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Remunerações dos dirigentes 2014

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Como se explicam as altas remunerações dos dirigentes de empresas?
A história começa nos USA nos anos 70. Desde então, os salários dos operários e dos empregados têm baixado em termos relativos ou mesmo em termos reais. O crescimento da riqueza nacional foi para os mais ricos cujas remunerações explodiram. Este fenómeno criou desigualdades enormes. Em 2011, o salário médio anual de um patrão americano do S&P 500 representava 389 vezes o salário médio americano contra 42 vezes em 1980. Em França, a renumeração média dos dirigentes das 120 maiores empresas é de 123 vezes o salário mínimo. Em Portugal, em 2012, os presidentes das 20 empresas cotadas no PSI-20 ganharam, em média, 44 vezes mais do que os seus trabalhadores. Em 2010, esse diferencial tinha sido de 37 vezes.
Quadro 1: Remunerações dos dirigentes europeus em 2010 – França base 100
	Países escandinavos
	40
	Irlanda
	86
	Bélgica
	86
	França
	100
	Alemanha
	125
	Espanha
	125
	Itália
	143
	Reino-Unido
	200
As remunerações de vários tipos – salários, prémios de saída, reformas, benefícios não-pecuniários, etc. – de que beneficiam os dirigentes das grandes empresas podem ser justificadas racionalmente? A teoria económica dominante apresenta várias tentativas de explicação e conclui: dirigentes bem pagos são mais eficientes, o que acaba por beneficiar toda a sociedade através de um mecanismo de trickle down, de efeitos em cascata. Isto justifica assim que recebam uma remuneração muito elevada. Esta tese está hoje posta em causa e várias abordagens sublinham os efeitos perniciosos destas remunerações consideradas excessivas.
1. A explicação pela produtividade
A abordagem tradicional explica que a remuneração do trabalho é função do contributo produtivo: quanto mais elevado o contributo, mais elevada a remuneração que se pode exigir. Na teoria dominante – a abordagem neoclássica – este princípio baseia-se na produtividade marginal do trabalhador. Por exemplo, o conjunto dos trabalhadores de uma cadeia de produção gera um determinado valor acrescentado. Se a empresa decide aumentar o número de trabalhadores, o último trabalhador empregue receberá um salário igual ao incremento de valor que o seu trabalho gerou; pois, pagar mais representaria uma perda para a empresa. E como não há razão nenhuma para que os outros trabalhadores, estando a realizar o mesmo trabalho, recebam salários diferentes, todos serão remunerados em função da produtividade marginal do último trabalhador recrutado.
Se as condições de trabalho permitirem medir directamente a produtividade de cada um – caso no salário à peça, número de itens vendidos ou produzidos – seria racional individualizar os salários em função da medida da produtividade individual. Este é um princípio geral, válido tanto para os dirigentes como para os trabalhadores de base. Mas como determinar a produtividade (individual) de cada dirigente, se a eficiência do seu trabalho resulta em grande parte de decisões colectivas, do desempenho dos seus subordinados, da organização e do clima social da empresa, do mercado em que vende os seus produtos e de muitos outros factores? Qual é a produtividade de Bill Gates ou de Belmiro de Azevedo?
Como não se pode medir essa produtividade, procura-se um indicador de resultado: a quota de mercado, a taxa de crescimento do volume de negócios, ou, mais frequentemente, o nível e a progressão dos lucros. Mas o problema permanece: como identificar a responsabilidade de cada trabalhador da empresa? Se foi um novo produto que aumentou os lucros, a quem atribuir os respectivos benefícios: aos engenheiros que desenvolveram o produto, aos comerciais que o souberam vender, aos operários que o produziram com qualidade ou ao dirigente que correu o risco de o lançar?
2. A explicação pelo mercado
Em vez de explicar a remuneração por uma função de produção que atribui a cada um o valor do que produziu, os economistas “austríacos” – seguidores da tradição ultraliberal de Friedrich Hayek – invocam o mercado: os seus mecanismos asseguram que, no longo prazo e através de mecanismos de tentativa-erro, cada indivíduo recebe o que lhe é devido. Não é necessário nem a justiça social, nem regras morais para que tal aconteça; basta deixar atuar o mercado. No que diz respeito aos dirigentes, se a reputação de algum faz subir o seu salário no mercado dos dirigentes mas se, na realidade, o sucesso que obteve se deveu ao acaso ou ao trabalho de outras pessoas, o mercado rapidamente se aperceberá do facto e o seu salário descerá para o seu “justo” nível. 
O modelo da “economia de superstar” encaixa-se nesta explicação. Este modelo supõe que as empresas competem ferozmente entre elas para atrair as competências raras, querendo as grandes empresas empregar os melhores dirigentes. Uma diferença de talento mínima – quando medida pela contribuição ao valor acrescentado da empresa – pode então traduzir-se numa diferença de salário gigantesca. Assim, segundo estes autores, a diferença de performance entre o dirigente da 1ª das maiores empresas e o da 250ª seria de … 0,016%: uma disparidade microscópica. Mas, simultaneamente, a diferença de salário é de 500%.
Segundo estes economistas, limitar o salário dos dirigentes levaria a uma fuga dos bons dirigentes para os países em que não existe tal restrição. Mas este argumento supõe que existe realmente um mercado internacional dos dirigentes, o que não é nada óbvio. A sua mobilidade é muito limitada (devido nomeadamente a fatores culturais) e a sua reputação depende de factores muito diversos (universidade de origem – Harvard, MIT; empresas por onde passou, etc.). Mas, sobretudo, a sua remuneração vai ser fixada por pares, os quais não tem interesse nenhum em fazer descer os salários, já que isso os poderá afectar mais tarde (porque a comunidade dos dirigentes é pequena). 
