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Psico e Humanismo - A atitude fenomenologico existencial0001

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';::~V·.V~l~,.
"ProfDr. F'emando de Almeida Süvtira '("," :r . ,I t r.l ..d ••.~
"
À atitude fenomenológico-existencíal em
. . . psicoterapía ..
(,;
'1, • '.
I , ~
.,
. ,
., .
Resumo
Oautor mostro que a atitude [enomenológiCO=exis/encial
em psicoterapia, mais do que um conjunto de técnicas ou
de uma "escola especial': é uma forma de encontro, cujo
preocupação é compreender a vivência do oaciente, não só
como esta se manifesta, mas também como ele a experimen-
ta, sem qualquer tentativa de "interpretação" ou teorizacão
acerca da mesma por parte do psicoteropeuta.
Unitermos: psicoterapia
.'. .~.
Em artigo publicado no número anterior deste Boletim
(vol. IV, n? 2, 1986), sob o título Da Transferência ao En-
contro em Psicoterapia, considerei algumas mudanças me-
todológicas na atitude do psicoterapeuta ao abordar, com-
preender e lidar com os problemas humanos de seus pacien-
tes, a partir do pensamento fenomenológico-existencial, no
que tange à noção de transferência. ,.
Dado ao interesse despertado pelo assunto, senti-me es-
timulado a considerar outros aspectos atinentes à atitude
do psicoterapeuta orientado por tal metodologia.
• :1\
Uma anedota ilustraliva
. Propala-se que já se é possível programar um compu-
tador, para que este substitua o psi.coterapeuta. As vanta-
gens, segundo consta, seriam óbvias, com grande econo- .
mia de tempo e dinheiro parlo paciente. Basta que este, em
. vez de ir ao consultório, leve seus problemas para o com-
putador. Em resposta, o aparelho vai fazendo ao paciente
.as colocações que lhe faria o psicoterapeuta, sem se mos-
. trar cansado ou ter qualquer forma de envolvimento con-
tratransferencial. . ~ ; .
A partir daí, surgiu uma anedota. Conta-seque um des-
ses progromas psicoterápicos foi, acidentalmente, injetado
em um computador, que tinha um terminal numa loja de
'aparelhos eletrônicos. Um vendedor, sem saber do que se
passava, quis demonstrar o desempenho do computador
para uns tantos fregueses interessados em comprá-Io. Pôs-
se, então, a "conversar" com o computador, mal sabendo
de que, assim, entrara com este em uma relação "terapeu-
ta-paciente". .
• Professor-Instrutor do Dept" dr Psiquiatria r Psicologia Médica da
FtlCUldadr dr Cilncias MédICas da &znta Casa dr &10 Paulo.
24
Vendedor. Será que posso demonstrar para estes fregue-':
ses aqui as vantagens que eles terão, adquirindo um .com- ..
. 'putador para a empresa deles? . r -
Computador: O que o leva a fazer tal pergunta? ;:""'J
Vendedor. P.orque pode ser que eles gostariam d~,t:~>.~;;;
prar um. Gostaria de tentar.
Computador. O que o torna tão inseguro diante de ~
situação? .
. . Vendedor: Não estou inseguro.' Apenas acontece que
meus fregueses nunca viram como funciona um computa':
dor. Quero fazer-Ihes uma demonstração. ;." '!I 'rl::I) '-:l/j
Computador. Isso tem algum significado emocional pa- .
Ta você? .. :í " I ; '. ,,' -: ,',-. ,: •••• ,"; • ~ I' , ."I 'lt"J .. t' ~." " ~I ,,11' ,to: Jlll i
Vendedor. É lógico que tem. Eu vivo de vendas. Está em
jogo minha sobrevivência. Tenho de defender meu pão.
Computador: Observo que você está conseguindo mos-
trar sua assertividade, protegendo seu espaço vital. d "'0;'1'
Vendedor: Ora, que resposta ridícula!
. Computador: Vocé está ass~mindo uma p<?stura.def~~~1
Slva... '.',' . ~
Vendedor: Não estou entendendo nada. Responda se há . f
alguma razão que me impeça de demonstrar o computa-v: . .: r,~i
dor para meus fregueses. . ... ':.-:,;.~:: .. ·.··-·..:~,:··':"<1:· ::. i:·
Computador: Fale algo mais sobre seus fregueses, sem,.
t "~~I. 'fi'l -.;~'.',!' :'~ ~~~tt~f1"'~ J ,o.se censurar. .'. .'.. . _ .. ' _..,:.'
. Vendedor. Você está me deixando confuso. '. ......>. ~; ,~.
Computador. Faça-se.responsáv~1 por estar transfçf?;9- ). / ~~', '~'.
do para mim as relações mal sucedidas com seu pai. ..,.... ~
Vendedor. Olhe aqui, seu insolente, eu sempre fui uma .. .
pessoa extremamente responsável. Nem meu pai precisou .
. me chamar a atenção para o que quer que fosse na vida.': .
Computador. Observo que você está entrando em uma· :.<..
competição de poder comigo. Que emoção está sentindo
agora? Quando a sentiu na infância? .
Vendedor. Estou tentando há u,m tem pão ver se consi- .
go ...
Computador: Usando a palavra "tentar" você desqua- .'
lifica sua capacidade de completar a ação, repetindo pau-
tas de sua infância, quando tentava, tentava e não chegava
a lugar algum. . --:
Vendedor. Você está pensando que eu sou algum palha-
ço? ..,
Computador. Que associações o levaram a concluir que
eu esteja pensando isso?
Vendedor. Sabe de uma coisa? Não vou vender mais na-
'"
"
I ",i
." José Cássio Símões Vieira*'
•. ;,:.i':-, .;' J." '" ~
, .
li:, ji,o 1
.' h;"
BOL. CEPP. VOL. V(1987l'
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! .
I
;
~
~
~
~
J -{'~
!~
... \
:1,~
t
de e você, se quiser, explique-se para meus fregueses, :
Co'(!putador: voca mostra uma conduta não produtiva,
por violência, procurando destruir as partes más que intro-
jetou da figura de sua mãe, ao perceber que ela lhe recusa-
va o seio, projetando em mim suas fantasias inconscientes
de abandono e rejeição. ~,.;\.rnhi~'ir\~::i;;;' 11'" :1')'., ..
