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Biotecnologia e agricultura

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BIOTECNOLOGIA: ENSINO E DIVULGAÇÃO (http://bteduc.com) 
C A P Í T U L O 13 
 
 
BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA 
 
 
 
A EVOLUÇÃO DAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS 
 
Embora as práticas agrícolas e as plantas cultivadas tenham-se desenvolvido em um curto período da 
história evolutiva dos vegetais, as plantas cultivadas atualmente são o resultado de milhares de anos 
de seleção artificial pela mão do homem e guardam muito pouca semelhança com suas ancestrais 
selvagens (Figura 13.1). 
Na Europa, o uso de ferramentas rudimentares prevaleceu até a Idade Média, quando, em função 
de várias inovações, as práticas agrícolas se tornaram mais eficientes. Datam desse período o 
aproveitamento da força de tração animal, a invenção dos moinhos, a prática de descanso dos solos e 
a construção de sistemas de irrigação. 
No século XVIII, a integração das atividades agrícolas e a criação de animais originou uma nova 
agricultura que, além de envolver a utilização de esterco como fertilizante, promoveu a rotação entre 
os cultivos de gramíneas, leguminosas e plantas forrageiras. 
A incidência do progresso científico e tecnológico caracteriza a agricultura do século XIX, 
destacando-se a preocupação com as necessidades nutricionais das plantas e com as doenças que 
afetavam os cultivos e as criações (antraz das ovelhas, cólera das aves, doenças do bicho-da-seda etc.). 
Originadas por cruzamentos seletivos, novas variedades e híbridos de trigo foram comercializadas 
internacionalmente, a partir de 1850. Com a invenção da máquina a vapor e as primeiras utilizações 
da eletricidade, iniciou-se a mecanização do campo. 
No início do século XX, o uso do trator se espalhou rapidamente. A substituição da tração animal 
pela maquinaria agrícola diminuiu a necessidade de produzir rações, liberando para outros cultivos a 
superfície anteriormente dedicada à produção de feno e aveia. Com o redescobrimento das leis de 
Mendel e a teoria cromossômica da herança, iniciou-se uma nova era no melhoramento de vegetais e 
animais. 
O cruzamento entre duas linhagens puras de milho origina um híbrido semelhante às linhagens 
parentais, mas com qualidades superiores. Esta propriedade, denominada heterose ou vigor híbrido, 
permite a geração de plantas mais produtivas, suficientemente homogêneas para facilitar a colheita 
mecânica (Figura 13.2). As primeiras empresas comerciais a explorar a heterose do milho surgiram, a 
partir de 1920, nos Estados Unidos e no Canadá (Hi-Bred Corn Company, mais tarde Pioneer Hi-Bred). 
Essas empresas selecionavam as linhagens parentais de milho, procediam aos cruzamentos 
correspondentes e vendiam as sementes híbridas ao agricultor. A perda do efeito da heterose diminui 
a produtividade da descendência das plantas híbridas, de modo que o agricultor passou a comprar as 
sementes 
BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA 
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Em 1960, o milho híbrido era cultivado, com raras exceções, em todas as plantações dos Estados 
Unidos e do Canadá. O melhoramento das plantas já não dependia daqueles que estavam diretamente 
envolvidos em seu cultivo, mas daqueles que produziam as sementes. 
Na década de 1960, o desenvolvimento de uma variedade de trigo de alto rendimento e resistente 
a doenças permitiu aumentar a quantidade de alimentos disponíveis, salvando da fome mais de 1 
bilhão de pessoas. Por ser o artífice da “revolução verde”, uma contribuição fundamental para a paz 
mundial, o engenheiro agrônomo Norman Borlaug recebeu o Prêmio Nobel da Paz (1970). 
A “revolução verde” duplicou a produtividade dos cereais mediante o desenvolvimento e cultivo de 
variedades melhoradas geneticamente, complementados por práticas agrícolas complexas (irrigação, 
mecanização, aplicação de fertilizantes e pesticidas). Porém, trouxe problemas ambientais, sociais e 
de saúde, devido à necessidade de grandes investimentos de capital para a mecanização e à aplicação 
de produtos químicos, que foram usados em quantidades excessivas. 
 
