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Lei Penal no Tempo, no Espaço e Conflito de Leis

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Lei Penal no Tempo, no Espaço e Conflito de Leis
Parte 1
Limites temporais de aplicação da lei penal
Os limites temporais de aplicabilidade da lei penal decorrem do princípio da legalidade, notadamente da sua vertente de proibição de retroatividade. Não haverá crime sem lei penal anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal.
A regra, portanto, é da irretroatividade da lei penal. Uma nova lei penal que incrimine uma conduta, agrave as consequências penais de um crime, amplie as suas condições de punibilidade ou âmbito de aplicabilidade de normas penais só será aplicável aos fatos ocorridos após a sua entrada em vigor.
Por consequências penais, entende-se, além das penas cominadas, a forma de sua aplicação em execução, os efeitos em geral da condenação, inclusive as medidas de segurança.
Exceção: a regra da irretroatividade não se aplica às normas que restringem o poder punitivo, abolindo um crime, atenuando as suas consequências jurídicas ou ampliando as causas de extinção de sua punibilidade. É uma imposição do princípio da isonomia. (art. 5º, XL, da CF; art. 2º do CP)
A abolitio criminis é causa de extinção da punibilidade, prejudicial a qualquer investigação formal ou processo em andamento. E exclui os efeitos penais da condenação (maus antecedentes, reincidência, transação penal etc.), ainda que já transitada em julgado. Porém, não prejudica os efeitos penais GENÉRICOS da condenação, previstos no art. 91 do CP (dever de indenizar a vítima, perda dos instrumentos do crime e dos produtos e proveitos da infração). Esses últimos efeitos decorrem não da tipicidade, mas da ilicitude genérica da conduta.
A aplicabilidade da lex mitior (lei favorável) também não é limitada pelo trânsito em julgado. Caberá ao juiz da execução, aplicá-la (duração da pena, regime, forma de execução etc.).
Em razão disso, um conflito aparente de leis penais no tempo, sempre se resolve no sentido de favorecimento da lex mitior, a mais benéfica ao agente. Ela terá ultratividade quando for a lei do tempo do fato e retroatividade quando suceder a lei do tempo do fato mais gravosa. Isso vale, inclusive, quando a lei mais favorável não é nem a lei do tempo do fato nem a lei do tempo do julgamento, mas uma lei intermediária, que tenha tido vigência entre aquelas duas.
De igual modo, as mutações jurisprudenciais que implique ampliação do poder punitivo não devem ser aplicadas a fatos anteriores, só incidindo sobre fatos praticados a partir de então. → Livro da Mariângela
A lei mais favorável também deve aguardar a VACATIO LEGIS? O Prof. Frederico Horta entende que não. A lei mais favorável representa um ato de renúncia, de restrição pelo Estado de uma parcela de seu poder de punir, o que, desde a sua publicação, deslegitima completamente as penas que venham sendo aplicadas segundo a lei revista.
Paulo José da Costa Jr.: lei em período de vacatio não deixa de ser lei posterior, ela é existente, embora ainda não seja vigente. E como tal incide a aplicação do art. 5º, XL, e do art. 2º do CP. → René Ariel Dotti, Alberto Silva Franco, Nilo Batista.
Jurisprudência: Lei de Drogas, art. 28, que aboliu a pena privativa de liberdade para o crime de porte para uso. Nada justificava a prorrogação por mais 45 dias da pena aplicada nesses casos.
Leis excepcionais ou temporárias: exceção à regra de irretroatividade expressamente acolhida no CP. Para essas leis, há a regra da ULTRATIVIDADE. As leis penais excepcionais ou temporárias têm seu tempo de vigência limitado à permanência das circunstâncias previstas. A lei temporária possui previsão do tempo de sua vigência, determinando nela mesma a data da sua revogação (Lei Geral da Copa – arts. 30 e 33). A lei excepcional não estabelece a data precisa da sua revogação, mas prevê a perda da vigência da lei como consequência da superação das circunstâncias que lhe deram ensejo (estado de sítio ou de calamidade pública).
Art. 3º do CP: as leis penais excepcionais e temporárias aplicam-se aos fatos praticados durante a sua vigência, mesmo após decorrido o tempo da sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram.
A doutrina explica essa ultratividade por um argumento de política criminal, a respeito da eficácia dessas leis. Se elas não tivessem ultratividade, as leis nela previstas perderiam todo o seu potencial intimidador. O tempo de duração do processo geralmente é muito maior do que o prazo de vigência dessas leis.
Contudo, para parte da doutrina, a ultratividade dessas leis é INCONSTITUCIONAL. → Zaffaroni, Nilo Batista, Juarez Cirino dos Santos.
Juridicamente, o que justifica a leis penais é que a sua revogação é produto dela mesma. Não decorre de uma nova valoração divergente pelo poder legislativo a respeito dos fatos incriminados pela lei. A perda de vigência se dá em razão de uma relevante alteração do contexto fático, que era a razão de ser do preceito. Então, o postulado da isonomia que justifica a retroatividade da abolitio criminis e da lex mitior nada opõe à ultratividade da lei excepcional ou temporária.
O que está por trás desses casos de retroatividade ou ultratividade das leis penais é, de um lado, a ISONOMIA, e, de outro, a FINALIDADE DA PENA. Além de uma questão de garantia, a lei mais benéfica retroage pela lógica de que foi revisto o valor jurídico-penal de um fato e a (des)necessidade atual de punir tal fato. Se hoje não há motivo para puni-lo, de igual modo não há motivo para punir o fato anterior.
Especificamente nos casos das leis penais temporárias ou excepcionais, não há uma nova valoração do fato! O fato ocorrido no passado continua sendo um fato ofensivo ao bem jurídico tutelado, por conta das circunstâncias excepcionais em que ele fora praticado no passado. A diversidade dos contextos fáticos justifica o permanente desvalor das condutas previstas na lei temporária ou excepcional, mesmo após o término de sua vigência.