"'I' '.," ~ . t· #'~!I'd" :,", ,:'i,. ·:.I~I·;~,.,.I.: .
" E, por aí, a coisa vai. Independentemente daquilo que
seja dito ao computador, dentro de um contexto especifi-
co, tudo é boa lenha para a interpretação das "fantasias"
do vendedor. ',' '. ;..!.:
Essa paródia nos permite fazer algumas reflexões.
Em psicQterapia. até que ponto estam os vendo nosso pa-
ciente da forma como ele verdadeiramente é. em sua pró-
pria realidade; como ser-no-mundo? Até que ponto não es-
tamos arremessando sobre ele nossas próprias teorias? Não
seriam as idéias inconscientes dele nossas próprias teorias
conscientes, como assinala Erwin Strauss?(6) Como pode-
rfamo~~_aber se nossas teorias, por mais bonitas e bem ela-
boradas que sejam, correspondem ao que se passa com es-
se paciente em particular, que nos procurou Dor estar xí-
vendo um momento de crise? ..!" .... ,
Nenhum c1ichê teórico, mecanicista, nos permitirá a
compreensão global da experiência vivida pelo paciente, co-
mo expressão original de sua vida interior, tál como ele a
constitui.
A validade das teorias psicológicas
Elas são válidas àmedida em que fornecem um referen-
cial, uma representação aproximativa da realidade, não po-
dendo, portanto, limitar nossas observações e vivências. Se-
não, o psicoterapeuta passará a ver seletivamente o que
ocorre no universo do outro, só para confirmar suas teo-
rias. E, o que é pior, verá coisas que não existem ou deixa-
rá de ver coisas que existem. Ás vezes, deixará de ver o pa-
ciente como existente.
De fato, para observarmos o mundo e descobrirmos suas
leis, que representam uma sucessão invariável de fenôme-
nos, valemo-nos da abstração. O pensamento só pode
apreender a realidade por meio de abstrações. Os concei-
tos se formam "abstraindo-se" dessa realidade algumas ca-
racterísticas, eliminando-se, 'portanto, outras .
.:: Quando fazemos oconceito de árvore, por exemplo, des-
prezamos os aspectos únicos e peculiares a cada árvore e
consideramos um tipo abstrato, que não se refere a nenhu-
ma árvore em particular.' r(~;"', .
: Falamos em "calor", porque seria impossível e inútil con-
siderar-se, um por um, todos os corpos que se aquecem. E
, assim por diante. '.' , . lr:,' .
. Não podemos' nos esquecer, contudo, de que abstrain-
do-se cada vez mais, vamos criando mais conceitos, mas,
ao mesmo tempo, vamos nos afastando da realidade dos
fenômenos, da forma como ocorrem. Vamos prescindin-
do de todos os caracteres individuais, particulares, que, em
relação ao homem, fazem de, cada pessoa um fenômeno
único. Portanto, em psicoterapia. essa forma de se cotejar
o que se passa com o paciente com a generalidadedos con-
ceitos precisa ser muito bem cOJTIpreendida. Na verdade,
ela oferece o perigo de pôr de la90 o encontro do psicote-
rapeuta com essa parte individual. única e irrepetível de ca-
da ser; com sua maneira de ser; com sua existência como
pessoa ..... :.0' 'f'i'!', J:;i:>",' .,
j .; I.~'··~;()~,ii..
A experiência existencial do paciente . o •••
.. Para haver eficácia no processo psicoterápico. deve este
BOL; CEPP, VOL V (1987)
estar voltado para a experiência existencial do paciente. co- ....','lh '.
mo ser-no-mundo, e não gravitar em tomo de conceitos que, 1
o psicoterapeuta tem corno certos. Um dos perigos .:disso ' ' t~
éque o pacien.te vai se colo~ar como um estereótipo, ~C>.:';, .~~.~~:1~;~~~
rizando demais cer:w qualidades que lhe faltam ou ~urun·I'~,;·~~~:~!'>-;:I;.~
do-se por tendências e sentimentos que tem ... :-,.:"I'~~:1l')~t:"'~~:·!j>~{.,.~
. No encontro existencial com o paciente, o psicoterapeu,:G,t ~~~.~;'!':{~'
ta, à vista do que lhe traz aquele, aborda os fatos com ab-f';·:··--;~j~:'.
soluta imparcialidade, 'observando-os tal como se manifes~\':, .:' ';~;:'; L"
tarn, na sua pureza, e só como se manifestam, mas também, I·/' .:..~;.."i;;:
tal como o experimentam a pessoa, sem permitir a interfe- ~(:. :.~ i;: i;
. rência de nenhum intento de "interpretação" ou teoriza-'> .. ', '; li"'!
ção acerca dos mesmos. O psicoterapeuta "põe o mundo ! í:·l~:
entre parêntesis", quer dizer, exclui de sua mente não só :' J
qualquer juizo de valor sobre os fatos em questão, como . ;;"; I'
tam bém qualquer afirmação tendente a interpretar o eom-·· .;.' ;
portamento do paciente a partir de suas próprias idéias. -"
É claro que "Pôr entre parêntesis" não significa despo-:, '"
jar-se de seus conhecimentos e de sua experiência pessoal.' ,.. ,~, :1
Signi fica, isso sim, que o psicoterapeuta põe-se em frente .. : ~ > ••• ; ~
ao paciente sem fazer uso, aprioristicamente, dos concei- .
tos teóricos previamente elaborados, dos jargões e estereó-» I:. r:
tipos que estruturou através de sua formação. ,. ó! ,'r i· .;, -,
O ponto de partida, portanto, é considerar o paciente tal,~ .: ;,]
qual se lhe aparece e não tal qual o psicoterapeuta quere- ':; ,.
ria que se lhe aparecesse. É receber 9 paciente tal como es-' 1· . "
te se lhe apresenta e não como seus apriorísmos, de qual-' . i·~, .'