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FIGURA 13.1. O milho 
 
O milho de 5.000 a 7.000 anos atrás era bem menor do que o que 
conhecemos atualmente. O cruzamento acidental com o teosinto, uma 
erva que ainda existe na natureza, teria dado origem ao milho moderno, 
que passou por várias modificações até se estender pela América pré-
colombiana. Diversas variedades de milho persistem até hoje no 
continente. 
www.learner.org/courses/essential/life/session5/closer1.html 
 
FIGURA 13.2. A produção de milho híbrido 
A hibridização permite obter híbridos simples, a partir de duas linhagens, e híbridos duplos, a partir de quatro linhagens. 
Existem híbridos múltiplos construídos a partir de pelo menos cinco linhagens. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Linhagem A Linhagem B Linhagem (AxB) 
 
 
 
 
 Linhagem (AxB)x(CXD) 
 (Planta de milho híbrido) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Colheita 
 
 
 
 
 
 
 Linhagem C Linhagem D Linhagem (CxD) 
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Em alguns países, os pequenos agricultores não chegaram a usufruir a “revolução verde”. Se, desde 
1960, a produção de cereais aumentou em mais de 40% na Ásia e na América do Sul, na África diminuiu 
13%. 
Com a crise do petróleo da década de 1980, o setor de sementes agrícolas foi invadido por grandes 
empresas transnacionais, produtoras de agrotóxicos e fertilizantes que, mediante um investimento 
extraordinário de recursos em pesquisa e desenvolvimento, conseguiram introduzir as técnicas de 
engenharia genética no melhoramento das sementes. Traspassando as barreiras interespecíficas, 
obtiveram plantas mais produtivas ou com propriedades novas. 
Comercializadas a partir de 1996, as principais plantas geneticamente modificadas (PGMs) 
cultivadas atualmente são a soja, o milho, o algodão e uma variedade de colza denominada canola. Os 
traços mais frequentes são a tolerância a herbicidas e/ou a resistência a pragas. Em relação aos 
métodos tradicionais, as biotecnologias modernas inserem a tecnologia na semente. 
Em 2015, dos 28 países que semearam cultivos biotecnológicos, 20 deles foram países em 
desenvolvimento. Produtores de América Latina, Ásia e África cultivaram 54% da área global plantada 
com PGM. 
 
A OBTENÇÃO DE NOVAS VARIEDADES 
 
MUTAÇÃO GÊNICA E SELEÇÃO 
 
O melhoramento clássico está baseado na reprodução seletiva entre indivíduos de uma mesma 
espécie. A variação intraespecífica é limitada, mas alguns agentes físicos e químicos podem induzir 
mutações aleatórias. No caso de aparecer algum mutante interessante, será cruzado por várias 
geraçõescom um dos tipos parentais, até que este incorpore, por introgressão gênica, as 
características desejadas. 
Esse processo de mutação e seleção demora de cinco a quinze anos e, quando finalizado, o gene 
selecionado pode estar acompanhado por outros não desejáveis. Duas variedades comerciais de 
batata (Lenape, 1960; Magnum bonum, 1990), obtidas por este método, tiveram que ser retiradas do 
mercado devido ao alto conteúdo de alcaloides, característico das plantas selvagens. 
O progresso alcançado na indução de mutações (TILLING, do inglês Targeting induced local lesions 
in genomes) e na seleção assistida por marcadores moleculares facilita a obtenção de novas variedades 
(batata Amflora, BASF). A genômica também trouxe avanços notáveis, como a identificação de 40 
genes de resistência a patógenos no tomate, que foram reunidos em um genótipo único. Contudo, em 
ambos os casos, a variação se deve a genes pertencentes à mesma espécie. 
 