A aplicação da lex gravior no curso de crimes permanentes ou de continuidade delitiva
A aplicabilidade da lei penal mais gravosa depende da localização do tempo do fato a ela subsumível, pois só enseja a sua aplicação se ocorrido APÓS a sua entrada em vigor.
Mas seria o tempo do crime: o momento da conduta típica (teoria da conduta) ou o instante da plena realização dos seus elementos constitutivos, a consumação (teoria do resultado)?
O art. 4º acolhe a teoria da conduta: para fins de solução do conflito de leis penais no tempo, “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”. → em harmonia com o princípio da legalidade e com as funções de garantia e de advertência da lei penal. Ora, só a lei do tempo da conduta torna possível ao cidadão prever as suas consequências, de modo que só essa lei pode dissuadi-lo de praticar determinada conduta. Como a culpabilidade pressupõe o acesso do agente à norma infringida, ela só se vislumbra em vista da norma vigente ao tempo da conduta.
Mas o que ocorre se a entrada em vigor da lei mais gravosa se dá no curso de um crime permanente, quando esse já está consumado ou é incidental a uma séria de crimes praticados em continuidade delitiva, uns antes outros depois do marco inicial de vigência? Será a lei aplicada a todos esses crimes? Segundo amplo entendimento da doutrina e da jurisprudência brasileira (Súm. 711 do STF), a lei pena mais gravosa é aplicada a todos os crimes. Exemplo: aplicação da lei mais grave sobre a pena da corrupção para os crimes continuados do caso do Mensalão (AP 470/STF). Embora a conduta tenha se iniciado enquanto vigia uma lei mais benéfica, a conduta se prolongou, se protraiu, transcendeu o marco de vigência da lex gravior, ela aconteceu enquanto a lex gravior estava vigente. Portanto, a lex gravior é a lei do tempo do fato e prevalece assim como lei posterior, inclusive sobre a lei penal mais benigna. → Ressalva para os entendimentos de Zaffaroni, Nilo Batista, Alagia e Slokar, que defendem que, nos crimes permanentes ou continuados, a determinação do tempo do crime leva em conta o termoinicial da conduta típica (permanente ou continuada) e não o termo final considerado pela corrente dominante. Assim, o tempo do crime seria o início do crime permanente ou continuado, ainda sob a vigência da lei penal mais benéfica, aplicável como lei do tempo da ação.
Parte 2
Regras de solução do conflito de leis penais no tempo
Caso de lei posterior que apresenta, ao mesmo tempo, previsões mais benéficas e mais gravosas ao autor, em relação à lei vigente na época do fato. Dois métodos se apresentam:
Comparação das leis sucessivas (com todos os seus aspectos: quantidade mínima e máxima da pena, agravantes e atenuantes específicas, causas de aumento e diminuição de pena, regra do regime inicial, de substituição de pena etc.): a lei mais benéfica será aquela que, considerando conjuntamente todos os seus aspectos, mais benéficos ou mais gravosos, levará a um resultado mais vantajoso ao agente nas circunstâncias concretas do crime.  Neste sentido, prevê o Código Penal Militar (art. 2º, § 2º) que cada uma das leis deve ser considerada separadamente, cada qual com o conjunto de suas normas aplicáveis ao fato.
Combinação dos aspectos benéficos de cada uma delas: o aplicador da lei fica dispensado de descobrir qual é a lei mais benéfica no caso concreto; ele deveria mesclar as disposições mais favoráveis de ambas as leis, chegando a um blend normativo resultante da ultratividade da lei do tempo do fato e da retroatividade da lei posterior ao fato.  A regularidade desse método é controversa, porque resultaria numa terceira norma (lex tertia) não prevista por nenhuma das leis e indevidamente criada pela atividade jurisdicional, com usurpação do poder legislativo do Parlamento.  Nelson Hungria, Aníbal Bruno, Paulo José da Costa Jr., Klaus Roxin, Günther Jakobs. Por outro lado, defensores da combinação argumentam que o princípio constitucional da retroatividade benéfica não admite reservas.  Magalhães Noronha, Francisco de Assis Toledo, René Ariel Dotti, Cezar Roberto Bitencourt, Zaffaroni, Nilo Batista, Juarez Cirino dos Santos.
Caso do conflito entre as Leis de Drogas de 1976 e a de 2006: enquanto a lei nova permite uma inédita e substanciosa (até 2/3) causa de diminuição da pena do tráfico, ela apresenta, para este crime, uma margem penal mais gravosa do que a lei anterior (a pena mínima passou de 3 para 5 anos de reclusão).
A jurisprudência acabou se consolidando segundo a orientação tradicional, que rejeita o método da combinação de leis sucessivas, imponto o método da comparação (comparando-as na sua integralidade).  Súmula 501 do STJ.
Para o Prof. Frederico Horta, a solução desta questão passa pela distinção entre lei penal e norma penal. Quando a Constituição garante a retroatividade e a ultratividade benéfica da “LEI PENAL” está tratando, na verdade, da aplicabilidade das NORMAS LEGAIS EM MATÉRIA PENAL, e não do diploma legal como um todo (quer dizer, a lei em sentido formal por meio da qual as normas vêm integrar a ordem jurídica).
As garantias da ultratividade ou retroatividade dizem respeito à aplicabilidade de uma norma penal existente, ou disposta na lei nova ou disposta na lei anterior, mas considerada em sua integralidade. O juiz não pode combinar a parte benéfica de cada uma das normas, criando uma norma híbrida, jamais submetida ao crivo do Parlamento e à soberania popular.
A integralidade da norma nem sempre se exprime por um único dispositivo legal, ela pode envolver diversas proposições normativas expressas em antigos, parágrafos, incisos, alíneas diferentes. Todos esses dispositivos distintos são normas distintas ou todos eles estão logicamente interconectados na definição final da pena cominada para aquele crime previsto? A causa de diminuição da nova Lei de Drogas está ou não logicamente vinculada à nova margem penal do tráfico prevista no caput? Ou se ela teria validade autônoma, como uma norma penal distinta, aplicável retroativamente?