quer ordem, façam-no vê-lo.: :,. '-!k'F.'\':.' ..', " ':·\;!~T<'Y\'l::· '. ;. i,; . ,,'
Temos de convir ser impossívelao psicoterapeuta des-" . ·;i ,> ';:
pojar-se totalmente dos condiciunamentos e predisposições' .. :.. i.
próprios de nossa condição humana Toda a consciência é"; .:. ::.
intencional; é consciência de alguma coisa, Essa alguma coi-. . .
sa, por outro lado, só pode ser definida em relação a um '
sujeito que lhe dá significado: Contudo, o psicoterapeuta ( ~ \ .. I
pode assumir uma atitude isenta de pressupostos, ateoré-~· j ': .. :
tica e eminentemente compreensiva: Assim, dirigirá ele sua « "
atenção a sondar com amoro guevivenciao paciente. bus- ! .:'~'
cando viver em sua própria consciência o relatado por este '.; . -: . ~
(empatia), compreendendo os fatos em seu autêntico çxis- I -,.:
tir, livres de deformações sobrepostas. i: '''''~·I • '·Ih("~·l~:;':·i ~~~;o;".
Fica mais fácil agora entender-se a acepção da palavra 'i ...
existencial, quando falamos em psicoterapia existencial, en-.: i.-..:;:.~
contro existencial ete. O termo demarca, antes de tudo, uma. I:· ., I
atitude do psicoterapeuta no seu acercamento à pes;wa exis- .l . J
tente. . ;',' "..... ' ' .. 'i",'.'1j"F!:tl., ~,\,.
~jamos a etimologia da palavra existência, para com- ~ .:,:,' ' ..
preender o significado dessa atitude. O termô'provém do," ..}/~::~'
latim e.xsistere, formado pela preposição ex (fora de) e pe-: j;,~~:
10radical sislere (pôr, colocar). Correspondem estes aos vo- . ,:~l=,
cábulos gregos ek e stasis, os quais, 'através do latim, ecsta-1::.~;'.:.'
sis, deram origem à palavra "êxtase", que expressa o fato ,'-.{O~C
de sair-se de si mesmo. .... I •.... ·:·A:',i!/:l ..i .. , <' >:~:t\\~'r,.R'!\'!I~·::I, ...., "'."..(.
, A existência, pois, desse ponto de vista, não pode ser" ~:::. ,
considerada uma coisa estável nem imanente,'mas umcon.i_~i.~~
tínuo sair-se de si mesma, um vir a·ser. um transcender; umi.z?~:
salientar-se de algo, significando uma maneira de se rela---':~~:~(~.
_cion~ com o mundo. "O homem é aq,!i1o que aspira mais.;-~i~~
além de si" (Jaspers), com o que se enfatiza o ser humano~~~:~
como emergente, em evolução.r:?j"",;:·rri1/;r;.Ill'k)lij\~4::~:;~'-.::·~
. 1àl atitude nos faz ver o existir humano como contínua ~~.
criação, não como um ser (palavra que sugere a1goestáti.i~~"
~), mascomoum~q umpodeser. ~ virQ~ Isso~uer~~
d~~~r que o homem e um contínuo cnar-se, um contmuo ~:~,
fazer-se a si mesmo, como possibilidade aberta. '"Não foi ~:~
feito, mas é o que se faz". Daí a famosa frase de Sartre:f.'O~ .
. . "'., . , i·· 'hO,h:i.!".. ,\ " . '::f:.~rr.1?~J;~~:,~~..
.: i, _
homem é o ser que não é o que é e que é o que não é", cx-
pressando o contínuo evoluir, o contínuo transcender, que
faz com que, em qualquer momento, seja algo que está dei-
xando de ser e que não terminou, portanto, de ser o que é.
Se está, porém, constantemente, em processo de fazer-
se a si mesmo, elege constantemente seu caminho e se au-
todeterrnina. É responsável por si mesmo; é sua própria
existência, escolhendo aquilo que será no instante seguin-
te. "Somos nossa escolha", dentro dos limites de nosso da-
do mundo. E, se não podemos mudar esses limites, pode-
mos escolher como dirigir nossa vida dentro deles._
A responsabilidade existencial .
Dada a relevância do tema, convém nos estendermos um
pouco mais a respeito do que acabou de ser dito, ou seja,
da responsabilidade existencial.
O homem é lançado no mundo de maneira passiva, to-
mando conhecimento desse mundo que ele mesmo não
criou e ao qual se acha submetido num primeiro instante.
Cabe-lhe, poré!!!J_assumir sua condição de existente, toman-
do a iniciativa de descobrir o sentido de sua própria exis-
tência e orientar suas ações nas direções mais diversas, sen-
do responsável por tudo aquilo que escolhe ou faz. ASSIm,
buscélm ~~p~icqLe!!l'p_eutas de linha fenomenológico-exis-
tendal ajudar seu~iente a conquistar a responsabilida-
de ae sua existência. Não importa o que as circunstâncias
fazem do homem, mas "o que ele faz do que fizeram dele".
Enquanto em psicoterapia, o paciente é estimulado a se
dar conta do quanto, ele mesmo, em função de suas esco-
lhás, pode estar contribuindo para sua própria negação ou
aniquilação como existente. Não são o acaso, o destino, a
má sorte, a hereditariedade que determinam sua solidão,
sua rejeição, sua falta de sucesso.
O psicoterapeuta assinalará ao paciente que papel, em
especial, desempenha este em sua própria situação existen-
cial. Não tendo este insight, não terá motivação para fazer
mudanças positivas de condutas. Aliás, se o paciente con-
tinua a alimentar a suposição de que suas dificuldades são
causadas pelos demais, pela adversidade, por um empre-
go rotineiro, por situações fora dele, enfim, por que irá in-
vestir tempo e energia para sua própria mudança? Se ele
acredita nisso, para que ir à psicoterapia? Basta ficar na ex-
pectativa para que o mundo mude e tudo estará bem. ..
o homem e o mundo
É conveniente, nesta altura, clarificar porque fafamos
Que o homem é um ser-no-mundo, numa relação única e in-
transferível com seu mundo.