ALTERAÇÃO DO NÚMERO DE CROMOSSOMOS 
 
A multiplicação do número de cromossomos (poliploidia) é um fenômeno que acontece 
espontaneamente nos vegetais, seja por não disjunção dos cromossomos ou por uma falha da 
citocinese durante a divisão celular. Ao longo do processo evolutivo, duplicações dos lotes 
cromossômicos originais (autopoliploidia) ocorreram em várias das espécies cultivadas atualmente, 
tais como a batata ou a cana-de-açúcar. 
A multiplicação dos lotes cromossômicos pode ocorrer em híbridos interespecíficos, pouco férteis 
ou estéreis, restaurando a fertilidade e gerando uma nova espécie, diferente de ambas as linhagens 
parentais. Este mecanismo (alopoliploidia) deu origem a plantas como o trigo, a colza, a aveia, o 
tabaco, o algodão, o café etc. 
A descoberta da colchicina (1935), uma substância que interfere com a formação dos fusos 
mitóticos, permitiu a criação de novas espécies poliploides. A hibridização do trigo e do centeio, 
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seguida de uma duplicação cromossômica, originou o triticale, uma planta que reúne a qualidade do 
grão do primeiro e a rusticidade do segundo. 
Outra forma de alteração do número de cromossomos é a cultura de anteras, para a obtenção de 
plantas haploides. Essa tecnologia permite identificar mutantes recessivos e obter rapidamente 
variedades diferentes por hibridização ou duplicação cromossômica. 
 
ENGENHARIA GENÉTICA 
 
À medida que a distância entre as espécies aumenta, os cruzamentos se tornam cada vez mais difíceis 
e a transferência dos genes pode exigir o uso de técnicas complexas, como a fusão de protoplastos e 
o cultivo de embriões. Quando os recursos genéticos provêm de outros organismos distantes na escala 
evolutiva (plantas, microrganismos ou animais), sua transferência só é possível por engenharia 
genética. 
Qual a diferença entre uma planta obtida por cruzamento seletivo e outra por engenharia genética? 
Na primeira, genes da mesma espécie ou de uma espécie muito próxima são introduzidos 
aleatoriamente. Na segunda, incorpora-se diretamente uma construção gênica, proveniente da 
mesma espécie (construção cisgênica) ou de uma espécie distante (construção transgênica). Trata-se 
de uma tecnologia poderosa demais para ser negligenciada. 
 
NO LABORATÓRIO 
A construção de uma planta geneticamente modificada (PGM) começa com o isolamento e 
caracterização do gene de interesse (transgene) e a construção de uma estrutura genética complexa, 
que inclui um gene promotor e um gene marcador. O primeiro possibilita a transcrição do transgene, 
determinando se este irá se expressar em todas as células ou somente em alguns tecidos. O segundo 
permite selecionar as células transformadas. 
A construção genética é transferida às células receptoras por algum dos métodos disponíveis 
(eletroporação, biolística ou uso de vetores, como o plasmídeo Ti de Agrobacterium tumefaciens). As 
células transformadas são recuperadas, procedendo-se à regeneração das plantas mediante técnicas 
de cultura in vitro. Mediante técnicas bioquímicas e/ou acompanhamento de marcadores moleculares 
(polimorfismos na molécula de DNA, repetição de sequências), constata-se a transferência gênica e 
outros aspectos que podem influir na expressão gênica, como o número de cópias e o lugar em que 
estas se integraram ao genoma. 
O trabalho laboratorial é realizado com plantas cujo genótipo favoreça a transformação e a 
regeneração da planta transformada, geralmente pouco vantajosas do ponto de vista agronômico. 
Considera-se alcançado o sucesso quando o transgene se expressa no lugar correspondente e com um 
adequado nível de atividade, restando por verificar a estabilidade da expressão gênica e o seu valor 
agronômico. 
 