Eugênio Pacelli de Oliveira e André Callegari entendem que a solução do conflito de leis pela aplicação retroativa parcial da lei nova, restrita aos aspectos benéficos, só é devida quando não se verificar subordinação lógica entre a inovação benéfica e a norma penal mais gravosa a ser desprezada. O Prof. Frederico Horta só discorda dos autores quanto ao específico caso da Lei de Drogas, entendendo que a diminuição de pena é INDISSOCIÁVEL da pena prevista no caput, porque versam sobre o mesmo objeto, qual seja, a quantidade de pena do crime de tráfico. Assim, concorda o Prof. com o teor da Súm. 501 do STJ.
Conflito temporal entre normas complementares de uma lei penal em branco
Leis penais em branco são disposições legais incriminadoras que definem o fato punível em função da violação de um dever ou de uma proibição prevista em outra parte do ordenamento, por uma norma extrapenal, de direito administrativo, civil, trabalhista etc. O seu conteúdo, o fato punível, não está nela previsto, e sim nas normas extrapenais por ela referidas.
Art. 269 do CP. O conteúdo da norma varia de acordo com as normas exaradas pelo Ministério da Saúde, que determina quais doenças devem ser comunicadas, o prazo, a forma da comunicação etc.
Art. 34 da Lei de Crimes Ambientais. Pune a pesca em período no qual ela seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente.
Art. 12 do Estatuto do Desarmamento. Pune a posse de arma de fogo, acessório, munição de uso permitido quando em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Em quais hipóteses as alterações das normas extrapenais referidas pelas leis penais em branco podem ter efeitos retroativos? Certo é que esses complementos extrapenais não têm eficácia retroativa em prejuízo do agente. Esse complemento integra a norma punitiva e, assim, sujeita-se à regra geral de proibição da retroatividade da lei penal mais gravosa.
A polêmica é a eficácia retroativa quando a alteração venha a restringir o alcance da incriminação, operando, assim, uma abolitio criminis.
A orientação clássica nega em absoluto a retroatividade benéfica da alteração do complemento da lei penal em branco, por entender que tal regra só se aplicaria às alterações formais, promovidas na própria lei, e não nas normas extrapenais.
Posteriormente, passou-se a defender a tese de que se opera a retroatividade da norma complementar sempre que importar em abolitio criminis, já que ela integra o tipo da lei penal em branco. Afinal, a alteração da norma complementar modifica o conteúdo da lei penal em branco. → Zaffaroni, Nilo Batista, Alagia, Slokar, Juarez Cirino dos Santos.
Hoje, prevalece na doutrina e na jurisprudência nacional entendimentos intermediários, que admitem a retroatividade apenas em alguns casos. → Magalhães Noronha, Assis Toledo, Cezar Roberto Bitencourt, Fábio Guaragni, Marion Bach, Günther Jakobs, Luigi Gata, Jesús-Maria Silva Sánchez.
O Prof. Frederico Horta concorda com a posição intermediária, de que algumas normas devem ter eficácia retroativa benéfica, mas não todas. Nos casos das leis penais em branco, a norma penal incriminadora não é simplesmente descumprir um dever imposto por uma norma complementar, mas também não é sempre, em qualquer caso, exatamente aquilo que uma norma complementar, de um determinado tempo, mandava fazer. Diante de uma lei penal em branco, temos um descumprimento de uma norma penal complementar ofensivo a um bem jurídico, não é um descumprimento qualquer. É preciso saber se a conduta no passado, realizada sob o pálio da norma complementar superada, é, em vista do direito vigente, considerada ou não um descumprimento de norma complementar ofensivo ao bem jurídico.
Para Francisco Assis Toledo, o decisivo é saber se a alteração da norma penal implica ou não supressão do caráter ilícito de um fato, se a alteração suprime ou não o conteúdo de injusto de um fato pretérito apreciável ainda segundo o direito vigente.
Há que se levar em conta a finalidade da norma penal, que é a tutela preventiva de bens jurídicos, juntamente com o postulado da isonomia, para determinar em quais casosa alteração do complemento de uma lei penal em branco deve retroagir para tornar impunível a sua pretérita infração típica.
Quando a alteração da norma complementar é decorrente de uma alteração das circunstâncias fáticas, que repercute na necessidade de proteção do bem jurídico, o fim de proteção da norma recomenda que se lhe neguem efeitos retroativos.
Ex.: Se o Ministério da Saúde retira da lista de doenças de notificação compulsória uma doença em razão do fim da epidemia ou da imunização da população. Nesse caso, a diferença de tratamento entre as condutas antes e após a alteração da norma complementar, justifica-se pelas distintas circunstâncias fáticas de cada uma. No passado, a notificação era relevante do ponto de vista imunológico e para a saúde dos cidadãos. A alteração posterior da norma complementar não altera o desvalor da conduta pretérita nem elimina as razões para puni-la segundo os fins de proteção da norma penal vigente.
Aplica-se aqui lógica semelhante à das leis excepcionais ou temporárias, cuja ultratividade justifica-se pela excepcionalidade das circunstâncias que a motivaram e a cessão da sua vigência não se deve e não implica uma revaloração político-criminal da conduta que proibia. Justamente por isso, a alteração de norma penal complementar que seja excepcional ou temporária não terá eficácia retroativa benéfica.
Parte 3
Limites espaciais de aplicação da lei penal
Princípio da territorialidade: o âmbito de validade espacial das leis penais brasileiras é o território nacional, o espaço geográfico onde o Estado brasileiro exerce a sua soberania. Em geral e em regra, o poder punitivo do Estado Brasileiro se concretiza na pretensão de punir os fatos cometidos no Brasil, segundo a lei brasileira, pela atividade de seus aplicadores, juízes e Tribunais brasileiros.