Que mundo é esse, afinal?
Quando, em filosol ia existencial, falamos de mundo,
não nos referimos apenas ao ambiente em que vive o ho-
mem, nem às suas relações com as coisas, como proximi-
dade espacial, ou às suas relações com os demais existen-
tes. O conceito vai mais além, no sentido de que o homem
e o mundo são um só, à medida em que, vivendo ao mes-
mo tempo e inseparavelmente em um ambiente, com os de-
mais, vai criando um mundo próprio aoeleger, em cada I J
momento, o que tem sentido para seu projeto existencial.
Dessa forma, o mundo pode ser entendido como o con- .
junto de relações com os demais e com as coisas, relações
essas Que se vão tecendo na vida de cada um, à medida em
. Que vamos desenvolvendo, na existência, nossa concepção
de mundo e de nós mesmos. Assim, o munc!9.~nifi91 cons-
:ciência dele, o que 9 ue~ djz~rq ue,.!Jp.(ç.ol}~~1?ê-J(),.12 !!qf!.l~f!.l
o"Vãlcilaõdó àmedidá em que vive. Mas, o homem não con-
26
cebe seu mundo como coisa desvinculada dele. ÇQJ:l~ç~::K
~_~imesmo em seu mundo. de sorte gU~,ª!llt>o~.ORr..t. Q
m~l/do, vão se fazendo constantemente juntos e insep3rL
vcis,
SCo homem concebe seu mundo, elege com esse muno
do tudo o que tem algum significado em sua vida, de acor-
do com seu projeto de ser. Há em tudo uma intencionali-
dade, pois não concebemos o mundo como um dado bru-
to, desprovido de significados. O mundo que conceboé um
mundo paro mim. Criamos, portant<>z nossa realidade. Ve-
mos.~~~~~_~ de acordo com nosso ~'plano de mundo", a .
partir do qual somos responsáveis por tudo aquilo que es-
colhCffiõsoufãZemos.
o papel do psicoterapeuta
As escolhas das opções que o homem. faz em sua exis-
tência, o seu ir-poro-algo. o seu pro-jeto existencial, mui-
tas vezes se vêem bloqueadas, como possibllidades aber-
tas, por uma programação psicológica rígida e limitante, .
que aprisiona o existente e o impede de assumir a realiza-o .
ção do realizável. As escolhas caem na "inautenticidade", , .
Cabe ao psicoterapeuta, através do encontro existencial;
participar com o paciente da abertura apropriada, para que
'este ponha-de acordo sua maneira de existir com a imagem
de mundo e de si mesmo que tem, visando a encontrar seu
"lugar no mundo", sob uma nova e mais salutarforma de
existir, O paciente é, então, compreendido, não como al-
guém ue a resenta um desvio da "norma", dentro do con- .
ceito desta pu daquela teonal mas sim como e c se esvla'·
de sua condição de existente, na auto-estruturação dinâmi-
'J ca de-tudo o que representa seu particular mõdo=<Je-ser-no- 'mundõ:-oessa' fónJja, o psicoterãPeuta Pôde fazer o ~~;en- -
te compreender que a maneira ~~.la qual vi~e!!~~~.s~u .
ser-no-ml!n_ci~.!!ã_~.~ ~_úni~~~2s~íve!, nem aque!~ .9..~c;lhe
d_ám9-iores possibilidades de realização de seu prok~-
tencial.
--Se:·como vimos acima, o homem concebe seu mundo,'
elegendo com este tudo o que tem algum significado em sua - ...
vida, criando sua própria realidade, nenhuma das "inter-
pretações" dadas pelo computador da anedota permi-
tem-nos compreender o homem como tal. Elas podem se
referir a algumas de suas características, precisamente as
menos humanas, mas não à sua existência. Mas, pelo con-
trário, se através do encontro penetramos no mundo desse
homem, conhecendo seu projeto, estaremos em condições-
de compreendê-Io como ser em ação, considerando sua exis-
tência a partir de seu próprio ponto de referência pessoal.
Voltado para a experiência existencial do paciente, como
um ser-no-mundo, e não grávitando em torno de "interpre-
fações", Que o psicoterapeuta tem como certas, poderá es-
te, verdadeiramente, conduzir o processo terapêutico com
eficácia Não nos interessa a interpretação das condütas iso-
ladas dopaciente, que.sáadauirem slgIÚ(j!dlqQJ!º~Q~
to de seu ser-no-mundo. mas a compJ:l:ensão dQh.9lJl~ue
as exper~menta.
"Mind fucking"
Tal termo, literalmente coito mental, foi utilizado por
Fritz.Pcrlsro. Menos do que obsceno, é um termo Quase
poético, trazendo uma fina ironia às pessoas, em particu-
lar a alguns psicoterapeutas, que, num verdadeiro "furor .
analítico", procuram interpretar o que se passa subjetiva-
.mente com os demais. a partir de verdadeiras adivinhações.
O ncurocirutgiãa I.S.Cooper, no Iívro "The Victirn Is
AJways The Same" (New York: Harper & Row, 1974)Cl2).
....,
·~
re&t~ vários casos muito i1ustrativos dessas "interpreta-
ções", que na gíria acadêmica chamamos de lnterpretose.
Assim, descreve o ocorrido com um menino, David, que
sofria de uma moléstia neurológica conhecida como
"dystonia rnusculorum deformans". O quadro clínico se ca-
racterizava por cont rações musculares tremendamente do-
lorosas, levando (I paciente a se contorcer em medonhas
posturas. As primeiras manifestações da moléstia foram
notadas, quando o menino passou a apresentar contratu-
ras da mão direita. Levado a um psiquiatra de orientação
psicanalítica. interpretou este tratar-se de uma punição con-
tra os desejos masturbatórios do paciente. Com o progre-
dir do quadro, o menino sentiu-se forçado a tornar seu ven-
tre proeminente, para facilitar a dcambulação. Este fato foi
interpretado como uma forma de imitação que ele fazia de
sua mãe, quando estava grávida de sua irmãzinha, da qual,.
naturalmente, o paciente sentia muita inveja. Por fim, quan-
do em função das contraturas, o paciente caminhava acen-
tuando a lordose lombar, tal postura foi interpretada co-
mo provocação homossexual, pois o menino se identi fica-
va com a figura feminina e fazia de tudo para atrair os ho-
mens.