AS ETAPAS POSTERIORES 
Acabada a etapa de laboratório, iniciam-se os testes controlados em casa de vegetação, para 
selecionar as plantas-mãe das quais procederão várias gerações de retrocruzamentos seletivos com 
alguma das linhagens elite, visando a obtenção de uma linhagem transgênica de alto rendimento, 
adaptada a um contexto específico. O resultado é uma variedade ou cultivar que expressa o traço 
codificado pelo transgene e apresenta um potencial de produtividade parecido ao da linhagem elite. 
Conceitualmente, a metodologia seguida depois da transformação mantém semelhança com à do 
melhoramento tradicional, mas o processo é acelerado pela utilização de técnicas de cultura in vitro e 
de marcadores moleculares na caracterização da progênie. 
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Uma vez obtida a nova variedade de PGM, dá-se início à liberação planejada no meio ambiente, que 
abrange o cultivo em experimentos protegidos e testes de campo realizados em diferente escala, até 
a nova variedade estar pronta para o seu cultivo comercial. A liberação do cultivo dependerá da 
autorização da legislação local, geralmente bastante restrita a esse respeito (Figura 13.3). 
No Brasil, esta autorização é dada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), 
definida pela Lei de Biossegurança como o órgão multidisciplinar responsável pelo controle dessa 
tecnologia no país (Lei 11.105/2005, Política de desenvolvimento da Biotecnologia; Decreto 
6.041/2007). 
 
 
A BIOSSEGURANÇA E O PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO 
 
Poucas tecnologias suscitaram tanta polêmica como a introdução das PGMs na agricultura, uma 
questão que não pode ser tratada levianamente. Além de conhecimentos e tempo, a construção de 
uma planta transgênica exige o consenso das numerosas pessoas que participam no processo e a 
aprovação da autoridade correspondente. 
 
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FIGURA 13.3. As etapas da construção de uma planta transgênica 
Duração do processo: 10 a 15 anos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Transformação 
 
 
Regeneração das plantas transformadas 
 
 
 
Caracterização molecular e bioquímica 
 
 
 
Avaliação do valor agronômico (Casa de vegetação, campo) 
 
 
 
Introgressão em uma linhagem comercial de elite 
 Linhagem-mãe Linhagem comercial de elite 
 Retrocruzamentos 
 
 
Obtenção da variedade geneticamente modificada 
 
 
 
Experimentos protegidos e testesde campo, em pequena e grande escala 
 
Autorização das autoridades locais, de acordo com a legislação vigente 
 
 
Liberação do cultivo para sua exploração comercial 
BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA 
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Ainda hoje, parte da opinião pública considera que as PGMs não deveriam ter sido introduzidas no 
ambiente, nem utilizadas para o consumo humano, até não ser demonstrada a ausência de qualquer 
risco. A exigência apoia-se no princípio de precaução, um princípio que pode ser entendido de diversas 
maneiras. 
Podemos dizer, de maneira simplista, que “havendo a possibilidade de algo ruim me acontecer na 
rua, melhor ficar em casa”, ou que “havendo a possibilidade de algo ruim me acontecer na rua, ao sair 
de casa é bom ter cuidado e prestar atenção no sinal, nos carros, nas bicicletas que circulam na 
contramão e, também, no bandido”. Note-se que a decisão de “não sair de casa” também envolve 
riscos, tais como escorregar e levar um tombo no banheiro, queimar-se ao acender o fogão ou receber 
um vírus via Internet. Não existe risco zero, toda ação apresenta riscos que devem ser analisados para 
ser posteriormente gerenciados. 
No Brasil, o cultivo de plantas transgênicas é regido pela Lei de Biossegurança, que estabelece a 
observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente. O Princípio 15 da Declaração 
do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (1992) diz o seguinte: “De 
modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos 
Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, 
a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas 
eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. 
Diferente da prevenção, que trata de riscos conhecidos, a precaução contempla riscos potenciais 
que demandam uma avaliação detalhada. Mesmo havendo incertezas ou falta de unanimidade entre 
os expertos, o princípio de precaução não justifica a falta de ações concretas para a proteção do meio 
ambiente. 
Por outro lado, o Princípio 10 da mesma declaração nos diz que: “A melhor maneira de tratar 
questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos 
interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao 
meio ambiente de que disponham autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e 
atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de 
tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, 
colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos 
judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de danos”. 
Vários pontos merecem ser destacados: admite-se a incerteza e a falta de unanimidade entre os 
expertos, afirma-se o direito de todos à informação e pede-se a participação, no nível apropriado, de 
todos os cidadãos interessados. A responsabilidade pela tomada de decisões não será exclusivamente 
de um grupo de indivíduos, sejam estes cientistas, administradores, empresários, políticos ou 
comunicadores. Terá que ser democraticamente assumida por um grupo heterogêneo que represente 
os interesses da sociedade, mesmo tendo que abrir as portas ao marketing, aos lobbies e à pressão 
dos grupos políticos, ambientalistas ou não. 
Considerado por alguns grupos de opinião como um dos alicerces do desenvolvimento sustentável 
e uma proteção contra o controle da tecnologia pelas grandes empresas, o princípio de precaução 
também é visto por outros como um obstáculo ao progresso e uma tentativa de protecionismo. 
A formalização do princípio mediante uma estrutura jurídica, como a Lei de Biossegurança, assim 
como o estabelecimento de normas, regras e procedimentos claros, é a melhor maneira de gerenciar 
o desenvolvimento tecnológico, minimizando os riscos correspondentes. 
 
