram comprados ou até mesmo trocados por indígenas escravizados pelos brasileiros que atravessavam a fronteira para esse f im. Exercícios. 1. Como era feito o abastecimento dos seringais do Madeira? R. 2. Como funcionou o sistema de barracão? R. 3. Como eram real izados os trabalhos nos dois grande centros produtores do Brasil na segunda metade do século XIX? R. 4. A partir de que período passa a predominar o uso da mão -de-obra nordestina nos seringais amazônicos? R. 125 5. Que conseqüências teve a entrada dos nordestinos na Amazônia? R. A mão-de-obra indígena no período áureo da borracha. A partir da segunda metade do século XIX, a Amazônia inicia a sair da letargia econômica, que sempre caracterizou os períodos que intermediaram os grandes surtos extrativistas daquela região. O crescimento da demanda de matéria -prima, para a indústria da borracha da Europa e E.U.A., intensif icou a necessidade de mão -de-obra na região, tornando mais dif ícil a manutenção da liberdade do indígena. Dois processos simultâneos ocorreram então: a ampliação da conquista, sobre as áreas ainda de domínio indígena, com a abertura de novos seringais, que iniciavam por espalhar -se pelos rios mais remotos da Amazônia; e a intensif icação do combate ao indígena, tanto para expulsá-lo das mediações das novas áreas de extrativismo, como para escravizá-lo ao seringal. Tanto o indígena do território boliviano como aqueles do território brasileiro foram vit imados por esse surto extrativista. Ao realizar a segunda tentativa, de construção da ferrovia Madeira-Mamoré (1878), que contornaria o trecho encachoeirado do rio Madeira, facil itando o comércio com o Noroeste boliviano, os norte - americanos encontraram a região do alto Madeira, ocupada por bolivianos que praticavam o extrat ivismo do látex. A expedição, serviu - se de remadores indígenas, provenientes da Bolívia, e os contatos, no trecho encachoeirado do Madeira foi, com exceção dos trabalhadores recrutados nos E.U.A, quase que exclusivamente, com bolivianos. Essa mão-de-obra era, à época da expedição, indispensável no Madeira, além de remar esses indígenas se encarregavam de todo o trabalho 126 braçal: carregar as mercadorias e arrastar as embarcações por terra, para contornar os acidentes do rio; levantar os acampamentos, cozinhar e servir as refeições. Em Santo Antônio, era esse indígena também a força de trabalho predominante, conduzindo os fardos, dos vapores até as canoas que seguiam rio acima, pelo trecho encachoeirado, ou vice - versa. Eram, também, os construtores das edif icações da promissora vila e moradores de sua periferia. Os administradores públicos do Beni, t inham poder para recrutar esses indígenas, e enviá-los ao Madeira. A remuneração desses nativos era irrisória: um pequeno salário ou o pagamento em tecidos, roupas e armas. Como no Beni, o indígena que migrava para o Madeira, estava sujeito ao abusos e maltratos por parte dos patrões. Os maltratos ao indígena transportado, pelo artif ício do engodo ou pela força, contavam com a colaboração, ou conivência, das autoridades brasileiras, interessadas em manter a produção da borracha à pleno vapor o que não ocorreria, sem o concurso de uma mão-de-obra extremamente submissa à exploração. Em 1878, o presidente da província do Amazonas subiu o Madeira, chegando até Santo Antôn io, onde teve notícias do tratamento cruel dado aos trabalhadores, principalmente os indígenas. Tais castigos, eram perpetrados mesmo em Santo Antônio. As autoridades, não somente f icavam indiferentes às agressões como freqüentemente auxiliavam os seringal istas a capturar o trabalhador que fosse embora do seu posto de trabalho. Outras possibil idades de obtenção de trabalhadores eram sugeridas. Em 1866, Tavares Bastos considerava viável a absorção de imigrantes ilhéus, espanhóis e portugueses, supunha mesmo a Amazônia como espaço privilegiado, no Brasil, para a imigração norte - americana. Contudo era o indígena a opção imediata. Já Na segunda metade do século XIX Pimenta Bueno (1803-1878) declarava a dif iculdade em fazer valer as normas imperiais, relativas à propriedade fundiária, em vista do pouco valor da terra em relação à mão -de-obra. Nas décadas seguintes, a situação continuava semelhante. Em 1866, Tavares Bastos denunciou a ação de brasileiros na captura dos indígenas Miranha, que viviam nos rios Japurá e Içá, no território de Nova Granada.. Assim, apesar dos projetos de arregimentação de trabalhadores estrangeiros, o braço indígena continuou a predominar no extrativismo da goma elástica, até o últ imo quartel do século XIX, quando a grande seca no Ceará propiciou condições para a arregimentação de nordestinos, para os seringais do Madeira e do Purus. Contudo, mesmo durante o período áureo, situado entre 1880 e 1912, o braço indígena continuou sendo largamente usado, nas várias atividades da indústria extrativista. A grande migração nordestina, a partir do ano de 1879, deu à população amazônica a sua feição f inal. Exercícios. 1. Qual o fator que provocou o aumento da demanda de mão -de-obra na Amazônia após a segunda metade do século XIX? a) a letargia econômica em que se encontrava a Amazônia. 127 b)o estabelecimento de indústrias de pneumáticos na região. c) a conquista de novas áreas indígenas. d) o crescimento da demanda de borracha pelo mercado internacional. e) a abertura do noroeste boliviano à navegação. 2. Em 1866 denunciou a ação de brasileiros na captura dos indígenas Miranha, que viviam nos rios Japurá, no território de Nova Granada,: a) Jonatas Pedrosa. b) Tenreiro Aranha. c) José de Alencar. d) Plácido de Castro. e) Tavares Bastos. 3. Qual era a posição das autoridades brasi leiras no alto Madeira em relação aos maltratos dispensados aos indígenas? R. 4. Para resolver a questão da demanda de mão-de-obra no Vale Amazônico Tavares Bastos sugeriu: a) a intensif icação do apresamento do indígena. b) a adoção do trabalhador escravo. c) o estabelecimento de relações de trabalho servis. d) a absorção de trabalhadores de outros países. e) a libertação dos escravos negros do sul do país e sua transmigração para a Amazônia. 5. Que fator propiciou o abundante abastecimento de mão -de-obra não indígena para a Amazônia? a) o recrutamento de trabalhadores no noroeste boliviano. b) a vinda de um enorme contingente de trabalhadores europeus. c) a grande migração nordestina a partir de 1879. d) a compra de escravos negros. e) a oferta de salários atraentes no setor extrativista. Em resumo. O crescimento da procura pela borracha amazônica durante a segunda metade do século XIX levou a uma crescente exploração da reduzida e insuficiente mão-de-obra local. Caboclos e tapuios eram recrutados, muitas vezes violentamente para o trabalho nos seringais. 128 Como disponibil idade de mão-de-obra era insuficiente, uti l izou-se largamente da escravização e comercialização de indígenas capturados ou comprados pelos regatões para o trabalho nos seringais: A util ização da mão-de-obra nordestina na Amazônia já era observada desde as primeiras décadas do século XIX, no entanto ela ganhou maior relevância a partir da grande seca que f lagelou o Nordeste entre 1877 e 1879. Os nordestinos penetraram nos seringais acreanos, então pertencentes à Bolívia e calculou-se que em 1900 já existiam 60.000 brasileiros no Acre. Por outro lado era intensa a presença de seringueiros bolivianos no alto Madeira. Durante muitos anos, os seringais do Madeira possuíam lavouras e gado para seu próprio sustento. Contudo o aumento da demanda pela borracha, fez com que os trabalhos agrícolas fossem abandonados, passando-se a importar tudo de outras regiões ou de outros países. Ao redor de Belém e nas zonas de extrativismo já esgotados, f loresceu a atividade agrícola que forneceu os gêneros necessários aos seringais, os produtos industrializados vinham, principalmente, da Europa e dos EUA. Nos seringais o sistema de aviamento ou barracão concedia crédito ao trabalhador que deveria pagar suas dívidas com produção. Dessa forma manteve-se sempre o trabalhador endividado e preso ao seringal O auge do desabastecimento dos seringais ocorreu entre 1880 e 1915, o que corresponde ao período áureo da extração da borracha no Brasil. No Vale do Madeira os seringais empregaram largame nte a mão-de- obra boliviana. No entanto os trabalhos desses indígenas do Beni eram util izados mesmo em Manaus, Serpa, Manicoré e Humaitá. Preferia -se o indígena boliviano ao brasileiro, pois ele era considerado mais dócil, higiênico e trabalhador. A mão-de-obra indígena (brasileira e boliviana) foi largamente util izada nos seringais brasileiros mesmo durante o século XX. 129 Presidentes da Província do Amazonas durante o Império. Posse - Nome. 1852 - João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha. 1853 - Herculano Ferreira Pena. 1856 - João Pedro Dias Vieira. 1857 - Ângelo Tomás do Amaral. 1857 - Francisco José Furtado. 1860 - Manuel Clementino Carneiro da Cunha. 1863 - Sinval Odorico de Moura. 1864 - Adolfo de Barros Cavalcânti de Albuquerque de Lacerda. 1865 - Antônio Epaminondas de Mello. 1867 - José Coelho da Gama Abreu. 1868 - Jacinto Pereira Rego. 1868 - João Wilkens de Matos. 1870 - José de Miranda da Silva Reis. 1872 - Domingos Monteiro Peixoto. 1875 - Antônio dos Passos Miranda. 1876 - Domingos Jaci Monteiro. 1877 - Agesilau Pereira da Silva. 1878 - Inocencio Eustaquio Ferreira de Araújo. 1879 - José Clarindo de Queirós. 1880 - Sátyro de Oliveira Dias. 1881 - Alarico José Furtado. 1882 - José Lustosa da Cunha Paranaguá. 1884 - Theodoreto Carlos de Faria Souto. 1884 - José Jansen Ferreira Júnior. 1885 - Ernesto Adolpho Vasconcellos Chaves. 1887 - Conrado Jacob de Niemeyer. 1888 - Francisco Antônio Pimenta Bueno. 1888 - Joaquim Cardoso de Andrade. 1889 - Joaquim de Oliveira Machado. 1889 - Manuel Francisco Machado. 130 Capítulo 9 A questão Acreana e a construção da E.F.M.M. Os antecedentes e a Rebelião Acreana. Na virada do século XIX os rios da Amazônia Ocidental estavam sendo intensamente ocupados. Os seringais produziam enormes quantidades da goma elástica para a exportação e os nordestinos continuavam chegando para abastecer de mão-de-obra o mercado. No Madeira, avançava a população brasileira sobre trechos que antes eram habitados quase que exclusivamente por bolivianos. No Acre, região reconhecida pela diplomacia brasileira do império e início da república como inquestionavelmente boliviana, o avanço brasileiro sobre os seringais iniciava a ocasionar conflitos. A conjunção de vários fatores vieram a resultar na rebelião dos brasileiros que ocuparam a região do Acre, contra a soberania territorial boliviana. Era o Acre então a maior região produtora da goma elástica do mundo; a borracha dali exportada era produzida por uma população maioritariamente brasileira. Apesar de o governo brasileiro ter reconhecido no Tratado de Ayacucho (1867) os direitos da Bolívia sobre aquela região, não haviam marcos de fronteira naquele setor que permitissem o estabelecimento das lindes, restando dúvidas em relação ao f inal do território brasileiro e início do território bolivi ano. O controle quase nulo daquele espaço de fronteiras pelo governo boliviano permitiu ao Estado do Amazonas estabelecer ali sua jurisdição, inclusive e principalmente no que se refere a cobrança de impostos, resultando daí que, apesar do território pertencer à Bolívia parte dele era regulado por leis brasileiras. A tentativa de controle daquele espaço pelo governo boliviano, no f inal do século, gerou atritos entre os funcionários do governo daquele país e a população brasileira ali residente. A ação do governo boliviano contrariou também os interesses f iscais dos estados do Pará e Amazonas e os interesses comerciais das casas aviadoras daqueles estados, que passaram a apoiar as aspirações separatistas dos acreanos. Somente alguns anos após à assinatura do Tratado de Ayacucho, os governos do Brasil e da Bolívia tomaram a iniciativa que permitiria o estabelecimento dos marcos da fronteira. A comissão, chefiada em 1874 pelo Barão de Tefé (1837-1931), para estabelecer os limites entre o Brasil e o Peru, não conseguiu chegar às nascentes do Javari. Em 1877, reuniu-se uma comissão brasileiro-boliviana para, a partir da