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Revista da EDUCAÇÃO FÍSICA/UEM 7(1):53-61,1996. PERCEPÇÃO VISUAL E ATENÇÃO NA AQUISIÇÃO DE HABILIDADES MOTORAS César Oliva Aravena* RESUMO. Este estudo apresenta uma análise qualitativa que relaciona a percepção visual e a atenção no processo de aquisição de habilidades motoras. Os estudos e pesquisas levantados permitem concluir que o sistema visual está em etapas avançadas, já ao nascer, e que a visão normal se alcança aos 5 anos e continua a melhorar. Em relação à atenção, é um processo extremamente flexível, subordinada a uma estratégia cognitiva e sua relação com a visão é só funcional. A compreensão da capacidade da atenção seletiva torna-se necessária para o professor ou treinador, pois isto o auxiliará em decisões sobre como ensinar, que aspectos de seu ensino deverá destacar ou inibir, no processo de aprendizagem, e que estratégias de ensino deverá utilizar. Palavras-chave: aprendizagem motora, percepção visual, habilidades perceptivo-motoras. VISUAL PERCEPTION AND ATTENTION IN ACQUISITION OF MOTOR ABILITIES ABSTRACT. This article present a qualitative analysis, relating visual perception to attetion in the acquisitoion of motor abilities process. Research shows that the visual system is already in an advanced stage, rigth from the moment the baby is born, and that normal eye sight is attained at the age of 5 and continues to improve. On the other hand, attention is an flexible process, subordinated to a cognitive strategy and its relation to eye sight is only functional. The understanfing of the capacity of selective attention is necessary to the teacher or coach for it will help him/her to take decisions on how to teach, which aspects of his/her teaching should be emphasized or inhibited, in the learning process, and wich teaching strategies he/she should use. Key words: motor abilitie, visual perception, motor perception abilities. INTRODUÇÃO Na atualidade, o estudo da percepção humana tem sido preocupação de muitos estudiosos, no sentido de descrever o comportamento perceptivo em diferentes situações. Nos estudos do comportamento perceptivo, o de tipo visual tem sido abordado com maior ênfase. De acordo com Gavriysky (1969), o homem normal experimenta, aproximadamente, 85% de sua informação, em forma visual. Neste sentido, a visão nos dá uma informação sobre o meio −interno e externo−, com plena exclusividade, por exemplo, a percepção de luminosidade da cor, do espaço, da distância, da profundidade, do tamanho, da forma e de movimento. Dos estímulos e sinais que chegam ao ser humano e que são processados, os de tipo visual são, sem dúvida, importantes (Alves, 1989; Harrow, 1983; Magill, 1984; Meinel e Schnabel, 1984; Simões e Tiedemann, 1985) já que nos ajudam a determinar qual ou quais respostas se adaptam melhor ao input. * Universidade de Playa Ancha de Ciencias de la Educación. Profesor de la Faculdad de Educación Física, Depto. Tecnologia, Deportes y Recreación. Doutorando na Faculdade de Educação Física. Depto. Educação Motora. Universidade Estadual de Campinas. 54 Aravena O estudo da percepção visual humana tem sido campo fértil de pesquisa, além da Psicologia Experimental, de várias outras disciplinas científicas como, a Ergonomia, a Oftalmologia, a Educação Física, a Educação etc. Mas, na Educação Física, especificamente na área dos desportes, a aprendizagem motora, e especialmente no desenvolvimento motor, tem sido centro de interesse de muitos pesquisadores que têm dirigido a sua atenção ao papel que desempenha o sistema visual na aquisição de habilidades motoras. Assim, os desportos que utilizam bola, sejam individuais ou coletivos, fazem parte de uma área de estudo relativamente fecunda ao gerar uma variedade de movimentos na qual os pesquisadores têm centrado a sua atenção. Esses desportos caracterizam-se pela rapidez dos movimentos da bola, deslocamentos contínuos, um número significativo de informações (fatores endógenos e exógenos), que devem ser processados pelos jogadores, obrigando-os a uma precisão na resposta motora. Apesar das combinações de estresses temporais, mentais e físicos (Davids, 1988), estes jogadores devem estar permanentemente receptivos às diversas fontes de informação visual. No domínio motor e, especificamente, na maioria dos desportos que se caracterizam como habilidades motoras abertas e muitas das habilidades do