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PSICOSSOMÁTICA UM ESTUDO HISTÓRICO E EPISTEMOLÓGICO Para Alexander, o termo psicossomático “deve ser usado apenas para indicar um método de abordagem, tanto em pesquisa quanto em terapia, ou seja, o uso simultâneo e coordenado de métodos e conceitos somáticos – de um lado e métodos e conceitos psicológicos por outro lado. O termo psicossomático pode reportar-se ao quesito da origem psicológica de determinadas doenças orgânicas, quanto “às repercussões afetivas do estado de doença física no indivíduo, como até confundir-se com simulação e hipocondria, onde toma um sentido negativo”. A medicina psicossomática é um estudo das relações mente corpo com ênfase na explicação da patologia somática. A medicina psicossomática é uma maneira de introduzir variáveis psicológicas num domínio que se define como orgânico, adicionando variáveis psíquicas às variáveis orgânicas. A psicossomática é um modelo teórico e uma metodologia específica. Sami- Ali inspira-se na psicanálise somente como ponto de partida, afastando-se dos modelos freudianos. Halliday propõe que a úlcera péptica, a artrite reumatóide, a hipertensão, o hipertireodismo essencial e outras estariam inclusos nas doenças psicossomáticas. Alexander diz que, cada doença é psicossomática, uma vez que fatores emocionais influenciam todos os processos do corpo, através das vias nervosas humorais e que os fenômenos somáticos e psicológicos ocorrem no mesmo organismo e são apenas dois aspectos do mesmo processo. Evolução Histórica do Conceito J.C. Heinroth, psiquiatra alemão, utiliza pela primeira vez, em 1818, o termo psicossomática. A medicina, conhecedora “das descobertas e da teorização da psicanálise, das investigações no campo da reflexiologia por Pavlov (1976), da neurofisiologia por Cannon (1911) e da conceitualização da noção de estresse por Selye (1956), A história da psicossomática poderia ser dividida em duas grande correntes: As correntes inspiradas “nas teorias psicanalíticas e com base no conceito de doença psicossomática”; A inspiração biológica alicerçada no conceito de estresse. Precursores Contribuições da Psicanálise Freud em seus estudos sobre a histeria “aborda a componente somática dos sintomas de um ponto de vista econômico e conceptualiza o fenômeno de conexão, a que atribui o sentido de expressão simbólica do conflito. Freud diz sobre a Complacência Somática para se referir à “escolha da neurose histérica e a escolha do órgão ou do aparelho corporal sobre o qual se dá a conversão”. Onde o corpo ou um órgão específico facilitaria a expressão simbólica do conflito inconsciente. É esta complacência somática que “proporciona aos processos psíquicos inconscientes uma saída no corporal”. Nas psiconeuroses os sintomas provêm do recalcado num processo de insucesso do recalcamente e de retorno do recalcado. Ou seja, o conflito intrapsíquico e as tentativas para sua elaboração tomariam o lugar central, com existência de fantasma e neurose de transfert. Enquanto que nas neuroses atuais (neurastenia, neurose de angustia e hipocondria) não há mediação psíquica e a patologia reflete, diretamente, uma economia sexual perturbada, conseqüência de um excesso ou insuficiência de descarga, seria a realidade a tomar maior importância, ficando o conflito fora do acesso do sujeito. A psicossomática permanece estreitamente ligada à psicopatologia e mais especialmente à noção de psiconeurose. Escola Psicossomática Americana Alexander e Dunbar da Escola de Chicago consideravam que os transtornos psicossomáticos seriam conseqüências de estados de tensão crônica, relativa à expressão inadequada de determinadas vivências, que seriam derivadas para o corpo. Defendem ainda a questão da especificidade da doença psicossomática numa visão psicogenética. As diferentes doenças psicossomáticas correspondem diferentes fatores psicológicos, que para Dunbar seriam os tipos de personalidade e para Alexander os conflitos ou situações de vida significantes. Para Alexander, o sintoma conversivo é uma expressão simbólica de um conteúdo psicológico emocionalmente definido, cuja finalidade é expressar e aliviar tensões emocionais, através dos sistemas neuromuscular voluntário ou perceptivo. Alexander cria a noção de Neurose Orgânica que abrange todos os Distúrbios Funcionais dos órgãos vegetativos, causados por impulsos nervosos, originados por processos emocionais que ocorrem em algum lugar nas áreas cortical e subcortical do cérebro. A tensão emocional proveniente de conflitos vivenciados ou afetos específicos reprimidos estimulariam a função de órgãos específicos. Do ponto de vista psicodinâmico, Alexander, divide os distúrbios emocionais das funções