Exceções ao princípio da territorialidade (art. 5º, caput, do CP): “convenções, tratados e regras de direito internacional”; tratam de casos de aplicação de leis penais estrangeiras a fatos praticados no Brasil, bem assim de leis brasileiras aplicadas fora do território brasileiro.
O território brasileiro é formado pelo solo e subsolo, compreendido entre as fronteiras terrestres, pelos rios e lagos fronteiriços e pelo mar territorial, além da coluna de ar atmosférico (espaço aéreo que corresponde ao território, ao mar territorial). O mar territorial, segundo a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar (art. 1º, Lei 8.617/1993), compreende uma faixa de 12 milhas marítimas de largura medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular. Para além do mar territorial, onde o Brasil exerce a sua soberania absoluta, a lei demarca ainda a zona contígua, compreendida na faixa de vai de 12 a 24 milhas marítimas, onde o Estado brasileiro tem autoridade para operações de controle, vigilância, aduaneira, sanitária e de migração; e a zona de exploração econômica exclusiva, que vai das 12 as 200 milhas marítimas, onde o Brasil exerce com exclusividade o direito de explorar, conservar e gerir os recursos naturais. Essas últimas duas zonas não compõem o território do Brasil, portanto, a lei só se aplica nesse espaço segundo as regras da extraterritorialidade.
Princípio do pavilhão (ou da bandeira) e o problema do território ficto para efeitos penais:
O princípio do pavilhão ou da bandeira, consagrado pelo costume internacional, reconhecido pelas Convenções de Tóquio e de Chicago, atribui ao Estado no qual as aeronaves e embarcações estejam registradas e cujo pavilhão elas ostentam o poder de sujeitar à sua jurisdição os responsáveis por crimes cometidos a bordo, mesmo se ocorridos quando essas aeronaves e embarcações estejam em alto-mar, no espaço aéreo correspondente ao alto-mar ou em território estrangeiro. princípio complementar ao da territorialidade que inspira duas regras, ora fundamentando a aplicação da lei penal em caráter absoluto (territorialidade ficta), ora justificando a sua aplicação subsidiária (como extraterritorialidade condicionada).
A decorrência mais relevante deste princípio é a do art. 5º, § 1º do CP: “Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.” aqui o Brasil não avoca em caráter absoluto a jurisdição para os crimes cometidos em embarcações ou aeronaves brasileiras MERCANTES OU PRIVADAS quando estas estejam em território estrangeiro, admitindo a aplicação da lei penal brasileira apenas subsidiariamente (extraterritorialidade condicionada – art. 7º, II, c, do CP).
Por outro lado, tem-se a disposição do art. 5º, § 2º do CP: “É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.” além disso, segundo a lógica da reciprocidade, o princípio do pavilhão também excepciona o princípio da territorialidade, impondo ao Brasil que reconheça a jurisdição estrangeira sobre os crimes ocorridos em aeronaves ou embarcações estrangeiras públicas (a regra em relação às aeronaves públicas está no art. 3º do Código Brasileiro da Aeronáutica).
Não há falar em território ficto estrangeiro em se tratando de Embaixadas estrangeiras e Sedes Consulares! A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas apenas lhe concede inviolabilidade (art. 22), vedando a prática de medidas coercitivas em seus interiores pelas autoridades públicas brasileiras. Garante ainda a imunidade pessoal dos agentes diplomáticos e seus familiares é um limite PESSOAL e não espacial; assim, a lei penal brasileira é plenamente aplicável aos crimes cometidos em Embaixadas e Consulados, desde que não praticados por pessoas que não sejam alcançadas pela imunidade diplomática.
Lugar do crime: 
Delitos à distância: quando a execução se inicia ou se transcorre fora do país e a consumação se dá ou deveria se dar dentro do país, ou o contrário (a execução se dá dentro do país, mas a consumação se dá ou deveria se dar fora do país). Ao definir o lugar do crime, a lei brasileira não adota a teoria da conduta, como faz para definir o tempo do crime, nem a teoria do resultado, como faz ao definir a competência jurisdicional. Adota-se a teoria da ubiquidade, tomando as duas perspectivas para fundamentar a aplicação da lei brasileira segundo o princípio da territorialidade. Segundo a teoria, considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão bem como onde se produziu ou deveria se produzir o resultado art. 6º do CP: “Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.”
Aplicação extraterritorial da lei penal brasileira: hipóteses EXCEPCIONAIS previstas no art. 7º do CP; aplica-se a lei penal brasileira mesmo os crimes tendo sido praticados no estrangeiro.
Princípios de direito internacional que legitimam a regra da extraterritorialidade:
Princípio da defesa ou da proteção: determina que a lei penal brasileira será incondicionalmente aplicada para punir crimes contra a vida ou liberdade do Presidente da República, crimes contra o patrimônio ou fé pública da União, DF, Estados, Municípios, empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias ou fundações públicas e crimes contra a Administração Pública ou quem esteja a seu serviço (extraterritorialidade incondicionada). interesse e legitimidade do país em exercer a sua jurisdição em defesa do próprio Estado, da sua soberania, instituições, recursos e funções. 
Princípio da justiça universal ou da universalidade: autoriza a aplicação extraterritorial da lei quando a repressão de certos crimes é um interesse compartilhadopor diversos membros da comunidade internacional, por meio de Tratados, Convenções. Crimes que atingem igualmente seus povos como membros da comunidade humana global ou quando são crimes internacionais ou transnacionais, cuja controle demanda esforços de diversos países. inspira a punição do crime de genocídio quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil (extraterritorialidade incondicionada). O crime de genocídio pode, ainda, ensejar a jurisdição complementar/supletiva do Tribunal Penal Internacional, quando houver a incapacidade, desinteresse ou leniência do Estado originariamente competente para exercer a jurisdição. Esse princípio também justifica a extraterritorialidade condicionada, nos casos de crimes que o Brasil se obrigou a reprimir por meio de Tratados e Convenções Internacionais (art. 7º, II, a, tráfico de pessoas, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro).