 
 
 
 
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AS PGMs DE INTERESSE AGRONÔMICO 
 
As PGMs atuais apresentam traços, inseridos como transgenes, que visam modificar suas propriedades 
agronômicas e/ou melhorar suas qualidades nutricionais, industriais ou ambientais. 
Poderiam escapar dos limites do plantio e suplantar as plantas silvestres, tornando-se invasoras? 
Existe o precedente de plantas ornamentais se transformarem em pragas quando introduzidas, 
inadvertidamente, em um ambiente novo: a lantana prolifera descontroladamente na Austrália; o 
kudzu, procedente do Japão, se espalha no sul dos Estados Unidos; e o rododendro, originário da 
Península Ibérica, se multiplica na Inglaterra. 
Além da degradação ambiental devida ao desmatamento, à jardinagem ou à agricultura, para que 
o cenário se repetisse seriam necessárias várias características hereditárias, que são sistematicamente 
eliminadas como fatores indesejáveis nas plantas cultivadas: dormência da semente, plasticidade 
fenotípica, crescimento indeterminado, florescimento e produção contínua de sementes etc. 
Com o objetivo de reduzir o risco futuro de introduzir um gene que transforme uma planta normal 
em praga, a FAO (Food and Agriculture Organization) estabeleceu uma série de diretrizes, cumpridas 
em 130 países, que se aplicam também a insetos, bactérias e fungos. Nenhum dos cultivos 
biotecnológicos disponíveis no mercado mostrou-se persistente ou invasor nos testes prévios a sua 
comercialização ou no monitoramento posterior. 
Diante da necessidade de mitigar os efeitos das mudanças climáticas, espera-se que em um futuro 
próximo sejam desenvolvidas plantas mais eficientes no uso do nitrogênio e tolerantes à salinidade. A 
maior produtividade dos cultivos também é necessária para conseguir mais alimentos sem aumentar 
a área plantada e, também, porque plantas de uso industrial podem ser exportadas, gerando divisas. 
Os principais cultivos comercializados atualmente, conforme já dito, são a soja, o milho, o algodão 
e uma variedade de colza denominada canola. As propriedades agronômicas modificadas são a 
tolerância a herbicidas, a resistência a insetos, a resistência a vírus, o conteúdo e a qualidade do óleo, 
a tolerância à seca etc. 
 