vegetativas em duas categorias: 1. Refere-se às atitudes emocionais de preparação para luta ou fuga- estão sob o comando do SN simpático, são respostas ativas. Incluem doenças como a hipertensão arterial, a diabetes, a epilepsia; 2. Retirada da atividade dirigida para o exterior – sob o SN parassimpático, respostas passivas. Incluem doenças como a asma, colites, úlcera duodenal; Há uma predisposição para determinadas doenças conforme o tipo de personalidade e desenvolve a noção de perfil de personalidade, enquanto fator pré- mórbido determinante no aparecimento de certas doenças psicossomáticas. Dunbar descreve determinadas correlações estatísticas entre a doença e o tipo de personalidade. Conclui que determinados tipos de personalidades tenderiam a assumir ou não ocupações de responsabilidade. Pacientes com doenças coronárias incluem determinados indivíduos que apresentam uma acentuada urgência de tempo associada a um intensa hostilidade, grande fluência verbal, atividade psicomotora intensa, ambição e competição, suscetíveis às doenças coronárias. A este tipo de conduta que predispõe o indivíduo a doenças coronárias, estes autores denominaram de Padrão de Conduta tipo Q ou personalidade tipo A. Escola Psicossomática de Paris Ao utilizarem da escuta analítica se surpreenderam, pois os sujeitos “não estavam falando de nada”. No entanto, este nada “possibilitou aos investigadores franceses a formulação de uma gigantesca negatividade simbólica, aonde o pensamento operatório, a precariedade onírica e a ausência de fantasia se impunham como esfinges aos decifradores do enigma psicossomático. Esta forma peculiar de organização mental apresenta as seguintes características: Dificuldade de fantasiar livremente; Pobreza de associações subjetivas; Dificuldades de estabelecer uma transferência; Pobreza de investimentos libidinais; Ausência de reações afetivas diante de perdas e outros acontecimentos traumáticos. A este grupo de características nomearam de “relação branca”, “vida operatória”. Marty e Muzan (1983) perceberam que os pacientes tinham uma forma peculiar de pensar e de lidar com suas emoções. Denominaram essa forma de pensar de Pensamento Operatório, que é a forma de pensar e de lidar com emoções de pacientes psicossomáticos. Esta forma peculiar de pensamento seria para eles um pensamento consciente que se organiza por causa da “Falha do Pré-Consciente”, acarretando assim impossibilidade de comunicação entre o consciente e o inconsciente. Os pacientes teriam pensamentos com pobreza fantasmática e uma precária vida onírica. Portanto, a capacidade simbólica e o valor de sublimação seriam quase inexistentes. Essa estrutura de pensamento apresenta 2 características fundamentais: 1. Refere-se a um pensamento consciente que se manifesta sem vínculo algum com o orgânico e sem atividade fantasmática de considerável valor; 2. Refere-se ao fato do pensamento reproduzir simplesmente uma ação, nãohá significando para o ato, mas apenas a palavra ilustrando a ação. A palavra seria apenas para descarregar uma tensão; ela é vazia. Escola de Boston e Conceito de Alexitimia Os pacientes apresentam dificuldade de expressar ou descrever suas emoções através da palavra, assim como um acentuada diminuição dos pensamentos fantasmáticos. Posteriormente, após repetidas observações, estes autores concluíram que os pacientes com doenças psicossomáticas clássicas, ao contrário dos pacientes psiconeuróticos, apresentavam frequentemente uma desordem específica nas suas funções afetivas e simbólicas, acarretando uma forma de se comunicar confusa e improdutiva. A esta maneira peculiar de se comunicar desses pacientes, Sifneos (1972) denominou de alexitimia, significando falta de palavras para as emoções. Nemiah acreditava na hipótese de quer haja múltiplos fatores exercendo influência no desenvolvimento deste fenômeno tão complexo. Taylor (1988) ressalta que a maneira de se comunicar é influenciada, não somente por fatores genéticos, neuropsicológicos e intra-psíquicos, mas também por fatores sócio-culturais, pelo nível intelectual e pelos modelos dos discursos familiares. McDougall (1974) no fenômeno alexitímico o corpo segrega seus próprios pensamentos. Sendo este corpo sentido como se pertencesse a alguém (mãe) ou a alguma coisa (mundo externo). Para essa autora, esse fenômeno acontece em decorrência de perturbações da relação mãe-filho. Essas perturbações correspondem à fase do desenvolvimento simbiótico, onde as representações de si e as representações do objeto não são nitidamente diferenciadas e também os símbolos não são utilizadas de forma concreta. Krystal (1973) conclui que a alexitimia é mais que uma defesa, é uma parada do desenvolvimento afetivo