dia-a-dia, surge a alta variabilidade, o indivíduo depende de seu sistema visual, o qual lhe fornece muitos dos sinais necessários, para a sua adaptação e execução da resposta motora mais eficiente. O próprio Magill (1984) coloca que, pelo menos, um mínimo de estado de alerta é necessário em uma tarefa externamente compassada, ou de tipo aberto, na qual os estímulos ambientais ou pistas estão constantemente mudando. Essas situações exigem o estado de alerta do executante. Mas não só nos desportos com bola o sistema visual desempenha um papel importante. De acordo com Carrasco (1982), na ginástica, a visão nos permite situar, desencadear, regularizar e, eventualmente, modificar uma ação. Ela é associada às diferentes sensações cinestésicas e labirínticas. Em todas as situações descritas, anteriormente, o aspecto essencial do processo de produzir uma resposta motora eficiente, deve estar baseado em uma atenção específica ou dividida. O processo de selecionar alguns estímulos do meio, enquanto se ignoram outros é chamado de atenção seletiva OBJETIVOS - analisar qualitativamente a influência do processo perceptivo visual e da atenção na aquisição de habilidades motoras; - identificar os elementos que compõem o processo perceptivo visual; - sintetizar os conhecimentos teóricos referentes ao processo da atenção. O PROCESSO PERCEPTIVO VISUAL O Sistema Visual O organismo animal é rodeado de energia e matéria, que se encontram sob diversas formas. A luz do mundo exterior que atinge a retina do olho ativa um processo muito intrincado, que resulta na visão (Hubel, 1977). A transdução desta energia pelas células receptoras dos órgãos dos sentidos e estruturas associadas, é transmitida aos centros superiores do sistema nervoso, sob a forma de energia eletroquímica. Para haver transdução, é preciso que o estímulo tenha determinada intensidade, chamada, em psicofísica, limiar absoluto. Uma vez ultrapassado o limiar, iniciar-se-á uma descarga de impulso tipo “tudo ou nada”, que será conduzida ao longo da fibra nervosa sensorial para o sistema nervoso central (SNC). Finalmente, as terminações neurais eferentes do sistema receptor permitem ao SNC influenciar ou selecionar a atividade das estruturas acessórias, dos receptores e dos neurônios sensoriais (Harlow et al., 1978). Capacidade Sensorial Visual Todo o sistema visual do ser humano está em etapas avançadas já ao nascer. Pela oitava semana de vida intra-uterina (VIU) o embrião, agora com cerca de cinco centímetros de comprimento, já possui olhos e, ao final de 24 semanas de VIU, os olhos estão completamente formados (Bee, 1977). Sob o ponto de vista embriológico, os componentes do sistema visual estão entre os que se formam primeiro (Duke-Elder e Cook, 1963; Mann, 1964), seguidos de uma tendência geral que continua com o desenvolvimento céfalo-caudal. Percepção visual e atenção 55 De acordo com Bee (1977), desde o nascimento o bebê pode mover os olhos na mesma direção, tem uma resposta pupilar ao brilho já desenvolvido, e podeser capaz de ver algumas cores; pode focalizar ambos os lhos num ponto não muito próximo, nem muito distante de seu corpo; tem padrões específicos de resposta a objetos, tais como olhar mais para o contorno do que para o interior das figuras. A disposição adulta da retina e da fóvea é completa antes do nascimento (Pikunas, 1979). O mesmo autor coloca que ao primeiro mês de idade, o bebê é capaz de focalizar os olhos em objetos que se movimentam e fazer movimentos simples de arrasto, quando debruçado numa superfície firme. Com sete ou oito meses de idade, quando o objeto seguido desaparece do campo visual, o bebê permanece olhando o ponto onde ocorreu o desaparecimento. De acordo com Frosting e Horne, citados por Pikunas (1979), o período crítico do treinamento perceptual visual, para o desenvolvimento de funções cognitivas superiores, é a idade que vai de quatro a seis anos. Segundo Alves (1989), a acuidade visual varia de acordo com a idade (tabela 1), pois a criança só atinge visão 20/20 ou 1 ou 6/6, aproximadamente, na idade de 5 anos e, em seguida, continua a melhorar. Tabela 1: Relação idade-acuidade visual de Lancaster- Abraham, pelo método objetivo (Alves, 1989). Idade Visão 6 meses 20/200 1 ano 20/200 2 anos 20/100 3 anos 20/ 50 5 anos 20/ 20 O Olho: estrutura e função O olho é o órgão receptor do sistema visual, e a principal característica da estrutura