A TOLERÂNCIA A HERBICIDAS 
 
A LUTA CONTRA AS ERVAS DANINHAS 
 
O crescimento das ervas daninhas no campo é prejudicial por dois motivos: competem pelos mesmos 
nutrientes e contaminam a colheita. Para eliminá-las, o agricultor pode aplicar herbicida antes do 
plantio, uma prática que demanda o revolvimento prévio do solo, acelerando a erosão. Contudo, se 
uma planta for tolerante a um herbicida de amplo espectro, bastará semeá-la diretamente e aplicar o 
herbicida depois da germinação, para eliminar as ervas daninhas. 
Os cultivos tolerantes a herbicidas facilitam o plantio direto, um sistema no qual as sementes e os 
fertilizantes são depositados em sulcos, reduzindo a erosão e a demanda de combustível. Em vários 
países, comercializam-se sementes transgênicas de soja, de milho, de algodão e de canola tolerantes 
a herbicidas. 
O herbicida não seletivo mais utilizado é o glifosato, presente em vários produtos comerciais, tais 
como Roundup®, Buccaneer®, Rodeo®, Accord® etc. Sua ação inibitória se aplica a sistemas 
enzimáticos dos vegetais, ausentes em animais e seres humanos. Considerado pouco tóxico em caso 
de exposição oral ou de inalação, o glifosato é degradado rapidamente no ambiente. 
As sementes de plantas tolerantes ao glifosato são comercializadas com onome de 
RoundupReady® (RR, Monsanto). As vendas geminadas de sementes e herbicida encerraram-se no ano 
2000, com o vencimento da patente do Roundup® e o aparecimento no mercado de outras variações 
do produto, mais econômicas para o agricultor. 
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Outro herbicida utilizado é o glufosinato, presente em outro grupo de produtos (Basta®, Liberty®, 
Ignite® etc.). As sementes tolerantes ao glufosinato são comercializadas com o nome LibertyLink por 
BayerCropScience. 
Glifosato e glufosinato não são os únicos herbicidas no mercado. Existem outras substâncias, do 
grupo das imidazolinonas, cuja tolerância tem sido transferida à soja Cultivance®, um 
empreendimento conjunto da Embrapa e da Basf. 
 
O GLIFOSATO 
 
No Brasil, o glifosato não está limitado exclusivamente à agricultura, sendo utilizado, desde 1978, em 
áreas urbanas e na manutenção de estradas e ferrovias, sem evidências de impactos no meio 
ambiente. 
Em 2015, o IARC (do inglês, International Agency on Research on Cancer), uma extensão 
semiautônoma da Organização Mundial da Saúde, reclassificou o glifosato como provável agente 
carcinogênico, no grupo 2 A. Esta categoria inclui, além do malation e da acrilamida, o chimarrão 
quente, a malária, a carne vermelha, a disrupção dos ritmos circadianos e as emissões de frituras em 
alta temperatura. 
Das quatro agências encarregadas de avaliar o glifosato, o IARC foi a única a encontrar essa 
associação. Outras agências manifestaram seu desacordo e questionaram a reclassificação. Nos 
Estados Unidos, a EPA (do inglês, Environmental Protection Agency) continua classificando o glifosato 
na categoria E, que reúne substâncias que apresentam “evidências de ausência de carcinogenicidade 
em seres humanos”. Na União Europeia, a EFSA (do inglês, European Food Safety Agency) considera 
improvável que o glifosato represente um risco para os seres humanos e não justifica sua classificação 
como agente carcinogênico potencial. 
 
A APARIÇÃO DE PLANTAS SILVESTRES RESISTENTES AO GLIFOSATO 
 
Ao diminuir a aplicação dos agroquímicos tradicionais, os cultivos biotecnológicos favorecem a 
conservação dos recursos ambientais. Sua vantagem sobre as plantas silvestres depende da presença 
de um agente seletivo como, por exemplo, um herbicida ao qual elas sejam tolerantes. Sem o 
herbicida, ou fora de seu alcance, as PGMs não têm nenhuma vantagem sobre as plantas silvestres 
nem conseguem competir com elas em ambientes naturais. 
Contudo, o fluxo gênico em sentido contrário é preocupante, porque, tornando-se tolerantes a 
herbicidas, as plantas silvestres podem competir no terreno com as plantas cultivadas e comportar-se 
como ervas daninhas. Admite-se que a aparição de resistência em pelo menos 34 espécies poderia ter 
sido causada pela transferência do gene correspondente, das plantas cultivadas às plantas silvestres. 
No Brasil, há relatos sobre resistência ao glifosato no azevém (Lolium multiflorum) e na buva (Conyza 
bonariensis e C. canadiensis). Por outro lado, algumas plantas são naturalmente resistentes ao 
glifosato como, por exemplo, a trapoeraba (Commelina benghalensis). 
A aparição de plantas resistentes ao glifosato, que é o herbicida mais utilizado no mundo, está 
sendo acompanhada com atenção. Estima-se que, depois de 10 a 20 anos de uso intenso, seja 
inevitável o aparecimento de plantas silvestres tolerantes. Contudo, o agricultor pode retardar a 
aparição dessa tolerância, mediante algumas ações preventivas: rotar as culturas, evitar o uso repetido 
do mesmo herbicida, aplicar as doses adequadas em condições meteorológicas propícias, acrescentar 
outras modalidades de controle etc. 
 
