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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DO BRASIL ________________________________________________EMILIA VIOTTI DA COSTA A autora começa o texto atacando a historiografia tradicional, da avalanche de fatos e ações individuais, e defendendo a historiografia de Caio Prado Jr., baseada em “procurar na contradição interna do processo histórico brasileiro a explicação para o movimento da Independência”. Também: “Os indivíduos, os fatos episódicos, as circunstâncias, as opiniões dos contemporâneos devem ser vistas a partir das determinações gerais que lhes conferem significado”. A historiadora defende que o sistemas colonial associado ao mercantilismo “entrou em crise quando o capital industrial se tornou preponderante(...)” e ocorreu a ascensão da burguesia. Seria a superação do capitalismo orientado para fortalecer o Estado Absolutista pelo capitalismo orientado pelas possibilidades de mercado, para o qual o Estado era meramente um instrumento. Costa observa que a cada vez mais popular crítica liberal de Adam Smith “atingia os monopólios, os privilégios e a escravidão(...)”, bases do colonialismo. A historiadora aproveita para lembrar as numerosas críticas aos monopólios que foram feitas no Brasil colonial, e frisa que a ocupação do Brasil, a pirataria e o contrabando feito pelos não-portugueses expressam a luta contra os monopólios. A partir do final do século XVIII, o crescente contrabando demonstra a luta dos colonos contra os monopólios. “O enriquecimento e o aumento das populações coloniais (...)e (...) a ampliação do mercado europeu (...)” colaboraram com a alta rejeição aos monopólios – “Rompia-se (...) a comunhão de interesses existente entre o produtor colonial, o comerciante e a Coroa”, aliança chave para a manutenção do pacto colonial. A chegada de D. João VI ao Brasil trouxe medidas liberalizantes, como “desproibição” de manufaturas e abertura dos portos às nações estrangeiras. Porém, segundo Costa, tal liberalismo seria uma confusão da tentativa de proteger os interesses portugueses e da Coroa. Tal tentativa fica clara quando observadas medidas, especialmente pós-1810, que privilegiavam explicitamente portugueses. A autora também mostra o conflito de D. João entre liberalizar a economia (pressão inglesa) e manter o aparato mercantilista (pressão portuguesa). Tal conflito explica as contradições de sua política econômica. É vista também a base ideológica da Independência: os ideais liberais, o “pensamento ilustrado”, “as idéias francesas” (incluindo aí até um certo nacionalismo), que ganharam destaque após a Revolução Francesa. Também tangencia-se o assunto das sociedades secretas no movimentos revolucionários, com destaque para as lojas maçônicas, que, no Brasil, não eram anti-clericais, tendo padres como membros. Mas tais ideais que deram base à Independência tiveram seus limites: na Europa, o liberalismo foi útil a uma burguesia que se via atrapalhada pelo Estado (especialmente Rei e Igreja), enquanto no Brasil a tal burguesia pouco expressiva e dependente da elite agrária ou do Estado. A autora mostra, ao falar da elite agrária, como “(...) a escravidão constituía o limite do liberalismo no Brasil”, e como a maioria dos movimentos revolucionários era a favor da “respeito à propriedade privada dos fazendeiros”, ou seja, da manutenção da escravidão.Outro limite desses ideais foi a recusa ao anticlericalismo. Visto desse jeito, o liberalismo brasileiro foi uma ideologia utilizada para acabar com o Pacto Colonial, “e só”. “É menos antimonárquico do que anticolonial, menos nacionalista do que antimetropolitano (...)”. O nacionalismo também não encontraria terreno tão fértil no Brasil, visto que a economia voltada para o exterior deixava as regiões mais ligadas com a Europa do que conectadas e dependentes entre si. Basta ver o caráter local de todos os movimentos revolucionários anteriores à Independência. Outro limite dos ideais era o povo. Em alguns estados, negros e escravos eram maioria, e a elite letrada tinha um verdadeiro medo dessa massa, e medo de que eles não entendessem “a ideologia francesa”; ou melhor, como diz Costa, eles “(...) temiam é que ela fosse compreendida pelas massas”. Tal medo era até justificável, visto que “a canalha” compreendia a revolução como oportunidade para subverter a ordem. Não era possível falar verdadeiramente em liberdade e direitos do homem sem acabar com a escravidão, algo que estava praticamente fora do alcance dos movimentos revolucionários. Comentando sobre os preconceito racial na época, a historiadora aproveita para dizer que a luta que parecia racial no Brasil era na verdade uma luta de classes. Para resumir: a permanência da estrutura colonial de produção baseada no braço escravo, organizada em função do mercado externo e a inexistência de uma classe revolucionária limitavam a consciência e a prática revolucionária. Estrangeiros percebiam como a notável população rural não encarava o processo revolucionário de um ponto de vista ideológico, meramente seguindo a adesão ou não do chefe local. Até mesmo a própria Independência tinha seus limites no Brasil. Textos de 1822 falavam da Independência como uma simples autonomia administrativa, com a manutenção da união das Coroas. Costa frisa também a diferença dos liberalismos “brasileiro” e “português”: o brasileiro era liberal enquanto a favor do livre comércio; o português, era contra o absolutismo, tendo “como objetivo anular as medidas liberais concedidas pelo “rei absoluto” ao Reino Brasil”. Segundo a autora, os portugueses viam como causa única da crise as medidas de D. João VI, e não conseguiam enxergar como a verdadeira causa “a debilidade da economia portuguesa, sua tradicional subordinação à economia britânica, agravada pelo desenvolvimento industrial, que Portugal não acompanhou”. Foi quando a Revolução Constitucionalista do Porto começou a revogar as medidas do rei que os representantes brasileiros nas Cortes, outrora partidários de tal movimento, começaram a entrar em maior conflito com os portugueses. Não só os representantes, como os próprios brasileiros residentes na pátria-mãe mostraram seu descontentamento, e a idéia de Independência ficava mais concreta. A Independência foi feita, e dentro dos tais limites: manutenção da escravidão, eleições indiretas e sistema político que excluía a massa de direitos. Em 1824, ainda foi acrescentada a cláusula do voto censitário. Resumindo: “Realizar a independência com um mínimo de alterações possíveis na economia e na sociedade era o desejo de seus componentes, representantes da melhor sociedade da época”. Tais componentes estavam bem colocados na ordem vigente pré-Independência, ocupando altos cargos na administração e no governo e possuindo títulos de nobreza. O resultado foi, na Constituição: “Afirmava-se a liberdade e a igualdade de todos perante a lei, mas a maioria da população permanecia escrava”.
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