do olho é o fato de ser ele construído de forma a desempenhar as funções antes como uma câmara de televisão, do que uma câmara fotográfica (Rushton em Harlow et al., 1978). Já que a imagem óptica não se fixa sobre a retina; é instantaneamente codificada num complexo de sinais nervosos que são transmitidos ao cérebro (Moses, 1980). Segundo Simões e Tiedemann (1985), nossos olhos são compostos por um conjunto de estruturas destinadas à captura e ao controle da luz que penetra em seu interior (Figura 1, p.5.). De acordo com Morgan (1973), o revestimento exterior do globo ocular é a esclerótica, onde se implantam os seis músculos intrínsecos (reto superior, reto inferior, oblíquo superior, oblíquo inferior, reto medial e reto lateral), que mexem o globo ocular. Adiante se prolonga na córnea, que por ser transparente, permite a entrada da luz. Uma camada de um tecido pigmentado, a coróide, envolve como tapete a parte interna da esclerótica com exceção da parte anterior, onde se converte no corpo ciliar. Em seguida, a luz passa através do cristalino, que é uma estrutura resistente, em forma de lente biconvexa, formada por uma cápsula elástica cheia de tecido fibroso, que ajusta o enfoque ao acomodar-se. Figura 1: Diagrama da estrutura e função do olho apresentado por Simões e Tiedemann (1985). Adiante do cristalino está localizada a íris, prolongamento muscular da coróide. A íris pode ter distintas cores, segundo os caracteres herdados; é a responsável pela cor dos olhos. A luz passa, como acontece numa câmara fotográfica, através de uma abertura circular da íris, a pupila, a qual controla a entrada da luz no olho por ato reflexo. Após atravessar o cristalino, a luz passa pelo humor vítreo, gelatina líquida e transparente, e incide na retina. Embriologicamente, a retina (Machado, 1988) forma-se a partir de uma evaginação do diencéfalo primitivo, a vesícula óptica, que logo, por um processo de introflexão, transforma-se no cálice óptico, com parede dupla. A parede ou camada externa do cálice óptico origina a camada pigmentar da retina. A parede ou camada interna do cálice óptico dá origem à camada nervosa da retina, onde se diferenciam os três neurônios (I, II e III) da via óptica. 56 Aravena Esta constitui-se de células de suporte e de neurônios; porém somente estes últimos têm importância para nós. As três capas de núcleos celulares são: 1) a capa nuclear externa que contém os corpos celulares dos fotorreceptores; 2) a capa nuclear interna, que contém os corpos celulares dos neurônios horizontais, bipolares, amácrinas e das células gliais de Müller, e 3) a capa de células ganglionares, que contem os corpos celulares das células ganglionares e os de algumas células astrogliais (Figura 2). Figura 2: Esquema das estruturas da retina do primate revelado pelo método de Golgi. (Segundo Polyak, S.: The retina. Chicago, 1941. University of Chicago Press. In: R. Moses,1980). O primeiro grupo é constituído pelos neurônios receptores primários, as células sensitivas altamente especializadas, os “cones” (6 milhões) e os “bastonetes” (120 milhões), que contêm as substâncias químicas (rodopsina) sensíveis à luz. Uma área diminuta, situada no centro da retina, chamada “mácula” e ocupando área total de menos de 1mm², é especialmente capacitada para a visão detalhada e precisa. A região central da mácula, com apenas 0,4mm de diâmetro, é conhecida como “fóvea” (Guyton, 1989). Um exame microscópico da retina mostra que os bastonetes se localizam na periferia da retina e são excelentes detetores de luz graças à rodopsina. Os bastonetes são responsáveis pela visão na penumbra (visão escotópica), onde a detecção de pequenas modificações no nível de iluminação se torna importante. Se quisermos saber a cor ou detalhes de um objeto, que surge na periferia de nosso campo visual, temos que movimentar os olhos de tal maneira que sua imagem seja focalizada, com precisão, sobre a região central dos cones da fóvea. A fóvea é a região de maior acuidade visual da retina, dotada exclusivamente de cones, responsáveis pela visão fotópica. Existem três tipos de cones que diferem quanto ao tipo de substância fotossensível neles contida. Um tipo de cone capta principalmente a luz de comprimento de onda curta, proporcionando-nos a sensação do azul (cianolábio). O segundo tipo de cone reage, sobretudo, a comprimento de onda intermediário, dando-nos a sensação do