Princípio da personalidade ou nacionalidade: concretiza-se em duas regras de extraterritorialidade, ambas condicionadas:
Art. 7º, II, b: aplica-se a lei penal brasileira ao crime cometido no estrangeiro em vista da nacionalidade brasileira do autor (nacionalidade ativa); justifica-se em face da proibição da extradição de nacional consagrada na Constituição combinada com a condição da entrada ou retorno espontâneo do agente ao Brasil. Serve para que a proteção conferida pela pátria ao seu nacional não se preste à impunidade.
Art. 7º, § 3º: excepcional hipótese fundada na nacionalidade brasileira da vítima, quando o crime é praticado no exterior por estrangeiro (nacionalidade passiva); manifestação do princípio da proteção ou da defesa em prol do cidadão.
Princípio do pavilhão: enseja a aplicação da lei brasileira aos crimes cometidos no interior de embarcações ou aeronaves mercantes, de propriedade privada brasileira, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. O Brasil assume a jurisdição subsidiária do país onde se deu o fato.
Extraterritorialidade incondicionada (art. 7º, I)
Condições para a extraterritorialidade incondicionada
A aplicabilidade da lei brasileira não encontra limite sequer na possibilidade de dupla jurisdição sobre o mesmo fato: ainda que o agente tiver sido preso, processado, julgado, condenado no estrangeiro por algum dos crimes do art. 7º, I, o Brasil não abre mão do poder-dever de julgá-lo. Isso não implica que o agente possa vir a ser punido duas vezes pelo mesmo fato, pois nestes casos, se a pena executada no estrangeiro e a pena aplicada no Brasil forem da mesma natureza, o cumprimento da pena no exterior será computado no tempo a ser cumprido no Brasil (art. 8º). 
Extraterritorialidade condicionada (art. 7º, II)
Condições para a extraterritorialidade condicionada
Art. 7º, § 2º:
Entrada do agente no território nacional: o Brasil não pedirá extradição de ninguém para processar ou cumprir pena por crime cometido no estrangeiro, nos casos de extraterritorialidade condicionada. Para os casos de extraterritorialidade incondicionada, o pedido de extradição se justificará.
O fato deve ser também punido no país em que foi praticado
O crime deve estar incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição
Não se justifica mobilizar a jurisdição extraterritorial (sempre excepcional) para casos em que o caráter injusto e a reprovabilidade sejam considerados de menor intensidade à luz do direito brasileiro. Por isso, não se aplica a lei penal brasileira extraterritorialmente sobre os crimes pelos quais o Brasil não admite a extradição (crimes políticos ou de opinião e os cuja pena máxima cominada no Brasil não é superior a um ano).
Não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena / Não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável
É preciso que haja uma pretensão punitiva estrangeira reconhecida no Brasil, segundo a sua lei, com a qual o Brasil se comprometa por força dos princípios da justiça universal, da nacionalidade ou do pavilhão.
Todas essas condições justificam-se pelo fato de o Brasil ter o comprometimento, como membro da comunidade internacional, de impor sua jurisdição subsidiária, atendendo uma pretensão punitiva internacionalmente compartilhada, que não pôde ser exercida no país em que o fato foi praticado.
Ademais, deve-se respeitar ainda a soberania dos outros países e as liberdades concedidas em seu território, abstendo-se de reprimir o que lá tenha sido licitamente praticado.
Art. 7º, § 3º:
Quando a extraterritorialidade da lei penal brasileira se der em razão da nacionalidade da vítima
Aplica-se a lei brasileira somente se, além das condições do § 2º, o agente não for ser extraditado por falta de pedido ou por ter sido negado pelo STF e se a persecução penal vier a ser requisitada pelo Ministro da Justiça.
Pena cumprida no estrangeiro (art. 8º): “A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.”
Se a pena executada no estrangeiro e a pena aplicada no Brasil forem da mesma natureza, o cumprimento da pena no exterior será computado no tempo a ser cumprido no Brasil.
Se forem de naturezas diversas (restrição de direitos, pecuniárias, privativa de liberdade etc.), a pena cumprida na estrangeira ATENUARÁ a pena ser cumprida no Brasil. O termo “atenuar” é interpretado extensivamente, de modo que poderá até EXTINGUIR a pena imposta no Brasil.
Partes 4, 5 e 6
Concurso aparente de normais penais ou conflito de leis penais
Na acepção de um problema dogmático: É a subsunção de um único fato jurídico penalmente relevante a diversas normas penais que se sobrepõem na apreciação de seu desvalor. Por força do princípio non bis in idem a aplicação de uma das normas excluirá a das demais, para que não haja dupla retribuição pela mesma ofensa.
Na acepção de um feixe de critérios orientados à identificação e à solução do problema: possíveis relações formais (lógicas) e materiais (teleológicas ou valorativas) entre as normas convergentes que determinam a sobreposição delas na apreciação do fato e indicam, em regra, qual delas o reconhece de forma mais completa ou de forma mais abrangente, devendo portanto prevalecer em detrimento das demais.
O non bis in idem (princípio orientador do concurso aparente de normas) impede a múltipla atribuição a alguém de uma mesma infração, vedando a aplicação cumulativa de sanções que decorram dessa apreciação reiterada do fato. Encontra guarida constitucional no princípio da legalidade, que garante ao cidadão, não apenas saber o que é crime, mas também a pena cominada para aquele crime. Ao se operar uma dupla incriminação, viola-se o preceito sancionador de ambas as normas, impondo-se ao cidadão uma pena que não está prevista em nenhuma das duas.
Além da legalidade, a múltipla incriminação viola o princípio da proporcionalidade, pois é justamente para garantir a racionalidade das penas, ante os fins de reprovação e prevenção das práticas criminosas, que está expresso no art. 61 do CP a consagração do non bis in idem: não se agravam as penas por circunstâncias do fato já reconhecidas expressa ou implicitamente pela norma incriminadora aplicada como elementos ou pressupostos do delito concretizado. De igual modo, com base na proporcionalidade, o non bis in idem atua para impedir que uma mesma circunstância do fato seja considerada mais de uma vez para ATENUAR a reprimenda.