junção do Beni com o Mamoré (Villa Bella) f incar os marcos de limites no rio Madeira. O marco foi erigido na cachoeira do Madeira, próximo àquela localidade e daí seguiria para a nascente do Javari, quando fosse descoberta. Em 1895 os ministros da relações exteriores da Bolívia, Frederico Diez Medina, e do Brasil, Carlos Augusto de Carvalho, assinaram um protocolo onde a Bolívia aceitava as conclusões da comissão brasileiro- peruana sobre a nascente do Javari. No mesmo ano formou -se uma 131 comissão mista para dar prosseguimento as demarcações. O Coronel Gregório Taumaturgo de Azevedo (1851-1921), que dirigia o grupo brasileiro de demarcação,supondo que a nascente do Javari estava situada mais ao sul, discordou do referido protocolo. Voltando ao Rio de Janeiro o Coronel expôs à opinião pública seus argumentos. Segundo ele, a aceitação da decisão da comissão mista implicaria em que o Brasil perderia o rio Acre, Yaco, alguns af luentes do Juruá, talvez do Jutaí e do Javari, justamente a região que fornecia a maior quantidade de borracha naquela zona. Premido pela opinião pública o chanceler Dionísio Cerqueira (1847-1910) suspendeu a demarcação, determinando que se verif icasse a exata nascente do Javari. Finalmente, no ano seguinte, a comissão mista brasileiro - boliviana reuniu-se em Caquetá, na margem direita do rio Acre, f ixando ali o primeiro marco daquela comissão. Em 1898 Dionísio Cerqueira autorizou a criação de uma alfândega boliviana em Porto Acre, e informou ao Governador do Amazonas, Ramalho Júnior., que o aceite para a criação de uma alfândega boliviana no rio Acre justif icava -se por ser o território incontestavelmente boliviano. Mantendo-se ainda incógnita a nascente do Javari, Brasil e Bolívia subscreveram em 1899 um novo acordo determinando a sua descoberta. Por este acordo concordava o Brasil com o estabelecimento de uma aduana em Puerto Alonso, no rio Acre, comprometendo-se a Bolívia a recuar a alfândega, se estivesse em território brasileiro, quando se definisse f inalmente os limites entre os dois países. Nesse mesmo ano surgiu "O Rio Acre", de autoria de Serzedelo Corrêa (1858-1932), polít ico paraense e deputado por aquele Estado na Câmara Federal. No livro Serzedelo sustentava a interpretação, conveniente aos interesses de Belém e Manaus mas absurda considerando-se o sentido do Tratado de 1867, de que a partir da nascente do Madeira a fronteira correria paralela à latitude 10 o 20’ até o ponto em que encontrasse o meridiano que passa pela nascente do Javari. Tanto a interpretação do Coronel Taumaturgo quanto a do Deputado Serzedelo Corrêa baseavam-se em suposições. Apesar de ser uma interpretação conveniente aos interesses territoriais nacionais era equivocada. O tratado de 1867 não deixava margem à dúvidas pois determinava que da nascente do Madeira: ".para oeste seguirá a fronteira por uma paralela tirada de sua margem esquerda, na latitude 10o 20’ até encontrar as nascentes do Javary ." Porém continha uma salvaguarda: ".se o Javary tiver suas nascentes ao norte daquela linha leste-oeste partirá a fronteira, desde a mesma latitude, por uma reta a buscar a origem principal do Javary ." As condições para a rebelião da população brasileira na zona d o rio Acre estavam colocadas: o estabelecimento da aduana foi o estopim da primeira revolta e a interpretação de Serzedelo Corrêa foi o seu argumento de justif icação. Situada entre os seringais Riosinho e Caquetá, a alfândega de Puerto Alonso vinha facil it ar a coleta de impostos pelas autoridades bolivianas, ação de dif ícil execução na aduana de Villa Bella, no rio Beni pouco abaixo de sua confluência com o Mamoré, em função da distância da principal zona de produção 132 gomífera, o Acre. A instalação do Delegado Nacional Boliviano em Puerto Alonso, em 1899, acompanhado de um contingente militar de 40 homens, fez cessar a autoridade do Superintendente e do Juiz de Direito da Comarca de Floriano Peixoto, autoridades ali instaladas pelo Governo do Amazonas. Os habitantes da região do Acre que viveram livres de impostos tinham agora que se entender com a f iscalização boliviana. Além disso a criação da aduana de Puerto Alonso resultava em que o Estado do Amazonas, que havia estendido sua jurisdição sobre aquela área, perderia rendas derivadas do escoamento da produção gomífera do Acre. Em 1899, alguns meses após instalada a alfândega boliviana, iniciou-se a primeira tentativa separatista, conspirada no seringal Caquetá, de Joaquim Vítor. José de Carvalho, que fora Se cretário do Superintendente do Estado do Amazonas em Floriano Peixoto (Acre), dirigiu-se a Puerto Alonso e intimou os funcionários bolivianos a saírem do território do Acre. O embaixador boliviano no Rio de Janeiro, D. Luiz Salinas y Vega, enviou ao Acre um aviso de guerra para desalojar os sediciosos. Contudo um incidente veio a precipitar o recrudescimento da rebelião dos brasileiros no Acre. Paralelamente à instalação da alfândega boliviana, D. José Paravicini entabulava um acordo com o governo dos E.U.A. No mesmo ano da instalação da alfândega em Puerto Alonso, foi entregue a um funcionário do consulado da Bolívia em Belém um documento para ser vertido para o inglês. Tratava -se da minuta de acordo diplomático assinada pelo cônsul da Bolívia no Pará (Luiz Trucco), pelo ministro da República da Bolívia e Enviado Plenipotenciário (José Paravicini) e pelo cônsul dos EUA (Kennedy). O documento previa a gestão do governo norte -americano junto ao governo brasileiro para que este reconhecesse os direitos da Bolí via aos territórios do Acre, Purus e Iaco, ocupados segundo o acordo de 1867. O mais grave porém é que os E.U.A comprometiam -se a apoiar a Bolívia, em caso de guerra com o Brasil. Luiz Galvez Rodrigues de Arias, um espanhol que era funcionário do consulado da Bolívia em Belém, ciente das conseqüências desse acordo para Manaus, dirigiu-se àquela capital. onde informou ao presidente da província sobre os termos da minuta. Galvez então, apoiado of iciosamente pelo presidente da província do Amazonas, dirigiu-se ao Acre com armas, munições e 1.000 contos de réis. Chegando ao Acre assumiu a liderança do movimento e proclamou a República Independente do Acre, que tinha como limites setores dos rios Juruá, Purus, Acre e Beni. Alguns dirigentes revolucionários, dent re eles Galvez, o líder dos rebeldes, julgavam que o Acre poderia ser um estado independente, dada a distância em que se encontrava dos poderes centrais, tanto do Brasil como da Bolívia. Essa pretensão contava com a oposição do comércio de Belém e Manaus, que naquele momento temiam que o movimento separatista viesse a prejudicar seus interesses na região; os governos do Brasil e da Bolívia e também alguns seringalistas que, opondo-se a esse intento, formaram uma Comissão Garantidora dos 133 Direitos Brasileiros, recusando-se a aderir ao movimento. A crescente oposição resultou que Galvez publicasse um decreto de estado de sit io e ordem de prisão dos elementos contrários ao Estado Independente. A insatisfação em relação a Galvez foi crescendo até que, em dezembro do mesmo ano, o Coronel Antônio de Souza Braga proprietário dos seringais, Riosinho e Benfica, foi aclamado e empossado no governo e Galvez deposto e ordenada sua prisão. O aparente despreparo e a falta de vontade de Antônio Braga de continuar na chefia do governo, f izeram com que Hipólito Moreira, Joaquim Vítor e Rodrigo de Carvalho articulassem o retorno de Galvez ao poder, o que ocorreu pacif icamente um mês depois de sua deposição. Contudo, o Estado Independente do Acre vivia seus últ imos momentos. No mês de março de 1900 chegou ao Acre uma força expedicionária do Exército enviada pelo Governo Brasileiro, extinguiu o Estado Independente, prendendo Galvez, conduzindo -o a Manaus. Contudo, as aspirações separatistas permaneciam. Articulava -se um novo governo rebelde sob a presidência de Gentil T. Norberto ao mesmo tempo em que foi organizado em Manaus um grupo de apoio, autodenominado Expedição Floriano Peixoto. Chegando ao Acre, esse grupo, logo no primeiro combate contra os bolivianos, os expedicionários foram fragorosamente derrotados abandonando diversos armamentos leves, munição e ainda um canhão e uma metralhadora. Quanto ao governo independente, no dia 4 de janeiro o vapor Rio Afuá atracou em Riosinho, onde se defendia a guarnição boliviana, levando a proposta de rendição dos chefes revoltosos, sob a condição de anistia geral. Com o aceite do Ministro da Guerra boliviano, que comandava a guarnição,o vapor retornou a Empresa. Informados da aceitação os rebeldes assinaram o documento de rendição. Exercícios. 1. Dentre os fatores que vieram a resultar na rebelião dos acreanos não podemos destacar: a) o Acre era uma das maiores regiões produtoras de borracha do mundo. b) a borracha era produzida na região do Acre por uma população predominantemente boliviana. c) os marcos de limites entre o Brasil e a Bolívia eram inequívocos. d) o governo boliviano havia estabelecido uma vigorosa polít ica de colonização na região. 2. A qual dos fatores abaixo pode ser atribuído o fato de que em 1899 não haviam sido estabelecidas claramente as fronteiras entre os dois países na região do Acre? a) O desinteresse do governo brasileiro em estabelecer definit ivamente a fronteira naquela região. b) Aos golpes de estado na Bolívia que impediam o assentamento dos marcos de fronteira. c) A invasão de seringueiros brasileiros no Acre. 134 d) A incógnita quanto a nascente do rio Javari. 3. Motivou a ação de Galvez no Acre: a) o contrato de arrendamento com o Bolivian Syndicate. b) a minuta de acordo diplomático entre o Brasil e os EUA. c) a expedição militar comandada pelo General Pando. d) a expedição do Tenente Porter. 4. Explique os resultados do estabelecimento da aduana em Puerto Alonso? R. 5. Qual era o teor da minuta de acordo diplomático entre os EUA e a Bolívia elaborada em 1899? R. A anexação do Acre ao Brasil. Entre 1892 e 1898 o Coronel José Manuel Pando, presidente da Bolívia durante o conflito do Acre, comandou uma expedição ao Território de Colônias para explorá -lo. Retornando a La Paz Pando alertou ao governo de seu país quanto ao perigo que a penetração brasileira representava para o noroeste boliviano, cuja ocupação e integração passou a ser motivo de constante preocupação para aquele governo. No entanto a solução para o problema encontrava vários obstáculos: havia a dif iculdade de acesso à região a partir dos Andes; do pouco excedente populacional, concentrado na região andina; e da pouca disponibil idade de recursos para aplicar na área, dado que a elite econômica da Bolívia continuava vinculada ao setor minerador. A solução encontrada para superar o isolamento da região foi encontrar um grupo de capitalistas que, consorciados, pudessem ali investir criando condições para sua efetiva colonização. A concessão, nos moldes daquela que seria oferecida ao Bolivian Sindicate, chegou a 135 ser oferecida a um grupo de industriais e capitalistas brasileiros, e o representante desse grupo, o Coronel Rogério Guanabara reuniu -se com autoridades bolivianas, em julho de 1900, no rio Orton. O projeto porém não foi aprovado pelo governo Boliviano. Dessa forma, e m 11 de junho de 1901 foi f irmado em Londres o contrato de arrendamento do Acre, sendo signatários o ministro plenipotenciário da Bolívia, e o representante do Bolivian Syndicate of New York City. Curiosamente a presidência do truste foi dada ao primo do p residente Theodore Roosevelt, então presidente norte -americano. Pelo contrato foi admitido ao Bolivian Syndicate poderes absolutos de administração f iscal e policial, monopólio da exploração econômica do território e, inclusive, poderes para manter exército e pequena esquadra. Dentro da Bolívia haviam temores de que, aproveitando-se dessa larga concessão de terras e dos privilégios concedidos, os norte -americanos pudessem futuramente agredir a sua soberania territorial. Os termos do contrato com o Bolivian Syndicate foram motivo de acaloradas discussões, dentro do congresso daquele país, que resultaram na alteração de algumas de suas partes. A notícia do contrato de arrendamento da região acreana foi recebida com preocupação pelos brasileiros ali