verde (clorolábio). Finalmente, o terceiro tipo de cone responde, principalmente, aos comprimentos longos de ondas, proporcionando-nos a sensação do vermelho (eritrolábio). Fazendo sinapse com os neurônios sensíveis, temos as células bipolares da segunda camada, que, por sua vez, enviam os impulsos para os neurônios do terceiro grupo, as células ganglionares. Os axônios das células ganglionares se estendem sobre a superfície interna da retina e se reúnem num ponto, o ponto cego, medialmente ao centro da retina, de onde deixam o globo e prosseguem, como nervo óptico, em direção aos centros do tálamo (Morgan, 1973), onde realizam sinapse com neurônios do corpo geniculado lateral (IV) que constituem a “radiação óptica” (tracto genículo-calcarino) e terminam na área visual (área 17), situada nos lábios do sulco calcarino (Machado, 1988). Nem todas as fibras da radiação óptica atingem o córtex pelo mesmo trajeto. As fibras dorsais segem um curso quase retilíneo para trás, em direção ao lobo occipital. Já as fibras ventrais dirigem-se inicialmente para diante, em direção ao pólo temporal, encurvam-se, a seguir, e voltam em direção ao lobo occipital, onde terminam. A ATENÇÃO Qualquer tentativa de compreender o comportamento e a aprendizagem deve incluir um estúdio sobre a atenção. Não conseguimos prestar atenção em todas as coisas ao mesmo tempo, e aquelas que percebemos definem o alcance do nosso comportamento em dado momento. De acordo com Magill (1984), nós utilizamos diferentes conceitospara definir este processo, por exemplo; usamos ou ouvimos freqüentemente Percepção visual e atenção 57 “obter e manter a atenção”, já na literatura psicológica, os termos “preparação para o sinal e vigilância” são igualmente usados. Quando considerados em conjunto, estas expressões estão relacionadas com o “Estado de Alerta” de um executante. A atenção não pode ser definida, simplesmente, como a capacidade de responder a um estímulo ou percebê-lo, já que podemos prestar atenção a mais de um estímulo, mas impossível a um grande número ao mesmo tempo, pois existe um limite na quantidade de informação, que pode ser processada ao mesmo tempo pela nossa memória, o que corresponde ao limite do canal de transmissão de informação. A atenção que se encontra muito ligada à memória sensorial de curta duração segundo Sperling em Erlich (1979) estudou as modalidades dos registros sensoriais, que interviam desde o aparecimento de um estímulo (visual, auditivo ou tátil), verificando que o traço sensorial da estimulação sofria um declínio muito rápido no sistema de memória sensorial, de aproximadamente 0,5 segundos. A informação registrada na memória sensorial é selecionada e transferida para a memória de curta duração, isto devido à atenção, motivação e expectativa do indivíduo em relação à tarefa. Estudos realizados por Kessen, mencionados por Bee (1977), demonstrou que desde os primeiros dias de vida, há considerável previsibilidade no que o bebê irá atentar ou explorar visualmente. Sua atenção é, de certo modo, “capturada” pelos cantos e bordas das figuras. Outra pesquisa enfatiza a importância do movimento, para atrair e manter a atenção de bebês muito pequenos. A qualidade da visão do bebê durante o primeiro ou segundo mês também é diferente do bebê mais velho. O autora supramencionada informa que durante os primeiros 4 meses de vida, duas mudanças principais podem ser vistas nos padrões de atenção do bebê. Há um decréscimo na fixação de seu olhar e ele move seus olhos de uma gravura para outra, de forma que cada uma é vista com mais freqüência, mas por períodos mais breves a cada vez. Ao mesmo tempo, há uma gradual substituição do contorno e movimento que, até então, eram as únicas qualidades interessantes do estímulo. Por volta dos 2 ou 3 meses de idade, um outro fator do estímulo parece salientar-se, isto é, seu grau de novidade ou complexidade. Contudo, não são os objetos ou gravuras mais novas que a criança olhará; mas sim aqueles objetos que são moderadamente novos. Kagan denomina essa preferência de princípio da discrepância. Um bebê olhará, ouvirá ou tocará as coisas que são moderadamente diferentes (moderadamente discrepantes) de coisas que ele já tenha experimentado. Apesar de existir alguma concordância entre os pesquisadores e teóricos quanto aos fatores que influenciam a atenção e exploração no bebê pequeno, tal concordância decresce, à