Concurso de crimes: a negação do concurso aparente de normas é o concurso de crimes, pois quando o comportamento se subsume a diversas normas, que dizem respeito a conteúdos de injusto diversos, diversas ofensas, a completa apreciação jurídico-penal demandará a aplicação das múltiplas normas. Não haverá apenas um único fato, mas vários, ainda que por meio de uma única conduta, haverá vários crimes.
Formal ou ideal heterogêneo: quando distintas normas aplicáveis forem incidentes sobre uma mesma conduta; quando pelos mesmos atos e assim simultaneamente,o agente realizar diversos tipos de delito. Ex. usurpação de recursos da união e crime ambiental de exploração minerária 
Material ou real heterogêneo de crimes: quando as diversas normas aplicáveis incidirem sobre condutas diversas; quando praticadas por atos distintos, reconhecidos na mesma sentença. Ex. sonegação fiscal e utilização dos recursos sonegados para prática de corrupção.
Concurso homogêneo: também é homogêneo o concurso de crimes quando pela mesma ou por diversas condutas o agente infringe mais de uma vez uma mesma norma penal; o agente realiza várias vezes a mesma ofensa, o mesmo crime. Ex. vários homicídios praticados pelo lançamento de uma granada (formal homogêneo); vários disparos de arma de fogo contra várias vítimas promovidos sucessivamente (material homogêneo).
Relações de especialidade (critério para solução do concurso aparente de normas)
Ocorre quando uma delas, a norma especial, tem todos os pressupostos de incidência da outra, a norma geral, e mais alguns que lhe são peculiares (elementos especializantes). Há uma relação de continência entre o campo de incidência, da extensão da norma especial em relação à norma geral. Por isso, quando a concretização de um delito importar sempre, necessariamente, a realização de outro, haverá relação de especialidade entre as respectivas normas. relação lógica
A prevalência da norma especial justifica-se porque, entre os vários aspectos danosos que a concretização do delito geral possa eventualmente assumir, um ou mais são valorados particularmente na norma especial, como pressupostos de incidência desta. Ela toma como pressuposto necessário uma ou mais das diversas circunstâncias ou formas de realizações possíveis de um tipo de delito geral.
A infração da norma especial importará sempre na ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma geral. Ainda que a norma especial abranja a proteção de outro bem jurídico, a ofensa nela prevista dependerá ou envolverá necessariamente a ofensa ao bem jurídico protegido pela norma geral. Ex. quem pratica denunciação caluniosa não atinge apenas a administração da justiça, mas necessariamente a reputação do denunciado (tutelada pela norma da calúnia); quem pratica concussão não viola apenas a moralidade administrativa, mas também a liberdade e o patrimônio do administrado (tutelados pela norma da extorsão); formas qualificadas ou privilegiadas em relação às formas simples dos crimes.
O pressuposto especializante pode se referir a uma condição pessoal do agente, a uma condição especial do objeto material do crime, a um específico meio, modo, lugar, tempo, motivos de cometimento do crime, entre outras circunstâncias da conduta.
Há relação de especialidade entre os crimes complexos e as normas que incriminam algum ou alguns dos elementos constitutivos do crime complexo (ex. roubo e furto + constrangimento ilegal). Os crimes complexos reúnem em seu tipo fatos autonomamente punidos como crimes.
Relações de subsidiariedade (critério para solução do concurso aparente de normas) Parte 5
Estabelecem-se quando o desvalor do fato punível segundo uma delas, a norma prevalente ou principal, abarca completamente o desvalor do fato punível segundo a outra, a norma subsidiária. Ocorrem quando duas normas punem fases distintas de ofensa a um mesmo bem jurídico. A norma subsidiária se volta a um estágio preliminar da ofensa; a norma principal tem por pressuposto fático uma fase posterior de ataque ao bem jurídico, que representa uma ofensa mais grave. (“soldado de reserva”, como denominou Nelson Hungria) relação valorativa
A norma subsidiária, portanto, só se aplica quando uma lesão por ela prevista não tenha se desenvolvido ao ponto de atingir o campo de incidência da norma principal. O fato punível da norma principal será o incremento qualitativo da mesma conduta da norma subsidiária.
Ex.: normas de crimes de perigo e normas de crimes de dano; normas de crimes de atos preparatórios e normas de crimes principais visados por tais atos; entre o crime de exposição a perigo de contágio de moléstia venérea e as forma de lesão corporal dolosa; portar petrechos para falsificação de moedas e o delito de produzir moeda falsa; cultivo de matéria prima para fabricação de drogas e o delito de produzir drogas; penetrar em unidade de conservação conduzindo instrumentos ou produtos próprios para caça e o crime de caça irregular ou de dano à unidade de conservação.
Só se pode vislumbrar relação de subsidiariedade entre as normas de crime de perigo e as de crime de dano quando elas se voltarem à proteção de um mesmo bem jurídico. Mas pouco importa se o perigo previsto é concreto ou abstrato, porque isso diz respeito apenas à estrutura do tipo, e não ao objeto da ofensa incriminada.
A relação de subsidiariedade só se demonstra no caso concreto, quando a realização do pressuposto fático da norma principal representar realmente a evolução, o exaurimento de toda a ofensividade do fato punível segundo as normas subsidiárias. Essa condição impede a constatação de subsidiariedade entre os crimes de perigo coletivo e os de dano individual. A incolumidade ou saúde pública, na verdade, são bens jurídicos individuais que são protegidos ante ofensas coletivas, que ofensas que atingem simultaneamente um universo indeterminados de pessoas ou de pessoas indeterminadas. Mas, em geral, não há subsidiariedade entre as normas de delitos contra a incolumidade ou saúde pública e os crimes de danos individuais, porque estes dificilmente representarão o exaurimento de todo o perigo gerado pelo crime de perigo coletivo.