residentes, entre eles um gaúcho José Plácido de Castro (1873-1908) que trabalhava na demarcação de seringais. Ao receber um pacote de jornais de La Paz que traziam a íntegra do contrato entre o Governo boliviano e o Bolivian Syndicate, além da notícia de aprovação do contrato pelo congresso boliviano, supôs que aquele seria um precedente perigoso na medida em que abriria caminho para futuras intervenções norte -americanas na Amazônia, podendo resultar inclusive em ofensa à soberania brasileira. Não estava destituído de razões, a concessão ao Bolivian Syndicate criaria uma situação perigosa, se considerados os fatos recentes. O incidente de 1850, o protocolo de 1899, que motivou a ação de Galvez, e a recente intervenção dos EUA em Cuba, que culminaram com a anexação das Filipinas, de Guam e de Porto Rico permitiam tais previsões, aliás confirmadas pelas ações militares do governo dos EUA na América Central e do Sul após o ano de 1901. Aliado à população brasileira residente na região do Acre, Plácido de Castro proclamou a República Independente do Acre, o que signif icou declarar guerra à Bolívia. Após derrotar as poucas e mal abastecidas tropas bolivianas aquarteladas naquela região efetivou-se o domínio rebelde. Quando o governo brasileiro se manifestou publicamente a respeito do assunto pela primeira vez, através do Ministro dos Negócios Exteriores, o barão do Rio Branco (1845-1912), demonstrou preocupação semelhante a de Plácido de Castro. Assim é que, em 24 de janeiro de 1903, o barão do Rio Branco enviou circular tele gráf ica dirigida aos jornais de La Paz. Afirmava que a concessão era uma monstruosidade legal porque implicava na alienação parcial da soberania do estado sobre um pedaço do território boliviano a uma companhia estrangeira sem personalidade internacional. Ressaltou que a região era habitada unicamente por brasileiros. A chancelaria brasileira mudou repentinamente sua posição quanto ao fato de ser aquele território inquestionavelmente boliviano, e passou a considerá -lo 136 área em litígio entre as duas nações. A lém da desconfiança quanto à concessão, essa mudança pode ser entendida em função das pressões da população brasileira por autonomia e dos interesses f iscais e comerciais brasileiros no Acre. O governo brasileiro soube bem explorar o contrato de concessão no sentido de articular aliados potenciais, pois a possibil idade do estabelecimento de um enclave imperialista na Amazônia era considerada perigosa, particularmente para o Peru que seria seu vizinho. Um protesto formal foi enviado ao governo de La Paz em agosto de 1902, atitude reforçada pela retirada do cônsul brasileiro em Puerto Alonso e pelo embargo de mercadorias da ou para a Bolívia, pela via do Amazonas. Esse embargo embaraçava as atividades do sindicato pois esse era o acesso mais rápido via oceano para a área da concessão, f icando os equipamentos destinados à instalação do sindicato retidos no porto de Belém. As atitudes do governo brasileiro foram apoiadas pela maioria dos governos latino -americanos. Contrariamente, representantes da Inglaterra, F rança, Alemanha, Suíça e E.U.A protestaram contra os prejuízos causados pelo embargo. Os comerciantes de Belém, que até então não apoiavam as tentativas de rebelião no Acre, passaram a incitar a opinião pública, chegando mesmo três das maiores casas aviadoras de Belém a enviar seus reclamos ao Presidente Rodrigues Alves. A reação contrária que o contrato despertara na maioria dos vizinhos latino-americanos fez com que a Bolívia propusesse ao sindicato a rescisão do contrato, que foi terminantemente recusad a sob o argumento de que o prazo para o início dos trabalhos da concessão ainda não havia esgotado. Recusada a proposta brasileira de comprar o Acre o governo boliviano enviou, desde La Paz até a região do Acre, um contingente de 1.100 homens comandados pe lo próprio presidente da república o General. Pando. O Brasil também enviou tropas ao Acre e dessa maneira visualizava-se um conflito internacional, não se descartando, inclusive, a participação doPeru, aliado ao Brasil. Em 26 de fevereiro de 1903 o governo brasileiro comprou por 110.000 libras os direitos, interesses e ações do Bolivian Syndicate. Na verdade a compra foi mais uma satisfação dada aos países que tinham interesse na empresa, os E.U.A e a Inglaterra. Isto porque o acordo com a Bolívia proibia ao concessionário a transferência da concessão a outro governo. Além disso, faltavam apenas oito dias para o contrato caducar por não cumprimento, dado o embargo exercido desde o porto do Pará, também em fevereiro de 1903 o embargo sobre a navegação estrangeira no Amazonas foi suspenso. O que o Brasil fez na verdade foi indenizar o sindicatos por perdas estimadas, embora formalmente tenha comprado e posteriormente dissolvido a empresa. O fato é que o conflito foi resolvido pelos dois países por via diplomática. Em maio de 1903 o governo brasileiro, através do decreto no. 4832, assinado pelo presidente Rodrigues Alves (1848 -1919), autorizou a abertura de crédito extraordinário no valor de 2.366:270$2200 para ser convertida, ao câmbio da época, em 114.000 libras esterlinas destinadas a indenização ao Bolivian Sindicante. A Bolívia, por sua vez, também indenizou o sindicato. Em 17 de novembro 137 do mesmo ano foi assinado o Tratado de Petrópolis, entre o Brasil e a Bolívia, no qual este últ imo país renunciava aos direitos sobre o território em litígio mediante o pagamento, pelo beneficiário, de uma indenização de 2.000.000 de libras esterlinas. O artigo VII daquele tratado obrigava ao Brasil a construir uma ferrovia que contornasse o trecho encachoeirado do rio Madeira, exigência do governo boliviano para que fossem sanados os problemas de transporte naquela área. Essa ferrovia teria seus extremos em Santo Antônio, no rio Madeira e em Guajará-Mirim, no rio Mamoré, com um ramal até Vila Murtinho, próximo à confluência do Beni com o Mamoré, para facil itar o transporte de mercadorias de Villa Bella (Bolívia). Ainda, no que tange ao espaço que hoje ocupa o estado de Rondônia, o delta do Madeira, formado pelos rios Beni e Mamoré retornou ao território da Bolívia. Curiosamente, não se encontrou registros de interferência norte - americana nos moldes previstos pela minuta de 1899. É possível que por essa época os Estados Unidos, ocupado por inúmeras intervenções na América Central, não estivesse disponível para tratar com mais cuidado dos interesses do Bolivian Syndicate. Exercícios. 1. A Bolívia, apesar de alertada desde o f inal do século dos perigos que a penetração brasileira representavam para sua soberania territorial, encontrava dif iculdades para colonizar a região do A cre. Dentre essas dif iculdades não podemos assinalar: a) a dif iculdade de acesso à região a partir dos Andes. b) o pouco excedente populacional, concentrado na região andina. c) a insuficiência de recursos para aplicar na área. d) a ação dos brasileiros que impediam a efetivação da colonização boliviana do Acre desde 1860. 2. Através do contrato de arrendamento da região do Acre, estabelecido com o Bolivian Sindicante, a Bolívia não concedia: a) poderes de administração f iscal. b) monopólio da exploração econômica. c) poderes para manter exército e pequena esquadra. d) poderes para legislar em matéria f iscal e criminal. 3. O contrato de arrendamento da região do Acre provocou: a) uma nova insurreição de brasileiros na região liderados por Plácido de Castro. b) uma reação de tranqüilidade do governo brasileiro através de seu chanceler o Barão do Rio Branco. c) a insurreição acreana liderada por Galvez. d) um telegrama do governo brasileiro parabenizando o governo boliviano. 4. A posição do governo brasileiro o isolou de seus demais vizinhos sul-americanos? R. 138 5. Como o governo brasileiro resolveu a questão com o Bolivian Syndicate? R. Percival Farquhar. Apesar de várias tentativas de construir a ferrovia que contornasse o trecho encachoeirado do rio Madeira, anteriores ao Tratado de Petrópolis, a últ ima e bem sucedida empresa da construção iniciou em 1907. Entrou em cena nesse momento uma f igura, cujo perf i l de empreendedor que concluiu a tarefa, assim como sua atividade empresarial dentro e fora do Brasil, representa bem a época em que viveu. Percival Farquhar (1864-1953), f i lho de um importante industrial norte-americano, foi desde cedo preparado para ser um homem de negócios. Cursou Engenharia na prestigiosa universidade de Yale onde, mais importante que o diploma, estabeleceu laços de amizade junto aos f i lhos e sucessores da elite empresarial de seu país, amizades estas que se demonstrariam importantes para seus investimento no futuro. Em 1898, com o término da guerra hispano-americana (independência de Cuba), Farquhar, como outros, dirigiu-se àquele país, ávido por obter concessões, as quais efetivamente obteve, na área de transporte (bondes) e de energia elétrica. Participou também de empreendimentos ferroviários em Cuba e na Guatemala. Com as relações que Farquhar possuía nas f inanças internacionais conseguia promover a fusão de capitais, para explorar suas concessões monopolistas, obtidas junto aos governos estrangeiros através da pressão ou da inf luência polít ica. Em 1904, incorporou no Brasil a Rio de Janeiro Light and Power, parte de uma série de iniciativas que culminaram com a obtenção do controle acionário de empresas de energia elétrica, bondes e serviços de telefonia no Rio de 139 Janeiro, São Paulo e Salvador. Na Amazônia, obteve Farquhar, em 1905, concessão do governo para obras no porto de Belém; em 1909 formou a Companhia de Navegação do Amazonas que ocupou o lugar da Amazon River Steam Navigation Co. Ltd.; em 1911 fundou a Amazon Land & Colonization Co. que recebeu no mesmo ano de sua fundação, após uma visita de Farquhar a Belém, uma concessão de 60.000 quilômetros quadrados de terras, onde hoje f ica o estado do Amapá. A concessão para a construção da ferrovia Madeira -Mamoré foi adquirida por compra, ao Engenheiro Joaquim Catramby, em 1907. No mesmo ano foi iniciada a construção da ferrovia. Por volta de 1912 o grupo Farquhar controlava, em todo o Brasil, companhias que exploravam concessões de portos, ferrovias, bondes, i luminação e energia elétrica, gás, serrarias, fazendas de gado, frigoríf icos e hotéis. Tal apeti te empresarial impulsionou uma forte campanha nacionalista, que explorava o temor do controle da economia nacional pelo capital estrangeiro. As campanhas em jornais, nas quais participaram, entre outros, Alberto Torres (1865 -1917), fortaleceram o movimento em prol da estatização das ferrovias e da lei antitruste, além de incrementar o receio em relação ao “imperialismo ianque”. Exercícios. 