medida que a idade da criança aumenta, Kagan sugere que um terceiro ponto de mudança nas regras, que governam a atenção, ocorre por volta da idade de um ano, quando algo que ele denomina hipótese entre em ação. O bebê mas novinho pode, em certo sentido, reconhecer que uma figura é diferente da que ele conhecia antes, mas somente a criança mais velha, de acordo com Kagan, tem alguma habilidade para interpretar esta diferença. Tal interpretação se dá em forma de uma hipótese. É como se a criança gerasse idéias sobre o porquê e como uma coisa é diferente. O autor sugere que objetos, figuras e ventos, que provocam muitas hipóteses, devem atrair maior atenção da criança. Gibson mencionado por Bee (1977) propõe, como uma visão alternativa do desenvolvimento da atenção, que o processo de otimização da atenção possui quatro dimensões: 1. Da apreensão à atividade: as crianças, têm sua atenção capturada pelas coisas; gradualmente a atenção se torna mais voluntária. 2. Da busca não sistemática à busca sistemática: desde as primeiras horas de vida, há um sistema para a busca visual por parte da criança, mas o bebê muito pequeno, e mesmo a criança de 2 ou 3 anos, não examina sistematicamente uma figura inteira; ao invés disso, tende mais a focalizar uma parte específica. Por causa das estratégias exploratórias ineficientes, as crianças pequenas são menos eficientes para escolher a mesma coisa posteriormente. 3. Da escolha ampla à escolha seletiva de informação: com o aumento da idade, as crianças tornam-se cada vez mais capazes de focalizar um único aspecto de uma situação complexa. 4. Ignorar as informações irrelevantes: focalizar a atenção em uma fonte de informação não é a 58 Aravena mesma coisa que desprezar tudo o mais; é possível tanto focalizar a atenção, quanto apreender um grande número de informações adicionais. Mas, em situações complexas, a habilidade de desprezar completamente as informações indesejáveis pode tornar-se importante a esta habilidade que se desenvolve gradualmente com a idade. As crianças de 12 anos de idade são mais hábeis do que as de 5 anos e as crianças muito pequenas possuem pouca habilidade de ignorar o que é irrelevante. A Vigilância (manter a atenção) De acordo com Magill (1984), Simões e Tiedemann (1985), chamamos de vigilância ao estado de atenção mantida. Experimentalmente, costuma-se estudar a vigilância, dando ao sujeito a tarefa de detectar um sinal que ocorre de tempo em tempo. Os experimentos clássicos sobre a vigilância foram feitos durante e após a Segunda Guerra Mundial constatou-se que o pessoal militar incumbido de operar radar vivia uma situação de tensão pois sua atenção era mantida por um período extenso de tempo. Neste sentido, Simões e Tiedemann (1985) relatam o experimento do teste do relógio de Mackworth, onde o sujeito observa o movimento do ponteiro de um relógio que avança aos saltos. Os saltos são iguais, mas, de tempo em tempo, ocorre um salto duplo ao qual o sujeito deve responder apertando uma tecla. Este estímulo é óbvio, de modo que qualquer falha de reconhecimento é uma questão de atenção e não de detecção. Teorias da perda de Vigilância ou Atenção Broadbent (1958), mencionado por Magill (1984), reviu algumas teorias que ele chamou de “teorias do crescimento da vigilância”. Algumas delas parecem apropriadas à nossa discussão. A primeira teoria diz que a relação, com a perda da atenção, ocorre porque o “ambiente é monótono”; a segunda, propõe que o desempenho pobre ocorrerá, quando a atenção tem que ser mantida num ambiente em que o “sinal é pouco freqüente”, porque o nível de ativação ou estímulo do indivíduo se deteriorou com o tempo de inatividade. Uma terceira teoria relaciona-se com a noção de que a informação que atinge os sentidos é de alguma maneira “filtrada”, por isso, uma parte dos dados atinge o sistema perceptual onde nós podemos reconhecer o que é a informação. Atenção Seletiva É difícil prestar atenção a um grande número de estímulos, simultaneamente. Apesar disso, podemos, na maioria das vezes, escolher prontamente a que nós queremos prestar atenção. A isto chama-se “atenção seletiva”. Segundo Magill (1984), a “atenção seletiva" trata da maneira como selecionamos um sinal ou mensagem do ambiente e ignoramos outros. Assim, faz-se necessário o conhecimento das teoriasque tentam explicar como ocorre a atenção seletiva em determinada situação, porque esta