Ex. a direção de veículo automotor em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações etc. (art. 309 do CTB) será punível mesmo no caso que esta conduta resulte lesão corporal ou homicídio culposos, a menos que só existisse uma vítima no local do crime.
A relação de subsidiariedade se situa no âmbito da progressão criminosa ou crime progressivo, que consistem na atividade delitiva que precede de uma forma menos grave a outra mais grave de crime, de forme que aquela se dissolve nesta. A fase menos grave é fase normal ou necessária à execução do crime mais grave. Mas só haverá subsidiariedade quando o crime menos grave for uma etapa anterior, distinta e não necessariamente vinculada ao crime progressivo. Quando a execução de um crime for absolutamente indissociável da execução de outro, quando a prática de um crime progressivo importar necessariamente na prática de um crime antecedente pelo mesmo autor, haverá na verdade relação de especialidade (crimes complexos). Ex. homicídio e lesão corporal, o homicídio é a progressão da lesão.
Casos de subsidiariedade expressas: hipóteses de concurso aparente expressamente resolvidas na lei penal, por meio de cláusulas inseridas nas normas (“se o fato não constituir crime mais grave” – arts. 132, 238, 314, 325, 337, entre outros, do CP). Mas muitas vezes esses concursos resolvidos por tais cláusulas podem decorrer de relação de ESPECIALIDADE ou CONSUNÇÃO, e não de subsidiariedade.
Relações de consunção (critério para solução do concurso aparente de normas)
Estabelecem-se entre duas normas penais quando os tipos de ilícitos puníveis guardam entre si uma estreita conexão. Só é concebível a partir do caso concreto, ainda que hipoteticamente considerado, porque ocorre quando a realização dos pressupostos fáticos de uma das normas, a norma consumida, é tida como uma forma normal, uma circunstância, um desenrolar previsível, mas não indispensável, de realização dos pressupostos da outra norma, a norma consuntiva.
O desvalor da infração da norma incriminadora dos atos acessórios ou subsequentes estará totalmente abarcado pelo desvalor da infração à norma incriminadora do elemento principal do fato.
As razões para punir a conduta típica principal compreendem ou exaurem as finalidades das penas previstas para os atos acessórios, de modo que se presume que aquela pena é a resposta suficiente e adequada também para os atos acessórios.
Ex. a punição dohomicídio deve prevalecer sobre a do porte ilegal de arma de fogo, quando o agente tiver trazido a arma pelo intervalo de tempo estritamente necessário para o cometimento do homicídio; Súmula 17 do STJ: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.”; crime de dano em face do furto que acabou por gerar a destruição da coisa alheia anteriormente subtraída pelo mesmo agente.
A relação de consunção, assim como a relação de subsidiariedade, diferencia-se da especialidade porque a infração da norma consuntiva (da conduta principal) não pressupõe necessariamente as infrações às normas consumidas (que incriminam as condutas típicas acessórias). Porque, embora as condutas acessórias, consumidas, geralmente acompanhem a forma de realização da conduta principal, elas não estão vinculadas a ela, como seus pressupostos ou elementos constitutivos, nem explícita nem implicitamente. Portanto, diferentemente da especialidade, em que há um vínculo lógico de realização da norma especial e da norma geral. A norma consumida geralmente acompanha a realização da norma consuntiva, porque há estreita conexão entre o tipo de um justo que uma e outra prevê, mas essa conexão não é necessária, indispensável.
Ex.: embora o porte ilegal de arma de fogo seja uma circunstância comum do homicídio, este crime pode ser praticado por inúmeros outros meios; embora o estelionatário utilize-se documentos falsos, este é apenas um dos meios fraudulentos possíveis para praticar o golpe patrimonial.
A jurisprudência tem reconhecido relação de consunção entre os crimes de sonegação fiscal e de falso, na lógica da Súmula 17 do STJ, para admitir concurso aparente de normas quando toda a potencialidade lesiva do falso se exaurir na realização da fraude fiscal. Complementando o raciocínio, aplica-se o concurso de crimes quando a lesividade dos falsos transcende o crime tributário. Mas isso só ocorre quando os meios praticados não estiverem expressamente previstos como meios de sonegação (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990), pois quando isso ocorre o que se tem é um crime complexo, que prevalece, em qualquer hipótese, sobre os crimes nele incorporados como elementos constitutivos aqui, incide a regra da especialidade.
A relação de consunção diferencia-se da subsidiariedade porque ela não necessariamente se estabelece entre duas normas protetivas do mesmo bem jurídico; e também não necessariamente a consunção se resolve em favor da última norma infringida, como ocorre na subsidiariedade. Parte 6
A identidade dos objetos de tutela das normas não é um requisito para que se reconheça o concurso aparente, como muitas vezes supõe a jurisprudência. Essa condição de identidade só vale para a subsidiariedade; para a especialidade e para a consunção, os bens jurídicos podem ser diferentes, como, p. ex., os bens protegidos pelo crime de porte de arma e pelo homicídio; pelo falso e pelo estelionato.
Outro mito é que deve prevalecer sempre a norma MAIS GRAVOSA, que comina a PENA MAIOR. No caso de especialidade, por exemplo, ninguém duvida que o crime privilegiado deve prevalecer sobre o crime comum, geral. No caso da consunção, é de se observar que a quantidade de penas para cada norma está sujeita ao vício da desproporção, decorrente da falibilidade do processo legislativo; além disso, a norma consuntiva absorve apenas o desvalor de parcela do universo de fatos puníveis segundo a norma consumida.
Falibilidade da “regra” de que o crime-fim sempre absorve o crime-meio. Embora muitas vezes isso ocorra, isso só se justifica quando o crime-meio seja um ato antecedente, um antefato, ou concomitante, esperado, corriqueiro da realização do crime-fim, segundo a forma como as coisas normalmente acontecem.