1. Que tipo de negócio tinha Farquhar no Brasil em 1912? R. 2. Em quais estados situavam-se os negócios do truste de Farquhar? R. 3. Qual a f irma fundada por Farquhar para a construção da EFMM? R. 140 4. Qual a empreiteira contratada para dar início às obras da EFMM? R. 5. Qual o signif icado da presença de Farquhar na economia nacional no início do século? R. A construção da EFMM. No f inal do século XIX, a Bolívia buscava ansiosamente uma alternativa para a perda de seus territórios marítimos da costa do Pacíf ico para o Chile, a f im de ter como escoar sua produção para os países compradores. No noroeste boliviano, o rio Madeira era uma alternativa que já estava sendo usada como corredor de importação e exportação. Navegando pelos rios Beni e Madre de Dios, pertencentes ao território boliviano, e Guaporé e Mamoré, na fronteira desse país com o Brasil, atingia-se o Madeira e, superando seu trecho encachoeirado, navegava-se em direção ao rio Amazonas e daí ao Oceano Atlântico.O inconveniente em superar as quedas d’água, que ocasionava perdas humanas e materiais, conduziu à discussão de propostas que viessem a facil itar o transporte naquele trecho do rio. Assim, Quentin Quevedo, que desceu o Madeira em 1861 a serviço do governo boliviano, sugeriu a sua canalização ou a construção de ferrovia entre as cachoeiras de Guajará-Mirim e Santo Antônio. Também o Engenheiro João Martins da Silva Coutinho que sugeriu ao governo da província do 141 Amazonas a construção de uma ferrovia que ligasse o Madeira ao Mamoré. Em função de necessidades diversas, tanto do Brasil quanto da Bolívia, foi criada em 1871, sob a direção de George Earl Church, a Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd., sendo que a primeira equipe de engenheiros aportou em Santo Antônio em 1873. Dif iculdades diversas ocasionaram a desistência da empreitada de construção da ferrovia pela empresa inglesa Public Works, f irma construtora contratada por Church, em 1877. Naquele mesmo ano foi contratada a f irma norte - americana P. & T. Collins, da Filadélf ia, que contratou serviços de trabalhadores especializados e não especializados, de diversas partes do mundo, enviando-os para Santo Antônio. No entanto, devido a diversos fatores, a empreiteira Collins faliu em 1881, após ter assentado apenas 7 Km de ferrovia. As duas comissões enviadas pelo governo imperial, uma em 1883, comandada pelo Engenheiro Car los Morsing que f icou em Santo Antônio durante seis meses e outra em 1884 comandada pelo Engenheiro Júlio Pinkas, terminaram também desastrosamente. A questão do Acre (1899-1902), que foi resolvida com a assinatura do Tratado de Petrópolis, entre Brasil e Bolívia (17/1/1903), retornou à discussão sobre a viabilização da construção da ferrovia Madeira - Mamoré. As obras foram reiniciadas em 1907, após a concessão para a construção da ferrovia ter sido vendida pelo Engenheiro Joaquim Catramby para o norte-americano Percival Farquhar, que fundou a Madeira-Mamoré Railway Co., subsidiária da Brasil Railway Co. Em 1907 chega a Santo Antônio a empreiteira May, Jekyll & Randolph Co. Ltd. que deu início as obras concluindo-as em 1912. Exercícios. 1. Porque a Madeira-Mamoré Railway Co modif icou o projeto de construção da ferrovia, iniciando as obras em Porto Velho? R. 2. A quem coube a construção da EFMM em 1905? R. 142 3. Qual a empreiteira encarregada da obra? R. 4. Que privilégios a empresa de Farquhar recebeu para construir a EFMM? R. 5. Porque o governo assumiu a responsabilidade de construir a EFMM? R. A força de trabalho. Para que fosse construída uma ferrovia em plena selva, eram necessários trabalhadores. Na Amazônia do auge do ciclo da borracha, todo o insuficiente volume de mão-de-obra estava alocado na produção do látex. A expansão das zonas de produção era abastecida pela exploração do silvícola e pelo aliciamento de mão -de-obra em outras regiões do Brasil, principalmente do nordeste que, na Amazônia, preso ao endividamento, se via impossibil itado de escolher outra ocupação. Esses fatores dif icultavam o recrutamento local de um contingente de trabalhadores que fosse suficiente para a construção da ferrovia e também impossibil itava um f luxo constante de trabalhadores durante 143 toda a fase da construção, para repor as baixas ocasionadas por ataques de indígenas, feras, acidentes de trabalho e, principalmente, pelas doenças epidêmicas da região, previsíveis em face das tentativ as anteriores de construção da ferrovia. Para reunir o contingente humano necessário à construção da ferrovia foram recrutados trabalhadores nacionais e estrangeiros que, além de atuarem na construção da Estrada de Ferro Madeira -Mamoré, foram util izados também em diversas outras circunstâncias: nos seringais, na construção da linha telegráf ica Mato Grosso/Amazonas e na demarcação territorial do atual estado de Rondônia. O grupo de Farquhar tentou, inicialmente, a “importação” (assim era chamado o processo de captação de mão-de-obra) de trabalhadores espanhóis que haviam servido à construção das estradas de ferro em Cuba, onde algumas concessões pertenciam a esse mesmo grupo. Contudo a divulgação dos perigos e da insalubridade da região da Madeira-Mamoré teria afugentado esses primeiros trabalhadores. Então, um certo Capitão Walter Dudley propôs a idéia de aliciar nativos das colônias inglesas da América Central. A vantagem da atração desse tipo de mão-de-obra estava em que muitos já haviam adquirido experiência na construção de ferrovias e do canal do Panamá, em sua região de origem. Em segundo lugar, as perspetivas de absorção da força de trabalho nessas colônias eram poucas, em face de problemas econômicos ali existentes. Durante a primeira fase da construção da ferrovia, ainda no século XIX, já se registram a presença dos barbadianos, entre os quase mil trabalhadores que embarcaram rumo às selvas de Santo Antônio do Rio Madeira. A presença maciça desses grupos negros caribenhos só se tornou uma força de expressivo destaque nos trabalhos da ferrovia a partir do século XX. Esses operários já haviam sido util izados, com extremo sucesso, em outra empreitada de grandes dimensões, a construção do Canal do Panamá. Sua experiência em um ambiente tropical hostil, como as selvas panamenhas, aliadas a seu vigor f ísico e ritmo altamente disciplinado f izeram deles elementos chave do empreendimento. Além desses, várias outras nacionalidades se f izeram representar no contingente de trabalhadores da ferrovia como: italianos, norte- americanos, ingleses, gregos, hindus, espanhóis, portugueses, recriando na Amazônia o mito bíblico de uma nova babel do imperialismo. Contudo, parece ter predominado nesse conjunto de operários os caribenhos. Procedentes de diversas nacionalidades centro-americanas, Barbados, Trinidad, Jamaica, Santa Lúcia, Martinica, São Vicente, Guianas, Granadas e outras ilhas das Antilhas, esses negros, de formação protestante e idioma inglês eram, de forma geral denominados “barbadianos”. É muito comum também encontrar-se a sugestão de que esses trabalhadores caribenhos foram preferidos aos demais por demonstrar resistência ao contágio de determinadas doenças tropicais, como a malária. Essa hipótese é bastante discutível dado que as informações e estatísticas referentes a mortandade de trabalhadores na E.F.M.M. são escassas e contraditórias. Contudo, a se acreditar em certas 144 informações, conclui-se que a taxa de óbitos entre os trabalhadores barbadianos não era menor que a mortandade dos trabalhadores das demais nacionalidades. Dos óbitos ocorridos entre o trabalhadores durante a construção da ferrovia 60% era de barbadianos. Esse últ imo dado é uma evidência do predomínio desses trabalhadores no contingente que construiu a ferrovia. Manuel Rodrigues Ferreira (A ferrovia do diabo) informa a seguinte composição dos “importados” durante o ano de 1910: 1636 brasileiros e portugueses, 2211 antilhanos e barbadianos, 1450 espanhóis mais 299 pessoas de nacionalidade desconhecida totalizando 5596 trabalhadores não qualif icados. A predominância dos barbadianos sobre as demais nacionalidades confere com as informações tradicionais, contudo não apresenta dados sobre os demais anos de construção. Conforme o mesmo autor a M.M.R.C.L recrutou, entre os anos de 1907 e 1912, 21.783 trabalhadores de várias partes do mundo. Em 1907, ano do início da construção, a ferrovia importou 446 e no ano seguinte 2.450 trabalhadores, mas não discrimina a nacionalidade dos mesmos. Em 1910 a força de trabalho de origem antilhana correspondeu a aproximadamente um terço do total, percentual signif icativo que reforça a idéia da predominância desse trabalhador, dentre os importados pela ferrovia. Contudo, a comparação entre o número de trabalhadores importadospela “Company” e os registros do Hospital da C andelária, a partir de 1909, permitem algumas conclusões. Naquele ano foram importadas 4.500 pessoas mas em dezembro daquele ano a construtora ocupava apenas 2.270 funcionários. No ano seguinte, foram importados 6090 homens, dos quais 36,31% eram antilhanos, e em dezembro daquele ano estavam registrados 3900 empregados. Em 1912 a companhia introduziu em Porto Velho 5.664 homens, estando a serviço em dezembro daquele ano 3.600 homens, não havendo dados para 1912. Salvo a obtenção de novas informações a esse respeito, a conclusão que se impõe é que nem todos os trabalhadores aliciados eram absorvidos pela ferrovia. É possível que muitos ao chegarem a Porto Velho sabendo das histórias dos perigos e das mortes, preferissem não se ocupar da construção, retornando ou sendo absorvidos por outras atividades de trabalho. Nos seringais talvez, pois a população registrada de Porto Velho em 1912 foi de 800 pessoas, muito pouco para um número tão grande de imigrantes, mesmo considerando que boa parte dos trabalhadores par tiu com o f inal da construção da ferrovia e que a parte restante pudesse estar espalhada em localidades ao longo de seus tri lhos. Para a região se deslocaram contigentes de trabalhadores, que organizaram ao longo do eixo da ferrovia, novos núcleos de colon ização e produção, enfrentando as adversidades ambientais típicas das f lorestas equatoriais. Em meio à euforia da borracha contigentes de operários construíram um dos maiores marcos da modernidade da Amazônia. A legendária Madeira-Mamoré, que interligava os trechos encachoeirados do Madeira ao Mamoré, deveria ser um símbolo. Como representação 145 máxima da tecnologia e da civil ização, ela deveria estabelecer e viabil izar as práticas do capitalismo nos ermos do extremo sertão oeste, em pleno mundo encharcado da Amazônia. Palco de um espetáculo audacioso e ao mesmo tempo trágico, os tri lhos da E.F.M.M. repousaram sobre as vidas de milhares de operários, que em suas obras vieram trabalhar. Exercícios. 1. Que papel desempenharam os barbadianos na construção da EF MM? R. 2. Quem eram os barbadianos? R. 3. O que explica o elevado número de trabalhadores “importados” anualmente para a construção da EFMM? R. 4. Que tipos de trabalhadores atuaram na construção da EFMM? R. 146 5. Como se procurou resolver a questão da alta letalidade ambiental sobre o contigente humano que trabalhou na EFMM? R. Porto Velho. Em 1907 a Madeira-Mamoré Railway Company, que então detinha a concessão para a construção da ferrovia determinou, contrariando as tentativas anteriores e o estipulado na cláusula VII do Tratado de Petrópolis, que o empreendimento não teria seu ponto inicial em Santo Antônio do Rio Madeira, situado então no estado de Mato Grosso, mas em um ponto situado alguns quilômetros rio abaixo, denominado Porto Velho, situado no estado do Amazonas. A origem, portanto, da cidade de Porto Velho está em um empreendimento industrial, de grande vulto para a época e espantoso pela dif iculdade de sua execução. Contudo, essa origem detém certa singularidade: a companhia quando para esse local se transferiu, encontrou apenas a mata e, assim, construiu uma verdadeira cidade. Além das edif icações de uso propriamente industrial foram construídas residências, alojamentos, usina de geração de eletricidade, si stema de telefonia, captação de água, hospital, porto f luvial, armazém para o abastecimento dos funcionários, lavanderia e até uma fábrica de biscoitos e outra de gelo. Precedendo à primeira área residencial da cidade, o pátio da ferrovia, com suas casas para o pessoal qualif icado separadas dos demais funcionários e trabalhadores braçais e mesmo um “bairro”, o Alto do Bode, iniciou a surgir, uma outra cidade. Para além da linha que dividia o território da ferrovia do restante da urbe, signif icativamente denominada Avenida Divisória, surgiram as primeiras áreas residenciais e comerciais. Onde hoje é a Jônatas Pedrosa surgiu a Rua da Palha, constituída de edif icações de material precário, cobertas com palha, que aglutinou aqueles que não eram funcionários da f errovia e pequenos comerciantes. Ao redor surgiu o que hoje é o centro da cidade e, com o tempo, seus primeiros bairros: Baixa União (Triângulo), Mocambo e Favela, mais tarde o Caiari, a Arigolândia e o Olaria. 147 Em 1914, dois anos após a conclusão da ferrov ia, foi criado município de Porto Velho através da Lei no. 757 sancionada pelo governador do estado do Amazonas Jonathas de Freitas Pedrosa. Contudo, a “cidade” situada dentro do município era na verdade composta por toda a infra-estrutura criada pela administração da ferrovia. Em 1915, chegou a Porto Velho e tomou posse, no cargo de intendente municipal o Major de Engenharia do Exército Fernando Guapindaia. Desse período até 1924, o governo municipal foi exercido por superintendentes, e o Poder Legislativo pelo Conselho Municipal, composto por intendentes. A partir de 1924, com o estabelecimento do governo revolucionário no Amazonas, o município de Porto Velho deixa de ter seu poder legislativo, situação que se mantém com a Revolução de 30 e prolonga-se até 1969, quando os municípios dos territórios federais passam a possuir Câmaras de Vereadores. Exercícios. 