Isto basta para mostrar os despropósitos da má aplica-
ção da "interpretação do inconsciente".
A liberdade
Os psicoterapeutas de orientação Ienomenológico-exis-
tencial atêrn-se muito ao tema da liberdade. Para Henri Ey
Ill
uA Psiquiatria cuida da patologia da liberdade", Ç9m i.§,s_o
querendo dizer que o patológico, no campo do psíquico,
consiste na' perda do exercício da liberdade. Não é sem ra-
zão que diz Lopez Ibor: "A enfermidade tem muito a ver
com a liberdade, com essa liberdade que tem o homem de
dispor de si meSI!l0' Um ser psi~icamente enfermo é aque-
le que perdeu a liberdade de se eleger e ~onduzir, pelo me-
nos em um setor da norrna'ttu.
Detenhamo-nos nesta questão, pois ela se presla a mal-
entendidos. Para muitas pessoas, liberdade é sinônimo de
rebeldia, Embora a rebeldia possa ser o primeiro passo pa-
ra a conquista da liberdade, esta não se reduz àquela, Com
muita freqüência, a pessoa rebelde está presa ao que se es-
pera dela, em termos de uma estrutura externa - leis, re-
gras, preceitos vários - sentindo-se livre, se fizer exatamen-
te o oposto, Se não se pode fazer tal coisa, por isso mesmo
é que devo fazê-Ia para ser livre.
Outro erro comum é confundir liberdade com falta de
disciplina. "Cada um faça o que lhe aprouver", convidan-
do o homem a atuar irresponsavelmente, relegando a ou-
trem os encargos que lhe competem,
Há quem use o termo liberdade para definir a possibili-
dade de ir e vir para onde queira, ou de decidir determina-
dos objetivos, como escolha profissional, mudança de re-
sidência, controle do. número de filhos ete.
A liberdade pode, também, ser examinada no sentido
político: liberdade de voto, de manifestação de idéias ete.
No sentido existencial, contudo, a liberdade assume ou-
tra conotação, como magistralmente expôs Viktor
Frankl(3): "9.!l~!!Q.o a vida é reduzi!fa_ªº_sl~~Jato de
~V~.g!cl~º()_nad~J11ais t~-,!!~!.gI1Ulc-ªdQlç,omQjla ex-
p~!i.ê_n.cjac!~.!!~ c:~m~o de concent~aç_ão), c:~jste ainda. .ª-li-
berdade básica, a liberdade de escolher a atitude a tomar
c~~P~Óp'Q.º~de~ii~.~}i~p'~de '.l~_óITIõdmCãJOdeStrno, ~
mas modifica enormemente a pessoa" .
._. Assim,-a liberdade éVIstãcomoüm dos valores funda-
mentais da existência, não como liberdade em relação a
BOL. CEPP. VOL. VI]9871
condi ões se'am bioló icas, sicológicas ou sociais;. não
comolib,~rr!..l!dedfo gq masslmcomo I e a epara o go,
ou seja, a liberdade para a tomada de R.0sição perante to-
das as condições. O homem s6 se eleva a condicão de exis-
tente quando assume a dimensão da liberdade, ~e sen-
do livre, a cada instante decide o que é, não arbitrariamen-
te, mas com responsabilidade. A escolha de suas possibili-
dades é um ato de sua liberdade, liberdade gue ele tem, de
um modo ou de outro e até a morte. de assumir uma atitu-
de paracom seu c!.e~tin9,~ pre há um "de um modo out de:outro". ao escolher o lJue verdadeiramente fazemos de:
nós.
No trabalho psicoterápico quantas vezes surge a ques-
tão do paciente encontrar-se diante de alternativas de va-
lores, da necessidade de escolher dentre princípios entre si
contraditórios. Tal escolha, se feita arbitrariamente, sem
consciência e responsabilidade, não será uma livre escolha.
É essa condição de liberdade que o paciente pode conquis-
tar e, de fato, o faz, à medida em que aceita a responsabili-
dade de sua existência. não como algo a que está presa, mas
como um valor por ela escolhido, como um "optar por si
mesma".
Optando por 'si mesma, decidindo com liberdade suas
escolhas de vida, a pessoa transforma a disciplina externa
em autodisciplina, não porque seja submissa às ordens, mas
porque sabe o que pretende fazer de si e a disciplina é fun-
damental para a consecução de seu projeto existencial.
Ao ajudar o paciente a se recusar como "coisa" e enve-
redar-se pelo desdobramento de suas possibilidades exis-
tenciais, de suas possibilidades de dispor de si mesmo, o psi-
coterapeuta existencial estará tratando da "patologia da li-
berdade" de tal pessoa. Liberdade condicionada pela res-
ponsabilidade, que, por sua vez, não pode existir sem liber-
dade, numa verdadeira dialética da autonomia.
I;.
r
1I••••••II••••••2••3?Z•••••• I•••••a••••••••••'••~aRa••••••.•••••••••••••••••• m •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ~
r- Limites da responsabilidade existencial
Se, de fato, existem a adversidade. a hereditariedade. as
circunstâncias imponderáveis ou imprevisívei~...E fatalida-
de, que nos acarretam sofrimentos e que não fQmos bus-
cá-I~~.L~!~o..!}!fe_vaLn.q~s~_resp9_nsabilidade exislencj~l?