Constata-se que a morte de um dirigente provoca uma diminuição imediata do valor das acções da empresa mas que após três dias, as acções voltam ao seu valor inicial. Parece então que a personalidade do dirigente só tinha um papel menor no sucesso da empresa. Por outro lado, não há uma correlação estrita entre a performance da empresa e a remuneração dos seus dirigentes. De igual modo, não há nenhuma relação com o estado da economia: em 2010, em França, os salários dos operários e dos empregados baixou, os salários dos quadros estagnou, mas as remunerações dos dirigentes das empresas do CAC 40 aumentaram 34%.
3. A teoria da agência
Nos anos 70-80, desenvolveu-se uma teoria alternativa, designada teoria da agência. A questão de partida era: Como evitar que os dirigentes aproveitem o seu poder na empresa para prosseguir os seus interesses pessoais em vez de prosseguir o interesse da empresa e dos accionistas? E a resposta foi: fazendo depender a sua remuneração dos resultados financeiros da empresa ou da cotação das acções na Bolsa. Assim, os dirigentes, ao maximizar a sua utilidade, tambem maximizarão os lucros da empresa.
Mas as stock-options (opções sobre acções geradoras de mais-valia se a cotação subir) levaram muitos dirigentes a falsificar os balanços, a correr riscos excessivos, a reestruturar a empresa recorrendo ao máximo à subcontratação, etc. Um director-geral oportunista pode ganhar muito dinheiro ao tomar decisões que são favoráveis ao seu enriquecimento pessoal a curto prazo, mas que são desastrosas para a empresa a médio prazo. Resultado: a teoria da agência e a prioridade absoluta dada ao rendimento financeiro podem dar origem a efeitos altamente perversos. E constatou-se igualmente que a procura de ganhos privados sempre mais elevados pode ter como contrapartida custos socias e colectivos enormes, como mostra a crise actual. 
5. Abordagens alternativas: a performance através da coesão social
Apareceram então novas abordagens, macroeconómicas e não microeconómicas, que reabilitam a noção de justiça social e argumentam que a justiça social é necessária para que a economia seja globalmente mais eficiente. A eficiênciaassentaria já não na selecção dos “melhores” mas no apoio aos mais fracos. 
A mais célebre destas abordagens é a de John Rawls cujo princípio, designado de “princípio da diferença”, defende que uma sociedade deve promover a distribuição igual da riqueza, excepto se a existência de desigualdades económicas e sociais gerar o maior benefício para os menos favorecidos. Ou seja, as desigualdades sociais e económicas são aceitáveis se beneficiarem os membros mais desfavorecidos da sociedade. Em todos os casos, a solução que deve ser escolhida é a que favorece os mais desfavorecidos. Ora, este princípio da diferença foi aproveitado pelos defensores do trickle down para justificar qualquer aumento das desigualdades: a existência de desigualdades incita a tomada de risco, o trabalho árduo e, portanto, é fonte de crescimento económico, o qual favorece os mais pobres. 
É contra esta interpretação perversa da teoria de Rawls que se insurgiu Amartya Sen (Prémio Nobel de Economia de 1998). Para Sen, qualquer passo na direção da justiça social é um avanço, mesmo que isso se traduza por menos vantagens para os mais favorecidos. Denunciando um tabu ao qual ninguem tinha ousado tocar (formulado por Pareto: o óptimo social é atingido quando ninguém pode melhorar a sua situação sem piorar a situação de outrém), Sen ousa dizer que o rei vai nu. Porque, em nome desse princípio, condena-se pessoas a permanecer na miséria e na exclusão. Pelo contrário, diz Sen, vale a pena tirar aos ricos, que já têm tudo, para dar aos pobres, que não têm nada. 
Até onde se pode ir na promoção da justiça social? Todo o problema está aí. O que está em causa é saber se a coesão social é mais importante que a eficiência económica; ou se eficiência económica e justiça social são afinal compatíveis. Uma sociedade que dê a cada pessoa os meios para transpor os obstáculos que encontra torna-se mais performante. Não são só os dirigentes que influenciam o dinamismo de uma sociedade, mas o conjunto da sua população, incluindo os que pertencem às camadas sociais mais baixas. Ora, a desigualdade pode desmotivar a grande maioria dos trabalhadores, prejudicando a eficiência económica.
Muitas vozes reclamam hoje que o estado intervenha para limitar o salário dos patrões, porque o mercado levou a disparidades remuneratórias injustificáveis no plano económico e social. No início do século XX, J. P. Morgan recomendava uma diferença salarial de 1 a 20 mas em 2011 essa diferença atinge 1 a 210 em França e 1 a 230 nos USA. E as remunerações continuam por vezes a aumentar, mesmo quando a performance das empresas diminui. Aliás, as remunerações extravagantes dos dirigentes estão a ser criticadas pelos próprios acionistas, que, nos USA e em Grande-Bretanha, pressionam os dirigentes a diminuir o seu salário. 
Adaptado de Clerc, Denis (2010): “Les mauvaises justifications du toujours plus”, Alternatives Économiques, nº 291; Pech, Thierry (2011) : “Comment la finance fait exploser les inégalités”, nº 303; Mousli, Marc (2013): “Revenus des grands patrons: la derive continue”, nº 322.
Questões:
Quais são os termos do problema?
Quais são as críticas à produtividade marginal do trabalho?
Resumam a explicação pelos mercados. Acham a explicação convincente? 
E a teoria da agência? 
Quais são os argumentos a favor da promoção da justiça social? 
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