São casos de relação de consunção os atos típicos acompanhantes em relação aos delitos cuja realização normalmente os implica, bem como os atos posteriores coapenados, em relação aos delitos anteriores dos quais representam mero exaurimento.
Atos ou fatos típicos acompanhantes: realizam-se paralelamente ao delito prevalente, pela mesma conduta qualificada segundo a norma consuntiva ou por conduta diversa, mas a ela normalmente vinculada. Ex. mesma conduta qualificada na norma consuntiva: prática de lesão corporal leve como decorrência da violência empregada em crimes dos quais a violência é um elemento constitutivo do tipo (roubo, extorsão, estupro etc.); conduta diversa da qualificada na norma consuntiva: prática de injúrias acompanhantes do estupro, invasão de domicílio acompanhada do furto qualificado pelo rompimento de obstáculo ou escalada, a violência empregada para conter a reação da vítima no caso de sequestro ou cárcere privado, participação nos lucros da prostituta por quem mantém casa de prostituição, a corrupção passiva privilegiada do funcionário incumbido da custódia ou guarda de preso que, cedendo a pedido de outrem, promova ou facilite a fuga de pessoa legalmente presa.
Fato posterior coapenado ou fato posterior impune: ato típico se segue à conduta típica principal e com ela não se confunde, mas com ela constitui uma unidade de injusto, pois representa um normal desenvolvimento ou exaurimento da ofensa que a conduta principal implica, pela realização da sua utilidade ou do seu propósito. Ex. utilização de documento falso por quem o tenha falsificado; a introdução de moeda falsa no mercado por quem a tenha falsificado. A falsificação é a grande empreitada contra a fé pública, cuja potencialidade lesiva apenas se concretiza com o uso do documento ou da moeda falsos, estreitamente ligado à falsificação como seu necessário fim. O uso não é uma modalidade posterior, mais gravosa da ofensa iniciada com a falsificação, o que representaria uma relação de subsidiariedade, porque o uso ou introdução do objeto falso não exaure toda a potencialidade lesiva da falsificação.
Problema: punibilidade da lavagem de dinheiro pelo próprio autor do delito antecedente (autolavagem). Em geral, a prática tendente a ocultar a disposição de valores provenientes de crimes como corrupção passiva, sonegação fiscal, tráfico de drogas ou mesmo roubo, em geral, é uma atitude corriqueira, um desenvolvimento esperado de tais crimes, relacionado à plena realização de seu propósito. Justamente por isso, o favorecimento real e a receptação praticados pelo mesmo autor do crime antecedente não são puníveis. A Convenção de Varsóvia admite a NÃO PUNIBILIDADE DA AUTOLAVAGEM, expressamente reconhecida pela lei italiana. Contudo, a doutrina brasileira entende que a autolavagem, por sua suposta ofensividade à ordem econômica (e à administração da justiça) deve ser punida porque possui um desvalor autônomo, em relação ao delito antecedente, não podendo ser tomada como mero exaurimento dele. Além disso, para Pierpaolo Bottini, os procedimento de lavagem, por sua complexidade, não poderiam ver na autolavagem um desenvolvimento corriqueiro e esperado do delito antecedente, e sim uma forma especialmente grave de ofensa à administração da justiça.
Críticas aos argumentos da punibilidade da autolavagem:
Ofensividade da lavagem de dinheiro para a ordem econômica:
Complexidade dos procedimentos característicos da lavagem:
Relações de alternatividade (critério para solução do concurso aparente de normas)
Ocorre em duas hipóteses:
1ª: quando duas ou mais normas incriminadoras simultaneamente válidas que tenham pressupostos fáticos idênticos, mas que lhe cominem penas distintas. alternatividade por identidade
2ª: entre duas ou mais normas parcialmente coincidentes quanto a seus pressupostos de incidência, mas que incriminem essencialmente o mesmo tipo de injusto, apenas o descrevendo sob aspectos distintos, guardando assim, cada uma em relação a outra, um elemento peculiar exclusivo, como se fossem reciprocamente especiais. alternatividade por coincidência parcial
A alternatividade por identidade (quando as duas normas são idênticas) só pode ocorrer se ambas tiverem sido sancionadas simultaneamente, pois, do contrário, haveria a revogaçãotácita de uma pela outra. Ex. Lei 9.983/2000 que incluiu os arts. 297, § 4º e 337-A, inc. I, no CP.
A hipótese de alternatividade por coincidência parcial ocorre entre diversas formas especiais, qualificadas, privilegiadas ou sui generis de um mesmo tipo básico, quando duas ou mais delas convergirem segundo as circunstâncias envolvidas em seu cometimento. Ex. normas especiais qualificadores do favorecimento à prostituição (art. 228, §§ 1º e 2º, do CP). A alternatividade, mais do que uma regra de solução do concurso aparente de normas, expressa uma situação de superposição de preceitos, em que nenhum está melhor situado do que o outro quando à captação exaustiva do desvalor do fato. Assim, a regra não resolve, por si só, o problema da norma aparente.
A razão para prevalência de uma das normas só pode ser colhida a partir da análise dos preceitos secundários das normas, isto é, das penas cominadas. Binding: havendo alternatividade entre normas, deve prevalecer a mais rigorosa. Sendo idênticas, é indiferente a escolha de qual das normas será aplicada. Entre duas normas qualificadoras, portanto, deve prevalecer a de penas mais graves, porque assegura a máxima finalidade da norma, de PUNIR MAIS em razão de determinadas circunstâncias. Mas, no caso da existência duas normas alternativas de crimes privilegiados, a finalidade de ambas normas é de PUNIR MENOS, e a máxima finalidade será alcançada com a prevalência da norma com o maior privilégio, com a maior benesse, segundo o tipo básico. Havendo alternatividade entre um privilégio e uma qualificadora, deve prevalecer o privilégio, sob pena de violar o direito do acusado de receber tratamento mais benigno, assegurado pela norma concessiva do privilégio. Súmula 511 do STJ: “É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.”.

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