não depende apenas do aluno estar alerta, motivado ou ter conhecimento dos objetivos gerais da tarefa, mas implica que, ao saber o que vai acontecer, ser capaz de prestar atenção seletivamente à informação relevante que chega, e assim facilitar sua habilidade de processamento de informação. Parece que a atenção seletiva tem um relacionamento muito grande com as seqüências do desenvolvimento perceptivo, já que o processo de maturação do ser humano determina uma das características do comportamento perceptivo, que é a mudança na maneira pela qual nós percebemos o mundo. Isto significa que na integração intersensorial a criança se torna capaz de integrar simultaneamente informações provenientes de diferentes sistemas sensoriais e, na mudança perceptiva que representa um aperfeiçoamento na discriminação intrasensorial, onde cada sistema sensorial desenvolve uma capacidade mais precisa para detectar, reconhecer e identificar estímulos. Em síntese, esse aumento da capacidade perceptiva facilita às crianças um maior controle sobre seu comportamento motor e cognitivo. VISÃO E ATENÇÃO NA AQUISIÇÃO DE HABILIDADES MOTORAS No domínio motor e especificamente na maioria dos esportes coletivos, surge a alta variabilidade de condições pela constante mudança dos parceiros e adversários, onde as regras de jogo, geralmente, também permitem uma perturbação direta pelo adversário; assim, o jogador depende de seu sistema visual, o qual lhe fornece muitos dos sinais necessários para a sua Percepção visual e atenção 59 adaptação e execução da resposta motora mais eficiente. De acordo com Bagnara (1983), estudando a atenção e o processo mental no esporte, concluiu que o ver é uma operação muito complexa e não vemos só por ver, mas para tomar decisão sobre o que vemos. O problema de movimento ocular e a atenção no esporte foram estudados pelo autor supramencionado, o qual concluiu que a atenção se move sobre o campo visual, antecipando-se à vista. O sistema de movimento da atenção é aquele que regula o movimento ocular e ambos podem, muitas vezes, funcionar unidos; freqüentemente, a atenção alinha-se com o olhar, mas, igualmente, pode preceder a vista, o vínculo é só funcional. Castiello e Umiltà (1988) citando o estudo de Wundt (1912), afirmam que um observador pode deslocar a sua atenção independentemente do movimento ocular, isto quer dizer que é possível separar o ponto de fixação daquele de focalização da atenção. Os pesquisadores Castiello e Umiltà (1988) descrevem o fornecimento de dois paradigmas emprestados da psicologia experimental à jogadora de tênis profissional para melhor esclarecer como a atenção se orienta no espaço em ausência do movimento ocular e como a dimensão do foco de atenção perece modificar-se. Demonstrou-se que a tenista uma vez orientada a atenção pode cumprir, e se lhe dá o tempo, com uma segunda operação, quer dizer, redimensionar o foco. Davids (1988) afirmou que a automaticidade da organização da resposta na tarefa central pode liberar a atenção visual, para o uso imediato na periferia, permitindo uma ação de movimento. A menor exigência do processamento de informações da tarefa central, através de uma extensa prática, pode, portanto, dar como resultado a intensificação da qualidade da informação da visão periférica (VP) para o receptor. Estudos feitos por Oliva (1990), Oliva et al. (1994) em basquetebolistas de alto rendimento e, num estudo sobre as implicações do estresse físico, no processamento de informações visuais periféricas em esportistas e não esportistas, contatou-se que os basquetebolistas de alto rendimento não apresentam erros de detecção, o que significa que possuem uma habilidade de orientar e redimensionar o foco de atenção sem movimento ocular nem de cabeça. No segundo estudo, os autores chegam à conclusão que o treinamento formal e sistemático, que caracteriza os esportistas de alto rendimento, faz que o campo visual funcional seja maior em ambas as categorias perceptivas, detecção e reconhecimento, o que significa que possuem a habilidade de orientar e redimensionar o foco de atenção, mantendo uma carga foveal e sem movimento ocular nem o de cabeça, em relação aos não esportistas. Isso confirma que a atenção é um processo extremamente flexível, subordinada a uma estratégia de utilização que depende da tarefa e da condição do indivíduo. A esse respeito, os trabalhos de Eriksen e Yeh (1985) e La