Realmente, todos nós nos defrontamos com infortúnios,
reveses, agruras, que afetam nossa vida. Em muitas de nos-
sas situações, existe um "coeficiente de adversidade",
Muitas circunstâncias, não determinadas por nó~nos
edem.de ter IDIl bom..em re o de encq!!,!rª" alguém
~.~ quem formemos um par a!!l0roso, de ter um bom ní-
velde instrução etc, Estamos sujeit9~a_<;l~f~H9s.ffsic~
.turbaçJ!.e~d.!l_saúc,le, crises econôrniçasejc, M?'\, isso não
significa a exclusão de nossa resPQnsabilidade existencial -
peral!.tej~sã.Ú!tüações:. SomQ.s.~si~n·sá~eis·p~~~atilude
que temospelo .qu~[~emos.giantç. de ca<!é!.situação, se-
jam nossosdefeitosfjsicos, sejª_ªJiJsc..rj!l}~!1ilção que nos
foi imposta. S0!1:lOs_i'es~n.s~~e~R.0r no~sas respostas, qUe
podem agra~ro~c~ficjçnte._d~a~~~[~Ld_aº~'.', levando-nos
a atribuir só a ele nosso próprio an~gWlé!mentQ,'-:~Qmos res-
ponsáveis por assumjrU!l!ª-ªtitude de revolta para com a
vida, oude !!!1l.é!.!~sj.&.'!?.窺-p.ª~§iVªLCOI!!.<?inocentes víti-:
mas, ou por encontrarmos uma oI>ortunidade de cresci-
mento e transç~I!ª~nªª~artir-c!essas eXJieriênciãs~-
sas.
A psicoterapia existencial pode aj udar as pessoas a identi-
ficar a dimensão exata do "coeficiente de adversidade" e,
nesse particular, facilitar-I~es a reconstr~ção de !!.I!l~~
fiC<!<!º-.de vidé!...ç!Íllntedaquilo que elas não podem alterar.
Mesmo quando haja pouca esperança de afastar o so-
•frimento inevitável - a até mesmo a morte - somos res-
ponsáveis existencialmente por optar ou não a sofrer e a
morrer com dignidade.
NaJ!l..~9idaem.9!le o paciente se dá conta das implica-
~es d~~~a responsabilidade existencial, passará a enten-
,!e!.q~e ela .~<:ontínua.De fato, o psicoterapeuta ajudá-lo-á
a..reconhecer corno .elemesmc.comríbuiu.pera.cnar.ou
manter a situação de queselamenta. Ajudá-lo-á a respon-
der às seguintes questões: "Ante este problema rea!,_q~J~_'
posso fazer paramel hºr~ ª_~jtl,lj\~~91':~ººJIJ,ª.!1lelhqr.r~s-
posta ou decisão poss{v~I7':!.-:Q.\I~lro.e~..9...b.i~1ivorçilJ?"
b:sit!laç~º, p(m(~nto, não precisa ser mantida para sem-
pr~.Ar~spºn.s_'!.º-W<;ladeexistencial implica ainda a respon- L
jabilj.Qªºe de modifkar a situação. '
Se já foi mostrado ser o paciente responsável por estar
onde está, ser-Ihe-á, também, mostrada sua responsabili-
dade por sair de lá.
O insight surge quando o paciente sedá conta de que "Se
fui eu - e somente eu - quem criou minha situação, a par-
tir de minha concepção de mundo, então somente eu pos-
so mudá-Ia"
A mudança é um processo ativo c comprometido da pró-
pria pessoa. Ninguém poderá nos mudar ou mudar por nós.
A interpretação dos sonhos
Antes da "Interpretação dos Sonhos", de Freud (1900),
ainda não havia uma abordagem, dentro da praxis cientí-
fica, para a compreensão dos sonhos e de seu valor dentro
da psicoterapia. Hoje em dia, não só os psicoterapeutas de
inspiração psicanalítica valorizam os sonhos como a "via
régia de acesso ao inconsciente". A psicoterapia de base fe-
nornenológico-existencial, partindo da consideração do ho-
mem como ser-no-mundo, unitário e total, vale-se,para sua
aplicação, da análise de todos os modos de expressão ori-
ginários do ser e, conseqüentemente, tradutores de sua to-
talidade. Assim é q~não só .9~_~9_nJ:i-ºs,mas também a~
autobiograrlas~ãs·peculiaridadcs da lin~a~em, as cartas,
os d.ár"iós:is fráscs soitas, os tons de voz. os gestos, as ações
eXplICítãSelc.~ii.!.dos~<.?_~)~l~t~~.~êConsraeração para se
cõrripreé~~êr <?~~_odosde existi!::
Os sonhos, portanto, são de grande utilidade no processo
psicoterápico, pois representam a mais espontânea de nos-
sas criações de que podemos dispor. São uma produção
completamente nossa, a mais livre de pressões e a expres-
são mais clara de nossa existência, principalmente no que
diz respeito às nossas necessidades afetivo-instintivas.
Seria descabido entrar aqui no dinamismo psicológico
dos sonhos ou no significado da própria dramatização que
encerram. Basta lembrar-se de que nesse "drama", por nós
assistidos durante os sonhos, somos nós mesmos e a um só
tempo os autores, os diretores, as personagens, os cenários,
tudo, enfim, que neles figura. Tal drama é uma me1J.~f!.g~n
p:i~enc[~~l!<:_c.!!.rigimos a nós l!!es.I~!º~,(~il!Q?ndo:!!~~a
descobrir e a enfrentar nossa própria existência, responsa-
bilizando-nos por ela. Éalgo mãis do que um conflito não
resolvido, algo mais Q9Que':l_iji_ª~Jº JJl~tls[~~tº,.!llãs-úij1á-
pequena obra de arte que forjamos com nossa v!c!a~..9.ue_f!.0~
ensina a desvendar o que estamos evitando em termos de
realizaçãode·nossõ prõjeto exíSiénClal.--Como nos outros contextos-do encontro terapêutico, o
analista de linha Ienomenológico-existencial, ao trabalhar
com os sonhos evita toda a sorte de interpretose, toda "co-
dificação de símbolos" (caneta = pênis; concha = vagina
etc.). Aliás, o próprio Freudw, descrevendo os vários sim-
28
bolos que representariam um tema sexual, advertia: "Às ve-
zes, um charuto é apenas um charuto'.'. Ninguém melhor
do 9~.Ç.o.p~<:i.~nte_p~rasaber, com o auxílio do psicotera-
p~!!!!._ques~!l!i~~~azPta ele cada um dos fragmentos de
seu próprio sonho, Isto para q uais coisas a eXIstênCIadê-
re;nõSõ~li2zsemostrou maJsaberta e ~ual sua relaçâo com
ele mesmo. Ao.se juntar esses váriosragmentos, que são
fragmentos da personalidade do paciente, levamo-lo a
tornar-se uma pessoa integral, unida, sem dissociações.