 
 
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A RESISTÊNCIA A INSETOS 
 
A TRANSFERÊNCIA DA TOXINA Bt ÀS PLANTAS 
 
Os insetos causam quebras de safra, estimadas em 20 a 40% da produção agrícola. Contudo, o combate 
mediante o uso de agrotóxicos tem causado problemas no ambiente e na saúde humana, sendo, 
portanto, necessário encontrar métodos alternativos de luta. 
Há mais de 50 anos que os agricultores convencionais e orgânicos utilizam um inseticida biológico 
para proteger suas colheitas. Trata-se da toxina produzida por um microrganismo do solo, o Bacillus 
thuringiensis, inócua para o ser humano e fatal para os insetos. Uma vez ingerida pelas lagartas, a 
toxina age no sistema digestório, matando-as em poucos dias. O produto comercial é vendido com os 
nomes de Dipel®, Thuricida® ou Vectobac®. 
Uma vez transferido o gene codificador da toxina do Bacillus thuringiensis às plantas, estas passam 
a produzi-la diretamente. Existem diversas versões do gene Cry que codificam toxinas muito 
específicas, efetivas em diferentes ordens de insetos. Algumas variedades (YieldGard®, Agrisure®) 
diferem pela posição do transgene, o que caracteriza eventos diferentes e permite a comercialização 
com nomes diferentes, como algodão Bollgard® e milho Yieldgard®, da Monsanto, ou milho Agrisure®, 
da Syngenta. 
As plantas Bt demandam menos pesticidas e reduzem as emissões de carbono, ao diminuir o uso 
de combustível. Outra das vantagens das variedades Bt sobre as variedades convencionais está na 
menor quantidade de micotoxinas (aflatoxina e fumonisina) perigosas para a saúde humana, em 
função da menor contaminação por fungos dos ferimentos causados pelos insetos. 
 
AS PRÁTICAS AGRONÔMICAS 
 
Todo inseticida age como agente seletivo, sendo inevitável a aparição de insetos resistentes. A fim de 
evitar ou retardar a aparição de larvas resistentes à toxina do Bacillus thuringiensis, uma possibilidade 
é utilizar variedades Bt que produzam uma quantidade de toxina maior que a dose aplicada 
habitualmente como inseticida. 
Outra possibilidade mais sutil é o plantio de variedades convencionais (não Bt) em espaços 
predeterminados onde os insetos não entram em contato com a toxina. Em vez de tentar eliminar o 
inseto, diminui-se a infestação mediante uma pressão seletiva mais frouxa, que mantém a 
sensibilidade ao inseticida em uma proporção considerável da população. Hoje, a manutenção de 
refúgios nas lavouras de plantas Bt (algodão, milho) é uma prática bem estabelecida para o controle 
de insetos. 
O gerenciamento dos riscos envolve algumas medidas complementares que visam amortecer o 
impacto eventual do fluxo gênico a outros cultivos. Um gene que confere tolerância a um herbicida 
não será vantajoso em ausência do mesmo. Mas o que ocorreria se esse gene conferisse algum valor 
adaptativo, tal como a produção de um inseticida? 
O risco de polinização cruzada depende da espécie, sendo mais fácil de acontecer no milho, em que 
o pólen se dispersa levado pelo vento, do que na soja ou no trigo, plantas com autofecundação. A 
presença de espaços ou corredores de isolamento evita a disseminação de pólen transgênico para as 
variedades silvestres e, também, para as convencionais semeadas nos campos vizinhos, evitando 
prejuízos significativos para o agricultor que as comercializa. 
O tamanho dos espaços ou corredores de isolamento depende das características reprodutivas da 
espécie em questão e de fatores ambientais, como o vento. No caso do milho, por exemplo, estima-se 
que o risco de polinização cruzada entre os cultivos diminui, de 1% a zero, quando a distância entre 
ambos aumenta de 100 a 1.000 pés.

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