Berge (1983) concluem que a extensão do foco de atenção seria variável de acordo com a tarefa exigida ao indivíduo. Visão, Atenção e Níveis de Aprendizagem Motora Durante a aquisição de uma habilidade motora, à medida que o executante pratica em forma continuada e progressivamente, sob condições adequadas, certas modificações ocorrem nos processos perceptivos e, especificamente, no visual e da atenção. Assim, por exemplo, um iniciante num jogo de bola que está sendo marcado por um adversário, perceberá que toda sua atenção visual está dirigida para os mecanismos básicos das habilidades fundamentais envolvidas. As classificações de níveis de aprendizagem mais conhecidas como as de Fitts e Posner (1967), Grosser e Neumaier (1986) e Mainel e Schnabel (1984) o processo de aprendizagem motora ocorre em três estágios, para Fitts e Posner; cognitivo, associativo e autônomo; para Grosser e Neumaier; principiantes, avançados e dominantes, para Mainel e Schnabel; coordenação grossa, coordenação fina, coordenação fina estabilizada. Mas as três classificações concordam que no primeiro estágio, a atenção do executante está centrada nas informações que devem ser seletivamente atendidas para a elaboração do plano motor. Já no estágio associativo, a variação de desempenho começa a decrescer. No terceiro estágio, o indivíduo não tem que dar atenção à produção completa da habilidade, isto se confirma com o estudo de Ells (1973), mencionado por Magill (1984), no qual o processamento ou atenção é necessária no início e no fim de um movimento simples, mas não durante o próprio movimento. 60 Aravena CONCLUSÃO O estudo da Percepção Visual e a Atenção na Aquisição de Habilidades Perceptivo Motora nos fornece subsídios teóricos fundamentais para compreendermos o comportamento motor humano, pois nos permite, através desta associação um melhor entendimento dos processos da visão e a atenção no ensino-aprendizagem de uma tarefa ou habilidade motora. Em relação ao sistema visual, encontra-se em etapas avançadas já ao nascer e a visão normal alcança-se aos 5 anos e continua a melhorar. O olho desempenha a função antes como uma câmara de televisão, do que uma câmara fotográfica, já que a imagem óptica não se fixa sobre a retina. As células nervosas responsáveis pela recepção da luz são os cones (visão fotópica e tricromática) e os bastonetes (visão escotópica e monocromática). As capacidades sensorial e perceptivo visual são um processo complexo, que envolve aspectos eletromagnéticos, eletroquímicos, neuroftalmológicos e neurofisiológicos. Enquanto a atenção é reconhecida como um processo cognitivo. A Atenção é um processo extremamente flexível, subordinada a uma estratégia cognitiva e sua relação com a visão é só funcional. Pode-se inferir que a manutençãoda atenção é vital, para o bom desempenho tanto para os esportes, quanto para o ensino efetivo de qualquer habilidade motora. Porém, deve-se evitar a perda da vigilância ou atenção do aluno, usando de forma apropriada as teorias do crescimento da vigilância. Resultados de pesquisas indicam que, para movimentos simples e elementares, é necessária a atenção ou capacidade de processamento só no início e no término do movimento. Alguns dos aspectos importantes ou implicações que devem ser considerados pelo professor de Educação Física e profissional que trabalha com o movimento, em relação aos processos visuais e de atenção, são: - assegurar que todos os alunos fiquem dentro de seu campo visual funcional e vice-versa, seja nas explicações, instruções, demonstrações etc; - instruir o aluno a dar atenção aos estímulos mais relevantes e ignorar muitos sinais irrelevantes que se vão apresentar na maioria das situações das habilidades motoras, sobretudo em habilidades motoras abertas; - criar ambientes (controle ambiental), que permitam ao aluno manter a atenção; - dependendo do nível do estágio em que se encontra o aluno em relação à habilidade, que está sendo aprendida, o professor deve intensificar ou diminuir o uso da visão central ou visão periférica, neste último o processo de atenção é fundamental; - a compreensão da capacidade da atenção seletiva torna-se necessária, pois isto lhe auxiliará em decisões sobre como ensinar, que aspectos de seu ensino deverá destacar ou inibir no processo de aprendizagem e que estratégias de ensino deverá utilizar. 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