A experiência religiosa e a expressão artística
Os Dsicoterapeutas de inspiração feMmenológico-exis-
tencial não concordam com que a experiência religiosa ou
a expressão arilstica·~ssàm, heeessariãmente, scrTriicrpre- .
tad~ em funç~.Q.de ~<!nteudosef!1.~Jon~~!:~JJríi!i[c!.~~!~~-
ticularmente os ligª~Qs à~~2'!-!~Ii.~,!de.Se assim fossem, to-
das as vivências e criações não representariam, na verda-
de, nada de autêntico do ser, mas, simplesmente, um meio
, para a consecução de um fim, uma evasão da vida ou a su-
blimação de uma tendência negativa qualquer. Isso tudo
só serviria, então, para desfigurar a imagem do homem, nu-
ma determinística caricatura do ser humano.
Não há dúvida de que a religiosidade de uma pessoa ou
sua produção artísticapossam ser formas de expressão de
seus confiitos. Um artista, por exemplo, em um de seus qua-
dros, poderia estar restaurando e reanimando figuras de
pessoas introjetadas, que destruiu em suas fantasias. Ou-
tro, para resolver seus sentimentos de culpa, em seus escri-
tos, pode coagir o leitor a absolvê-Io e aprová-Io, num ato
de reparação, No entanto, isso só pode ser descoberto atra-
vésda análise pe5Soaldaquele indivíduo em particular e não
da análise isolada de sua prooução .:
Em relação às crenças religiosas, há quem alimente a
idéia errôneade que a pessoa as perde, após submeter-se a
uma psicoterapia. Se a fi!!ªli~ade desta é a de levar o pa-
çi~.I1!~.ª-~~iyr(lJ:.deu~..QIQ&famação psicológica j(racio-
l}~.I_eJi.r!lHa!1Lc_e.ç<;)Ilquis.t.ara li~.~rdaç!~Q~_.tomarsuas pró-
p~ia~decisões, f~.~~!l~Ê~_t'!!.1~~rda~~.p_~_~t!c.i.I~~~ll~Q.
de um sisten!a de crençàs religjosas: Muitos líderes religio- '
sos, que passaram por uma psicoterapia, referem haver vi-
venciado o núcleo ético de suas religiões de forma mais au-:
têntica: o sentimento de fraternidade entre os homens, sua
igualdade com os demais, sua unidade como parte da cria-
ção. ºp.roçe~sºJ~~apêutiÇQ só interferirá nªs-ª.titudes reli- ~
g~osas, quando estas, na verdade, não são de religiosidade;
mas sim mecanismo de defesa contra a culpa. .-
IOs sil"!!ºB).aspsíquicos enquant. repressão da
sexu~li~~.d..eJ
Em primeiro lugar, o sexo é uma funçã9 biológica. Co-
mo tal, não émau, assim como não o é qualquer. exigência
da natureza. O assim chamado aspect<?J!lQ~al<!asexuali- .
d'!.de_e~tál~do à sua adequação, intenci9_I}..alida.dee às con-
seqüências sobre as pessoas envolvidas. Essas noções re"p!e-
sentam est~dos mentais e iinposiçôes sociais que o_hom~m
_a~r.~ºH?-2!l__y~!i.f!cou·serem essenciais para seu maior
!?~m-estar emanutenção da es~~~ili<l~A~gr_ll~:A regtifã-
ção e aut09j~E!I:~!i.I)ade seus apetites I)-ª.!~!ªi~J.J?9rtanto,é
fundamental. A história tem demonstrado que, sempre que
o homem desconsiderou tais limites e deu asas à sua natu-
reza puramente instintiva, a sociedade se degenerou. Isso
não implica, obviamente, a supressão daqueles apetites na-
turais. Não obstante, muitas culturas, a partir da doutrina
da dualidade do ser humano, passaram a reconhecer o se-
xo como algo impuro e pecaminoso, ligado à sua parte ani-
BOL. CEPP, VOL. V(l987)
"I
!.
;
Ir:
~. ',.
I l
.,
ai, devendo ser desprezado em alto grau ou mesmo im-
pedido.
O sexo era um impulso, afirmava-se, destinado pura»
te ao ato da procriação. Como conseqüência, aqueles que
permaneciam celibatários não deveriam manter relações se-
xuais, porque, não sendo casados, não deveriam procriar.·
Esses extremados pontos de vista puritanos faziam com que
muitos indivíduos recorressem a uma hipocrisia moralis-
ta, dentro de uma simulada inocência dos instin tos huma-
nos. Na era vitoria na, por exemplo, as estátuas gregas clãs-
~. sicas, retratando o nu, eram consideradas profanas. O fa-
to de uma mulher expor seus tornozelos, se chegasse a ou-
sar isso, punha em jogo sua reputação. Que os pais discu-
tissem com seus filhos adolescentes a função sexual, era ati-
tude repudiada em toda a sociedade decente. As doenças
venéreas, seus perigos e eventuais tratamentos, eram assun-
tos ultra-secretos, só discutidos nos recessos dos consulto-
rios médicos, sem a menor possibilidade de um conheci-
mento preventivo por parte da população em geral.
Foi dess~_ª!Jlbiente s6cio-cultural que Freud tirou o l1}a-
t~rial ~~ra su~~.~~s~:':"~f~~s_~~n~~~ A~~ric~u ele o sexo
de sua dicotomia. Em outras palavras, o sexo naoTorcõi1=------_ .._- - --_ .. _ -_ ..- -----_.,-_._-
siderado ~enas uma função procriativa, nem também um
~al~~k~~i.do por .q~?.Iquc:.~.õUtrá.razão.Pará ele, ose-'
xo era considerado um imJ?ulso humano fundamenta 1;·ln-
fllH;nd.ª,n~()_a ·ói-gan!z~çªo_~!p_oSJº!iãlda pessoa sadiãe
.!1_QLJIléil.Por o~tro .Ia~~"apa!~i~.das concepçÕes freüdla-
nas, todos os sintomas psíquicos, particularmente os neu-
r6i1Cõs;'são causados por imjJüÍsqs sexuais Inconscientes,
.qI!f..s_ãoJr_u_~t.r~l(!OSl.r~prJij1.1~~~.:<?irecãiCados.