decorrente de um traumatismo infantil, ou uma regressão. Outra característica é a dificuldade desses sujeitos em reconhecer e descrever seus próprios sentimentos, assim como, em diferenciar as sensações corporais dos estados emocionais. A Explicação biológica e Neurofisiológica em Psicossomática Chrousos e Gold (1993) definem estresse “como um estado de desarmonia ou de homeostase ameaçada”. Assim, é um estado estático, sem alteração, não era condição natural dos organismos vivos, mas sim a capacidade, de se submeterem a alterações constantes. Hipócrates sugere ainda que as forças que provocam a desarmonia – a doença – têm sua origem nas “fontes naturais e não de fontes sobrenaturais e que as forças de contra equilíbrio ou adaptativas eram também de origem natural.” Cannon (_), através de suas pesquisas com animais percebeu que, quando estes eram submetidos a estímulos desequilibradores de sua homeostase, se preparavam para “a luta e a fuga”, apresentando alterações somáticas e que estas alterações eram desencadeadas “por descargas adrenérgicas da medula da supra- renal e de noradrenalina em fibras pós-ganglionares”. Hans Selye determinou que o “stress é uma resposta inespecífica que o organismo desenvolve ao ser submetido a uma situação que exige esforço para a adaptação. Esta síndrome consiste em 3 fases: 1. a de alarme; 2. a de resistência; 3. e a de exaustão. No entanto, para que haja o estresse, não é necessário que a fase se desenvolva até o final e, se a reação ao agressor for muito intensa ou se o agente do estresse for muito potente e/ou prolongado, poderá haver, como conseqüência, doença ou maior predisposição ao desenvolvimento da doença. Holmes & Rahe(1967) desenvolveram uma Escala onde os “life events” são pontuados em função do esforço adaptativo que exigem, onde haveria limites a partir dos quais se constituiriam níveis de risco para o aparecimento de doenças, dado que o esforço de adaptação em causa teria um efeito cumulativo nos sujeitos, em relação a sua capacidade de resposta. Outras Concepções e Modelos em Psicossomática De acordo com essa concepção, não faz sentido algum separar doença orgânica e doença mental uma vez que as somatizações, nas duas, correspondem a uma somatização cerebral, designada “dependeria das vicissitudes da subversão libidinal e da construção do corpo erótico, ancorado nas funções bio-endócrinas como nas motoras e cognitivas. Na concepção de A Dias (1992) o termo psicossomática, devido a sua inespecificidade, deve ser substituído pela designação “somatopsicose”, utilizada tanto por Bion. O termo somatopsicose enuncia um contexto teórico claro, onde o adoecer psicossomático é encarado na sua relação com fenômenos psíquicos determinados. Refere-se, portanto, a uma hiperadaptação ao outro, ao meio humano, decorrente da afirmação onipresente do outro, onde o sujeito se desanima, não havendo um único espaço para a identificação projetiva, mas somente “uma particular de identificação adesiva em que o sujeito se condena a uma reduplicação do outro e do pensamento do outro”. Síntese e Reflexão a partir dos Diversos Modelos Freud em sua investigação psicossomática desenvolveu o conceito conversão individual. Conversão foi utilizado por Freud para explicar a “transposição de um conflito psíquico na tentativa de resolvê-lo em termos de sintomas somáticos, motores ou sensitivos. O primeiro ramo da história da psicossomática se refere à Escola Americana, representada por Frans Alexander e Dunbar, cuja via de investigação tem como ponto de partida o modelo médico, onde estes procuram correlacionar determinados tipos de personalidades com doenças orgânicas específicas. O segundo grande ramo das investigações psicossomáticas diz respeito àqueles que tentaram e em grande parte conseguiram – unificar o discurso e o modo de relação de objetos subjacentes à doença psicossomática. A Escola Psicossomática de Paris, que propõe uma nova forma de escutar o indivíduo, viabilizando uma nova leitura do sintoma e do sofrimento emocional ao atribuir um valor positivo aos fenômenos, mesmo se a natureza própria dos fenômenos assenta numa negatividade simbólica e sintomática. A Dias (1994) de posse das contribuições epistemológicas de Bion, coloca o adoecer psicossomático no contexto da relação entre pensamento, emoção e aparelho de pensar o pensamento, onde o fenômeno alexitímico deve ser visto como manifestação da separação entre o pensamento e aparelho de pensar o pensamento. Dessa forma, os resultados encontrados sugerem que o conceito de somatopsicose, parece mais adequado do que os outros conceitos anteriores, devendo portanto se fazer novas pesquisas nesse sentido.
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