1. Quais as origens de Porto Velho? R. 2. Como era Porto Velho entre 1907 e 1912? R. 3. Quais as primeiras áreas residenciais de Porto Velho? R. 148 4. O que caracterizou a “cidade ferroviária” entre 1907 e 1931? R. 5. Quando Porto Velho foi elevada a município? R. Guajará-Mirim. Até os anos f inais do século XIX, Guajará -Mirim constituía-se apenas de alguns seringais, sem nenhuma povoação que chamasse a atenção. Com a construção da Ferrovia Madeira -Mamoré teve início a formação de um núcleo urbano a partir do ponto f inal da estrada de ferro. A região tinha seus seringais explorados pela Guaporé Rubber Company, então gerenciada pelo Coronel Paulo Saldanha. Dentre os principais seringais locais destacavam-se o Rodrigues Alves, Santa Cruz e o Renascença. Os seringueiros viviam da coleta do látex e de um reduzido comércio com a vizinha povoação boliviana de Guayaramerím. Os indígenas que moravam na região representavam uma constante ameaça e impedimento ao trabalho dos seringueiros. Dentre eles destacaram-se os Pacaás Novos. Em 8 de outubro de 1912, foi instalado um posto f iscal em Guajará-Mirim, administrado pelo guarda Manoe l Tibúrcio Dutra. O município foi criado em 1928, pela Lei nº 991, assinada pelo presidente do estado do Mato Grosso, Mário Correia da Costa. A instalação do município ocorreu em 10 de abril de 1929, tendo como 1º Intendente nomeado, Manoel Boucinhas de Menezes. Segundo viajantes que por Guajará-Mirim passaram na década de 20, essa cidade não diferia muito de Porto Velho em sua origem. Ao lado planejado das residências e escritórios da ferrovia surgiu um núcleo de povoamento com edif icações improvisadas. Situação curiosa da de Guajará-Mirim, semelhante a de Santo Antônio do Rio Madeira. 149 Pertencente ao estado do Mato Grosso comunicava -se mais intensamente com Porto Velho no estado do Amazonas, com a Bolívia através de Guayaramerím e com Vila Bela no Mato Grosso. Determinava essa proximidade a ferrovia e os rios Guaporé e Mamoré, do mesmo modo que Vila Bela comunicava-se mais intensamente com Guajará-Mirim e Porto Velho que com a capital do Mato Grosso. O dif ícil acesso por terra até Cuiabá encontrava sucedâ neo na navegação do Guaporé e Mamoré. Assim Vila Bela, a capital do Mato Grosso até 1820, possuía maior vínculos com Guajará -Mirim que com Cuiabá. Guajará-Mirim eraservida por algumas dezenas de embarcações de bandeira nacional e boliviana. Vapores de roda na popa, lanchas a hélice além de outros tipos de embarcação faziam o percurso de 8 a 15 dias pelo Guaporé até Vila Bela e pelo Mamoré até a capital do Beni, Trinidad. Em 1931 um antigo administrador dos seringais da Guaporé Rubber e da Júlio Muller, o Coronel Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha, criou a Empresa de navegação dos rios Mamoré e Guaporé que, subvencionada pelo governo federal, passou a servir o trajeto para Vila Bela e o Forte Príncipe da Beira. Em 1943 essa empresa foi comprada pelo governo federal, transformando-se no Serviço de Navegação do Guaporé. Nas primeiras décadas desse século possuía Guajará -Mirim um comércio regular de bens e serviços para atender à população além de diversos órgãos públicos. Delegacia de polícia com efetivo de 10 p raças e um sargento da força estadual, coletoria, posto f iscal, telégrafo e correio, escolas, cinema, dezenas de casas comerciais e uma população em torno de 1500 pessoas. Essa população, como em Porto Velho, era composta por elementos das mais diversas na cionalidades: gregos, turcos, japoneses, espanhóis, barbadianos, portugueses, ingleses, americanos, franceses. Ressentiam-se as autoridades de Guajará-Mirim nessa época da ausência de um contingente militar para guarnecer a fronteira, o Forte Príncipe da Beira encontrava-se em ruínas. Guayaramerín, fronteiro, apesar de uma população estimada em 400 pessoas possuía um quartel com 100 praças e os of iciais, além de uma capitania do porto. Esta situação foi resolvida durante o período Vargas quando em 1932 for am criados os Contigentes Especiais de Fronteira em Porto Velho, Guajará - Mirim e Forte Príncipe da Beira subordinados a inspetoria do Capitão Aluízio Pinheiro Ferreira. Exercícios. 1. Qual a localização e a que estado pertencia Guajará -Mirim em 1928? R. 2. Como era a região em 1912? R. 3. Quando foi criado o município de Guajará -Mirim? R. 4. A Empresa de Navegação dos Rio Mamoré e Guaporé ligava Guajará-Mirim às seguintes localidades: a) Vila Bela e Porto Velho. 150 b) Porto Velho e Forte Príncipe da Beira. c) Forte Príncipe da Beira e Vila Murtinho. d) Vila Murtinho e Porto Velho. e) Forte Príncipe da Beira e Vila Bela. 5. Os contingente especiais de fronteira foram criados em: a) 1942. b) 1932. c) 1922. d) 1912. e) 1952. A comissão Rondon e a linha telegráfica. A Comissão das Linhas Telegráf icas e Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas (1907) também denominada Comissão Rondon é de fundamental importância para o entendimento das origens e formação do Território Federal do Guaporé. Muitos dos municípios que viriam a surgir mais de meio século após a construção da ferrovia, vinculam-se aos trabalhos realizados pela Comissão Rondon que inf luenciou também, de forma incisiva nas polít icas adotadas pelo Governo Federal em relação à questão indígena. A abertura da linha telegráf ica que ligaria os ser tões do Mato Grosso ao Amazonas, foi uma obra de grandes proporções que se destinava a tirar do isolamento as regiões do extremo oeste e Norte do país. Tornava-se imprescindível romper os grandes “vazios” do Brasil, incorporando-os à civil ização. Paralelamente a construção de ferrovias, o telégrafo deveria ser um instrumento de modernidade, capaz de assegurar a chegada do progresso e de estabelecer a civil ização nos confins mais isolados do país. Desta forma assegurava -se o estabelecimento de núcleos de povoamento, garantia-se a segurança das fronteiras e procedia-se a uma polít ica que possibil itaria, ao longo do tempo, a integração dos indígenas e tapuios à sociedade brasileira, tornando-os “civil izados e úteis”. A construção da linha telegráf ica tem seus p rimórdios ligados ao Império. D. Pedro II deu início a construção de uma linha telegráf ica em 1880 que ligaria a cidade de Franca, em São Paulo, a Cuiabá, no Mato Grosso. A obra foi dirigida pelo militar Cunha Matos. Cândido Mariano da Silva Rondon, cuja f igura o nome do Estado de Rondônia homenageia, nasceu na localidade de Mimoso, atual município de Barão de Melgaço, no estado de Mato Grosso, a 5 de maio de 1865. Órfão, ainda criança, Rondon foi educado por familiares e diplomou-se no Liceu Cuiabano, como professor aos 16 anos de idade, sendo, no entanto, impedido de assumir o magistério devido a sua pouca idade. Partiu então para o Rio de Janeiro em 1881, onde assentou praça no exército. Em 1885 matriculou -se na Escola Militar da Praia Vermelha onde concluiu sua preparação para Oficial do Exército em 1889. Nesse mesmo ano foi nomeado ajudante da Comissão Telegráf ica de Cuiabá ao Araguaia. Sua atuação na construção de 151 l inhas telegráf icas ligando o Centro -Oeste a São Paulo o levou a trabalhar com o Tenente Coronel Gomes Carneiro e o Coronel Ewerton Quadros (Franca-Araguaiana ). Mais tarde trabalhou no trecho Araguaiana-Cuiabá ao lado do Tenente Coronel Gomes Carneiro. A partir de 1900, Rondon chefiou os trabalhos de abertura da linha telegráf ica ligando São Lourenço a It iquira, Coxim e Aquidauana. Essa obra foi concluída em 1903. De Aquidauana, Rondon rumou para Corumbá e Coimbra. Após relevantes serviços prestados na construção e manutenção das linhas telegráf icas do oeste brasileiro, foi encarregado pelo presidente Afonso Pena, em 1907, de chefiar uma nova comissão, que ligaria por l inha telegráf ica Cuiabá ao Amazonas. Naquela época já havia o telégrafo ligando o Rio de Janeiro (então capital da República) a Cuiabá. Decidiu então o governo federal estender os f ios do telégrafo até a localidade de Santo Antônio do Rio Madeira e ao Acre. A tarefa foi realizada em três etapas nos anos de 1907, 1908 e 1909, concomitantemente, portanto, à construção da ferrovia. Os trabalhos realizados pela Comissão das Linhas Tele gráf icas do Mato Grosso ao Amazonas tinham uma natureza braçal e requeriam ritmo, ordem e disciplina militares. O contigente de trabalhadores era formado por civis e militares. Grande parcela desse contigente era arregimentado de forma violenta através de prisões e degredos. Foi esse o caso dos marinheiros envolvidos na Revolta da Chibata em 1910, colocados pelo Capitão Matos Costa para servir nos trabalhos da linha telegráf ica. A coerção e a violência f ísica eram util izadas para evitar as fugas e manter em ritmo acelerado os trabalhos. Esse contigente de trabalhadores da linha telegráf ica, foi vít ima ainda da malária, febre amarela, ataques indígenas e carência de alimentos. Para atender as vítimas de doenças tropicais, acidentes e ataques indígenas as frentes de trabalho contavam com a atuação de médicos como o Doutor Joaquim Tanajura. Os trabalhos foram realizados através da abertura de 3 seções encarregadas da construção da linha telegráf ica: a) um ramal partiria de São Luís de Cárceres até atingir a cidade de Mato Grosso ( antiga Vila Bela da Santíssima Trindade ); b) a linha tronco ligaria Cuiabá a Santo Antônio do Madeira; c) essa seção realizaria trabalhos de exploração e reconhecimento da região. Os trabalhos foram realizados em ritmo acelerado. Entre os anos de 1907 a 1915 foram construídos 2270 Km de linhas telegráf icas com um total de 28 estações. A abertura dos picadões era feita manualmente ao longo de toda a linha, variando sua largura de 6 a 100 metros. A importância da obra é imensurável, pois f ixou nú cleos de povoamento na região que mais tarde viria a ser Rondônia, como: Vilhena, Pimenta Bueno e Jarú. A partir do traçado da linha telegráf ica, o etnólogo Roquette-Pinto propôs a construção de uma rodovia. Seu sonho viria a se concretizar na segunda metade do século XX, com a abertura da BR-364. Deve-se ressaltar ainda, a importância dos estudos e trabalhos desenvolvidos pela Comissão Rondon nas áreas de botânica, zoologia, mineralogia e geografia. 152Em 1913, Rondon participou de uma expedição pelos sertões do extremo oeste e da Amazônia brasileira juntamente com o ex - presidente dos EUA Theodore Roosevelt. A expedição Roosevelt - Rondon desenvolveu estudos zoobotânicos, geográficos, etnológicos e promoveu a exploração de vasta extensão de territórios que hoje integram o Estado de Rondônia. Esta expedição explorou o rio da Dúvida em toda sua extensão, denominando-o rio Roosevelt em homenagem ao ex-presidente norte-americano. Ao escrever os relatos de sua viagem à selvas do Brasil, Roosevelt exaltou o caráter e a personalidade de Rondon, considerando-o um brilhante of icial e um cidadão ilustre além de grande explorador e sertanista. À Comissão Rondon, atribuía-se também as funções de exploração etnológica e antropológica. Em seu avanço sobre os sertões do oeste pacif icou várias tribos. Dentre as populações contactadas por Rondon durante a abertura da linha telegráf ica encontravam -se: a) Parecis, destacando-se três grupos, Caxinit i, Uimaré e Cazarini (estes últ imos habitando as cabeceiras dos rios Juruena, Jauru, Guaporé, Cabaçal e Juba); b) Nhambiqwara, chamados de Uaikoakore pelos Parecis. Dividiam-se em diversos grupos, Congorê, Nenê, Uaindezês, Anezêse, Iquê, Mamaindê, Tomá-Indê, Malondê, Nova-Itê, Iaiá; c) Kepiquiri-Uat, habitavam o vale do rio Pimenta Bueno e. em seu grupo destacavam-se Charamein, Uapurutá, Bicop-Vat e Baxe-Pit; d) Arikeme, localizados no vale do rio Jamarí, foram perseguidos por bolivianos e brasileiros e migraram para as cabeceiras do rio Madeira. Um importante resultado dessa comissão foi a criação do Se rviço de Proteção ao Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN) através do Decreto 8.072 de 20 de julho de 1910, assinado pelo presidente Nilo Peçanha (1867-1924). O SPILTN f icou subordinado ao Ministério da Agricultura. Caberia ao Estado, at ravés do SPI o exercício de ação civil izadora e de proteção aos índios, caipiras, bugres e tapuios. O Estado deveria promover a sua reabilitação social, moral e mental, dando-lhes condições de instalarem-se junto aos postos telegráf icos e estabelecimentos agrícolas. Essa expressão positivista de agir e pensar incluía ainda a obrigatoriedade por parte do Estado de impedir os massacres contra as populações indígenas e caipiras, bem como a demarcação das terras pertencentes aos índios. Exercícios. 