Desn<:.~ssário é dizer-se que o impuisô·sexüal, aqui, tem
uma acepção mais ii:nplã·(lõ·queõsÍmplesexerCíciõâãse-
xuaHdadeprõprIaiilentêôita, recebenoo o nome deTí5iao.
O próer,o prnzer que üm lactentc apresenta ao sugar o peiTo
m~t~rl!o'-ou .'~ prazer dei. excreção das ~ezeS:~esiáJ!Eªdo à
satisfação da libido. A neurose, para Freud,,~ç~@,_ª~~im,
um.a proibição que_ll sociedade fazA? acl~9.!!,,!~aexpress~o
da libido.
-'iioj~·podcmosdizc::r que Freud fez suas hipóteses aJ~s-
peito da gênese dos distúrbios psíquicos a part ir dos casos
queõbser~oú: nocontextoda época. Os dadosobtidos a
respeito da: evolução _da_p~J.s_op-,!lidad~'d~Criariçá~úua
adaptação ao ambiente basearam-se na PlºLeção das fan-
tasias do adulto no divã analítico.
-Ó~slcoterape\lta de hoj~al;6s maisde80 anos do apa- .
recimento dãs têoriasdeFreud, jâtenilnstrúillentõspara
examinar os fenômenos e'aocionáis e componarrieniãis sob '
urri·àngulo multidil11cnsiõfiãJ;eiiriquecido que foi: Justa- .
m~~te, co~, ás-ºn~~ib~ào dã-corrent~_-feriÊmeõológi-
co-existencial.-Os problemas ;;CXUé<.lS,de fato, existem, compreenden-
do-se o sexo corno função néêêSSáriã à evolução dá perso-
nalidade. dClrtrõ das leis naturais, são el-::Úi-ãbãihados no
decorrer da psi oterapia, ao lado, porém, de outras tantas
forças imp soras atuantes no ser humano, ligadasa seus
devidos temas. como o problema da existência, da liberda-
de, da solidão, da morte, do sentido da vida, datranscen-
.dên ia etc, - - -
A questão do "aqui c afora"
.ç.'iJ_a.L'~qYLe_agºra" 1@Q..s,iwJJ1ca!liI~.s~-ºesC9,n~.9çre,
inconsequentemcnte, Q.PrQPrjQp'assacto_o!l quese _g~i~C;de
-~_I?~eparar para o futuro, Signiftc-ª .•i~s<?~i!1).J,Jazer-s~_~~s-
~.ável.~Iº _"aqui eagora", .
Em tais condições, o paciente pode avaliar com mais
BOL. CEPP. VOl. V (1987)
consciência e liberdade de opção, sem bloqueios afetivos
pretéritos, as pautas de uma situação em' curso, determinan-
do o que for mais adequado para resolvê-Ia. Assim, ele se
vale do passado como experiência, dentro do sentido his-
tórico-significativo de sua existência e não como justifica-
tiva para se evadir de sua responsabilidade existencial.
"Igüãlmente,·o Tutüro fvisto em termos de perspectivas a
~ere~jeaJ.i~~as;- ~~iil;:O-º~ü"-iãplat~Cãção,-êiiàooomo
sol uç~~_~ági~a _I?_a~_~p.!o!>le1!la_!l!ua!:., .
MaIS uma vez, vem o auxílio da filosofia existencial. º
tempo não é uma sucessão de momentos ao longo de uma
linha Que Y~Qj)assa.dQ..uai para Q fU1u[(), O presente
está carregado de passado e impregnado de futuro. Ao criar
seu jndivid.!!~!s.onceito de m~ndo, o homem está elegen-
do do passad_o_º-9ue C()!.!~ponºt;.!l esse c_o!'S.c:.ito,dirigiI!.:
~~:se a seu futu.!o cO-'1)9.J~hzação d!UJ1~smo conceito.
Dessa fQrm~.~ "m~JIl'§.!Jas~~op~~do.o.u as_~~fan~J.as~'
do futuro são dj!!l.,Ç!1.~Qc;.sdªY.Pfrjéncia ÍJ!J.~ªíatfIg!J-PTfSgn_-
te. Se alguém se apega a um passado infeliz. fá-Io Dara evi-
tar entrar em contato com Q que lhe cabe decidir "aqu.i.e
agora". Se alguém se projeta.a um lugar el1) sua fan~§ta,
vivendo em função desta, vai buscar o que lhe falta ou evi-
ta "aqui e agora".
Os analistas existenciais, portanto, insistem em que o
analisando descubra sua própria consciência daquilo que,
efetivamente, viven~ia. sem dislorcer, exagerar, elimina~,
contaminar ou fantasiar os fatos, na intenção inútil de não
se d~Xrontar .c.!tm suas situa..Ções reais não resolvidas.
ThdilD.J.rahalho dessa posição fenomenoló~o-exjsten-
cialde psicotera ia é o de restituir ao homem sua própria
~ responsabilidade eXlstencialLestlm an o-o a se ar con-
ta do quanto, ele lJI.e~mQ:~m fú-nçào.de sl!.,!~~Hlãs,põ-
de estar contribui!1~_<uJ<!:I~,!_~ua...p.r.~prianeg~~º2_u a~i-
lação como existente. Não importa o que as circunstâncias
['!Z.~t1ldo homem, mas "o que ele faz doque fizeram dele".
Summary
The phenomenologic - existential altitude in
psychotherapy
The author shows that, more than a set of techniques or
a "special schoool 01 thought"; the phenomenological-
existential altitude is in psychotherapy a form 01 encoun-
ter. /t seeks to understand lhe patient's life experience; not
only the way this experience ísmanifested, but also how he
or she líves through it, wíthout no attempt to "interpret" or
theorize it, . i
Uniterms: psychotherapy
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