1. Relacione as colunas. 1) Rondon ( ) l iderou a construção da linha telegráf ica Mato Grosso-Amazonas. 2) Joaquim Tanajura ( ) médico da Comissão Rondon. 3) Gomes Carneiro ( ) l inha telegráf ica Araguaiana-Cuiabá. 4) Matos Costa ( ) colocou os marinheiros da Revolta da Chibata para trabalhar na Comissão 153 Rondon. 5) Afonso Pena ( ) ordenou a construção da linha telegráf ica MT-AM 2. Participou com a expedição Rondon da exploração do rio da Dúvida: a) Roosevelt. b) Church. c) Farquhar. d) Collins. e) Lovelace 3. A criação do SPILTN através do decreto 8072 de 20 -07-1910 deu-se no governo de: a) Washington Luís. b) Campos Sales. c) Afonso Pena. d) Hermes da Fonseca. e) Nilo Peçanha. 4. Cite 3 objetivos do SPILTN: R. 5. Redija um pequeno texto (10 linhas) sobre a impor tância da obra de Rondon: Em resumo. As primeiras notícias sobre o estudo para contornar as cachoeiras dos rios Madeira e Mamoré a f im de possibil itar a dinamização do comércio e a colonização da região, no século XIX, partiram da Bolívia. Quentin Quevedo realizou estudos em 1861 e o engenheiro brasileiro João Martins da Silva Coutinho, a serviço do governo do Amazonas 154 também realizou estudos sobre o aproveitamento da navegação e dos transportes na região. Em 1871 o coronel norte-americano George Earl Church fundou a empresa Madeira-Mamoré Railway Co. LTD e assinou contrato com a empresa inglesa Public Works para dar início às obras da ferrovia. Church havia obtido condições para construir a EFMM, a partir de um empréstimo de 2000.000,00 libras esterlinas feito pelo governo boliviano junto aos bancos de Londres. Os primeiros engenheiros ingleses chegaram a Santo Antônio em 1873, mas a Publica Works foi batida pela insalubridade ambiental, retirando -se da região e processando o Coronel Church. O contrato foi passado para a f irma Dorsay & Caldwel que não conseguiu dar prosseguimento às obras e repassou seus direitos contratuais à empreiteira Londrina Reed Bros. & Co, que não deu continuidade às obras e também processou a Madeira Mamoré Co. Em 1877 Church assinou novo contrato com a f irma norte -americana P & T Collins, que enviou operários e engenheiros para o vale do alto Madeira. Em janeiro de 1878 partiu de Filadélf ia o vapor Mercedita e em 29 do mesmo mês o vapor Metrópolis naufragou com uma grande carga de gêneros, material ferroviário e passageiros destinados aos trabalhos da EFMM. Em 1867 o governo imperial do Brasil enviou para o Vale do Madeira os engenheiros alemães Franz e Joseph Keller, que f izeram estudos preliminares sobre a topografia da região e sugeriram a construção de uma ferrovia para contornar o problema das cachoeiras. A adversidade ambiental, os ataques de índios, animais ferozes, doenças e os acidentes dizimaram mais de 400 trabalhadores. Em 1881 a empreiteira Collins faliu após ter assentado apenas 7 Km de tri lhos. Entre 1883 e 1884 o governo imperial enviou para a região as comissões Morsing e Júlio Pinkas para a conclusão dos trabalhos topográficos. Ambas retiraram-se dos vales do Madeira e Mamoré batidas pelas adversidades ambientais. O tratado de Petrópolis que resolveu a questão do Acre, impôs ao Brasil a Construção da EFMM. A concessão dada a Joaquim Catramby foi repassada ao grupo Percival Farquhar e as obras foram iniciadas em 1907 pela empreiteira May & Jekill ( mais tarde May, Jekil l & Randolph Co Ltd) que iniciou a construção da ferrovia 7 Km abaixo de Santo Antônio, dando origem ao povoado de Porto Velho. Trabalharam nas obras aproximadamente 22.000 operários e devido aos problemas de insalubridade, morbidade e elevada incidência de morte nos campos de trabalho, a f irma construtora edif icou o hospital da Candelária (1907-1931). As obras foram tocadas por operários de diversas nacionalidades e a ferrovia foi concluída em 1912, quando o negócio da borracha na Amazônia en trava em colapso. O povoado de Porto Velho surgiu a partir do pátio ferroviário da Madeira Mamoré em 1907. Contava com água tratada, luz elétrica, jornal em inglês, fábricas de gelo e biscoito, além do moderno hospital da Candelária. O povoado de Porto Velho foi elevado a município em 1914 e seu primeiro superintendente foi o Major Guapindaia que entrou em atritos com a administração norte -americana da ferrovia. 155 Os primeiros bairros de Porto Velho foram o Triângulo, o Mocambo, o Centro e mais tarde o Caiari, a Arigolândia e o Olaria. A cidade era atravessada pela linha divisória (atual Presidente Dutra) que separava os terrenos da ferrovia dos terrenos da municipalidade. Guajará-Mirim surgiu como estação terminal da EFMM. O lado boliviano do Mamoré já exis tia desde o século XIX, o povoado de Guayaramerím. Em 1902 foi instalado em posto f iscal em Guajará -Mirim administrado pela guarda Manoel Tibúcio Dutra. O município foi criado em 1928 pelo governo de Mato Grosso e teve como primeiro intendente e senhor Manoel Boucinhas de Menezes. A comissão Rondon (1907-1915) desenvolveu trabalhos de abertura de picadas na f loresta e levantamento de terrenos da região entre Cuiabá,São Luís de Cáceres, Vila Bela e Santo Antônio. A linha telegráf ica instalada entre Santo Antônio e Cuiabá requereu o esforço de centenas de trabalhadores que foram remetidos para as selvas da região. Os trabalhos da comissão Rondon produziram consideráveis estudos sobre a geografia, pedologia, mineralogia, botânica e zoologia da região. Nos campos de antropologia e etnologia foram contatados dezenas de povos indígenas. Em 1910 foi criado SPILTN tendo como diretor o General Rondon. Dentre os objetivos de Rondon f iguravam a proteção às terras indígenas, o aculturamento dos indígenas e caipiras e a sua integração à sociedade civil izada, tornando-as úteis ao estado. 156 Capítulo 10 O Território Federal do Guaporé. Aluízio Ferreira: a intervenção e a nacionalização da EFMM. No processo de criação do Território Federal do Guaporé, destaca-se a f igura de Aluízio Ferreira, um dos patronos e principal defensor da idéia . Formado of icial pela Escola Militar de Realengo, no Rio de Janeiro, foi contemporâneo da geração de jovens militares, os tenentes, que opondo-se às práticas polít icas da República Ve lha: o domínio das oligarquias, a polít ica do café com leite, o coronelismo e o voto de cabresto fomentaram um movimento que f icou conhecido como Tenentismo. Com o fracasso da Revolução de 1924 no Amazonas, alguns revolucionários internaram-se nos sertões da região para não se entregarem às forças legalistas. O Tenente Aluízio Ferreira fugiu para o Vale do Guaporé, onde em Guajará-Mirim, passou a exercer atividades no seringal Laranjeira, de propriedade de Américo Cassara. Nesse seringal, o Tenente Aluízio trabalhou durante algum tempo na coleta da seringa, na preparação das pelas e na administração do barracão. Aproveitando a oportunidade que se oferecia, Aluízio Ferreira, um descendente dos índios Caetés, iniciou estudos sobre os indígenas regionais, notadamente os Makurape da região entre os rios Corumbiara e Branco. No ano de 1928 apresentou -se às autoridades militares em Belém do Pará. Ficou preso por sete meses, sendo julgado e absolvido. Da prisão escreveu ao General Rondon, expondo o resultado de suas pesquisas sobre os indígenas do Guaporé e ao ser l ibertado encontrou -se com esse sertanista que o convidou para assumir a subchefia do posto telegráf ico de Santo Antônio do Rio Madeira, tornado município de Mato Grosso em 1908, cuja chefia pertencia ao Tenente Emanuel Amarante. Tendo já servido como militar no Norte e no Centro -Oeste e participado da revolução de 1924, em 1930 estava integrado a vida polít ica da região, tendo contato através de suas atividades com os centros urbanos de Belém e de Manaus. Com a eclosão da Revolução de 1930, Aluízio Ferreira seguiu para Belém onde estava sendo cogitado para interventor do estado do Pará. Contudo, foi preterido pelo Tenente Joaquim Barata que assumiu o cargo. Aluízio retornou a Santo Antônio e a chefia do posto telegráf ico cujas atribuições o obrigavam a percorrer constantemente os rios e sertões da região que viria a ser Rondônia. Seu passado como revolucionário, l igado ao movimento tenentista, dava-lhe credenciais junto ao governo provisório de Getúlio Vargas. De sua condição de líder revolucionário l igado ao movimento vitorioso de 1930, valeu-se Aluízio para fazer a defesa do General Rondon, então acusado de corrupção administrativa por l ideranças de revolucionários do porte de Juarez Távora (1898 -1975) que, como Aluízio, era ex-aluno da Escola Militar de Realengo. Da mesma maneira, valendo-se de sua condição de revolucionário o Tenente 157 Aluízio conseguiu impedir a derrubada dos postes da linha telegráf ica Cuiabá/Porto Velho/Guajará-Mirim. A crise da borracha aliada a um longo período de crise do capitalismo internacional, iniciado com a quebra da Bolsa de Nova Yorque em 1929, ref letia-se vivamente nas condições de operacionalidade da EFMM. Os problemas enfrentados pela ferrovia levaram seus administradores ingleses a iniciar um processo de dispensa de inúmeros trabalhadores em 1930, o que ocasionou uma intensa agitação popular em Porto Velho. Tal situação obrigou o governo revolucionário do Amazonas a tomar medidas, levando seu representante em Porto Velho a intervir, em nome dos interesses nacionais, na Madeira Mamoré Railway Company. Aluízio comprometeu - se, em nome do Governo Nacional, a contribuir com trinta contos de réis mensais para salvar a Companhia de uma crise ainda maior. Pela primeira vez a administ ração estrangeira da EFMM defrontava-se com uma autoridade nacional interessada em preservar os interesses dos trabalhadores e do próprio estado. Com o desenvolvimento da recessão econômica advinda da Crise de 1929, a situação da EFMM não sofreu nenhum alí vio, ao contrário, agravou-se e, em 1931, levou a direção da empresa a solicitar ao governo revolucionário a adoção de medidas que permitissem continuar o seu funcionamento. Os déficits contínuos levaram a administração da ferrovia a dirigir à justiça a um requerimento de citação ao governo brasileiro para que recebesse o acervo da ferrovia. A suspensão do tráfego nas linhas da EFMM, antes do término do prazo determinado pela justiça, com base na petição da administração da ferrovia, possibil itou a intervenção da União sobre a EFMM, de modo a garantir a normalização de seu funcionamento. O transtorno que causaria essa decisão à população e à economia local foram antevistos por agentes do governo federal. Aluízio Ferreira comunicou -se com o Ministro da Viação, José Américo de Almeida, que lhe deu liberdade para agir. Ato contínuo ocupou as instalações da ferrovia, dando início ao processo de intervenção, que foi concretizado em 10 de julho de 1931, através do Decreto Lei, nº. 20.200, assinado pelo Presidente d a República Getúlio Vargas. A nacionalização da ferrovia é uma evidência do real motivo pelo qual o imperialismo investe em países periféricos, o lucro apenas. Coincidentemente com o término da construção da ferrovia, entraram em queda as exportações da borracha amazônica, em face da concorrência do látex produzido na Ásia, entrando a região em um novo período de estagnação econômica. Conseqüentemente, caiu o faturamento da companhia ferroviária que, gradativamente, foi perdendo o interesse pelo empreendimento. Não tendo como retorno o lucro considerado satisfatório, a administração da ferrovia desinteressou-se do papel de agente civil izador, tão defendido por gente como Maury, e ordenou a suspensão do tráfego em 1931. O contrato com a Madeira Mamoré Railway Company foi rescindido através do Decreto n o. 1547 de 5 de abril de 1937, sendo a ferrovia estatizada pelo presidente Getúlio Vargas. Dessa forma garantiu-se a continuidade dos serviços prestados pela EFMM até 1972. 158 A administração da ferrovia continuava sendo uma espécie de governo informal em sua área de inf luência, ou seja, em partes dos vales do Madeira e do Mamoré/Guaporé. Assim as preocupações do novo diretor da ferrovia extrapolavam, em muito, a tarefa de dirigir um simples empreendimento ferroviário. Além de iniciativas que se confundiam com aquelas próprias da municipalidade, a administração da ferrovia, Aluízio passou a ocupar-se de certas estratégias que garantiriam a segurança e facil itariam o contato da região com o restante do país. Exemplo dessas iniciativas foi a exposição de motivos enviada por ele ao Ministro da Guerra, cujas considerações foram aceitas resultando no Aviso Ministerial de 23 de setembro de 1932, que criava três contingentes militares de fronteira sediados respectivamente em Porto Velho, Guajará-Mirim e no Forte Príncipe da Beira. Uma outra iniciativa que se revelaria importante para o futuro do estado consistiu em principiar a abertura da rodovia Cuiabá/Porto Velho. Contando com sobras de verbas do DNOCS (Departamento Naciona l de Obras Contra a Seca) e algunshomens sem o auxílio de maquinário abriu alguns quilômetros dessa estrada que viria a ser concluída apenas na década de 1960. A extensa obra polít ica e administrativa de Aluízio Ferreira levou - o a ser o primeiro governador do recém criado Território Federal do Guaporé, cargo que ocupou até 1946. Seu grande conhecimento sobre a região o levou a propor polít icas desenvolvimentistas e de segurança que garantiriam a prosperidade e a integração da região ao restante do país. Considerava que os problemas locais advinham de três circunstâncias específ icas: a) a distância e o isolamento regional devido à precariedade dos meios de transporte e comunicação; b) os baixos índices demográficos que dif icultavam a implementação de polít icas econômicas e desenvolvimentistas; c) o precário rendimento do trabalho humano na região, devido a circunstâncias naturais como a hostil idade ambiental e a ausência de condições materiais satisfatórias para o exercício das atividades. A participação de Aluízio Ferreira foi decisiva para a criação do Território Federal do Guaporé, em específ ico, e dos demais Territórios Federais em geral. Além de ser o primeiro governador do Território Federal do Guaporé, Aluízio foi também eleito Deputado Federal pelo mesmo Território por três vezes, em 1946, 1950 e 1958. Exercícios. 1. É correto af irmar sobre o processo de nacionalização da EFMM. a) Foi obra do regime militar que promoveu a intervenção na ferrovia através do 5º BEC. b) Ocorreu após o término do contrato assinado ent re Farquhar e o governo do Brasil. c) Foi um ato promovido por Aluízio Ferreira, após a criação do Território Federal do Guaporé. 159 d) Aconteceu após a crise do capitalismo liberal (1929), durante o início do governo Vargas, em 1931. e) Foi uma medida adotada pelo governo de Hermes da Fonseca. 2. Não é característico das propostas dos tenentes dos movimentos de 1918 a 1924: a) voto secreto. b) urbanização e industrialização. c) combate ao poder das oligarquias rurais. d) reorganização da economia nacional. e) preservação dos interesses das oligarquias. 3. São fatos relativos à obra administrativa de Aluízio Ferreira; exceto: a) intervenção na EFMM em 1930. b) administração da EFMM a partir de 1931. c) principiou a abertura de uma rodovia no sentido Porto Velho Cuiabá. d) proposta de criação dos contingentes militares de fronteira em Porto Velho e Forte Príncipe da Beira. e) criação do município de Porto Velho. 4. Que fatores eram considerados por Aluízio Ferreira como responsáveis pelos problemas que impediam o desenvolvimento regional? R. 5. A obra polít ico-administrativa de Aluízio Ferreira atinge seu ponto máximo quando? R. Precedentes da criação do Território Federal do Guaporé. 160 A preocupação dos governos republicanos com a ocupação e colonização da Amazônia agravou-se durante a década de 30. A queda das exportações da borracha f izera com que a região entrasse em letargia econômica, fenômeno que repetia mais uma vez o ocorrido em épocas passadas, ao f inal dos surtos extrativistas. Continuava portanto atual o problema da ocupação da região, particularmente de seus extremos fronteiriços aos norte e ao extremo oeste. O desmembramento do território brasileiro ocorreu por etapas. A maior parte da área que hoje compõe o Estado de Rondônia passou a fazer parte da Capitania de Mato Grosso quando essa foi criada em 1748. O restante do território, uma área de aproximadamente 12% das terras que hoje integram o estado, pertencia à Capitania de São José do Rio Negro, mais tarde província do Amazonas. Em 1763, quando o Brasil foi dividido em dois estados, o Estado do Maranhão e o Estado do Brasil, cada qual subdividido em capitanias a área de Rondônia continuou pertencendo à Capitania do Mato Grosso, que pertencia ao Estado do Brasil. As terras rondonienses que integravam o Amazonas, pertenciam ao Estado do Maranhão e Grão-Pará. A reunif icação dos estados do Brasil e Maranhão e Grão-Pará foi realizada pelo Marquês de Pombal que criou a Capitania de São José do Rio Negro em 1755, desmembrando-a da Capitania do Grão-Pará. Com a independência, muitas das capitanias tornaram-se províncias, cujos presidentes eram nomeados pelo imperador. A área da Capitania do Rio Negro f icou anexada à Província do Grão -Pará. Apesar dos desejos de autonomia da Capitania do Rio Negro reportarem-se ao século XVIII , foi a indicação feita em 1844 pelo Deputado Tenreiro Aranha à Assembléia Legislativa do Pará para que encaminhasse a Assembléia Geral uma proposta para a elevação do Rio Negro, então comarca do Grão Pará, à categoria de província, que surtiu resultado. Em 1850 foi criada a Província do Amazonas. Por essa época existiam propostas para o desmembramento de áreas do Amazonas e do Mato Grosso para a criação de novas províncias. O isolamento em relação às capitais dif icultava a tomada de decisões e a execução de ações que viessem promover o desenvolvimentos dessas áreas mais afastadas. Esse é o caso da região encachoeirada do Madeira e dos vales dos rios Mamoré e Guaporé. Essa parte do alto Madeira e dos demais rios, que pertenciam administrativamente ao Mato Grosso apesar de possuir um contato mais fácil e rápido com o Amazonas e mesmo de ser assistida por aquela província f icava, via de regra, abandonada, desassistida. Ao mesmo tempo em que estava sendo discutida a proposta de elevação da Capitania do Rio Negro ao status de província, outros projetos de aspecto mais amplos visavam reorganizar a divisão administrativa regional. Em 1849 o Visconde de Porto Seguro, Francisco Adolfo de Varnhagen (1810-1878), apresentou uma dessas propostas. Exceto a região do Acre , que nessa época ainda pertencia a Bolívia, o Projeto de Varnhagen propunha, a criação de vários territórios que viriam a ser formados no século XX, com diferenças de nomes e de limites. Aproximadamente nos limites do atual Estado do Roraima o projeto previa a criação de uma província denominada Rio 161 Negro, da mesma maneira onde hoje se situa o Estado do Amapá seria criada a província do Novo Pihauy. No século XX seguiram-se outros projetos que denotavam preocupações com a ocupação do extremo norte e noroeste do país. Os projetos Backheuser, um primeiro esboço ampliado daquilo que viria a ser o Território do Guaporé seria formado, em sua maior parte, por terras do atual estado do Amazonas e em menor proporção das terras do Mato Grosso, que hoje integram 88% da área do Estado de Rondônia. O rio Mamoré e parte do Guaporé constituíram -se na fronteira natural entre as terras pertencentes a Província do Madeira e os vizinhos territórios pertencentes à Bolívia. Também o Projeto de Fausto de Souza, apresentado em 1880 previa a criação de uma Província do Madeira. Diversos projetos seguiram-se a esses até a virada do século. Outros planos, a saber: Segadas Viana, Machado Guimarães, Juarez Távora e da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro ocuparam-se também da criação de territórios na região do Madeira, embora a área do que seria o Território do Guaporé não tenha coincidido com as propostas desses projetos. Por exemplo, no Projeto Segadas Viana propunha-se a criação de dois estados, o do Guaporé e do Jamarí; o Projeto Juarez Távora criava dois estados: o do Guaporé e o do Madeira e o de Teixeira de Freitas: três estados Guaporé, Mamoré e Madeira. Em todos esses projetos situava-se a área do antigo Território Federal do Guaporé. Com a resolução da questão do Acre, criou-se naquela área o Território Federal do Acre organizado através da Lei 1.181 de 25 de fevereiro de 1904 e do Decreto 5.188 de 7 de abril do mesmo ano, constituindo-o em três departamentos administrativos: o do Alto Acre, o do Alto Purus e o do Alto Juruá, cujos prefeitos eram escolhidos e nomeados pelo presidenteda república. Como foi visto, a Comissão Rondon havia integrado em seus efetivos também civis. Um dos grandes colaboradores de Rondon em seus trabalhos de abertura da linha telegráf ica, foi o médico Roquette- Pinto, que se entusiasmou com tudo aquilo que observou de potencial na região e com a liderança exercida por Rondon. Quando, em 1915, proferiu uma palestra no Museu Nacional do Rio de Janeiro, atribuiu à região situada entre o Madeira e o Juruena o nome de Rondônia, reafirmando sua posição em artigo publicado no ano seguinte na Revista do Brasil. Mais do que isso, Roquette -Pinto anteviu uma solução para os graves problemas de comunicação entre a área banhada pelos seus maiores rios e o restante dessa região e supôs que uma estrada que seguisse o traçado da linha telegráf ica seria de fundamental importância, pois integraria definit ivamente a região ao restante do país. Ao iniciar a década de 40, alguns elementos da maior importância para a criação de uma unidade polít ico-administrativa na região já estavam postos. Existia já idéia de uma região, conforme a proposta por Roquette-Pinto, e de uma unidade polít ico -administrativa, razoavelmente amadurecida através de uma discussão quase secular, inclusive ao nível do parlamento. Com a nacionalização da ferrovia uma 162 certa unidade de ação fora obtida, pois passara a empresa a ser propriedade pública, ocasionando inclusive a realização da visão de Roquette-Pinto, iniciando-se a abertura da rodovia Br-364. Contudo, foi a batalha da borracha que, reativando a economia da região através de maciços investimentos destinados ao aumentos da produção gomífera, fez aumentar o interesse do governo pela idéia de criação de territórios. Exercícios. 1. Cite 3 projetos que previam a criação de territórios no Brasil nos séculos XIX e XX. R. 2. Quais os fatores que antecederam a criação do Território Federal do Guaporé? R. 3. Quais os municípios pertencentes ao Território Federal do Guaporé em 1943? R. 4. Como eram os limites do Território em 1943? R. 163 5. O Território Federal do Acre foi criado em: a) 1804. b) 1904. c) 1914. d) 1924. e) 1934. A guerra pela borracha. Durante as décadas de 1920 e 1930, a borracha amazônica perdeu preço devido À concorrênc ia da produção da Malásia. Os seringais caíram no abandono e grandes fortunas desapareceram. A ausência de investimentos em outra áreas da economia levou a Amazônia a mergulhar em profundo estado de decadência. Nos seringais a produção encontrava-se paralisada ou reduzida a níveis ínf imos. Os seringueiros abandonavam suas colocações em busca de outras atividades que lhes permitissem a sobrevivência. Essa situação perduraria até início dos anos de 1940. Como resultado do corte do abastecimento de borracha d a Malásia, cujos seringais caíram nas mãos dos japoneses, os norte - americanos passaram a ter como única alternativa para o abastecimento de suas indústrias a borracha da Amazônia. Como as regiões produtoras responsáveis por 97% do suprimento de borracha para os E.U.A f icaram impossibil itadas de fornecer o produto, os norte - americanos implementaram um plano, previamente elaborado, destinado a reativar a exploração da borracha amazônica, que supriria regularmente a demanda dessa matéria -prima para as industrias daquele país. Em 1942 foram assinados os Acordos de Washington, visando o esforço conjunto dos governos do Brasil e dos EUA para o aumento da produção da borracha amazônica e seu fornecimento às indústrias norte-americanas. Foram criados no Brasil vários órgãos cujos objetivos ligavam-se à captação de mão-de-obra, melhoria da infra estrutura de transportes, f inanciamento e abastecimento dos seringais e comercialização do produto. Como resultado desses novos investimentos o futuro território, passou por um curto período de prosperidade. Dado o novo surto de exportação da borracha a iniciativa governamental se fez novamente presente na região de tal maneira que não se pode desvincular a decisão de criar o Território Federal do Guaporé e os outros territóri os dos interesses manifestos nos acordos de Washington. Esses acordos previam iniciativas destinadas mesmo a interferir nas tradicionais relações de produção estabelecidas no sistema 164 extrativista. Essas medidas pretendiam eliminar o sistema de barracão e aviamento. O governo, para quebrar o monopólio das casas aviadoras, criou o Banco da Borracha S/A, que f inanciava o seringalista em troca da exclusividade na comercialização de seu produto. Dessa forma mantinha o controle sobre preços e estoques. A elimina ção do intermediário, o aviador, foi iniciativa seguida com o maior interesse pelos norte-americanos pois garantiria uma maior segurança no abastecimento desse produto estratégico. A criação do Banco da Borracha não foi iniciativa única da intervenção estatal no sistema extrativista da Amazônia. Fazia parte de um complexo de iniciativas que abrangiam, inclusive o abastecimento aos seringalistas de produtos exportados pelo governo norte -americano diretamente para a Amazônia pela Rubber Development Corporati on e distribuídos internamente pela Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico - SAVA. Assim, várias iniciativas simultâneas intentavam acabar com o sistema de aviamento e de barracão, intimamente ligados. Oficialmente pretendiam as autoridades brasileiras e norte-americanas estabelecer um sistema mais moderno de relações extrativistas, via regulamentação das relações de trabalho e barateamento dos preços dos aviamentos para os seringueiros, l ivrando-os do endividamento. Para isso exportavam diretamente os gêneros necessários aos seringais que f icavam acessíveis aos seringalistas, em troca de um valor bem menor do que aqueles fornecidos pelo aviador. Com o f inanciamento do Banco da Borracha o seringalista comprava esses produtos à SAVA, uma forma de f inanciamento tradicional na agricultura, mas totalmente nova no extrativismo. Esperava-se que dessa forma os produtos chegassem ao extrator com preços menores, evitando o endividamento. Para regularizar a situação trabalhista do seringueiro foi criado um contrato padrão de trabalho destinado a regulamentar suas atividades de extração nos seringais. Essa contrato tentava compatibil izar alguns direitos dos extratores em face das formas tradicionais de exploração da força de trabalho nos seringais, a exemplo do trabalhadores urbanos que obtiveram, com a Consolidação das Leis do Trabalho certas garantias. No entanto as tentativas governamentais de regulamentar e regularizar a situação dos trabalhadores nos seringais fracassou. Continuaram a vigorar as antigas práticas de exploração dos seringueiros, através de sua vinculação ao barracão. Quanto aos aviamentos para o seringueiro, começaram a f icar mais caros ainda. Essas duas medidas não deram certo porque o endividamento do extrator fazia parte da lógica do sistema extrativista, era ele que sujeitava o extrator ao trabalho. O fracasso de algumas medidas tomadas no período explica -se em parte pela falta de combinação da ação dos órgãos governamentais. Assim, os investimentos na Amazônia durante o período da Gue rra foram caracterizados por um desencontro de decisões entre os órgãos envolvidos, tanto do lado norte-americano quanto do lado brasileiro. Explica-se, dado o caráter de urgência das medidas previstas nos acordos, diversos órgãos foram criados para executá-las, ocorrendo muitas vezes a duplicidade de atribuições, ou seja, a existência de dois 165 setores encarregados da mesma atividade. Além disso as ações não eram coordenadas. A CAETA (Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia ) trabalhava sem comunicação com a SAVA. Ocorria então que quando os trabalhadores chegavam à Amazônia nãohavia certeza quanto a disponibil idade de alojamentos e alimentação para esses migrantes que se destinavam aos seringais. Não havia também uma ação coordenada com o SNAPP (Serviço de Navegação e Administração dos Portos do Pará) e freqüentemente ocorria que os migrantes chegavam por ocasião da seca quando os navios f icavam impossibil itados de chegarem aos seringais. A burocracia estatal não atentava sequer para a época certa de assentar os trabalhadores para o corte da seringa. Quanto ao recrutamento e deslocamento dos trabalhadores para a Amazônia, em sua maior parte do nordeste, os resultados foram catastróf icos. Não foi ainda determinado precisamente o número de trabalhadores e dependentes recrutados e enviados para os seringais. Com base em depoimentos dados ao Congresso Nacional após a guerra, estimou-se que durante o período migraram para a Amazônia 52000 pessoas somando-se aí os dependentes dos t rabalhadores. Já um relatório da SEMTA, de 1945, totalizava 24300 trabalhadores e seus dependentes, encaminhados para a Amazônia entre outubro de 1943 e abril de 1945. Os dados disponíveis permitem visualizar, mesmo que grosseiramente, a dimensão quantitat iva desse fenômeno, uma diáspora nordestina no dizer do ilustre historiador amazônico Samuel Benchimol. Assim, em uma relação de 1942, elaborada pela SEMTA há um total 4050 trabalhadores enviados para a Amazônia. Desse total 1013 (25,01%) foram enviados para diversas localidades do rio Madeira, a maior parte, 985 (24,32 %) para Porto Velho, certamente para a distribuição nos seringais rio acima. Uma outra relação informa o número de trabalhadores enviados do nordeste, entre outubro de 1943 e setembro de 1945, para o porto de Belém, totalizando 15611 pessoas. Desse total, 9875 (63,2%) foram enviados para Manaus, de onde seriam redistribuídos. 376 (2,3%) pessoas foram enviadas diretamente para Porto Velho e os 5360 (34,5%) foram distribuídos para várias localidades. Dos trabalhadores enviados para Manaus, 2345 (23,7%) foram enviados para Porto Velho. 172 (1,7%) retornaram aos seus estados de origem e o restante foi distribuído no Amazonas e para os seringais em outros estados. O estado do Nordeste que mais contribuiu com trabalhadores para o esforço de guerra foi o Ceará. Outros estados do nordeste também contribuíram, destacando-se o Rio Grande do Norte, a Paraíba e a Bahia. Uma relação da SEMTA discriminando a origem dos trabalhadores arregimentados, totalizando 15105 pessoas permite-nos dimensionar o impacto da arregimentação nesses estados. A maior parte era proveniente do Ceará 7430 (49,19%), em segundo lugar vinham os migrantes da Paraíba, 4488 (29,71%), outro contingente provinha do Rio Grande do Norte, 2263 (14,98%) e uma outra parte 924 (6,11%) da Bahia. Haviam também trabalhadores arregimentados em 166 outros estados, inclusive do Sul do país e também, em menor número, trabalhadores que vinham por conta própria. Mesmo com as medidas de higienização e saneamento tomadas pelo governo, para diminuir a incidência de doenças tropicais, o custo pago em vidas humanas para o sucesso do empreendimento foi elevado. Ao f inal da guerra muitos dos trabalhadores arregimentados foram recambiados aos seus estados de origem, em lamentável estado de saúde. Um relatório de 1945 no qual constam as doenças contraídas por esses trabalhadores, recambiados para seus estados pelo porto de Belém, permite-nos observar os motivos do retorno. Das 2160 pessoas a maior parte 1195 (55,32%) voltaram por motivo de saúde. O principal deles, a malária: 804 (37,22%) seguida de anemia palúdica: 138 (6,39%) e outras doenças como polinevrite, debilidade mental, doenças venéreas, tuberculose e outras: 253 (11,71%). Dos 965 restante (44,67%) foram remanejados por outros motivos, entre eles 712 (32,96) considerados desajustados economicamente, indivíduos não adaptados ao sistema de barracão, e outros por viuvez: 50 (2,31%). Uma Comissão de Inquérito levada a efeito pelo Congresso Nacional calculou em milhares o número de óbitos nos seringais durante este período. Tentou-se ainda durante a 2ª Grande Guerra (1939-1945) a implantação de núcleos de colonização, baseados na agricultura, visando minorar o problema do abastecimento interno. No entanto, a economia do território continuou sendo vinculada ao setor extrativista. Com a reativação do abastecimento da borracha asiática, caíram novamente as exportações do látex amazônico e, apesar dos capitais dispendidos na região Amazônica durante a Guerra, ao f in al desta, a região retornou à situação anterior, agravada ainda pela descoberta da borracha sintética feita por alemães e americanos. Exercícios. 1. O que eram e o que previam os “Acordos de Washington” de 1942? R. 2. Não é fato ligado ao novo surto extrativista da borracha na Amazônia 1942-1945: a) a criação do Banco da Borracha. b) a criação da SAVA. c) a atuação da Rubber Development Corporation. d) a atuação dos Soldados da Borracha. e) o escândalo de Putumayo. 167 3. Foi conseqüência do surto extrativista do látex entre 1942 a 1945: a) a criação da Zona Franca de Manaus. b) o f im do sistema de barracão. c) a criação de órgãos públicos como o SNAPP, a SAVA e a CAETA. d) a crise da borracha na Malásia. e) a construção da Fordlândia. 4. Por que a Europa e os EUA voltaram a comprar borracha da Amazônia entre 1942-1945? R. 5. De onde provinham esses grupos de trabalhadores e como chegavam a Amazônia? R. A criação do Território Federal do Guaporé. Em 1940 Getúlio Vargas visitou Porto Velho, quando foi recepcionado por Aluízio Ferreira, de modo a inf luenciar o presidente a transformar a região em Território. Com a implementação dos Acordos de Washington, um novo surto migratório veio a aumentar a população da área, que viria a ser o Território Federal do Guaporé. A intensa busca pela borracha, trouxe consideráveis contigentes de trabalhadores oriundos, sobretudo, da região Nordeste do país para os vales do Madeira, Mamoré e Guaporé e seus af luentes af im de atuarem na coleta do látex. Em 1943 através do Decreto-Lei 5.812 de 13 de setembro foi criado o Território Federal do Guaporé. Compunha -se de partes desmembradas dos estados do Amazonas e do Mato Grosso. Seus limites passavam pelo rio Purus, em sua parte norte, o que o tornava maior do que é atualmente. Criado o território, foram definidos seus municípios pelo Decreto-Lei 5.839, de 21 de setembro do mesmo ano. 168 Foram criados quatro municípios: Lábrea, formado por partes dos municípios de Lábrea e Canutama, no estado do Amazonas; Porto Velho que pertencia ao Estado do Amazonas e manteve sua área municipal tornando-se a capital do Território; Alto Madeira, compreendendo parte do antigo município de Santo Antônio, pertencente ao Mato Grosso; Guajará-Mirim, compreendendo partes dos municípios de Guajará-Mirim e da Cidade de Mato Grosso (atual Vila Bela), ambos pertencentes também ao estado de Mato Grosso. Apesar da quase secular discussão e de inúmeras propostas para a criação de novas províncias ou estados na Amazônia, a criação do Território Federal do Guaporé apresentou dif iculdades já anteriormente sentidas, no tocante à questão de demarcação de seus limites. Por exemplo, antes mesmo da criação do Território do Guaporé a comunicação entre Santo Antônio do Rio Madeira, pertencente ao Estado do Mato Grosso, era feita de forma mais ef iciente com Manaus, no Estado do Amazonas, do que com a capital de Mato Grosso, Cuiabá. Concorria para essa situação a dif iculdade de transporte por via f luvial, devido a presença das inúmeras cachoeiras do Madeira que se interpunham entre Santo Antônio e Vila Bela. Além dessa primeira dif iculdade pairava ainda a insegurança quanto ao transporte terrestre entre Vila Bela e Cuiabá. Da mesma maneira, a